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quinta-feira, 31 de julho de 2014

2663 - Misael Chopin Rodrigues




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4913                                 Data:  28 de  julho de 2014
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UM PIANO AO LEVANTAR DA MANHÃ
PARTE I

No dia 27 de julho de 1938, Pernalonga fez a sua estreia no mundo do desenho animado, como coadjuvante do Gaguinho, no filme “Porky's Hare Hunt”, mas o Homem-Calendário não se encontrava no Rádio Memória para informar aos ouvintes desse evento e comentar a ascensão do coelho que, pouco depois, se tornaria protagonista.
-Por causa de uma forte gripe, Sérgio Fortes não estará hoje conosco. - informou o Jonas Vieira.
 Ausência lastimável porque a convidada do programa era a notável pianista Sônia Maria Vieira, cujas gravações são tocadas, até então, exclusivamente na Rádio MEC, emissora onde o Sérgio Fortes repercute as apresentações da Orquestra Sinfônica Brasileira.
A identidade do convidado, no início do programa era um segredo, mas, com Simon Khoury por perto, todos os segredos se tornam de polichinelo.
-Sonia Maria Vieira. - revelou o nome antes do titular do programa.
Restou ao Jonas Vieira anunciar que abririam musicalmente o programa com uma polca.
Bésinha era a polka que a pianista afirmou ser uma das suas favoritas. E acrescentou:
-A homenageada era noiva, depois esposa, do Misael Domingues, chamava-se Isabel. Segundo Guerra Peixe, essa polca é a precursora do frevo instrumental.
Jonas Vieira expressou a sua curiosidade sobre a origem de tão expressivo compositor e a pianista respondeu que Misael Rodrigues era alagoano, que estivera no Rio de Janeiro onde se formou em Engenharia no Largo de São Francisco, retornando, depois, para o nordeste passando parte da sua vida em alguns estados dessa região, principalmente, Pernambuco.
-Em que período viveu? - foi a outra pergunta dele.
-Viveu de 1857 a 1932.
-Foi contemporâneo do Nazareth.
-E da Chiquinha também. - acrescentou ela.
E prosseguiu a Sônia Maria Vieira:
-As peças do Misael Rodrigues eram editadas na Europa, na Alemanha, principalmente.
Cabe aqui um parêntese: Chiquinha Gonzaga se surpreendeu quando soube que algumas composições suas eram editadas na Alemanha, o que comprova o gosto dos alemães pelas obras pianísticas dos artistas brasileiros daquela época. Ela se pôs, então, a lutar, com mais denodo, pelos direitos autorais, mas isso é outra história.
Maria Sônia Vieira continuou a discorrer sobre o compositor tão injustamente esquecido:
-Ele era professor de desenho, de matemática. Era multifacetado. Uma pessoa incrível!
Simon Khoury interveio para narrar a sua primeira história dominical. Jantava, em sua casa, com o Paulo Autran e colocou na vitrola um disco que deixou o ator “enlouquecido”.
-É Chopin?
-É Misael Rodrigues tocado pela Sônia Maria Vieira.
-”Revelação” - disse ela.
No momento, imaginei que a Sônia Maria Vieira estivesse também no jantar e que Simon Khoury tivesse omitido a sua presença, mas logo tudo seria esclarecido.
Paulo Autran, segundo ele, gostou da sua ignorância aos 60 anos de idade, “pois um horizonte novo se abria diante dele”.
-Isso foi publicado no seu livro (Bastidores), não foi Simon?
Soubemos, assim, eu e os ouvintes do Rádio Memória que ela não adivinhara o nome da música que o ator julgou de Chopin.
-Agora?- pediu o titular do programa mais notas musicais no piano.
“Revelação - Romance sem palavras”. - anunciou a ilustre convidada.
Depois de ouvida, reagiu indignado com o fato de os brasileiros desconheceram tal joia.
-Eu fiz o disco, em 1981, que foi considerado um dos melhores do ano, para revelar o Misael Rodrigues.
E contou que o Guerra Peixe tinha uma conferência agendada, fora do Rio, sobre o compositor e lhe pedira para tocar algumas composições dele para ilustrar a sua palestra. Era um pedido do seu mestre, ela gravou na hora e, depois, divulgou as criações de Misael Rodrigues o mais que pôde, tocando até na extinta TV Educativa.
- E todos ficaram apaixonados. - frisou.
-Você fala com um sorriso nos lábios, por quê? - desviou o assunto dos dedos para o semblante da convidada o Simon Khoury.
Mesmo sem estarmos lá, nós, ouvintes do Rádio Memória desse dia 27 de julho, víamos esse sorriso tal a efusividade com que falava.
-Eu acho que o ser humano é positivo. Porque estou de bem com a vida.
-O que não é o caso do Simon. - alfinetou o Jonas Vieira.
Antes de o Simon Khoury se manifestar de novo, Jonas Vieira se antecipou:
-Roquette Pinto 94.1. Rádio Memória; recebendo hoje a grande pianista Sônia Maria Vieira, que divulga a obra de Misael Rodrigues. Mas nós vamos ouvir outros compositores?
-Certamente. Agora, Ernesto Nazareth com uma peça, infelizmente, pouco conhecida “Gemendo, Rindo e Pulando.”
E vieram os temas musicais que retratam admiravelmente os gemidos, os risos e os pulos.
-Isso, no rádio, é uma raridade. - voltou a se indignar o Jonas Vieira.
-Você não teme as armadilhas?... Tem receio daquela nota?... Fica preocupada?... - voltou à tona a veia de entrevistador do Simon Khoury.
-Todos ficam, porque respeitamos muito o público. Nós queremos dar o nosso melhor. Todo o mundo fica nervoso.
-Eu, mesmo, estou nervosíssimo. - não deixou o Jonas Vieira a piada escapar.
Será que a gripe do Sérgio Fortes é de fundo nervoso? - foi a pergunta que me ocorreu naquele instante.
E o titular do programa se voltou para a sua convidada.
-Domingo retrasado, nós trouxemos aqui outra pianista maravilhosa, Fernanda Canaud. Ela se animou com a minha proposta de voltar ao nosso programa e de gravar peças do Custódio Mesquita, outro grande compositor que está aí, largado.
Sônia Maria Vieira aludiu, então, ao Albino Pinheiro, fundador da Banda de Ipanema, que é sobrinho do Custódio Mesquita, embora conheça mais outro sobrinho dele, Cláudio, através da amizade que este nutre pelo seu irmão.
-Conheço muito a família. - concluiu.
-São de Laranjeiras. Só tem gente importante em Laranjeiras.
Por ser rubro-negro, Jonas Vieira omitiu o clube do bairro.
Era a vez de aflorar de novo o Simon Khoury entrevistador:
-Como você vê os grandes talentos, na música clássica, que não recebem o devido valor, que não aparecem. O que você pode fazer?
-Não se pode fazer muito.
-Há gente que é parente de governador, conhecido de presidente, e sobressai.
Nesse momento, Jonas Vieira interveio.




