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segunda-feira, 15 de abril de 2024

3155 - Artistas (R)

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 2730                     Data: 13 de dezembro de 2006 

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MULHERES  DESEJADAS



Começo dos anos 70. Nosso grupo de seis ou sete pessoas se encontrava, sem cerimônia alguma, sentado na calçada da porta do beco que terminava na casa da dupla Cosme e Damião. Tédio não havia, pois sempre vinha um tema para nós discutirmos. Tonico, o português, nos viu da porta da sua casa, e se  juntou ao grupo. Os mais atentos percebiam que a sua intenção era outra: contemplar uma mulata baixinha, mas de pernas roliças e cintura de pouco diâmetro, que se mudara para a parte de cima da casa próxima a do nosso colega Wagner. 

A mulata já alucinava o Tonico, pois não eram nem quatro horas da tarde e ela só chegava em casa depois das nove horas da noite. Numa dessas suas vindas do trabalho, sem se importar comigo, com os gêmeos já citados, e o meu irmão Lopo, gritou a plenos pulmões uma quantia altíssima em cruzeiros. Foi um grito que atravessou a rua, chegou num ouvido da moça e saiu pelo outro, sem que a expressão simpática dela se alterasse. Certamente, não percebera que foi apregoada como uma prostituta. E se entendesse e viesse, um dia, a satisfazer àquele lusitano, o que ele faria depois... Contou-me o Tonico, num daqueles raros momentos de desabafo comigo, que um dia traíra a Rosinha, sua esposa também portuguesa. Viu-se obrigado, porque ela sentia o cheiro de uma rival a quilômetros de distância...

Bem, naquele grupo que empoeirava os fundilhos dos calções na calçada às quatro horas da tarde, Tonico se entendiou e lançou uma idéia que distrairia não só a ele como a todos os presentes, com exceção de dois deles: uma disputa de velocidade. Nas peladas do campo Cachambi, chamavam a atenção a pressa, para não dizer velocidade,  com que o Toninho Maluco e o Cabrita chegavam à bola quando a mesma se achava distante. Toninho Maluco tinha pressa para fazer bobagem; disparava em direção da bola e, alcançando-a, saía uma jogada bisonha. Cabrita, cuja posição de destaque era a de goleiro,  já sabia entregá-la para alguém que gozasse de mais intimidade com ela, alguém do seu time é claro.  Mas passemos logo para a proposta do Tonico.   

Ganharia uma coca-cola quem fizesse o circuito que envolveria a rua  Chaves Pinheiro, a avenida Suburbana, a rua Cachambi, a rua Honório e a rua Chaves Pinheiro de novo até o ponto de partida. Ou seja, os dois partiriam em sentido contrário para retornarem ao mesmo lugar o mais velozmente possível. Toparam e, ao grito de “já” do Tonico, dispararam. Quando sumiram, Cabrita na esquina com a Suburbana e Toninho Maluco na esquina com a Honório, as nossas especulações começaram. Especulações que, impregnadas de simpatia, previam o Cabrita vencedor. Toninho Maluco, uma das pessoas mais aborrecíveis da rua (daqui a três ou quatro edições volto a ele), só contava com a simpatia do Tonico, porque o pai dele também era português. Nessa competição, Cabrita levava uma desvantagem: subia uns cem metros da rua Honório, enquanto Toninho Maluco descia esse trecho. Nada reclamamos, porque contávamos com a sua vitória, mas o Toninho Maluco venceu com cinco ou seis metros de vantagem. 

Tonico gastou dinheiro apenas com a coca-cola do Toninho Maluco; não pagou um litro de gasolina para se banhar porque aquela mulata nem notou a sua presença no pouco tempo em que morou na nossa rua.   

Maninho era presença quase que assídua dos grupos que se formavam na Chaves Pinheiro. Viveu uma paixão alucinante pela Leila Diniz, e repetia à exaustão a sua fantasia libidinosa: “dar um banho de gato na sua musa”. Mais de uma vez o surpreenderam contemplando um bichano vagabundo de telhado na sua prática de higiene. Com toda certeza, estudava a técnica do bicho caso a Leila Diniz correspondesse à sua paixão. 

Luca repetia para a turma da Chaves Pinheiro uma das frases da atriz na sua célebre entrevista ao Pasquim “Homem não esquenta lugar na minha cama”, mas Maninho não se intimidava com essas palavras, pois ele não esquentaria simplesmente  o lugar da sua cama, o arderia em chamas que só água de mangueira apagaria a muito custo  - fato que só seria imaginado muitos anos depois por Pedro Almodóvar no filme “Mulheres à Beira de um Ataque Nervoso”.

No carnaval de 1972, correu a notícia que a Leila Diniz desfilaria em três escolas de samba; Império Serrano, como Carmem Miranda, Imperatriz Leopoldinense, se a memória não me trai, e a terceira eu não cito, pois a memória me trairá com toda certeza. Maninho anunciou que não dormiria para assistir à Leila Diniz nos três desfiles, pela televisão.

Lamberia, na certa, a tela da sua televisão todas as vezes que o Cameraman localizasse a musa - comentei. O comentário do Wagner, como tornou o meu aristocrático, comparado com o dele, não será aqui reproduzido.

Império Serrano venceu, com um sambinha sem-vergonha, aquele carnaval de 1972 com a sua Carmem Miranda que, assinalamos, além da Leila Diniz, ainda teve a Marília Pera, a Míriam Pérsia, a Maria Pompeu, a Zélia Hoffman e mais uma sétima atriz. Foram sete  caracterizando a mais famosa das cantoras da nossa música popular.

Saltemos dois anos: 1974.  Depois de o Brasil se classificar com uma sofrida vitória contra o Zaire por 3 a 0, a conta do chá para conseguir o saldo de gols suficiente, não se falava em outra coisa que não fosse o frango do goleiro africano nos minutos finais da partida. Bem, um motorista de táxi foi exceção. Tentarei trazer esse fato para os dias de hoje com a maior fidelidade que puder à verdade.

O Luca trabalhava, nesse tempo, com oficiais de justiça. O seu  carro, um Volkswagen novinho, praticamente, de 1973, se achava na oficina. Luca precisou de um táxi e, comigo e um dos meus irmãos, o Lopo, seguramente, rumamos para a oficina. Bill e Moacir, seus mecânicos, depois trabalhariam na própria Chaves Pinheiro.

-Vocês viram a Eliana Pittman na televisão, ontem? - nem nos deixou conversar o motorista, quando mal nos acomodamos no banco.

Por coincidência, um ou dois de nós vira a Eliana Pittman e respondera a pergunta.

O motorista passou, então, a pintar a cantora com tintas carregadíssimas de pornografia. Dos lábios, seios, ancas do seu objeto de desejo e de consumo, passou para o Kama Sutra que praticaria com ela. Não me esqueço das gargalhadas do Luca, e do meu medo que o sujeito batesse com o carro.

Felizmente, a corrida foi curta. Pagamos, enquanto ele, puxando o troco da carteira, ainda babava:

-Que mulher!

Seguimos eu, Luca e meu irmão em frente, imaginando o que aconteceria a Eliana Pittman se, por um azar, pegasse aquele táxi.