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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

2090 - bacalhau de verão

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3890 Data: 26 de janeiro 2012

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NO OÁSIS DO ADEGÃO

Apesar de o Elio Fischberg soltar a voz quando canta clássicos da MPB, agiu como o João Gilberto no almoço aprazado em meados de 2011, no Alentejano. Escarmentado, enviei na manhã daquela quarta-feira para ele uma mensagem eletrônica e ainda deixei o meu número do celular: “Qualquer imprevisto quanto ao almoço de hoje, no Adegão, avise”.

Quem me telefonou logo foi o Luca; viria me buscar de carro às 12h 30min. Eu teria tempo de terminar um número do Biscoito Molhado e de assistir a final de juvenis entre Fluminense e Corinthians, caso a partida não fosse insossa.

Elio Fischberg, por sua vez, ligou por volta das 11 horas; teria de pagar uma conta que vencia naquele dia e se atrasaria uns 15 minutos. Luca ligou em seguida e informou que trajaria bermudas, pois o calor estava insuportável.

-Como esse traje é permitido, também irei, tal e qual. - disse.

-O Elio, que não está de férias e nem é aposentado, como eu, penará com o calor.

Luca adiantou-se 10 minutos e, às 12h 20min, já buzinava onde a Rosa Grieco afirma que eu moro: “2º Poste da rua Modigliani”.

-Já que você disse que o Elio vai se atrasar, vamos devagar. - falou, enquanto dirigia pela Avenida Suburbana.

-Rapaz, o asfalto chega a fumegar.

-Nem fala, Carlinhos. - acalorou-se o Luca ainda mais, apesar do ar condicionado do carro.

No viaduto de Del Castilho, por onde eu não passava há algum tempo, divisei dois espigões do lado esquerdo; duas construções horrorosas que não me animaram a tecer quaisquer comentários.

-Como temos tempo, vou passar no Zé Espanhol.- informou.

-Não vejo o Zé Espanhol desde a feste dos seus 60 anos, Luca. Antes disso, não o via há uns 20 anos.

-Almoçamos outro dia, eu e a Glória, com ele, no Adegão.

-Nos seus 60 anos, ele trouxe retratos do nosso tempo de garoto na rua Chaves Pinheiro.

-O pai do Zé Espanhol, Seu Pepe, morreu agora, na Espanha, com 104 anos de idade.

-Viveu bastante.- comentei.

-Carlinhos, aquele, parado na porta do Adegão, não é o Elio?

-Pela cabeleira grisalha, parece.

-Não me leve a mal, mas vou fazer uma pequena bandalha.

-Não é o Elio.- concluiu.

-Nunca o vi de crachá.- acrescentei.

Luca aproveitou a manobra com o carro e apontou uma padaria, avisando-me que pertencia ao Zé Espanhol. Parou, no entanto, diante de outra panificadora e buzinou. Um funcionário veio lá de dentro.

-Aqui é o médico do Zé Espanhol, poderia chamá-lo? - disse o Luca.

O rapaz foi e voltou:

-Ele saiu, mas volta daqui a pouco.

-Ele está bebendo? - indagou o Luca.

-Não.

Nesse instante, meu celular tocou.

-Luca, o Elio já nos aguarda dentro do Adegão.

-Olha que carro! - entusiasmou-se o Luca diante do restaurante.

Parei para contemplar um Mini Cooper, enquanto o Luca entregava a chave do seu FIAT ao manobrista.

-Vim com o doutor Carlinhos e procuro o doutor Elio.

Enquanto dizia as palavras acima a um dos garçons, vi o nosso amigo, numa mesa próxima, lendo o menu com a atenção que a Rosa Grieco dedica aos livros de Stendhal.

-Cá está ele.- notou-o o Luca.

Depois dos abraços efusivos, sentamo-nos os três, quando o Elio indicou discretamente a Rosa Magalhães. Ela, que passara pela nossa mesa, retornou.

-Oi, Rosa.- saudou-a o Luca.

Ela, simpaticamente, sorriu, em troca e procurou com o seu corpo baixo e adiposo, se encaixar numa mesa ao lado. Sentou-se, sem antes abalar a cadeira onde eu me acomodara. Em voz baixa, Elio Fischberg se reportou à fama do pai dela como homem de letras.

-Ele, Raimundo Magalhães Júnior, traduziu a peça do Tennessee Williams com o nome “Gata em Teto de Zinco Quente”. O gato no teto desafiava a Lei da Gravidade – sussurrei.

-Carlinhos é terrível.- observou o Luca com a aquiescência do Elio.

-Terrível é o Millor Fernandes, que desenhou a gata andando no teto...- devolvi.

-Falando em brigas de gente famosa, não posso esquecer a do Millor com o Chico Buarque. - assinalou o Luca.

-Há uma polêmica entre o Luca e a Rosa Grieco.- comuniquei o Elio, enquanto o Luca avisava o garçom que tomaria um vinho tinto.

-E o senhor? - indagou o garçom.

-Eu também quero um vinho, mas branco.

Dieckmann, se cá estivesse, aplaudiria o seu colega de Colégio Militar, que pede vinho branco para acompanhar peixe.- pensei, sem me manifestar.

-Eu quero chope, mas, por enquanto deixe a água mineral aqui.- instruí o garçom.

Eu pensava na manifestação do sol, ao beber, embora o ar refrigerado do Adegão nos fizesse esquecer do calor senegalesco lá de fora.

Quando a minha bebida chegou, Luca a olhou meio arrependido com a sua pedida:

-Esse chope na pressão... Está uma beleza.

-Olha o Dedé.- indicou o Elio, calmamente, outra celebridade.