quarta-feira, 30 de julho de 2014

2662 - duas caras




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4912                                 Data:  27 de  julho de 2014
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SABADOIDO CHUVOSO. SESTROSO E MELODIOSO

-Daniel, mas uma vez a chuva adia o seu concerto no Facebook.
-Pois é Carlão.
-Por dois sábados, o seu concerto é adiado, o mesmo acontece com a festa junina da Dona Zita, que ficou para o dia 2 de agosto, caso São Pedro concorde.
-É o meu caso, Carlão, ficou para o dia 2 de agosto.
-Não dá para filmar a sua exibição no teclado do seu quarto para inserir, depois, o filme no Facebook?
-Carlão, você desconhece o valor da luminosidade e da acústica nos filmes. - criticou a minha sugestão com o seu jeito sestroso.
-Eu tenho, arquivado num pendrive, uma fita em que você toca e canta “It's a wonderful world”. Eu posso jogá-lo no Facebook, você compartilha, e seus amigos poderão assistir a ele.
-Carlão, eles vão pensar que eu sou maluco, porque verão que compartilhei.
-Bem, eles perderão a sua performance  no   “It's a wonderful world”, que é superior  a do Louis Armstrong.
Minutos antes, nesse Sabadoido chuvoso, o Claudio, recusando o meu guarda-chuva, abriu o portão e me acompanhou até a cozinha, onde encontrei o Daniel, que acabara de tomar o café da manhã.
-Trouxe aqui um copo que celebra a Copa do Mundo. Como é de 493 mililitros e da Budweiser, e o Claudio é o único aqui capaz de beber tal quantidade de cerveja; nada mais justo que vá para ele. - falei, enquanto lhe passava uma bolsa da Copenhague que continha o brinde.
-Carlão, isso não foi de graça, porque nada foi grátis nesta Copa?
-Daniel, este copo custava 10 reais, depois da partida com a Alemanha, caiu para 2 reais; parecia ação da Petrobras.
-Você não trouxe o copo porque quebrou um aqui?...- admoestou-me a Gina que, entrando naquele momento na cozinha, não viu o dito cujo que o Claudio guardara na despensa.
-Nada disso; comprei dois e nem sei se o meu terá alguma utilidade, pois não bebo nada além de 300 mililitros.
-Você já se recuperou dos 7 a 1, Carlinhos? - brincou a Gina.
-Gina, eu não me recuperei mesmo foi dos 103 a 0 que a Alemanha nos bate em Prêmio Nobel. Seria menos injusto de fosse 103 a 2, pois o Carlos Drummond de Andrade bem que mereceu o Nobel da Literatura e a equipe que formulou o Plano Real, o Nobel de Economia.
-Falando em jogadores alemães – cortou o Daniel – você soube que a Paula Lavigne quis receber direitos autorais porque eles cantaram “Tieta”, do Caetano Veloso, num dos treinos em Santa Cruz de Cabrália?
-Ela é empresária dele. - informou o Claudio.
-Com essa pretensão ridícula, apareceu a fotografia dela nas redes sociais. Caramba, erraram a mão quando puseram silicone nos beiços dela!
-Eu vi, Gina, ela ficou uma espanta-neném.
-Espanta-neném e adultos. - acrescentou a Gina.
-Falando em besteiras ditas e repercutidas, a Dilma Rousseff lamentou a morte do Ariano Suassuna, no Twitter, escrevendo por duas vezes Suassuana.
-E a Ana Maria Braga, Carlinhos, que falou mais de cinco vezes, no “Só Você”, Luciano Suassuna.
-Saiu a dupla feminina de toupeiras Ana Maria Braga e Xuxa e entrou Ana Maria Braga e Dilma.- registrei.
Veio-me, então, à mente que a Gina trocara o gesso do braço fraturado há três dias.
-Foi tudo bem?
