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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4127 Data: 09 de fevereiro de 2013
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80ª VISITA À MINHA CASA
Un bel di vedremo...
-Puccini?!...
-Meu nome é tão extenso quanto os da
nobreza, eu até me esqueci dele todo. - demonstrou modéstia.
-Giacomo Puccini, você descobriu que
nasceu para compor óperas quando assistiu a uma representação da Aída de Verdi em Pisa?
-Foi como uma epifania... Eu tinha
dezessete anos de idade e, com meu irmão Michele, caminhamos trinta quilômetros
até o teatro de Pisa.
-Não foi um footing, como muitos
atletas praticam hoje?...
-Foi falta de dinheiro, mesmo. -
confessou com um sorriso na comissura dos lábios.
-O que eu conheço da sua biografia, eu
aprendi na Rádio MEC, a escola que eu acompanho dos treze anos de idade até
hoje, ou por publicações. Sei, por isso, que você pertencia a uma dinastia de
músicos.
-Essa dinastia, toda estabelecida na
cidade de Lucca, remonta ao início do século XVIII. Meu tataravô, que também se
chamava Giacomo, foi mestre de capela da Catedrale di San Martino.
Sucedeu-o seu filho, Antonio Puccini, meu bisavô; depois, Domenico, meu avô; em
seguida, Michele, meu pai. Minha família ocupou o cargo de mestre de capela da Catedrale
di San Martino por 124 anos ininterruptos.
-Você nasceu, então, com o destino
traçado: ser mestre de capela.
-Quando meu pai faleceu, eu tinha apenas
seis anos; com essa idade, nem Mozart teria condições de ocupar esse cargo. Mas
não me afastei da Catedrale di San Martino, integrei o coro infantil e,
mais tarde, substituí o organista.
-Então, a criançada que participa do
primeiro ato da Tosca, na Igreja de Sant' Angelo, na Tosca, foi uma
alusão à sua infância?
-Sim.
-E a sua educação musical?
-Recebi noções gerais de música no
seminário de San Michele e no seminário da catedral. Nessa época, meu tio
Fortunato Magi supervisionou meu aprendizado. Obtive meu diploma da Escola de
Música de Paccini, com vinte anos de idade, mais ou menos.
-Tudo
isso na cidade de Lucca?
-Sim; estudava, então, com o Tio Fortunato.
Eu fiquei por um bom tempo preso às raízes. Porém, uma doação da rainha da
Itália e o auxílio de outro tio me permitiram o prosseguimento dos estudos no
Conservatório de Milão.
-Em Milão se encontravam os maiores
mestres da Itália. - intervim.
-Estive no Conservatório por três anos,
onde estudei composição com Amilcare Ponchielli, Antonio Bazzini e Stefano
Ronchetti-Monteviti.
-Ponchielli não se enquadrava na frase
de Bernard Shaw, “quem sabe faz, quem não sabe ensina”; pois ele compôs uma grande
ópera, La Gioconda.
Depois de concordar comigo, foi adiante.
-Com a bagagem que obtive, até então,
compus uma Missa, que era uma espécie de obrigação minha pela duradoura ligação
da minha família com a igreja, mas já sentia que não estava predestinada à música
sacra.
-Para a tese final de composição do
Conservatório de Milão, você compôs o Capriccio Sinfonica, que
impressionou sobremaneira seus professores.
-O meu Capriccio agradou a muitos, recebeu elogios em
algumas publicações milaneses e obtive a reputação de um jovem promissor no
mundo da música.
-Estava aberto o seu caminho como
compositor de óperas?
-Discuti o assunto com Ponchielli, que
me incentivou muito. Apresentaram-me, então, a um jovem libretista de nome
Ferdinando Fontana. Compus, sobre o libreto dele, a ópera Le Villi, que
participou de uma competição, mas não ganhou.
-A mesma competição que Pietro Mascagni
participou, poucos anos após, com a Cavalleria Rusticana, venceu, mas depois
não obteve sucesso maior, mesmo tendo composto óperas por mais cinquenta anos?
-Esse mesmo; eu tinha vinte e cinco
anos, quando competi, e o meu colega
Mascagni, também.
-Depois, veio a ópera Edgar com o
mesmo Ferdinando Fontana como libretista.
-Um fracasso!... Edgar quase
custou a minha carreira.
-Sugeriram a Ricordi que não editasse
minhas óperas, mas ele confiou em mim, e bancou a minha próxima ópera com o seu
próprio dinheiro.
-Você tinha de acertar dessa vez. -
dramatizei.
-Para isso, afastei o Fontana. Giulio
Ricordi me sugeriu o Ruggiero Leoncavallo que comporia o estrondoso sucesso, Os
Palhaços, libreto e música. Ele, porém, não me agradou como letrista.
Apareceram quatro, levei-os à loucura com as minhas exigências e as mudanças
que eu mesmo fazia na estrutura da ópera, no fim, entendi-me com dois desses
libretistas, Luigi Illica e Giuseppe Giacosa.
-E a sua terceira ópera, Manon
Lescaut conseguiu um sucesso extraordinário.
-Tornei-me o líder operístico da minha
geração.
-É uma ópera que nunca me canso de
ouvir, não me satura. - afirmei.
-Com o regalo financeiro, eu, que
passava meu tempo em Torre del Lago, a vinte e quatro quilômetros de Lucca,
aluguei uma casa lá, trabalhando na minha quarta ópera e espairecendo com as
caçadas.
-De mulheres?...
Sorriu com a minha indiscrição.
-Eu me envolvi com uma mulher casada,
Elvira Gemignani, depois casamos.
-Voltando
à sua quarta ópera, La
Boheme , é uma das mais encenadas da história da música
lírica. - enalteci.
-Trabalhei três anos nela.
-Nessa ópera, não há como negar que você
retratou a sua própria pobreza, o tempo em que tinha de andar trinta
quilômetros para assistir a Aída, no poeta, no pintor, no filósofo e no
músico.
Puccini confirmou com um sorriso e um
gesto de cabeça, e eu continuei:
-Até Bernard Shaw, temido pela sua
crítica ácida, da qual não escapou nem o consagrado Fausto de Gounod,
derreteu-se em elogios diante de La
Boheme.
-Arturo Toscanini, meu grande amigo,
regeu a sua estreia em Turim, em 1896.
-A ópera seguinte foi Tosca.
-Eu assisti a uma peça de teatro de
Victorien Sardou, com Sara Bernhardt, em 1889, chamada Tosca. Eu via a peça e a
música vinha à minha cabeça. Isso em 1899, no ano seguinte, a ópera era
encenada.
-Tosca foi a sua primeira incursão no
“verismo”, a representação das muitas facetas da vida real, incluindo a
violência, como a tortura de Mario Cavaradossi. - tagarelei.
-Eu trabalhava duro, mas queria também
viver. Eu era apaixonado por carros. Fui um homem do meu tempo; personagens de
Proust se queixavam dos carros substituindo as carruagens, eu não.
Abruptamente, volatizou-se, dizendo que
retornaria logo, enquanto eu gritava, quase histérico, que ainda faltavam
muitas óperas para ele falar,