-O Dedé do Vasco?

-Ele mesmo, Luca.- respondeu o Elio.

-Grande jogador, o nosso Beckenbauer, embora falte muito... Sobe ao ataque com muito perigo para as defesas adversárias.- falei voltado para o Elio.

-Não gosto de jogador de futebol. - desdenhou o Luca, enquanto o craque do Vasco, na companhia de dois amigos, adentrou uma parte do restaurante que escapava da nossa visão.

-Ele se vestia com simplicidade, talvez viesse de um treino em São Januário. - aparteei o Luca, que retomou a palavra.

-Considero o futebol uma arte menor, amigo Elio. Os jogadores ganham fortunas e muitos deles não jogam nada. Os irmãos do Carlinhos, Lopo e Claudio, para lhe dar dois exemplos, jogaram mais bola do que a grande maioria dessa gente que pede rios de dinheiro para entrar em campo.

-Eram bons mesmo? - expressou o Elio surpresa e ceticismo.

-Eram.- enfatizou o Luca.

Como se voltou para mim, dei o meu parecer.

-O meu irmão mais novo, o Lopo, driblava tanto pra direita quanto pra esquerda. Ao marcá-lo, eu ficava doido.

-E o Carlos?

-Carlinhos era um beque vigoroso, difícil de ser ultrapassado...

-Nada, Luca.

Não tive tempo de dizer que eu me enquadrava na frase do Nélson Rodrigues - “Todo perna de pau é um abnegado “ - porque o Luca se reportara aos seus duzentos irmãos no colégio interno.

-Elio, o Luca jogou bola com o Itamar, aquele beque do Flamengo, que jogou os dois pés no peito do Ladeira, na decisão com o Bangu, em 1966.

-Você estudou com aquele Itamar?

A surpresa do Elio correspondeu a outra do Luca:

-Você soube daquele jogo?

-Claro; eu acompanho futebol desde pequeno.

-O Elio não é o Dieckmann, que cortou (*) o nome do Lorico do Vasco, quando o citei no Biscoito Molhado, dia desses. Ele pensa que conhece os jogadores do passado, mas quem conhece é o Elio. O negócio do Dieckmann são os carros de antigamente.- manifestei-me com alguma veemência.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO procurou o indigitado Dieckmann e questionou-o sobre sua faceta tesoura de nomes. Calmamente, o holandês colecionador rebateu esclarecendo que fizera apenas um álbum de figurinhas de jogadores de futebol, tinha ido ao Maracanã umas 10 vezes e que, para ele, tanto fazia o cidadão ser alcunhado de Lorico, Olorico, ou Dorico, ou Odorico. Não procede, portanto, tal afirmação, que deve ser debitada, sim, aos escassos asteriscos notados pelo redator nas últimas edições. Factóide, sim, senhor.


2088 - o idiota e a cantora

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3888 Data: 24 de janeiro de 2012

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UM SABADOIDO COM TEMAS VARIADOS

PARTE II

Caminhando para mais uma sessão do Sabadoido, levei às mãos à cabeça, porque esquecera de acessar o último filme do Dieckmann. Eu tinha, porém, uma atenuante: meu sobrinho, na minha hora no computador, ficou mais tempo do que eu com o rato na mão.

Saudei o Vagner, ausente no último sábado, que mostrava boa aparência. Ao me ver, Luca retomou a história trágica que, do quarto do Daniel, eu ouvi entrecortada.

-Carlinhos, você conheceu o Manoel do bar da Subarbana?...

-Acredito que sim.

-Não vou contar a morte dele agora, de tão terrível... A mulher dele era gêmea...

-Era o quê? - interveio tempestivamente o Vagner.

-A mulher do Manoel tinha uma irmã gêmea que sentia tudo que a outra sentia. Se ela estava com dor nas costas, a mulher do Manoel também estava; se tinha uma coceira no pé, a outra também tinha.

-Mesmo longe uma da outra? - perguntei.

-Isso eu não sei responder. - confessou o Luca para, em seguida, prosseguir.

-A cunhada do Manoel arrumou um homem; não demorou muito, e o sujeito já estava indo para a cama com as gêmeas. Manoel caiu em depressão, foi para a linha férrea lá pelos lados da Igreja do bispo Edir Macedo, deitou-se, e um trem passou por cima dele.

-Que coisa! - lamentei.

-Carlinhos, falavam que Nélson Rodrigues tinha a mente doentia.

-Isso é puro Nélson Rodrigues – concordei com o Luca.

-Por isso, ele foi o maior dramaturgo brasileiro. - concluí.

Com uma crônica do Ruy Castro na mão, Luca passou para um assunto mais ameno.

-Ruy Castro escreveu que, na saída do cinema, após a exibição do “Agamenon, o Repórter”, Fernando Henrique Cardoso mostrou tal aisance, que deixou a impressão que Agamenon existia.

Em seguida, Luca se penitenciou:

-E eu telefonei para o seu trabalho, ontem, Carlinhos, falando tudo errado. A palavra é aisance, e significa desenvoltura.

-O filme é uma porcaria. - portou-se meu irmão como Oswald de Andrade ao falar do livro de um desafeto: “Não li e não gostei.”

-Não são todos a esculhambar o filme.- contemporizou o Luca.

-Eu pretendo assistir ao Agamenon. - interveio o Vagner.

-Criticam também a fita do Nélson Pereira dos Santos sobre o Antonio Carlos Jobim. - provoquei.

-Escreveram que o documentário sobre o Vinícius de Moraes foi bem feito, mas que, no Tom Jobim, se limitaram a mostrar apenas uma sucessão de artistas interpretando a sua obra. - manifestou-se o Cláudio.

