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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

2515 - Fla x Flu sem pai nem mãe



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4315                           Data: 21  de novembro  de 2013
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CHEGANDO DE “ENXOFRE”

Hoje não teremos a “pausa para espinafração”, foi a primeira coisa que me ocorreu quando o Sérgio Fortes anunciou a defecção do Jonas Vieira.
-Onde estaria ele?
E especulou com várias hipóteses; poderia estar na Muralha da China, na eleição da Ângela Merkel, no show do Justin Bieber, e por aí vai.
Citou os santos dos dias, mas nenhum deles com o apelo popular do santo de sobrenome Porres, do domingo retrasado. Falou, em seguida, do aniversário do Flamengo, lembrou-se dos seus amigos flamenguistas para arrematar que não seleciona bem suas amizades. Talvez a surpresa da ausência do Jonas Vieira o tenha levado a se esquecer do flamenguista de quatro costados, e também de quatro pneus, Roberto Dieckmann.
Evidentemente que o tricolor Sérgio Fortes caçoou do rubro-negro Jonas Vieira; aliás, o Fluminense é o pai(*) do futebol do Flamengo e essa briga, diria um Freud futebolístico, tem a ver com o Complexo de Édipo.
E também foi registrado o falecimento em 17 de novembro de 1959 de um dos maiores compositores do século XX, Heitor Villa Lobos.
-Sem mais delongas, vamos à música. - disse o apresentador interino do Rádio Memória.
E anunciou aquele que foi chamado pelo secretário das Culturas da cidade do Rio de Janeiro, Arthur da Távola, de Flautamiro  Carrilho.
Aqui, uma pequena digressão. No “Em Busca do Tempo Perdido”, da minha vida (relevem-me a pretensão), estaria presente Altamiro Carrilho, a que eu assistia, com a sua bandinha, na companhia da minha avó, com a idade em que Marcel Proust só dormia depois do beijo da  mãe.
Ele tocou trechos de “A Dança das Horas”, da ópera “La Gioconda”, de Amilcare Ponchielli.
Em seguida, como no tempo em que apresentava “As Maiores Vozes do Mundo”, na mesma emissora, Sérgio Fortes anunciou “Sabor a Mi”, de Álvaro Carrillo, com o grande tenor mexicano Ramón Vargas. Logo após, aventou a sua desconfiança de ele ser sobrinho do compositor Pedro Vargas. A fealdade dos dois o conduziu a essa suspeita.
-Os dois são extremamente feios, disputam no “fotochart”. - frisou.
Por que ele se reportou à palavra “fotochart”?... Seria uma alusão ao “forfait'” do Jonas Vieira?... Fica a nossa dúvida.
E entrou um passarinho no ar, precisamente o Azulão de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira. Boêmio contumaz, Jaime Ovalle deixou uma obra diminuta. Sérgio Fortes se deteve na soprano estadunidense Kathleen Battle, depois de citar que essa composição já foi entoada por Victoria de los Ángeles, Montserat Caballé e Angela Gheorghiu.
- Kathleen Battle é uma grande cantora, mas de uma simpatia... Merece o título de Miss Simpatia. - ironizou.
Lembrei-me, então, de pessoas, nos Estados Unidos, que trabalharam com ela, usavam camisas com os dizeres: “I survive the Battle”.
Quando o “Azulão” voou na sua voz, constatamos mais uma vez que ela tem crédito, apesar do passivo, digo, da antipatia.
E veio o tango mais uma vez, não “Por una cabeza” (já fora feita a mordacidade subjacente do forfait do titular do programa, como assinalamos), tratava-se da gravação “Canaro em Paris”.
-Não sei o nome completo, mas o Peter jura pela saúde uma tia que já morreu que é Francisco Canaro.
Recordei-me de casos contados por amigos meus que serviram o Exército sobre soldados menos imaginativos que chegavam a matar a mãe duas vezes para conseguirem licenças no quartel.
“Canaro em Paris” foi executado pelo Quinteto de Buenos Aires.
O tango é um pensamento triste que se pode dançar. Vai esta frase de Enrique Santos Discépolo no lugar da frase do Jorge Luis Borges, porque ela fugiu do arquivo da minha mente, e nem com a ajuda do Google eu a encontro.