-Não sei, houve a troca, mas ficaram umas dúvidas se o osso está se consolidando mesmo no lugar certo.
-Como lido há algum tempo com a imaginação pessimista da minha cunhada, lhe garanti que tudo, no final, daria certo.
-Lá, na sala de espera da clínica, estava ao meu lado um senhor que quebrara a mão. Ele me disse que, de tanta coceira que sentiu, serrou o gesso na parte dos dedos. A coceira persistiu, e ele serrou a parte do punho. Tenho as minhas dúvidas se os ossos dele ficaram no lugar.
O assunto era por demais contrastante com a alegria do Daniel, e ele interveio.
  -E o Brasil que quer se recuperar da queda chamando de volta o Dunga.
-Como disse o José Simão, a contratação do Dunga prova que o raio cai duas vezes no mesmo lugar. - manifestou-se o Claudio.
-As pessoas vestidas com a camisa do Brasil sumiram; aliás, as duas desapareceram, as camisas e as pessoas. - disse meu sobrinho.
-No metrô, vejo mais gente com a camisa da Argentina. Falando em metrô, deparei-me com um sujeito com o seguinte corte de cabelo: na nuca, havia dois tufos de cabelos, como se fossem olhos, e um tufo, um pouco abaixo, como se fosse uma boca,
-Ele tinha uma segunda cara, Carlão?
-Nem os jogadores da seleção brasileira, tiveram esse mau gosto. - assinalou a Gina.
-Vou ensaiar para o meu concerto do dia 2 de agosto. - bradou o Daniel, rumando para o teclado no seu quarto,
Enquanto as notas do teclado ressoavam pela casa, reportei-me ao programa Rádio Memória da Roquette Pinto com o Monarco como atração. Claudio resenhou a vida e a obra do compositor da Portela com tal desenvoltura, que lhe perguntei se ouvira o programa. Não, às 8 horas da manhã de domingo, ele cuidava dos seus afazeres.
-Tenho muitos discos do Monarco; este último CD ainda não, porque os discos dele são difíceis de achar.
-Debrucei-me sobre a biografia do Cartola e me espantei com o seu talento, muito maior do que eu imaginava.
-Carlinhos, para mim, o melhor samba dele é “Autonomia”.
Ao dizer isso, voltou-se para a Gina.
-Vê se encontra no seu tablet?
-Ela tocou o dedo na tela algumas vezes e, em menos de dois minutos, sintonizou o samba.
-Uma beleza mesmo. - concordei.
-Esse piano é do Radamés Gnatalli. - assinalou.
-Esse arranjo espetacular só pode ser dele também. - concluí.
-O Candeia compôs um samba que o Cartola gravou e que eu nunca me canso de escutar. Nos créditos do “Central do Brasil”, do Walter Salles, ele é tocado.
-Que samba?- despertou-me a curiosidade.
-”Preciso me encontrar”.
E voltou-se de novo para a Gina.
-Vê se encontra no seu tablet?
Dessa vez, a Gina teve dificuldade na sua pesquisa internética.
-Vejo aqui um Marquinho Satã... Que nome diabólico! - reagiu a Gina.
-Marquinho Satã compõe muitos sambas para o Zeca Pagodinho cantar.
E repetiu seu pedido.
-Tem, vamos ver onde, aqui o Ney Matogrosso cantando o ”Preciso me encontrar”. - disse a Gina.
Surgiu o show performático do cantor, de uns vinte anos atrás, em que ele fantasiado e coberto de miçangas, paetês e outras coisas de brilho dourado dá início a um strip-tease.
-Gina, o Cartola. - rogou meu irmão.
-Achei aqui “Preciso me encontrar” com MPB-4, com Tereza Cristina, com Diogo Nogueira, com Marisa Monte...
-O Cartola. - insistiu ele.
Finalmente, ela encontrou a canção composta por Candeia na voz do Cartola.
Enquanto ouvíamos o inspirado samba do Candeia, meu irmão insistia que essa era a interpretação definitiva.