-Eu, que adoro as composições do Tom Jobim, vou gostar muito. - garantiu o Luca.

-O filme é o que os americanos chamam de patchwork, um remendo. Pedaços costurados de exibições da obra de Tom Jobim. - atalhei.

-Isso mesmo.- concordou o Luca.

-E o Caetano, na crônica dele sobre os 30 anos da morte da Ellis Regina, pretendendo compará-la à irmã? - tentei, outra vez, provocar uma polêmica

-Ellis Regina lançou alguns artistas...

-Luca, quem lançou muita gente foi a Nara Leão. - aparteei.

Com uma ênfase um tanto exagerada, meu irmão tomou a palavra:

-Nara Leão lançou Chico Buarque, Ivan Lins, Zé Kéti...

-... os compositores da Bossa Nova, apesar da voz pequena. - acrescentou o Luca.

Cláudio prosseguiu:

-A Ellis Regina estava programada para substituir a Cely Campelo, tanto que ela gravou LP que, depois, desconsiderou.

-Os cantores, antes de se firmarem, imitam alguém. - declarou o Luca.

-Descobriram, depois, a garganta que a Ellis Regina possuía e a história mudou.

-Cantava muito. - disse o Vagner depois da minha fala.

-A Dilma Rousseff perdeu o namorado, no tempo de guerrilheira, para a Bete Mendes. - lancei o mote para ser desenvolvido pelos integrantes do Sabadoido.

-Carlinhos, a Bete Mendes, antes desse problema glandular que a engordou, era um mulherão. - interveio o Cláudio.

-Sei disso, quando a vi nua, no “Eles Não Usam Black-Tie”, estremeci na cadeira do cinema. - falei.

-Um mulherão! - exclamou o Vagner.

-Hoje, o comilão da esquerda está sossegado, almoça, como amigo, com a Dilma que, por sua vez, ficou assexuada.

-Carlinhos, quando nós formos embora, eu lhe entrego as cartas da Rosa. - falou o Luca uma oitava abaixo.

-O PT expulsou a Bete Mentes, o Aírton Soares e o José Eudes, porque eles votaram no Tancredo Neves. - rezingou meu irmão.

-Vocês viram esse servidor que não foi atendido por um hospital, em Brasília, e morreu? - perguntei.

-Isso terá desdobramentos, porque ele era um servidor público com cargo importante e a Dilma pediu que o caso fosse apurado. - ressaltou o Claudio.

-Há o fato de ele ser negro; talvez houvesse racismo. - considerou o Luca.

-Ouvi no rádio que o plano de saúde dele era GEAP.

-É o da mamãe, Carlinhos.

-Ela herdou do seu pai?

-Sim.

Depois dessa rápida troca de perguntas e respostas entre o Luca e o Cláudio, retomei a palavra.

-Não sei como é em Brasília, mas no Rio de Janeiro, o GEAP não é um plano que se destaque. O doutor Jerônymo tem o GEAP, passou por uma cirurgia de câncer da pele em que perdeu uma vista. O hospital em que foi operado é excelente, Alberto Schweitzer, mas parece que é o único do GEAP, pois ele se deslocou da Barra da Tijuca para Realengo.

-É muito chão. - concordou o Vagner.

-O Alberto Schweitzer recebeu os feridos por aquele maluco, na Escola Tasso da Silveira e eu não soube de nenhum que tenha morrido. - frisei.

-E o estupro que houve no Big Brother Brasil? - mudaram de assunto.

-A polícia deveria aproveitar e fechar aquela casa. - afirmei.

-Carlinhos, eu não vejo esse programa, mas ele existe em todo o mundo. - contemporizou o Luca.

-Aquilo é putaria.

-Justamente, Claudiomiro. - apoiou-o o Luca.

-Desde que se configurou um crime, o programa tinha de acabar. - insisti.

-Na TV aberta, não apareceu nada. Viu-se alguma coisa nesses canais pagos, onde há filmes pornôs. - argumentou o Luca.

-Um colega meu, do trabalho, assistiu a tudo pela internet. O camarada fornicou com uma mulher inteiramente inconsciente pelo álcool. - falei.

Nesse instante, Vagner apresentou maiores detalhes sobre essa ocorrência que provocou uma forte reação dos internautas e redundou na expulsão do estuprador.

-Luca, você se lembra, lá pelo início da década de 70, de um grupo de poetas que divulgava uma nova poesia e rasgou os versos do Drummond, do Manuel Bandeira, da Cecília Meirelles, na escadaria do Teatro Municipal?... O Nélson Rodrigues desancou esses “poetas” numa das suas crônicas...

-Mais ou menos, Carlinhos.

-Um desses idiotas era o Pedro Bial.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

2087 - erros e acertos

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3887 Data: 23 de janeiro de 2012

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UM SABADOIDO COM TEMAS VARIADOS

Eu ainda não tinha atravessado a Rua Cachambi, quando uma maltrapilha, de idade indefinida (variava de 30 a 60 anos) me pediu dinheiro.

-Não tenho trocado. - aprendi a dar essa resposta desde garoto, quando via minha mãe se desvencilhando dos mendigos.

Acelerei as passadas, enquanto imaginava, pela cara de vício que vislumbrei, se ela gastaria o dinheiro com álcool ou com crack.

Quando parei no portão para chamar pelo Cláudio, surpreendi-me com ela ao meu lado de mão espalmada.

Gritei pelo meu irmão, enquanto ela insistia.

-Não adianta. - disse-lhe.

Chamo pelo meu irmão uma vez apenas, sei o quanto ele se irrita com os chamados de curtas pausas do Vagner, mas, dessa vez, pressionado, gritei o seu nome pela segunda vez.