Passou-se, em seguida, para os musicais da Broadway, “O Homem de La Mancha”, baseado no romance de Cervantes que, em maio de 2002, foi eleito pela maioria de escritores de renome internacional, reunidos pelos Clubes dos Livros Noruegueses, como a maior obra de ficção de todos os tempos.
Sérgio Fortes não deixou de aludir à versão brasileira do musical, em 1977, com Paulo Autran, Bibi Ferreira, Grande Otelo e muitos outros. Na hora de escolher uma gravação entre as incontáveis que existem desse musical, falou mais alto a sua formação operística e anunciou um trecho de amor na garganta de um tenor que, infelizmente teve uma morte trágica, em 2007, Jerry Radley. Ele falava e eu era conduzido para outro fato funesto que ocorreu em 1966: a morte do excepcional tenor alemão Fritz Wunderlich, que partiu  com 36 anos de idade devido a uma queda  de  escada. Também era conduzido para o programa da Rádio MEC, “Clube da Ópera”, em 2002, quando essa triste recordação veio à tona.
Como Sérgio Fortes, para a satisfação dos ouvintes que acordam cedo mesmo nos domingos, cultiva de maneira superlativa a descontração, não se deteve no fim de Jerry Radley e comentou que, com ele, aprendeu a pronunciar Dulcineia em inglês.
Mais um musical da Broadway, agora com aquele que considerou extraordinário, como músico, e quase todos concordamos, Leonard Bernstein. E falou  de “On The Town””, produção de 1944, que foi transformado em filme em 1949. Sobre a fita, informou que já passou umas 250 mil vezes na televisão que, assim, não há quem não a tenha visto. Exagerou só um pouquinho: nós assistimos a esse filme intitulado  “Um Dia em Nova York”,  com Frank Sinatra, Gene Kelly e Jules Munshin. Não foi teatralizado no Brasil, talvez por falta de de nomes de proa que dançassem, ou por falta de patrocinadores.
Sérgio Fortes optou por um episódio de dança de “On The Town”, com a Orquestra Sinfônica  Brasileira sob a regência de Roberto Duarte.
E veio a “Pausa para Meditação”, que sempre deixa o parceiro do Jonas Vieira apreensivo, pois seu autor, Fernando Milfond, não segue os ensinamentos budistas.
No retorno, Sérgio Fortes anunciou a próxima atração: a soprano Kiri Te Kanawa.
-É a queridinha dele. 
Sim, minha mãe dizia isso, com indignação, quando ouvindo o já mencionado “As mais belas vozes do mundo”, programa de alguns anos atrás, queixava-se de ele privilegiar a Kiri Te Kanawa em vez da Mirella Freni,
E a voz de cristal da neozelandesa nos deleitou com “Autumn Leaves”.
-Olha quem chega de “enxofre”, como dizia uma amiga minha.
Imaginei que o Sérgio Fortes se referisse ao Dieckmann que, vez ou outra, fica enxofrado, como dizia José Saramago de alguns personagens seus. Não, era o titular do programa que chegava intempestivamente. Justificou o seu atraso com uma desculpa que, caso não fosse chefe de si mesmo, resultaria em ponto cortado.
Antes de o Peter acionar as carrapetas para a próxima atração, Jonas Vieira afirmou incisivamente que o Flamengo é um clube de ricos, que tem mesmo de cobrar ingressos que chegam a 800 reais para o seu jogo com Atlético Paranaense,
Caramba! Ingressos de 200 a 800 reais, só para assistir a Filarmônica de Viena sob a regência de Herbert von Karajan ou de Wilhelm Furtwangler. - pensei.
Como o Jonas Vieira não é adepto da estatística da Dilma Rousseff, que garante que os brasileiros com 70 reais por mês saíram da miséria, estranhei essa sua afirmação. Um número de flamenguistas de lotar o Maracanã dos bons tempos, que eu tenho visto, é de uma pobreza de quem bebe água numa cuia de queijo Palmira, como diria Nélson Rodrigues.
Sérgio Fortes ainda colocou no ar “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso, com um pianista argentino; a cançoneta de uma zarzuela, “Princesita”, na garganta do tenor peruano Juan Diego Florez; e, finalmente, “Brejeiro”, de Ernesto Nazareth, com a Camerata Brasilis. Não podemos, contudo, dar a devida atenção à obra desses artistas, pois as cartas dos nossos leitores chegavam aos borbotões à nossa redação sobre a peremptória assertiva do titular do programa: “o Flamengo é um clube de ricos”.
Breve, voltaremos ao assunto com a isenção (**) dos botafoguenses.

