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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3846 Data: 11 de setembro de 2011
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EDIÇÃO DOS 10 ANOS DO ATAQUE `AS TORRES GÊMEAS
Na locadora de carros, Ratinho se identificou:
-Eu sou o correspondente de O Biscoito Molhado
O americano o ouviu com a cara fechada, o que irritou o Ratinho.
-Eu tenho cara de terrorista árabe?... Além de repórter, eu pertenço ao Webboteco.
-O que é Webboteco?... Alguma organização ligada ao fundamentalismo islâmico?- quis saber o americano.
Se não expulsarem certas pessoas de lá, acabará se transformando. - respondeu o Ratinho.
Obtido o veículo, de fabricação japonesa, Ratinho rumou para uma guarnição do Corpo de Bombeiros. Ao estacionar, fez uma mossa na lateral do carro parado à direita, um carro coreano.
-Se reclamarem, mando a conta para a redação do jornal. - murmurou.
No Coro de Bombeiros, procurou por Christian Waugh e o achou. O seu rosto se crispou ao relembrar o 11 de setembro de 2001.
-Ficou célebre aquela foto em que você e mais quatro carregam o corpo do capelão dos bombeiros de Nova Iorque. - disse o Ratinho.
-Eu encontrei o corpo do padre no chão do lobby da Torre Norte, antes de o segundo avião bater na Torre Sul. Penso que ele morreu de ataque cardíaco.
-Naquele dia, você trabalhou muito?
-Trabalhei até as 9 horas da noite. Meu capacete se perdeu e foi achado nos destroços por causa do número. Meu filho, que também é bombeiro, herdou o meu número.
-Meu caro Cristian Waugh, diga que número é esse porque há muitos leitores do Biscoito Molhado que jogam diariamente no bicho.
-11 657.
E acrescentou:
-Morreram 343 bombeiros e eu não me conformo de ter sobrevivido.
-O mundo precisa de sobreviventes. - consolou-o o Ratinho.
De volta ao Toyota alugado, Ratinho rumou para outra guarnição do Corpo de Bombeiros. No caminho, quase atropelou uma adolescente que empurrava um carrinho de bebê.
- Quase matou meu filho! Vai devagar, barbeiro. - gritou.
-Você é que foi muito apressada. - devolveu o Ratinho.
Agora, reunido com um grupo de bombeiros, o nosso correspondente
-Sabe-se que os irmãos Jules e Thomas Naudet foram as únicas pessoas sobre a face da Terra a registrar as imagens do voo 11 da American Airlines, um Boeing 767, atingindo a Torre Norte.
-Sim, os dois filmavam um documentário sobre o nosso dia a dia. Um deles, creio que o Jules, tinha a câmara na mão, apontada para o solo, acompanhando a prospecção de um escapamento de gás. De repente, o barulho de um avião que sobrevoava muito baixo chamou a nova atenção, ele apontou, rapidamente, a filmadora para cima e conseguiu registrar aquela tragédia.
-Onde eu posso encontrar Jules e Thomas Naudet?- quis saber o Ratinho.
-Na França.
-Preciso me tornar o correspondente do Biscoito Molhado em Paris. - murmurou.
-O que o senhor disse?- indagaram os bombeiros.
-Eu disse que preciso viajar.
-Vai à Flórida, à escola onde o presidente Bush acompanhava a leitura de livros infantis, quando o chefe do gabinete da Casa Branca lhe deu a notícia sobre o atentado às torres do World Trade Center?
-Naquele momento em que o presidente repetia com as crianças “Ivo viu a uva”?... Não, não há nada de jornalístico lá.
E acrescentou o Ratinho:
-Agora, eu vou visitar Edward Fine, um dos sobreviventes. Se me entregaram o endereço correto, eu chego lá.
E quase não chega, pois o seu carro quase atingiu um poste, depois de subir o meio-fio.
-O cachorro é manso, Senhor Edward Fine?- quis saber logo que a porta da mansão foi aberta e ouviu latidos vindos de longe.
-Fique tranquilo, é um labrador, mais manso que o cachorro do Bill Clinton.
-Então, só pensa
-O seu jornal, no Brasil, me pediu uma entrevista sobre o 11 de setembro de 2001. Estou pronto.
-O senhor aparece, em 11 de janeiro de 2001, numa fotografia, de terno, com uma pasta, empoeirado dos pés a cabeça e com um lenço no nariz.
-Guardo até hoje o casaco daquela foto. Todos os que se salvaram guardam alguma coisa daquela tragédia.