-Espero que ele não repita aquele craqueiro grudento que desceu três rampas da estação do metrô de Maria da Graça me pedindo 50 centavos. - pensei, sem nada falar.

Para o meu alívio, o sinal da Suburbana com a Rua Chaves Pinheiro fechou e ela se dirigiu ao motorista de um táxi. Meu sobrinho apareceu para abrir o portão, enquanto o taxista afastou o carro para evitá-la.

-E, então, Daniel, viu o vídeo parodiando a situação atual do Flamengo?

-Carlão, o desespero do Hitler com a saída do Tiago Neves é hilário. - riu.

-Eu me referia, ontem à noite, pelo telefone, a outro vídeo do youtube, que o Elio Fischberg me enviou. - surpreendi-me.

-Eu assisti àquele do filme da queda do nazismo.

-Mas não fizeram tantas paródias com essa cena, Daniel, que foi proibido...

-Carlão, a internet é um território livre.

Estávamos, agora, na cozinha, onde, o Cláudio lia o Globo.

-Daqui a pouco, eu lhe mostro o vídeo que recebi e você mostra o do Hitler.

Daniel rumou para o quarto, de onde vinha a voz da Gina ao telefone.

-Tudo bem?- perguntou o Cláudio.

-Ontem, na Rádio MEC, o Sérvio Túlio colocou o “Two by Two” do Richard Rodgers, mas não suportei ouvir quinze minutos; desliguei o rádio. Há, no entanto, um programa do Tim Rescala, com crianças, sobre música, muito interessante.

-Tim Rescala é muito bom. - enfatizou meu irmão.

-Ele perguntou o que é melodia e um garoto respondeu que é uma sequência de sons agradáveis ao ouvido. Tim Rescala disse que, grosso modo, a melodia é uma sequência de sons e silêncio que têm relação de concordância entre si. Depois, perguntou o que é harmonia.

-Deram a mesma resposta de melodia. - disse.

-A grande maioria dos ouvintes não sabem diferenciar uma da outra, mas uma das crianças respondeu que harmonia é o acompanhamento. Tim Rescala declarou que a harmonia não é só o acompanhamento. Para demonstrar o que dizia, colocou para tocar “O cisne” de Saint-Saens, primeiramente com a orquestra e, depois, apenas o solo do violoncelo.

-Ele diferenciou, assim, a melodia da harmonia?

-Tim Rescala mostrou que, mesmo no solo do violoncelo, há harpejos, acordes que constituem a harmonia.

-Se a música satisfizer os meus ouvidos, eu estou satisfeito. - atalhou o meu irmão.

-A coisa complicou quando o Tim Rescala colocou o prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”, quando Vagner mexeu com os alicerces da música, fixados por Bach. A criançada que havia dito que a harmonia volta, não sabia agora o que dizer. O centro tonal some na música Tristão e Isolda – diz o Tim Rescala; e um garoto retruca, em tom de piada: “E os dois morrem de tanto procurar o centro tonal.”

-E ainda tem contraponto, polifonia, ritmo... A música clássica é bem complicada.

-Não seria tanto assim, Cláudio, se as escolas continuassem com o ensino de Canto Orfeônico, que o Villa Lobos conseguiu no ministério do Gustavo Capanema e a Lei de Diretrizes e Bases acabou em 1962. Eu só estudei Canto Orfeônico no 1º ano ginasial. Felizmente, a Rádio MEC atendeu ao pedido do maior educador deste país, o Roquete Pinto e não enveredou para a política.

-O Roquete Pinto, além de trazer o rádio para o Brasil, doou a estação para o governo federal. - frisou meu irmão.

-Ele doou duas estações de rádio, a outra foi bagunçada pelo Lacerda e pelo Brizola, porém, poucos anos atrás, o Arthur da Távola, secretário das Culturas, deu uma melhoradinha na Rádio Roquete Pinto. - acrescentei.

-Carlão, venha ver o Hitler. - chamou-me o Daniel de dentro da casa.

-Daniel, não há nada melhor para eu ver: o Freddy Krueger, o Charles Manson, o Coronel PM Djalma Beltrame apitando a final de 2007 entre o Botafogo e Flamengo?...

Enquanto eu falava, adentrava o seu quarto, onde ele e a Gina se achavam diante do computador.

-Senta, Carlinhos. - ofereceu-me ela um pedaço da cama do filho, enquanto ele, com dedos muito mais ágeis do que sobre o teclado musical, acionou o vídeo da paródia do youtube.

Vi e sorri, considerando, em silêncio, que o “meu filmezinho” agradaria mais.

-Muito bom. Agora, Daniel, coloque no Yahoo.

Ele me obedeceu e quando entrou direto na relação dos meus e-mails, observou:

-O meu computador já guardou a sua senha.

-Nem precisava, pois você memoriza todas as minhas senhas. - retruquei.

Quando surgiu o vídeo galhofando à atual situação financeira do Flamengo, meu sobrinho se mostrou desapontado.

-Esse?!... - reagiu.

Gina esclareceu:

-É um programa europeu com vítimas de barbeiragens médicas. Pessoas que foram operar a garganta e ficaram com um fio de voz, quase inaudível.

-Você nunca tinha visto?

-Não, Daniel, fiquei tão envolvido com as piadas que não notei que usaram a desgraça alheia.

Depois da interrupção, Gina prosseguiu:

-O apresentador do programa dá de rir quando as vítimas falam, tenta se controlar e não consegue.

-O diabo, Gina, é que o riso é contagioso.