(*) (**) O Fluminense é a mãe do Flamengo. Ninguém sabe quem é o pai. O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, ainda petrificado com as assertivas sobre futebol do Redator, mal pode contar o tempo que o separa das matérias isentas que se seguirão.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

2514 - o Além te procura



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4314                           Data: 19  de novembro  de 2013
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121ª VISITA À MINHA CASA

E me deparei com a visita do escritor William Faulkner.
-Faulkner, estou em falta com você, ainda não li um livro seu. (*)
-Saíram de catálogo aqui no Brasil?
-Creio que não; ainda assim, eu teria os sebões para comprar “O Som e a Fúria”, “Os Desgarrados”, entre outros.
E prossegui:
-Às vezes eu me vejo, por exemplo, num simpósio, ouvindo palestrantes enfadonhos, e lamento perder horas da minha vida quando poderia estar lendo um romance de William Faulkner. Desculpe-me pela minha falta.
-Não há do que se desculpar. Eu, quando escrevo não me preocupo com o público. Eu disse numa entrevista a Malcom Cowley que a obrigação do escritor não é com o leitor, sua obrigação é realizar o seu trabalho o melhor que puder, podendo valer-se de qualquer outra obrigação que haja deixado de lado, como lhe aprouver. Quanto a mim, vivo demasiadamente ocupado para me importar com o público. Eu não tenho tempo para cogitar quem está lendo o que escrevo.
-“O Som e a Fúria” será o primeiro livro seu que lerei.
-O título do livro me veio com a frase de Macbeth: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem significado algum.”
-Foi a sua inspiração?
Repetiu a palavra inspiração com desdém e disse:
-Noventa e cinco por cento talento... noventa e nove por cento, disciplina... noventa e nove por cento, trabalho. O escritor não deve ficar jamais satisfeito com o que faz.  Jamais a coisa é tão boa como poderia ser. Um artista é uma criatura impelida por demônios. Não sabe por que razão o escolheram, e ele se acha habitualmente ocupado para perguntar a si próprio o porquê dessa escolha.
-Você falou que a obra de arte se origina basicamente de talento, disciplina e trabalho, e sou conduzido aos três maiores compositores: Bach, Bethoven e Mozart, que compuseram compulsivamente, porque eram talentosos, cumpridores das suas obrigações e incansáveis.
-Eu diria que a música é o meio mais fácil de expressão, já que chegou primeiro à experiência e à história do homem. Como o meu talento consiste em palavras, devo procurar exprimir canhestramente por meio delas o que a música teria feito  melhor. A música teria exprimido melhor e de maneira mais simples, mas eu prefiro usar palavras, assim como prefiro ler a ouvir. Apraz-me mais o silêncio do que o som; e a imagem produzida por palavras surge com o silêncio. A música da prosa se processa no silêncio.
-Shakespeare é uma das suas grandes admirações?
-Eu não saía de casa sem levar Shakespeare num bolso e o Antigo Testamento em outro. Mas só fui influenciado por um escritor, Sherwood Anderson.  Histórias diferentes correndo paralelamente, um mesmo fato sendo narrado por vários personagens alternadamente, e por aí vai.
-Você privou da amizade de Sherwood Anderson?