-Você estava na Torre Norte quando o Boeing atingiu o prédio?
-Eu estava no 79º andar. Nessa hora, perdi 40% da audição e nunca mais me recuperei.
-Leve pelo lado bom, você não escutará a pleno volume rap, funk, música sertaneja e discursos dos membros do Tea Party.
-Desculpe-me, não ouvi bem... - elevou a voz como se o Ratinho tivesse também problemas de audição.
Após uma pausa, prosseguiu:
-Eu era consultor financeiro, vivia atolado de trabalho até o pescoço. Eu não largava o computador e o telefone nem nas minhas férias. Aquilo de dez anos atrás foi como uma epifania para mim: resolvi me dedicar mais à minha família, principalmente à minha neta.
E concluiu com um sorriso:
-Passo, agora, um tempo enorme correndo atrás dos esquilos que atacam a minha plantação de tomates.
-Não houve necessidade de um Boeing nas mãos de terroristas muçulmanos para eu evitar o excesso de trabalho. - disse-lhe o Ratinho.
-Eu escapei vivo, mas há gente bem mais heroica do que eu, como Edward Oldziey. Ele evita a morte desde a infância, sofreu até com as batalhas em solo alemão, na Segunda Grande Guerra.
-Você tem o endereço dele?
-Vou ver com a minha mulher.
Com a saída de Edward Fine, Ratinho pôs-se a conjecturar.
-A minha reportagem sobre os dez anos do ataque do Al Qaeda às torres gêmeas de Nova York ficará boa. Espero que o Fischberg não apareça com os pitacos dele no meu texto. Se não, lutarei para que seja banido do Webboteco.
-Aqui está o endereço. - disse-lhe o ex-workaholic, entregando-lhe um pedaço de papel manuscrito.
Ratinho agradeceu e saiu.
-Rumo a New Jersey. - disse, enquanto saltava para o banco do motorista.
Depois de cantar o pneu do Toyota por várias vezes e receber cinco multas no caminho, Ratinho chegou ao endereço que estava anotado.
-Senhor Edward Oldziey, eu soube que o senhor estava no World Trade Center no dia 11 de janeiro de 2001.
-Também estive na Alemanha durante a guerra de Hitler. - interrompeu-o.
-Soube disso.
-Eu também estava no atentado terrorista de 1993.
-Disso eu não sabia... O senhor é um pé-frio.
-O que? - levou a mão em concha ao ouvido direito.
-Cold foot.
Logo, o Ratinho lhe rendeu a reverência que merecia.
-Eu quero dizer que o senhor é um herói por vencer tantas adversidades.
-Estou com 88 anos de idade e sou arquiteto. - disse ele, que também sofria com problemas de audição.
-Na hora do impacto do primeiro avião, onde o senhor estava?
-Eu estava na torre atingida, a Norte, no 72º andar.
-E desceu aquela escadaria toda?- admirou-se o Ratinho.
-Eu desci com George Meyers, meu chefe e amigo. De dez em dez andares, eu tinha de parar, por causa da idade. E dizia: “Vai, George, vai na frente que eu vou depois...”, mas ele não ia. Senti, então, que a vida dele também dependia de mim. Por isso, encontrei forças para chegar lá embaixo, na rua. Existe uma fotografia em que aparecemos nós dois, eu estou de boné.
-O senhor guarda até hoje o boné?
-Certamente.
-E hoje, George Meyers, como é a sua vida?
-Uso aparelho de audição, ando com a ajuda de uma bengala e ...
Como ele criou um suspense com as reticências, Ratinho retomou o final da sua frase:
-E?...
-E apesar dos incansáveis protestos da minha mulher e dos meus filhos, eu continuo a dirigir.
-A direção de automóvel é um excelente exercício para o cérebro. Apesar das mil censuras dos meus familiares e conhecidos meus, eu não paro de dirigir. - enfatizou o Ratinho. (*)
Depois das despedidas e das anotações, o correspondente do Biscoito Molhado voltou para a locadora de carros
-Esses amassados na lataria aumentam as despesas em 1000 dólares. - informou-lhe o responsável pela locadora.
-Coloque na conta do Biscoito Molhado. - bradou o Ratinho.
(*) Há controvérsias. No caso do Ratinho, é certo que o cérebro dele tenha começado a se desenvolver quando tirou a carteira de habilitação, mas as batidas que se seguiram foram tantas, que ficou igualmente comprovado que a energia consumida pelo cérebro esvaziava a visão, a audição e assim por diante.
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