-Ah, sim, a gente não quer, mas acaba rindo também. Repara que há pessoas quase perdendo as estribeiras com esse apresentador.

-Eu me lembro que a Lilian Witte Fibe perdeu o emprego da Globo por causa de um acesso de riso incontrolável com a notícia de um casal de velhinhos e uma carga de Viagra e Ecstasy. Para mim, ela era melhor do que Fátima Bernardes, Patrícia Poeta...

-Carlão, eu tenho entrevista dela no Jô Soares sobre isso. - animou-se o Daniel.

Em poucos segundos, estávamos todos espiando a Lilian Witte Fibe. Em seguida, coloquei, no monitor de vídeo, as fotos que fiz da janela da minha casa da procissão de São Sebastião que, no dia anterior, ocupou a metade da Rua Modigliani.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

2086 - mistureba de idades

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3886 Edição 22 de janeiro de 2012

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CAMELOT NO SABADOIDO

PARTE II

Numa daquelas reflexões que acontecem durante os pores do sol, perguntei-me por que são tantos os casos de pedofilia e muito poucos os de gerontofilia. Antes de prosseguirmos, vamos esclarecer que a união de Florentino Ariza com a idosa Fermina Daza, como a do Roberto Marinho com a sessentona Lilly de Carvalho Marinho, nada tem de gerontofilia, pois os dois citados, já estavam também na idade madura. Só se caracteriza a gerontofilia quando um jovem se sente atraído por uma idosa (não coloquei uma jovem e um idoso – Vera Fischer e Magalhães Pinto, por exemplo - porque esse relacionamento é, quase sempre, suspeito).

Acionei a minha memória, que é superestimada por alguns, e me lembrei de um filme a que assisti em meados da década de 70, baseado em contos de Dalton Trevisan, “Guerra Conjugal”. Eram várias histórias; numa delas, um conquistador de mulheres não encontrava uma, por mais formosa, que o satisfizesse. Depois de muitas frustrações, encontra uma velhinha no baixo meretrício, posta de lado, e a leva para a cama. Vê-se, depois, ele agradecendo, com gestos comedidos, àquela velha que lhe devolvera a serenidade.

Agora, diante do computador do meu sobrinho, eu podia iniciar as minhas pesquisas.

Guerra Conjugal, fita dirigida por Joaquim Pedro de Andrade em 1974, com Lima Duarte; Jofre Soares; Elza Gomes; Carlos Gregório; a morena magrinha Cristina Aché, mulher do diretor, etc. Baseado em vários contos do escritor de Curitiba, Dalton Trevisan. Um casal de velhos se agride... Um advogado inescrupuloso seduz as suas clientes... Nelsinho, um conquistador sem limites...

Nesse ponto, eu prestei mais atenção no que lia. Era Nelsinho o gerontófilo, recordo-me bem do Carlos Gregório se despedindo da velhinha.

A voz sonora do Luca soou lá fora, vibrava com o feito do Daniel na sua vida profissional.

-Claudiomiro, temos de lamber as nossas crias. Fiquei extremamente alegre quando soube que o Daniel passou no concurso da Casa da Moeda.

No tumulto de vozes, um timbre me pareceu infantil. Imaginei a vinda da Kiara.

-A minha Carolina foi chamada para ser homenageada pela turma de formandos em Biomedicina da UFRJ... - prosseguiu o Luca.

Em poucos minutos, a neta do Luca adentrava o lugar onde eu estava .

-Estou saindo do computador, Kiara.

-Não tem pressa, Carlinhos.

-Eu ouvia o Michel Teló.

E pus-me a cantar um trecho do forró.

-Você gosta, Carlinhos? - animou-se a menina.

Não lhe disse que caminhei, durante meses, ouvindo ritmos nordestinos para evitar a voz do Lula nos meus ouvidos antes do sol nascer, porque teria de explicar que só depois de 2011 voltei a escutar os noticiários do rádio.

-Kiara, não só canto como danço, com a coreografia dos soldados israelenses, o sucesso do Michel Teló.

-Daniel, o Carlinhos vai dançar. - assanhou-se a Kiara.

-Espera lá, Carlão, que eu vou colocar pilha na máquina fotográfica.

-Daniel vai filmar, Carlinhos.

Enquanto Daniel saía em busca das pilhas, eu acessei o vídeo dos soldados israelenses se requebrando ao som do forró brasileiro.

-Eu já vi. - disse a Kiara.

-Eu não. - manifestou-se o Daniel diante do computador.

-Daniel, encontre as pilhas para o Carlinhos dançar. - pediu a neta do Luca.

-Luz já existe, ação também, só falta a câmera. - falei.

-As pilhas, Daniel. - angustiou-se a Kiara.

-Preciso de uma parceira, não danço sozinho.

-Eu, não; o Daniel dança com você.

-Eu terei de filmar. - escusou-se meu sobrinho.

Bem, o Daniel não encontra as pilhas, e o pessoal lá fora me espera.

-Pode ir, Carlão.

-Danço um sábado desses uma outra música. - falei.

-Uma outra... uma outra. - riu a garota.

-Corrigindo-me, hein Kiara?... Não quer que se use dois indefinidos juntos, não é?

Em menos de um minuto, eu me deparava com o Luca lendo e o meu irmão ouvindo.

-”Não se abespinhe...” - lia uma carta da Rosa.

-Carlinhos, veja isso. - interrompeu a leitura, e me entregou o convite de formandos.

-”Cela va sans dire...” - retomou a carta.

Vi o nome da Professora Doutora Vera Carolina entre quatro homenageados, e concordei com o que ouvira no quarto do Daniel minutos antes.