- Eu vivia em New Orleans, fazendo qualquer tipo de trabalho para ganhar alguns dólares, carpintaria, pintura de parede, agência dos Correios, quando conheci Sherwood Anderson. Caminhávamos habitualmente à tarde, pela cidade, conversando com as pessoas pelo caminho. À noite, encontrávamo-nos, de novo, a uma mesa diante de duas garrafas; ele falava e eu ouvia; ouvi muito. Pela manhã, eu nunca o via, descobri que ele se isolava para trabalhar nesse período do dia. Percebi que a vida de escritor era aquela e que me convinha. Parti, então, para o meu primeiro romance.
-E qual foi a reação de Sherwood Anderson quando soube que você se tornou também um escritor?
-Eu estava em casa, ele entrou pela porta adentro perguntando se eu estava zangado, pois sumira por três semanas, disse-lhe que não, que escrevia um romance. “Santo Deus!” - exclamou ele. Quando Mr. Anderson soube que eu já terminara o livro, me fez a seguinte proposta: ele recomendaria o manuscrito de “Soldier´s Paper” a um editor, mas não o leria. E assim foi feito.
-Mas não foi o seu primeiro livro?
-Meu primeiro livro éde 1924, uma coletânea de poemas, quando eu ainda estava no Mississippi. “Soldiers Papers” é de 1926.
-Você nasceu no sul dos Estados Unidos, no estado do Mississipi?
-Em 1897, poucas décadas após a derrota sulista na Guerra da Secessão.
-A derrota mexeu muito com o Mississipi?
-Sim, a aristocracia de acentuada influência inglesa sofreu um baque, famílias ficaram arruinadas com a abolição dos escravos.
-Seus ascendentes foram pessoas influentes?
-Foram, houve muitos políticos.  Meu avô se destacou na guerra, construiu ferrovia e, depois de vencer uma eleição, foi assassinado.  O outro avô meu foi banqueiro. Restou ao meu pai ser comerciante.
-E os estudos?
-Não fui adiante com os estudos, larguei para trabalhar no banco do meu avô.
-Deixa-me ver... Você tinha 17 anos quando eclodiu a Primeira Grande Guerra Mundial.
-Alistei-me no serviço militar americano, mas fui recusado porque só tinha um metro e sessenta de altura.
-Eles teriam recusado Napoleão. - comentei com um sorriso de cumplicidade.
-Procurei, então, a Força Aérea Canadense, mas não cheguei a participar da guerra.
 Em 1929, você estava casado, estabelecido em Oxford, cidade de Ohio e dedicado inteiramente à literatura.
-Não foi bem assim. - interveio.
-Ah, sim... Você escreveu também para o cinema.
-Quando eu precisava de dinheiro, pois agora tinha uma família, eu me via obrigado a redigir roteiros para filmes.
-Mas não foram maus filmes, haja vista que a maioria deles foi dirigida por Howard Hawks, um cineasta destacado entre seus pares.
-O meu trabalho cinematográfico que me pareceu melhor foi feito pelos atores, com o escritor deixando de lado o texto e inventando a cena antes de a câmera começar a rodar. Se eu não levasse, ou não sentisse que era capaz de levar a sério o trabalho cinematográfico, por pura honestidade com o cinema e comigo mesmo, não teria tentado.
-Dos atores, você destaca algum:
-Humphrey Bogart é um daqueles com quem trabalhei melhor. Trabalhamos juntos em “To Have and Have Not” e “The Big Sleep”.
-Em 1949, você recebeu o Prémio Nobel de Literatura.
-Eu arava a terra quando me veio a notícia. Ótimo, era um bom dinheiro, mas sempre preferi a companhia dos meus amigos caçadores, de gente simples ao fulgor das rodas literárias, imagine o formalismo na entrega do Nobel. Não me senti à vontade.
 -Ao escrever, você se utilizava do fluxo de consciência, que Marcel Proust, James Joyce, Thomas Mann, Virgínia Woolf, principalmente, consagraram.
-Deixo isso para os críticos, É hora de partir.
-E foi-se.

