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sábado, 7 de abril de 2018

3100 - SX um abraço no Leonel



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5360 SX                           Data: 7 de abril de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


LEONEL VAI FAZER MUITA FALTA

Aconteceu, finalmente, a visita há muito combinada, tantas vezes adiada. Leonel abre a porta do apartamento da Dias Ferreira. Sou saudado com uma observação surpreendente:
 
- Meus parabéns! Você é nobre! Descende de Inês de Castro!

O propósito da minha visita é tomar conhecimento da árvore genealógica que ele fez da minha família. É um especialista na matéria, sabe todos os caminhos a percorrer, as fontes a consultar para identificar quais foram nossos antepassados. Parte de sua proficiência na matéria decorre de ligações que mantém com instituições portuguesas que consulta sistematicamente, fontes importantes para que tais levantamentos cheguem a bom termo.

No meu caso, seu interesse em proceder a esse levantamento decorreu do meu tataravô Cândido Barata Ribeiro, médico baiano que veio garoto para o Rio de Janeiro, sendo acolhido pelos frades do Mosteiro de São Bento. Anos mais tarde, indicado por Floriano Peixoto, tornou-se o primeiro prefeito do Distrito Federal.

Pela primeira vez, visitava o acanhado apartamento do Leonel na Dias Ferreira. Impossível evitar uma comparação com o gigantesco imóvel que a família Salgueiro ocupava no prédio da Ataulfo de Paiva, no tempo em que a "José Salgueiro Comércio de Ferro e Aço" era uma potência, participando ativamente de grandes obras realizadas no Rio de Janeiro, especialmente na administração Carlos Lacerda. Que, reza a lenda, era um grande amigo da família. 
   
Não comento nada, não faço qualquer pergunta, Leonel antecipa uma série de explicações. Com a morte de Dona Lígia, pessoa especialíssima, mãe que ele adorava, tornou-se necessário vender o latifúndio da Ataulfo de Paiva e comprar o pequeno apartamento da Dias Ferreira, em frente à Livraria Argumento. Ali ele era muito feliz. Não saíra do Leblon, bairro em que morara toda a vida. Ali recebia a visita do filho querido, Luiz Eduardo, por quem era apaixonado. E espaço havia para abrigar todas as suas memórias que, sabemos todos, eram muitas.

Conheci Leonel Corrêa Salgueiro no primeiro ginasial do Santo Inácio, ano em que ele entrou no colégio. Colegas de turma fomos apenas no quarto ano do ginásio. Minha proximidade com ele tinha algumas outras razões não Inacianas.

Eu morava na Rua Aristides Espínola, a cem metros do apartamento dos irmãos Leonel e Lucio Salgueiro. Com eles, disputava "pegas" empolgantes num luxuoso autorama inglês, mania que contava com a adesão de vários amigos da dupla.

Outro fator agregador importante estava na figura de "Seu" Leonel, pai dos meus amigos. Era ele que nos levava ao Circuito da Barra da Tijuca para assistir às provas que envolviam Chico Landi e vários ídolos que dividiam as atenções de milhares de aficionados, numa época de ouro do nosso automobilismo.

Esses pilotos nos proporcionavam fortes emoções, nenhuma comparável àquela que experimentávamos com "Seu" Leonel em sua caminhonete Chevrolet 58, devidamente incentivado pelos torcedores mirins que lotavam seu automóvel. Indo ou voltando do Circuito da Barra, nosso "piloto" reduzia esses grandes ídolos à condição de tartarugas lentas e desmotivadas.
Virei fã de carteirinha do "Seu" Leonel. Com o tempo me dei conta de que as toneladas de solidariedade, amor ao próximo e carinho que transbordavam do coração do colega Inaciano haviam sido herdadas de seu pai. Sempre presente em inúmeras causas e campanhas que mereciam nosso apoio e admiração. Algumas delas relacionadas com o Santo Inácio, entre as quais a construção da piscina do colégio, sonho acalentado durante dezenas de anos.

De "Seu" Leonel, um episódio me marcou tremendamente. No Chevrolet, depois de fazer "entregas" de meninos por todo o Leblon, sobramos no carro eu e Leonel filho. Eis que desaba uma chuva monumental. Tudo fica alagado em questão de minutos. Com imensa dificuldade, estamos a subir a Rua Lopes Quintas quando Leonel pai se depara com uma pedra gigantesca, trazida pelo dilúvio, a obstruir o caminho. É possível contorná-la. Mas não é o que ele faz. Salta do carro e, em segundos, fica completamente encharcado. Faz um esforço louco para encostar a pedra no meio-fio. Nunca esqueci esse gesto, que inúmeras vezes comentei com o Leonel. O que o deixava orgulhoso e feliz.

O futebol no sítio da família Salgueiro, em Jacarepaguá, também serviu para estreitar esse relacionamento. As contendas envolviam pencas de Inacianos. Leonel, generosamente, também acolhia os amigos que fiz em Copacabana quando lá fui morar nos anos 70.

Leonel era um caso raro de vascaíno no Santo Inácio, onde prevaleciam rubro negros e tricolores. No colégio, atuava como zagueiro. No sítio, era centroavante, sempre ostentando um uniforme do Vasco da Gama. Nos dois casos, distribuía porrada prá tudo quanto é lado. Se, definitivamente, não era um craque, há que se admitir que era um jogador no mínimo consistente.

A notícia de que Leonel estava doente causou consternação aos seus amigos. Nossos colegas médicos nos alertaram para a gravidade do quadro.

Ficamos felizes por conta de sua participação no almoço do nosso cinquentenário. Ele estava esperançoso. Dele nos despedimos recentemente, num almoço mais reservado, que contou com a presença do Camilo, Laforgue, Cotrim, Zezé Haddad, minha e do organizador Marinho Pereira, que fez muita força para assegurar a presença do Leonel, pelo que lhe somos imensamente agradecidos.


Leonel vai fazer muita falta. Especialmente para seu jovem filho. E para as centenas de amigos que ele soube amparar e cultivar durante sua vida mais do que generosa.