-Temos de lamber, mesmo, as nossas crias, Luca.

-”Eu vinha magicando...” - cortou a frase da Rosa no meio, e voltou-se para mim.

-A Carolina não gosta que isso seja divulgado, não faz propaganda das suas vitórias, mas os pais ficam orgulhosos.

-E eles têm todo o direito de repercutir as conquistas dos filhos. - apoiei.

-”A pulcritude...” - leu o Luca, que foi aparteado pelo Cláudio que, por sua vez, foi aparteado por mim.

-Essa questão de mulher feia...

-Não existe mulher feia, você é que bebeu pouco.

Creio que, depois de o Vinícius de Moraes declarar que a beleza era fundamental, as feias lhe jogaram uma praga tão terrível, que ele teve de beber até considerar todas as mulheres belíssimas.

-Rosa escreveu isto, e eu rebati com esta carta. - desdobrou-a.

-Cacete, é uma polêmica epistolar. - pensei, sem me manifestar.

O Cláudio, com o joelho da perna direita dobrado, colocava o pé na cadeira. De repente, um som caseiro, vindo do outro lado do muro, levou-o a se erguer.

-É a Gina com as compras. - anunciou.

-Vai ajudar, Claudiomiro.

Pensei também em ajudar com o transporte de sacolas, Luca fez menção de suspender a leitura, mas pedi que continuasse.

-Veja, Carlinhos, como ela escreve bem: “... sei que não estão emalados na sua bagagem.”

Gina parou diante de nós, com uma sacola na mão, e nos saudou.

-Sou surpreendido hoje pela Kiara, Gina, que disse que se encontrou com o Daniel, nesta semana, e marcou com ele vir ao Sabadoido. Veja como estão essas crianças...

-A Kiarinha está aqui?- entusiasmou-se a Gina.

Em poucos minutos, ela se juntou ao filho e `a neta do Luca.

Cláudio, depois do transporte e arrumação das mercadorias, retomou o seu posto.

Será que o Luca não trouxe nenhum recorte de jornal com crônicas da Folha de São Paulo para nós comentarmos?... Dessa vez, Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Lourenço Diaféria, Luiz Felipe Pondé e outros ficaram com suas crônicas obnubiladas diante das cartas da Rosa Grieco.

Cláudio trouxe as bebidas.

Falei do texto do Nélson Motta do dia anterior sobre o jogo do bicho, Luca fez uma curta consideração, e retornou às missivas.

Na hora de ir embora, ele entregou o convite de formatura à neta, e pediu que ela mostrasse o nome da Carolina à Gina.

Feito isso, Kiara atirou dardos num alvo, enquanto o avô a apressava.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

2085 - bancos e alcovas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3885 Data: 21 de janeiro de 2012

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CAMELOT NO SABADOIDO

Daniel abriu o portão quando eu chamei.

-E, então, Carlão?...

-Será que o Bezerra cai, Daniel?

-Mais um ministro...

-Dizem que ele mamou como uma bezerra nas tetas da nação.

Estávamos agora na cozinha, onde o Cláudio lia o Globo, sentado numa das cadeiras junto à mesa. Daniel rumou para o teclado e eu me acomodei no sofá de alvenaria coberto de almofadas.

-E o Daniel na Casa da Moeda, Cláudio?...

-O ônibus da empresa o deixa aqui, na porta, às seis e meia da noite, invariavelmente. Nos Correios, a hora da chegada era sempre incerta. Quando estourava o caixa de algum colega dele e o Daniel ficava, para ajudar, aparecia aqui por volta das dez horas da noite.

Apesar de não largar o jornal, prosseguiu. Passou a falar da nossa família, com duras críticas. Passei, então, para outra família.

-Tenho acompanhado a minissérie, em oito capítulos, “Os Kennedys”.

-É bom? - quis saber.

-Bem, Cláudio, os Kennedys são um mito nos Estados Unidos. No excelente filme “Nixon”, do Oliver Stone”, quando o presidente se sente esmagado pela repercussão da guerra do Vietnã e do caso Watergate, ele olha para um retrato do John Kennedy e diz: “As pessoas do povo me veem como elas são, mas o veem (o John Kennedy) como elas gostariam de ser.”

-Chamaram o governo do Kennedy de Camelot, coisa da lenda do Rei Arthur. Eu tenho o disco do musical e assisti ao filme. - disse ele.

-A minissérie tenta depurar a ficção da realidade, e, por isso, não passou nas televisões americanas.

-É contra o John Kennedy?

-Eu diria que não, mas mostra o patriarca da família, o Joseph Kennedy, como uma personalidade que estava com um pé na máfia.

-Ele estava com os dois, Carlinhos; acumulou uma fortuna com venda de bebida alcoólica na Lei Seca, manipulou ações na bolsa...

-Bem, ele contribuiu com rios de dinheiro para o Franklin Delano Roosevelt chegar à presidência dos Estados Unidos e ganhou o cargo de Chairman do órgão criado para sanear Wall Street, o SEC. Quando criticaram Roosevelt, por nomear um especulador, ele respondeu: “É fogo contra fogo.”

-Fernando Henrique Cardoso fez algo parecido quando nomeou Armínio Fraga, braço direito do investidor George Soros, presidente do Banco Central. Mais tarde, consideraram Armínio Fraga um dos dez maiores economistas do Brasil.

-A minissérie mostra o Joe Kennedy recebendo a nomeação de embaixador dos Estados Unidos na Inglaterra, no tempo em que Hitler mostrava as suas garras.

-Eu soube que, no início, o pai do Kennedy teve uma queda pelo Hitler.