terça-feira, 29 de julho de 2014

2661 - Não fala na Alemanha




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4911                                 Data:  25 de  julho de 2014
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187ª CONVERSA COM O TAXISTA

081, o português que trabalha desde que largou a chupeta, é o mais rico dos taxistas da Metrô-Táxi, provavelmente o único endinheirado. Seus colegas me indicam um prédio de apartamentos e me dizem que é dele. “Mas tem outros imóveis” - acrescentam. Contudo, o táxi do 081 era o que mais se assemelhava a um calhambeque de toda a frota da cooperativa. Depois de muito tempo e de muitas gozações, ele aposentou, na compulsória, o seu carro e comprou outro.  Dias, semanas, meses se passaram e nada de surgir a oportunidade de eu pegar o seu táxi novo ao retornar de Maria da Graça para casa.
-Ele já pendurou bugigangas no carro novo. - comentou um seu colega, com um sorriso mordaz, quando lhe disse que, até agora, não pegara uma corrida no possante do 081.
Eis que nesta semana, finalmente, o táxi que estava disponível para mim, no ponto da Domingo de Magalhães, era o dele.
-Estou conhecendo, agora, o seu carrão.
-Não é mole, não! - exclamou meio desanimado.
Os juros do financiamento devem estar altos. - pensei sem me manifestar.
-Tem caminhado? - perguntei.
-Tenho, o médico da diabetes manda. Mas é um perigo.
Lembrei-me, então, que o 140 me contara que ele fora assaltado enquanto caminhava na Rua Rocha Pitta.
-Eu já fui assaltado, nessas minhas caminhadas, na calçada da igreja do Bispo Macedo. - disse-lhe.
-E eu ali perto da Praça Orlando Silva.
-Sim, já furtaram até o busto do cantor; se a estátua do Carlos Drummond de Andrade lá estivesse, não levariam apenas os óculos. - comentei.
-Daqui a pouco, eu vou dormir.
-O senhor dorme às 8 horas da noite?
-Antes.
E prosseguiu:
-Ás 4 h 20min da manhã já apanho uma passageira aqui. - indicou-me com o queixo uma casa da Rua Sisley.
-Se ela sair daqui a pé para o trabalho a essa hora, corre sério risco de ser assaltada, embora eu também corra perigo, pois saio de casa para a estação de Del Castilho apenas uma hora depois.
-Você também dorme cedo? - interessou-se.
-Com essa friagem, deito para dormir às 9 horas.
-Boa-noite. - desejou-me, assim, que saltei do seu táxi na Modigliani.
-Boa-noite. - desejei-lhe também, embora não passasse das 4h 30min da tarde.

