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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

2022 - o Rato que não roe

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3852 Data: 20 de setembro de 2011

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APELIDOS

Se alguém não gostar do tema desta edição do Biscoito Molhado, aviso logo: a culpa é do Ratinho.

- Quem é o Ratinho?- indagarão leitores que não o conhecem.

Bem, há quem diga que ele é uma mescla do Mickey com o Topo Giggio. Não sei...

Os apelidos merecem um livro, eu, que sou pouco pretensioso, tentarei uma crônica.

Não há necessidade de uma observação profunda para se concluir que os apelidos surgem da criatividade do povo. Na música brasileira, por exemplo, isso é demonstrado facilmente. No cancioneiro popular, houve o Cartola, o Jamelão, o Zé da Velha, o Pixinguinha e outros. O apelido do Pixinguinha já foi explicado até em letra de escola de samba: contraiu varíola, quando menino, que também era chamada de bexiga. A avó dele, que nunca frequentou um consultório de uma fonoaudióloga, em vez de Bexinguinha, chamava o neto de Pixinguinha. Há outras versões, mas esperamos que o revisor se controle e não insira nenhuma nesse texto.

E o Zé da Velha?

Confesso que imaginei o pior, quando ouvi esse apelido pela primeira vez. Depois, soube a razão do mesmo. Ele, quando jovem, tirava um som tão aveludado do trombone, além de contracantos admiráveis, que Pixinguinha o convocou muitas vezes para tocar com a velha guarda. Veio, então, o apelido: Zé da Velha.

Até hoje, desconheço o nome do Jamelão e não tenho curiosidade de sabê-lo, de tal maneira o apelido se ajustou à pessoa. Quanto ao Cartola, seu nome é Angenor de Oliveira, mas o apelido nos parece perfeito, se considerarmos essa peça da indumentária como símbolo da aristocracia. Ele foi um lavador de automóveis, que criou os mais elevados versos, ao tomar conhecimento da vida de prostituta da filha, no clássico “A vida é um moinho”. Apenas quem seja um verdadeiro nobre possui tal qualidade.

E os apelidos na denominada música erudita?... Confesso que não me ocorre nenhum. Meu pai me contava que Villa Lobos, ao ensaiar mil estudantes para as representações musicais do Estado Novo, no estádio do Vasco da Gama, reagia com irritação, quando alguém desafinava. Era, por isso, chamado de Vira Lobo à boca pequena. Mas o “Vira Lobo” não passou de uma maledicência, não chegando a se firmar, apesar da semelhança de som.

Vivaldi tinha os cabelos ruivos, algumas pessoas o chamaram de Padre Vermelho, mas se dissermos que “As Quatro Estações” são do Padre Vermelho, pouca gente identificará Vivaldi, por não saber que ele também vestiu a batina. Na época da ditadura, não seria surpresa se o DOPS saísse em busca do Vivaldi para prendê-lo.

Como falamos de padre, continuemos com ele, mas saltando das notas musicais para as palavras. Para quem pretende estudar os fatos ocorridos no Brasil, no corte temporal que vai de 1808 a 1821, é leitura de obrigação as Memórias para servir à história do reino do Brasil (1825), do Padre Perereca.

- Por que Padre Perereca?... Ele era muito magricela? - perguntarão alguns leitores do Biscoito Molhado.

Bem, a alcunha adveio do fato de ele saltitar e arregalar os olhos esbugalhadamente nos seus sermões. Chamava-se, de acordo com sua certidão de nascimento, de 1767, Luís Gonçalves dos Santos. Viveu até 1844. Também escreveu outros livros de grande valor histórico e colaborou, em 1821, no “Revérbero”, uma espécie de Biscoito Molhado da época, que trocava, porém, o estilo humorístico pela abordagem iracunda.

Não, não... Frei Caneca, que participou da Confederação do Equador, não era um cognome, e sim um sobrenome. Faz-se necessário assinalar isto antes que alguém o considere uma personalidade histórica, dado a libações alcoólicas. Chamava-se Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, para desespero dos estudantes, que têm de decorar seu nome para as provas de História do Brasil. Fazendo Justiça a tão encompridado nome, trouxe ao prelo, em 1823, um livro que intitulou: Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e dos deveres de cada cidadão para com a mesma pátria. Acredito que tal obra só exista na biblioteca do José Mindlin.

Passo agora a uma figura que não redigiu nada. Pelo contrário, matou os redatores e entrou na história com um apelido luminoso: Lampião. Na pia batismal, chamaram-no de Virgulino Ferreira da Silva. Com esse nome, imagino que aceitou de bom grado a identificação de Lampião.

Segundo os historiadores, nos confrontos entre seu bando e os policiais, ele se gabava de que sua espingarda nunca deixava de ter clarão, daí o apelido, que ofuscou quase inteiramente Virgulino Ferreira da Silva.

Como os cognomes brotam, praticamente, no meio popular, e neles se solidificam, é no futebol, sem a menor dúvida, onde quase todo mundo é apelidado.

Édson Arantes do Nascimento apareceu, na puberdade, no Santos Futebol Clube, e logo o chamaram de Gasolina. Quando souberam que o nome Pelé já estava firmado na família e soava bem aos ouvidos, além de sua originalidade, ficou “Pelé”, para o mundo todo conhecer. Aliás, essa originalidade foi tão marcante, que me recordo, na escola primária de Del Castilho, quando ele despontou, na Copa do Mundo de 1958, a discussão da garotada na sala de aulas.

-É Telê... Ele se chama Telê.

-Que Telê?!... Esse é do Fluminense. - retrucavam os mais espertos.

Antes de Pelé, houve um jogador que, para os mais velhos, possuiu um talento comparável ao dele: Leônidas da Silva. Era conhecido como o Diamante Negro, um apodo. Dia desses, numa viagem a serviço, referi-me à origem do nome do chocolate Diamante Negro, e ouvi de um colega sua perplexidade. Ele não sabia que o prestígio do jogador chegara a tanto. Sim, chegou, e Leônidas da Silva contribuiu muito para a popularidade de um clube de origem aristocrática, chamado Flamengo.

Creio que foi Jânio Quadros quem disse que a intimidade gera aborrecimentos e filhos. E eu acrescentaria - apelidos. Nas ruas em que morei, nos locais onde exerci meu trabalho, houve toda espécie de apelidos, uns se reportavam a animais (Zé Galinha), outros a vegetais (Caiana), a moradias (Chaminé), a guloseimas (Pirulito), etc. Ainda assim, sou surpreendido por esses pseudônimos.

Há menos de dez dias, deparei-me com um e-mail repassado pelo Dieckmann em que ele, como distribuidor deste periódico, foi destratado por um tal de Gustavo dos Santos. Apesar de o Dieckmann ser conhecido como Troglodieck, pelo uso costumeiro da borduna, saí em sua defesa.

E eis que sou sacudido pela surpresa: Gustavo dos Santos é nada mais, nada menos, do que o Ratinho, aquele que cobriu os dez anos do atentado às torres gêmeas, em Nova York, pelo Biscoito Molhado. Como poderia imaginar que o Ratinho fosse o Gustavo dos Santos, um nome tão católico?

Bem, nessa briga do Dieckmann com Mickey, Topo Giggio, Ratinho ou qualquer outro roedor, não me intrometo.

E, por isso, encerro por aqui.

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