-Como, na época, o povo americano era contra o envolvimento do país na guerra, ele pretendia se contrapor ao beligerante Roosevelt e derrotá-lo na indicação do candidato a presidente pelo Partido Democrata, na próxima campanha eleitoral. Assim, fez um discurso, como embaixador, favorável à política de Hitler, quando ele se assenhoreou da Tchecoslováquia.

-Roosevelt lhe deu um pé na bunda. - antecipou-se meu irmão.

-Na minissérie, Joe Kennedy culpa os assessores judeus de Franklin Delano Roosevelt pela sua demissão.

E prossegui:

-Ele escala, então, o seu primogênito, Joseph Kennedy Junior, para ser o futuro presidente dos Estados Unidos. O rapaz já era formado em Harvard, tinha, agora, de lutar na Segunda Guerra Mundial.

-John Kennedy, também formado em Harvard, foi para a guerra. - aparteou-me o Cláudio.

-É claro, mas teve de insistir muito com os pais para se alistar.

-John Kennedy foi considerado herói, porque a embarcação dele foi atingida pelos japoneses e ele ficou desaparecido por dias. Uma história mal contada...

-Sim, Cláudio; quando os irmãos estão em casa, depois de uma licença...

E fiz uma ressalta antes de continuar.

-Reporto-me à minissérie. Em casa, o Joseph Kennedy Jr considera um absurdo a medalha que o irmão ganhou e brada que as pessoas pensariam que ele, o primogênito, foi à guerra para tomar chá quando, na verdade, participou de vinte e seis missões de voo.

-Ele já pensava, como o pai queria, em cargos eletivos, quando a paz viesse.

-Bem, Claudio, há uma cena, logo depois desse desabafo, em que ele diz que voltará para participar de mais missões na guerra. John Kennedy lhe pediu, então, que não fizesse isso.

-Ele volta para a guerra e morre. - atalhou meu irmão.

-Quando a família recebe a notícia da morte do filho mais velho, há aquele desespero irlandês, rezas de católicos, com críticas severas do patriarca aos desígnios de Deus. Em seguida, ele chama o John Kennedy e lhe passa o bastão.

-John Kennedy tinha de lutar, a partir de então, para ser, no futuro, presidente dos Estados Unidos da América.

-E a mulher do Kennedy mafioso?... Não dava um pio? - largou o jornal que lia o meu irmão.

-A Rose Fitzgerald Kennedy fazia o papel subalterno das mulheres do século XIX que colocavam a união da família acima de tudo. - respondi.

-A atriz Gloria Swanson era amante dele e todo o mundo sabia. - interveio.

-A minissérie o mostra, apesar dos muitos cabelos brancos, dando umas bitocas na Michelle, sua secretária. Rose Kennedy os surpreende diversas vezes, pois ela trabalhava na residência da família, mas nada diz; importava para ela os familiares unidos.

-Assim como existem mulheres com furor uterino, há homens com satiríase. Os Kennedys não podiam ficar sem sexo com mulheres diferentes, durante muito tempo...

-Há um momento – interrompi – em que John Kennedy, enfarado com a vida política, afirma que gostaria de dar aulas de História e pegar umas mulheres.

-Bem, a Jacqueline Kennedy não era igual a sogra, pelo contrário, tinha cultura e era uma mulher do seu tempo. Como suportou as traições do marido?

-Voltando à minissérie, ela diz para o chefão, quando o esposo era senador, que entraria na justiça com um pedido de divórcio. Joe Kennedy acusa o golpe e lhe diz que, assim, a carreira política do seu filho estaria destroçada. Ela não se mostra penalizada e ele lhe oferece, então, um fundo de um milhão de dólares para manter o casamento até a eleição do marido.

-E ela aceita?

-O filme deixou a questão em aberto. Talvez ela tenha aceitado, pois, quando viúva, o De Gaulle, depois de conversar com ela, previu que se casaria com um armador grego.

-Carlinhos, talvez o fato de ser a primeira dama dos Estados Unidos já a satisfizesse.

A música do teclado cessou.

-Carlão, o computador está à sua disposição. - anunciou o Daniel.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

2084 - Fred, Barney e Vilma

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3884 Data: 20 de janeiro de 2012

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CARTAS DOS LEITORES

-O Biscoito Molhado acha que o possível candidato republicano, Mitt Romney, pode derrotar Barack Obama nas eleições presidenciais de 2012? Fred

BM: Não, porque os que desenterram até os ossos dos fatos passados descobriram que, há quase 30 anos, Mitt Romney maltratou o seu cachorro de estimação, Seamus. Assim, como Inês de Castro foi rainha depois de morta, Seamus se tornou cabo eleitoral depois de morto.

Se o caro leitor não leu as últimas notícias sobre a campanha presidencial americana, eu explico nos dois parágrafos abaixo.

No verão de 1983, Mitt Romney viajou 12 horas com a família para o Canadá, transportando o seu setter irlandês numa jaula de plástico amarrado ao teto do carro. O republicano afirmou que Seamus se sentia à vontade, pois havia uma proteção antivento. No entanto, seu primogênito relatou que havia fezes escorrendo pelo vidro do carro e houve necessidade de se parar num posto de gasolina para a limpeza da sujeira com uma mangueira d' água. Resumindo: Seamus estava apavorado.

O ex-presidente da Câmara, Newt Gingrich, seu rival republicano, reviveu o caso em anúncios negativos na TV. Uma multidão de internautas tem visitado os sites DogsagainstRomney.com e Seamus2012.com . Camisetas com os dizeres “Dogs aren' t luggage” (cachorros não são bagagens) e “Mitt is mean” ( Mitt é perverso) são vendidas nesta campanha eleitoral.

