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quarta-feira, 17 de maio de 2023

3136 - (R) O Circo do Carequinha atormentava O Biscoito

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O BISCOITO MOLHADO
   Edição 2250                                  Data: 26 de Janeiro de 2005       
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AS PROPAGANDAS DA TELEVISÃO

Não sei se algum assinante do Biscoito Molhado que viu televisão na época em que só existia a TV Tupi se recorda: os comerciais entre um programa e outro duravam, às vezes, mais de meia hora. Dá para lembrar, afinal não faz tanto tempo assim; ainda estão hoje, serelepes, alguns artistas que atuaram na primeira transmissão ao público da televisão brasileira, como: Lima Duarte, Hebe Camargo, Cassiano Gabus Mendes, Lolita Rodrigues. O programa de estréia foi “TV na Taba”, e dele também participaram, além dos citados: Mazaroppi, Walter Forster, Lia de Aguiar, Ivon Cury e Wilma Bentivegma. 

O pioneiro Assis Chateaubriand trouxera a parafernália transmissora de imagens e um receptor para o Brasil, em 1950, mas faltava um pequeno detalhe: os aparelhos de televisão para se assistir os programas a começar com o “TV na Taba”. Ele não teve, então, dúvidas; trouxe duzentas televisões contrabandeadas, deu uma para o presidente Eurico Gaspar Dutra que, no Rio de Janeiro, não poderia sintonizá-la, pois as transmissões só aconteciam em São Paulo e as demais televisões, Assis Chateaubriand ordenou que fossem instaladas em pontos movimentados de São Paulo.

A televisão só chegou ao Rio de Janeiro quatro meses depois da inauguração da TV Tupi de São Paulo, mais precisamente em janeiro de 1951. Assim, o aparelho de televisão que Eurico Gaspar Dutra ganhara de presente passava a ter serventia, embora ele tivesse que entregar logo o cargo (não a televisão), ao presidente eleito, Getúlio Vargas.

Mas o assunto deste periódico é a propaganda nas emissoras televisivas, não a sua história. Foram muitas as propagandas, principalmente nos primeiros anos, quando Assis Chateaubriand monopolizava os meios de comunicação. Uma concorrente da TV Tupi, aqui no Rio de Janeiro, a TV Rio, apareceu alguns anos depois, ainda assim os intervalos comerciais eram eternos. 

O ano eu não me recordo, mas o programa sim, “O Circo do Carequinha”, com Fred, Zumbi e o anão Meio-Quilo; eu, diante da televisão da minha avó, que era a isca que me levava a fazer-lhe companhia nas minhas folgas escolares e nada de o palhaço aparecer: anúncios, anúncios e mais anúncios por quase uma hora. Tempos depois, eu soube o porquê: era o Assis Chateaubriand faturando.

Havia anúncios, no entanto, que eu gostava, como os das Gotinhas da Esso do noticiário “O Repórter Esso”. Uma das Gotinhas possuía os trejeitos femininos, enquanto a outra, masculina,  soltava o vozeirão para cantar “Só Esso dá ao seu carro o máximo”. A melodia era da Canção de Escamilo, da ópera Carmem de Bizet. Quem emprestava a voz à Gotinha da Esso era o tenor Assis Pacheco, informou-nos, dia desses, o Sérgio Fortes por meio de um correio eletrônico enviado à redação do seu O Biscoito Molhado. Colocaram um tenor para cantar uma ária de barítono, mas tratando-se de comercial, tudo era válido.

Quando a Esso trocou as Gotinhas pelo Tigre a decepção me atingiu. Antes, eu suportava bem a voz indignada do Gontijo Teodoro informando sobre mais uma manifestação dos comunistas da CGT, porque as Gotinhas logo surgiriam; depois não, eram as más notícias com um Tigre, no intervalo, para acentuar que vivíamos numa selva.