No dia subsequente, entrei no táxi do 140, o taxista de uma ironia mansa  que parece que tem o tempo sincronizado como o meu de tanto eu encontrá-lo disponível no momento da volta para casa.
-Tem visto o Machado?- indaguei.
-O Machado volta e meia está por aqui.
-Engraçado, há algumas semanas que não avisto o Machado.
-Ele anda sempre por aqui foi para uma cooperativa do Méier, mas não larga a gente.
E comentou:
-Ele é forte para a idade que tem.
-É verdade; Machado já passou há muitos anos dos 70, mas demonstra disposição, está sempre empertigado, os cabelos negros, embora pintado.
Retrucou:
-Machado não pinta o cabelo, não. É a natureza dele, nasceu em um lugar da Paraíba onde as pessoas são resistentes.
-Um colega meu, o Luca, sabe em que cidade da Paraíba ele nasceu, disse-me, mas esqueci.
E continuei:
- Machado me falou, certa vez, que o jogo do bicho é em esporte. Ele pratica muito esporte.
O 140 sorriu. 
-Ele joga não sei quantas vezes por dia e em vários bicheiros. Se somassem todo o dinheiro que já perdeu, daria para comprar um táxi.
-Como não mexe com o dinheiro das despesas em casa, como ele me garantiu, o jogo é uma distração.
-É um esporte. - disse o 140, enquanto me deixava em casa.

Não se trata de coincidência forjada por mente humana: no dia seguinte, ao dobrar a última rampa da estação do metrô de Maria da Graça, rumo ao ponto de táxi, deparo-me com o Machado. Ele não me viu, entretido que estava em pegar um dos resultados do jogo do bicho ou em fazer uma fezinha, não sei precisar.
Fui em frente e o táxi que se achava disponível para mim era do 014. Depois das saudações de praxe, disse-lhe que, ontem mesmo, eu falava do sumiço do Machado para o 140, e hoje ele me aparecia.
-Sumiço?!... Machado não sai daqui.
-O seu colega me disse isso.
-Há quem não goste, pois ele foi para outra cooperativa, lá no Méier, e vem para o nosso ponto.
Pensei logo nas Conferências de Fretes do início do meu trabalho na Marinha Mercante, embora existam mil exemplos de áreas restritas na atividade econômica legal e ilegal.
-Sim, mas ele deixa o táxi a poucos metros dos de vocês e não leva nenhum passageiro.
-Mas se não houver táxi algum dos nossos, ele se aproveita e leva o passageiro que aparecer. O pessoal não gosta porque, digamos, 5 minutos depois, pode aparecer algum carro da cooperativa.
Tal fato já aconteceu comigo duas vezes, mas nada lhe disse, pois havia um vínculo de amizade entre mim e o Machado, que dirigia a ambulância que socorria o meu pai na década de 80.
-Falávamos, agora, da boa disposição do Machado, apesar dos seus 70 e poucos anos de idade.
-70 e muitos anos de idade. - acentuou.
-Que seja! Nessa idade e com os cabelos ainda negros.
-Mas ele pinta o cabelo.
-O 140 me garantiu que não, mas eu também imagino que sim.
-Nessa idade, ninguém fica sem, pelo menos, uma mecha de cabelo branco. - assinalou.
-Eu tenho um amigo, o Dieckmann, cuja cabeleira provoca discussões entre nós, na Marinha Mercante: ele pinta ou não pinta? (*)
-Pelo nome, deve ser alemão.
-Não fala na Alemanha. - pedi-lhe.
Ele sorriu com o meu pedido, pois percebeu o tom humorístico do meu pedido.
-Eu não tenho visto as pessoas vestidas com a camisa da seleção brasileira. Bem, você que anda de metrô deve ver.
-Olha, eu tenho visto muito muitas pessoas com a camisa da seleção argentina. - disse-lhe.
-Será que são os argentinos que ainda não foram embora do Brasil?
-As fisionomias dessas pessoas eram de brasileiros.
-Mas o brasileiro tem cara de tudo; de japonês, de angolano, de sueco, de alemão...
-Não fale na Alemanha. - pedi-lhe, enquanto saltava do seu táxi na Rua Modigliani.

(*) Não restam tantos fios para manter a celeuma.