Os cães têm uma grande importância na política dos Estados Unidos. O presidente Franklin Delano Roosevelt teve um Scottish Terrier, chamado Fala, que se tornou soldado raso honorário do Exército Americano ao “contribuir” com 1 dólar para o esforço de guerra a cada dia do ano, servindo, assim, de exemplo. Alcançou tamanha popularidade, que a Casa Branca recebia inúmeras cartas dirigidas a ele. Foi necessário que se deslocasse uma secretária para atender apenas a correspondência de Fala.

Na campanha eleitoral de 1944, os republicanos acusaram Franklin Delano Roosevelt de enviar um navio de guerra da Marinha dos Estados Unidos para buscar Fala, que ele havia esquecido nas Ilhas Aleutas. No dia 23 de setembro de 1944, Roosevelt proferiu o memorável Fala speech (discurso Fala), que foi filmado e merece ser visto como uma obra-prima de perspicácia política. Eis o que disse:

“These Republican leaders have not been content with attacks on me, or my wife, or on my sons. No, not content with that, they now include my little dog, Fala. Well, of course, I don’t resent attacks, and my family doesn't resent, but Fala does resent them. You know, Fala is Scotch, and being a Scottie, as soon as he learned that the Republican fiction writers in Congress and out had concocted a story that I had left him behind on the Aleutian Islands and had sent a destroyer back to find him – at a cost to the taxpayers of two or three, or eight or twenty million dollars – his Scotch soul was furious. He has not been the same dog since. I am accustomed to hearing malicious falsehoods about myself – such as that old, worm-eaten chestnut that I have represented myself as indispensable. But I think I have a right to resent, to object to libelous statements about my dog.”

A primeira dama, 16 anos depois, Jackie Kennedy, também teve um Scottish Terrier, de nome Hottchie; quanto ao seu marido, o presidente John Kennedy, estava mais interessado nas cachorras.

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-Na edição do Biscoito Molhado que alude à ópera “O Trovador” de Verdi, onde o legendário tenor Mario Del Monaco aparece com trajes de Flash Gordon, foi dito que a história ocorre na Era Medieval. Creio que há um engano, pois “Il Trobador”, livro de Antonio Garcia Gutiérrez, que serviu de inspiração ao libretista da ópera, é ambientado em Aragón, no século XV. Vilma

BM: Vilma, eu aprendi no antigo ginásio que a Idade Média vai de 476, quando caiu o Império Romano, a 1453, ano em que os turcos conquistaram Constantinopla. Como eu não consulto apenas a internet (sempre de pé atrás), pesquiso também as enciclopédias Larousse, Barsa e a Rosa Grieco, soube que, agora, estão considerando 1492, o ano da descoberta da América como o fim da Idade Média.

Isso posto, prossigamos.

Como existem o alto e o baixo Leblon, existiram a alta e a baixa Idade Média. A alta Idade Média se refere à parte do período que vai da derrocada do último imperador de Roma até o ano 1000, enquanto o tempo compreendido entre este ano e o século XV se denomina baixa Idade Média. Houve o feudalismo do século X ao XIII, dentro da baixa Idade Média, com forte presença da Igreja e, como o fim da Idade Média, do século XIV ao XV, o poder da Igreja declina e a atividade intelectual se laiciza um pouco, o que permite o desabrochamento do Renascentismo italiano, no século XV.

Quanto ao ambiente em que ocorrem as peripécias de “O Trovador”, na Espanha, não cabe dúvidas: pura Idade Média.

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-Dos 80 mil acessos na internet ao vídeo do Luca dançando a marchinha “Dama das Camélias”, na interpretação do Caetano Veloso, creio que fiz umas vinte. Estou curioso, desde que li o Sabadoido sobre o assunto, em saber quem foi a “Dama das Camélias”? Barney

BM: Meu amigo Barney, a história da “Dama das Camélias” está no livro, no teatro, em cinema, na ópera, e nas canções.

Na realidade, a “Dama das Camélias” era uma das “teúdas e manteúdas” dos senhores burgueses. Uma elegante cortesã francesa do meado do século XIX, que encanta Paris com sua beleza, suas artimanhas no amor. A sua vida pródiga é sustentada por emergentes da burguesia urbana.

Alexandre Dumas Filho, quando se destacava o romantismo, idealizou a história da cortesã Alphonse Plessis, transformando-a na “Dama das Camélias”, a mulher que alcançaria a elevação através do amor, no seu livro publicado em 1848. O sucesso foi tão extraordinário que logo a obra foi adaptada para uma peça teatral de cinco atos.

O grande Verdi manteve o romantismo do escritor e criou uma das suas óperas mais executadas nos palcos líricos, “A Traviata”.

Em 1907, Vigo Larsen lançou o filme “La Dame Aux Camélias”.

No filme de 1936, dirigido por George Cukor, com Greta Garbo, vemos o apreço da protagonista pela flor desde a primeira cena. É a camélia uma flor oriental vistosa, com pétalas inteiriças e semidobradas, que exalam suave perfume.

O cineasta italiano Mauro Bolognini escoimou o romantismo da história e nos mostrou, no seu filme de 1980, com Isabelle Hubert e Gian Maria Volonté, entre outros, a história de Alphonsine Plessis, a bela cortesã que morreu tísica.

A música popular brasileira manteve o encantamento, o sonho e o amor da história de Alexandre Dumas Filho, na marchinha de carnaval de Braguinha e Alcyr Pires Vermelho. A primeira gravação se deu na voz de Francisco Alves, em 1939. Foi ela, na voz de Caetano Veloso e na coreografia do Luca, que comoveu um dos nossos sabadoidos.