(*) A pergunta que não quer calar: por que um escritor sairia do Além e bateria à porta de um jornalista que diz logo de cara que não o conhece? É meio surreal, seja lá o que isto queira significar.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

2513 - um fofoqueiro de mudança



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4313                           Data: 16  de novembro  de 2013
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CARTAS DOS LEITORES

-Existiam diferenças entre Camus e Sartre além das de cunho político? Toniato
BM: Sim, havia outras, como as de cunho filosófico. Por ocasião do centenário de Albert Camus, o filósofo Jean-François Mattéi assinalou o que se segue: “Em “A Náusea”, Jean-Paul Sartre tem vontade de vomitar quando vê a raiz de um castanheiro sair da terra em um jardim público. Sartre sente náusea quando vê a natureza. Camus, ao contrário, quando vê a natureza tem o sentimento de pertencer a um tipo de cosmos no qual se reconhece. Ele se banha no mundo. Isto era desconhecido nos anos 1940-50, e mesmo após os anos 60.”
Há um fato inusitado na vida de Camus, que foi a admiração que ele provocou num agente do FBI que tinha a função de espioná-lo por ocasião das palestras que ele proferiu, em Nova York, no ano 1946. Além de o espião registrar que Camus era um dos intelectuais mais generosos da sua geração, fez uma resenha da obra do espionado, escrevendo que Camus prega que se viva com lucidez no absurdo, desfrutando-se a vida plenamente, pois ela é privada de sentido e que devemos gozar a liberdade plena, aqui na Terra, porque não existe liberdade eterna.

-Exemplar riquíssimo de tudo que é bom gosto, principalmente tea for two, que me conduziu à bela debora kerr, sobretudo na sua fala final de chá e simpatia, anos 50, valeu lembrar “please, be kind”, ela era a cara da minha mãe amilda, deus a tenha. Fernando Borer
BM: Participante bissexto do programa Rádio Memória, Fernando Borer não usa as maiúsculas, questão de estilo, José Saramago na “Viagem do Elefante”, deixa todo mundo, inclusive reis e arquiduques, com minúsculas; Fernando Borer está em boa companhia.
Ele se reporta ao programa em que o Sérgio Fortes só contou com a companhia do Peter, o operador de áudio e colocou a gravação de “Tea for Two”, do musical “No, No, Nanette”. Enquanto o Sérgio era conduzido à lembrança de Doris Day, cantora, atriz e paixão do Jonas Vieira (nesta ordem), o missivista cibernético foi à Debora Kerr do “Chá e Simpatia”.  O que deflagrou a sua memória afetiva foi o chá, pois os filmes e protagonistas e comprimários dos dois filmes são outros. Da Débora Kerr, veio-lhe a recordação da mãe, devido à semelhança física.
Passo agora para o meu primo Dudu, já falecido e citado em exemplares recentes do Biscoito Molhado. Cinéfilo inveterado que, desde menino, criava fachadas de cinema em caixas de sapato, afirmava que a sua tia, minha mãe, era parecida com a Jean Simmons.  Era?
Assistindo ao “Spartacus”, no cinema Roulien superlotado, do Méier, e com dor no pescoço, pois só consegui sentar na primeira fileira com a tela na minha cara, eu me perguntava, todas as vezes que a Jean Simmons aparecia, se o Dudu tinha razão. Não, não tinha, meu primo estava, certamente, agradecido à minha mãe porque, inúmeras vezes, ela foi sua babá, enquanto a irmã mais velha dela ia bater pernas na rua.
O fato de eu me convencer que o meu primo estava errado, deu-me a liberdade de me encantar com a Jean Simmons sem me sentir com complexo de Édipo.
Eu comparava e ainda comparo a minha mãe com a Rainha Elizabeth II, da Inglaterra; não pela semelhança de rostos, mas porque nasceram no mesmo ano. Quando eu a vejo em fitas dirigindo, com o frescor dos 19 anos de idade, ambulâncias na 2ª Grande Guerra Mundial, vem-me à mente a minha mãe, nesse mesmo ano, com a mesma vivacidade da juventude. E assim vai; surge um documentário que a mostra em 1952, quando morreu o seu pai George VI e ela assumiu o trono, e, inevitavelmente, sou conduzido à minha mãe com a mesma tenacidade dos 26 anos. Nesses últimos anos, tenho constatado que a Elizabeth II está mais saudável do que a minha mãe, bem, isso seria inevitável, pois ela conta com o respaldo do império britânico.
Pausa para um chá e, depois, vamos para a carta seguinte.