Nessa época da televisão, a marca da propaganda já vinha anexada, muitas vezes, no nome do programa: “Repórter Esso”, “Teatro Walita”, “Teledrama Três Leões”, “Espetáculos Tonelux”, “Cine Max Factor”, Boliche Royal”, “Sabatinas Mayzena”, “Concertos Matinais Mercedes Benz”, “Grande Gincana Kibon”, “Divertimentos Ducal”, “Histórias Maravilhosas Bendix”, “Mappin Movietone”, “Teatrinho Trol”, “Circo Bom Bril” “Patrulheiros Toddy”, “Tele-Rio Times Square”, “Grande Resenha Facit”, e por fim,  “Jornal Nacional” (O “Nacional” vem do extinto Banco Nacional, o primeiro patrocinador desse noticiário).

A inauguração da primeira TV no Brasil, e em toda a América Latina, a Tupi, fora custeada por quatro empresas: Sul América de Seguros, Moinho Santista, Antarctica e Empresas Pignatari. Como retorno desse financiamento, foram cedidos espaços para a divulgação de produtos dessas empresas. É neste cenário de interdependência, de imagem e mercadorias, que a TV brasileira nasceu e sobrevive até hoje. Mas retornemos às propagandas televisivas propriamente ditas.

Uma das melhores, era a da Bardahl. Fosse eu um garoto que já não ficasse grudado na televisão, e deixaria uma recomendação urgente, urgentíssima, caso tivesse de me ausentar da sala:
- “Me chamem assim que aparecer o Chico Válvula Presa.”
Mal surgiam na telinha da televisão aquelas figuras sinistras, Chico Válvula Presa, Clarimunda, Carvãozinho e a sua Turma Brava, e os carros logo correriam sérios riscos de vida - não andariam mais meio metro. Vinha, então, o detetive Bardahl, com aquele capote à la Sherlock Holmes, e colocava os bandidos em fuga com uma lata na mão:
“Tudo anda bem com Bardahl”.
Aprendo agora que o nome Bardahl veio de um imigrante norueguês que vivia em Seattle, chamado Ole Bardahl.  Insatisfeito com o mau desempenho dos motores, por volta de 1939, ele resolveu por em prática os seus conhecimentos de química fina e mecânica.  Debruçado sobre o problema, concluiu que a lubrificação obtida pelos óleos utilizados no cárter era insuficiente no atendimento às necessidades dos motores. Essa insuficiência se refletia no estrangulamento da performance dos veículos. É nesse momento que entram em ação Chico Válvula Presa, Clarimunda, Carvãozinho e a sua Turma Brava. Assim mostrados, em figuras com movimento e voz, todos entendiam, até os garotos como eu. Esses “bandidos” representavam – o que ficaria sem graça alguma, se fosse dito em palavras – a incapacidade de os óleos lubrificantes, até então, de reduzirem o atrito entre as partes móveis do motor, com isso, o movimento dos pistões alargavam a circunferência das camisas, o que provocava redução da compressão, maior gasto de combustível e perda de potência. 
(Maiores dúvidas sobre este assunto, telefonem para 25089059, que o Dieckmann, além de entender mil vezes mais do que eu, possuiu carros da época das experiências, vítimas do Chico Válvula Presa e comparsas). Concluindo esta parte: ele, Ole Bardahl, criou então, um aditivo que diminuía o atrito e o desgaste, aumentando a vida útil das peças.
- “Tudo anda bem com Bardahl”.

Foi este comercial que, juntamente com as Gotinhas da Esso, mais marcou a minha memória das propagandas da  televisão.
Conheço alguns sessentões que garantem, hoje, que, nos “Espetáculos Tonelux”, o estalar de dedos da Neide Aparecida, acompanhado da sua voz que dizia “Toooooo-neeee-lux”, era de um apelo erótico irresistível. Não me recordo... Bem, nessa época eu ainda era um garoto meio bobão, que ainda assistia o “Circo do Carequinha”.