-Volta e meia o redator do Biscoito Molhado escreve que o Dieckmann tem a mesma mania do Pelé de falar de si mesmo na terceira pessoa. E o redator, não tem nada que lembre o Pelé?  Estelita
BM: Com a bola nos pés, eu lembro Pelé tanto quanto lembro Bach com uma partitura na mão, embora Pelé se compare, modestamente, a Beethoven. Em campo, eu chutava bolas divididas, mergulhava a cara na lama, ajustava-me, perfeitamente, à frase que o cronista Nélson Rodrigues cunhou com a sua sabedoria: “Todo perna de pau é um abnegado.” Assim era eu nos campos de pelada.
Há, porém, certa semelhança entre mim e o Pelé, no que diz respeito à troca de nomes. Eu já chamei o Jonas Vieira de Jonas Resende, a tenista Billie Jean King, de B.B. King, o guitarrista; o músico Moacir Silva, de Moacir Franco, o humorista e por aí vai. Pelé já chamou o lateral direito Cafu de Cafuringa, ponta direita do Fluminense, falecido há anos, e, recentemente, trocou o nome do grande jogador português, Cristiano Ronaldo, por Cristiano Geraldo.
Eu disse “certa semelhança entre mim e o Pelé” e paro aí, porque ele já chegou a um ponto ainda inatingível para mim, como, certa vez, comentando um jogo entre escretes nacionais, disse:
-”A Nigéria não é nenhum bicho babão.”

-”Não ouvir me traz prejuízos incalculáveis, além de me deixar incomunicável, me priva de gratuitas diversões. Fatos ocorridos no 3ºandar: mulher briga com o marido e troca as chaves da porta, ele quebra o armário do extintor e com este arromba a porta. Outra madame apanha do marido e sai berrando pelo “couloir” que ele é broxa. Isso tudo durante o dia, eu em casa e nada ouvi. Desaforo!
A cerveja Stella Artois é comum na Bélgica e li que é valorizada no Brasil; nos primeiros dias bruxelenses, pensei que fosse uma rede de botecos, letreiros por todo o lado. Há uma feita pelos frades, dizem que são os melhores fabricantes, chamada “trappiste”. Provei um gole e comecei a dormir de imediato.”
Rosa

BM: Rosa, quando almocei com o Luca e o Elio, uns quinze dias atrás, na “Brasserie Rosário”, bebi a Stella Artois, que tanto me deleitou. Pensei em pedir um segundo copo, mas resisti à tentação; eu também dormiria.
Mas vamos ao mais importante. Há algum apartamento vago no prédio em que você mora? Se houver, avisa-me, morando lá não me faltarão assuntos para o Biscoito Molhado. 



segunda-feira, 25 de novembro de 2013

2512 - Vaidade não é crime



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4312                       Data: 15  de novembro  de 2013
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RÁDIO MEMÓRIA COM FLORISBELA E VAIDOSO

Nesse domingo, foi a vez de o Sérgio Fortes faltar. Será que eles já estão no revezamento de fim de ano, que faz a alegria dos funcionários públicos? Bem, no meu trabalho se iniciará daqui a pouco mais de um mês.
Para preencher a lacuna, Jonas Vieira apresentou  Anahi Ravagnani,  Gerente de Projetos Educacionais da Orquestra Sinfônica Brasileira, que também ensaia a criançada do coro. 
-Sérgio Fortes não veio porque sofre de dor de cabeça com as derrotas do Fluminense.
Pronto: estava devolvida a metáfora futebolística do último domingo.
Concedida à Anahi a missão de abrir musicalmente o programa, ela pediu “Só Danço Samba”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes”, na gravação do Trio 202 (Nélson Ayres no piano, Ulisses Rocha no violão e Toninho Ferragutti no acordeon), no Jazz Standard, em Nova York, ano 2007.
-Três cobras.
Enquanto Jonas Vieira elogiava os instrumentistas, ela exaltava o acordeon, que, segundo ela, se ajusta a qualquer tipo de música até a tarantela calabresa.(*)
Antes da sua escolha, o titular do programa afirmou que o segundo maior cantor para ele, sendo o primeiro Orlando Silva, é o Sílvio Caldas; pontuando que ele também é compositor, mas sem citar “Chão de Estrelas”. Em seguida, falou de Bororó, autor de uma obra pequena, mas com dois êxitos absolutos: “Curare” e da “Cor do Pecado”, e reportou-se à entrevista que Bororó lhe concedeu sobre Orlando Silva quando escrevia a biografia do cantor.
Peter acionou as carrapetas e ouvimos, então, “Da Cor do Pecado” na voz de Sílvio Caldas.
Anahi fez considerações técnicas da interpretação, elogiando o fraseado e a valorização da melodia.
Deu-se uma pequena pausa para as espinafrações do Brasil de hoje pelo Jonas Vieira, e a vez passou de novo para a integrante da OSB.
-Vamos continuar com os clássicos da música popular brasileira, e a gravação é “No Rancho Fundo”, de Lamartine Babo e Ary Barroso, com o violonista Yamandu Costa e Dominguinhos no acordeon.
-É um colírio musical. - vibrou o Jonas Vieira depois da audição.
-Há tantas porcarias, hoje, fazendo um baita sucesso.
As palavras da convidada foram o mote para ele desancar a falta de educação que se generalizou no país, com as pessoas falando alto nos restaurantes, em todo lugar, enfim.
Nós, do Biscoito Molhado, sofremos isso na carne, ou melhor, nos ouvidos. Certa vez, ao pegarmos o primeiro vagão de um trem do metrô, defrontamo-nos com umas senhoras espalhafatosas que provocavam tamanha cacofonia, que tentamos fugir para o último vagão. Mas isso é outra história.
Depois de aludir à viagem de Camus ao Brasil, em 1949, quando o escritor se espantou com a pouca civilidade dos motoristas, Jonas Vieira retornou aos domínios de Apolo, ou seja, à música. Ressaltou a excelência de Moacir Silva e listou vários instrumentistas que, num arranjo de Mário Adnet e Zé Nogueira, conceberam um disco dedicado a Moacir Silva, destacando a faixa “Flores”.
-Estamos bem. O melhor da música instrumental. - rejubilou-se a substituta do Sérgio Fortes.
Mais uma pausa para a espinafração. Jonas Vieira se insurgia outra vez contra o resgate dos cachorros do Instituto Royal em São Paulo. Se ele soubesse que resgatavam, agora, os ratos...
-Vamos denunciar, mas sem exorbitância. - contemporizou a Anahi.
-Só conheço o caminho do meio que pregam os budistas. - acrescentou ele.
A vez era da dama.
-Escolhi “A Violeira”, de Tom Jobim e Chico Buarque de Holanda com Mônica Salmaso, que possui um timbre que é um carinho para os nossos ouvidos.
Estamos numa democracia, até segunda ordem ou ordem unida, por isso revelamos a nossa  preferência  pela exuberante alegria da Clara Nunes na interpretação desse xote.
Agora, era a vez da Pausa para Meditação, crônica do Fernando Milfond sobre Agatha Christie, intitulada “uma vida espetacular.”
Houve o retorno para a segunda parte do programa e percebi que o Jonas Vieira, até então, anunciara o nome da rádio, a frequência sintonizada, enfim, não fazia o que ele tanto cobrou do Sérgio Fortes, segundo este, quando lhe passou o bastão no último domingo. Ele foi direto para a sessão musical.
-Das brilhantes composições de Chopin, aqui está a “Fantasia Improviso”, com Philippe Entremont ao piano.
Com a última nota do piano ainda ressoando nos nossos ouvidos, Anahi se manifestou sobre o quanto essa peça chopiniana lhe apeteceu e revelou que a “Fantasia Improviso” era a música preferida do seu pai.
-É a minha preferida também, mas gosto dela ainda mais orquestrada por Andre Kostelanetz.
Como Jonas Vieira já disse mais de uma vez que considera a invenção da orquestra a maior de todas as invenções do homem, não era de estranhar.
-Depois dos poloneses vamos aos franceses. - interveio a convidada descontraidamente.
E escolheu “Bidonville”, o Berimbau afrancesado de Baden Powell, na voz de Claude Nougaro. (**)
Depois de nos encantarmos com a bela dicção do canto de Claude Nougaro,  Anahi repetiu os nomes da música, compositor e cantor sem dar o crédito do Vinícius de Moraes. Jonas tentou corrigir essa falha, mas ela insistiu com Baden Powell apenas. Tudo bem, como diz o truísmo, acontece nas melhores famílias; o problema era o fato de ser o ano em que se comemora o centenário do “poetinha”.
Sentindo-se à vontade, não tanto quanto o Dieckmann que procurou se apossar do programa, ela disse da sua predileção pelos italianos, mas tinha de admitir que os franceses realizaram coisas lindas.
Tinha razão, no terreno da ópera, a Itália nos deu Verdi e Puccini, mas como esquecer a França que, com Bizet, nos deu “Carmen”? ... Que o diga o filósofo Nietzsche.
Música que segue. Jonas Vieira bisou Sílvio Caldas, na marchinha de carnaval “Florisbela”, de Eratóstenes Frazão e Antônio Nássara, pedindo atenção para o coro.
Nos comentários, Anahi exaltou os velhos carnavais de marchinhas como essas. Temos a dizer que a manifestação crítica do carioca, através de sambas e marchinhas carnavalescas, não morreu, mas a mídia simplesmente a ignora e ela só repercute o que se ajusta ao comércio em que foi aprisionado o carnaval. Quem pretende escutar uma marchinha bem atualizada politicamente com a engenhosidade dos carnavalescos de outrora, sugerimos acessar no youtube “Brasil descobriu Cabral”.
Anahi escolhia agora uma gravação de João Donato, na voz do “showman” Eduardo Dusek, “É Proibido Afinar o Piano”,
Muito melhor do que o “É Proibido Proibir”, transformado, quarenta e cinco anos depois”, em “É Proibido Não Proibir” (vide biografias). Foi uma agradável surpresa, pois desconhecíamos essa composição do João Donato. Jonas Vieira confessou também o seu desconhecimento, o que fez sua convidada vibrar:
-Quem diria que eu traria uma coisa desconhecida para você, que tem tanta cultura musical.
-Como dizia meu pai: “à lua falta uma banda.”
Rádio Memória chegava ao seu final, mas Jonas Vieira não se esqueceu do Dieckmann, pedindo “Vaidoso”, da autoria de Moacir Santos, faixa do disco com excelentes instrumentistas, que já foram mencionados. (***)
Com a convidada destacando as atividades da Orquestra Sinfônica Brasileira aos domingos de manhã, 11 horas, no Teatro Municipal, que são os “Concertos para Juventude”, o programa se encerrou. Mas Jonas Vieira ainda teve tempo de dar o seu “demorado abraço” nos senhores ouvintes.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO tem perturbado a vida do Sergio Fortes, o mencionado e infeliz torcedor tricolor, pela escalação repetida do Caçulinha com seu acordeom em interpretações bossanovísticas. Sendo assim, pau na Anahi, por fazer o mesmo. O acordeom é interessante, mas não é gaita, cuja intimidade se ajusta ao quase colóquio da bossa. Ao contrário, o acordeom é grandiloquente e dá uma dimensão pouco adequada à Bossa Nova, independentemente da qualidade do intérprete.

(**) Bidon é aquele barril de lata de 200 litros e bidonville é a cidade em que as casas são construídas com paredes desse latão. Em uma concepção mais arejada, comunidade.

(***) Ouvido a respeito da jocosa lembrança, Dieckmann se disse homenageado, pois Moacir Santos é sempre bem vindo e que vaidade não é crime. Mais Dieckmann, impossível.