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terça-feira, 5 de março de 2024

3154 WM - O golpe da cafeteria

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 3023                     Data: 05 de Março de 2024 

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A GAROTA DA CAFETERIA


Estava sentado na cafeteria. Na mesma cafeteria que sempre frequentei, no bairro do Rio Tavares, tomando o mesmo café de sempre. Cappuccino italiano com adicional de canela.

A cafeteria encontrava-se quase deserta, com apenas eu e um homem trajando roupas sociais, ambos imersos em mundos próprios, situados em extremos opostos. Em meio ao ambiente tranquilo, eu apreciava a arte de não fazer nada enquanto degustava o meu café. Optava por não utilizar nenhum dispositivo tecnológico ou mergulhar em leituras. Embora seja um amante dos livros, reservava o horário do café para uma prática contemplativa, uma espécie de mindfulness – a aclamada ferramenta predileta dos coachs digitais. Ao que tudo indica, já vinha adotando essa prática intuitivamente, sem sequer estar ciente do termo. Para não afirmar que minha mente estava completamente vazia, ao saborear o café, concentrava-me em direcionar meu foco para apreciar suas nuances através das papilas gustativas, especialmente o sabor adocicado e amadeirado da canela, com suas impressões cítricas.

Pois bem. Eu estava lá, sem pensar em nada. Apenas focando na temperatura do líquido ao passar pela minha garganta e em como meus sensores de sabor reagiam às suas essências. Sem ler, sem nenhum gadget, sem nada, praticamente um psicopata. Foi quando, de forma abrupta, minha atenção foi capturada por uma presença inesperada. Uma jovem desconhecida surgia diante de mim. Uma ruiva, aproximadamente vinte e cinco anos, trajada inteiramente de preto. Seu figurino compreendia uma legging preta e um moletom preto adornado com um delicado desenho de uma caixinha de música. Num dia de verão, o clima abafado contrastava com sua escolha de vestuário, divergindo muito do estilo do executivo imerso em seu notebook, que ostentava uma camiseta branca lisa e uma calça caqui de tecido fino.

Meu mindfulness foi para o espaço sideral quando ela entrou. A música ambiente que tocava uma bossa nova instrumental, pareceu aumentar de volume, e voltou a estabilizar conforme ela ostentava passadas firmes por entre as mesas da cafeteria. Uma mulher determinada.

E foi aí que aconteceu uma coisa absurda. ABSURDA, repito, em maiúsculo.

Ela andou na minha direção e se sentou na mesa que eu ocupava. Isso mesmo que você leu: na minha mesa, na cadeira bem em frente da minha. Como assim? Com tantas mesas vazias, por que se sentar logo na minha? O que ela queria comigo?

Achei o fato de uma gravidade descomunal. Sempre considerei um ato absurdo, desrespeitoso, interromper um ser humano que contempla o nada. Abalar o ócio alheio deveria ser incluído na lista de pecados capitais.

Eu estava nervoso, me sentindo invadido, mas não queria ceder. Não seria o primeiro a falar. Ignorei sua presença e continuei tomando meu café, fingindo que nada estava acontecendo. Tratava de evitar qualquer contato visual, mesmo me corroendo por dentro, como se parasitas devorassem meus órgãos internos. Podia sentir a quentura do olhar da ruiva me fitando. Eu derretia naquela cafeteria.

Conseguimos manter a competição por cerca de uns três minutos, e confesso que fiquei aliviado quando ela disse a primeira palavra, me tornando um campeão do jogo da “Vaca Amarela”, no qual o primeiro a falar é eliminado e insultado. Vocês sabem, né? Enfim... fui o vencedor e, no caso, a palavra que a fez ser derrotada foi:

– Oi.

– Oi – respondei, virando o rosto com calma para o primeiro contato visual. Parecia uma cena clichê de novela mexicana em reprise.

Seu rosto era delicado e os cílios longos. A boca era pequena, como de uma gueixa. A pele tão clara que era possível ver, além das pintas típicas das ruivas, pequenas veias verdes circularem pela testa. Apesar da delicadeza, o olhar passava um tom imperioso.

– Seu café tem cheiro de canela.

– Sim. Eu peço com dose extra de canela – respondo e dou mais um gole enquanto volto a observá-la.

Ela parece ser ruiva natural. Posso dizer pela raiz do cabelo, pelas pintas no rosto e pela sobrancelha também avermelhada. Ou isso, ou ela se esforça muito para se parecer a uma ruiva natural.

– Eu não gosto de canela – diz a ruiva natural, ou que esforça muito para se parecer a uma ruiva natural.

– O problema é seu – respondo, malcriado.

Ficamos mais um tempo em silêncio. Diria que mais uns dois minutos. Ainda tinha um resto de café na xicara que já estava em temperatura ambiente. Entretanto, eu não estava disposto a dar o último gole para finalizar o café. Sempre acontece alguma coisa depois que o café acaba e, naquele momento, eu estava com receio do que estava por vir. O futuro poderia ser sombrio. O inverno poderia chegar antes da hora.

Foi quando o garçom passou e perguntou se queríamos algo. Para o garçom parecia muito natural duas pessoas uma na frente da outra. Afinal, é a configuração mais clássica quando falamos de disposição em uma cafeteria. Ele pode ter achado que éramos amigos, ou um casal, ou empresários discutindo o orçamento de uma empresa startup de tecnologia, ou qualquer coisa. Não pareceu nenhum momento suspeitar que éramos dois estranhos, sendo um deles com sua intimidade invadida, com seu ócio desrespeitado, atirado às traças.

A ruiva pediu um cappuccino.

– Sem canela, por gentileza. Eu não gosto de canela – fez questão de frisar, talvez apenas para me provocar.

Será que ele anotaria tudo numa única comanda? Estaria eu a financiar o café da mulher que se sentou na minha frente sem o meu consentimento?

– Para mim mais um cappuccino italiano, com a dose extra de canela – pedi para não ficar para trás.

Não é do meu feitio repetir o café matinal, porém, senti a necessidade de fazê-lo para continuar firme no jogo. Assim ganharia tempo até me preparar para a próxima jogada. Meus bispos e minhas torres estavam intactos e atentos para defender o rei.

– Ontem foi o meu aniversário – disse a ruiva.

– Parabéns – respondo, blasé.

– Eu não ligo muito para aniversários. É só mais um dia.

Respondo com os olhos algo como “tanto faz” e giro a xícara com o gole que resta do café que não tomarei.

O garçom chega com os novos cappuccinos. “Sem canela para a madame, e com canela extra para o amigo.” – diz o simpático garçom, prestativo, que quase nunca erra os pedidos, e que provavelmente anotou tudo numa única comanda. Nós dois agradecemos uníssonos.

A ruiva segurou o café com as duas mãos e o sorveu ainda quente. Ela parecia saber o que estava fazendo. Ao sorver o café, a bebida é pulverizada na boca, fazendo o líquido entrar junto ao ar, o que ativa as papilas gustativas da língua, aumentando a percepção de sabores.

– Bom – ela elogia num tom sério, como uma sommelier de cappuccinos sem canela.

Repito o olhar de “tanto faz”, percebendo que minha má educação forçosa veio como defesa à ruptura do meu precioso ócio. Foi então que escutei um pedido um tanto peculiar.

– Me fale da sua avó paterna.

Quase me engasguei. Com o cappuccino entalado na garganta, respondi:

– O quê?

– Isso mesmo que você ouviu. Me fale da sua avó paterna.

– Não vou falar da minha avó paterna. Por que falaria?

– Te entendo. O pedido pode parecer meio estranho mesmo. Mas... por favor. É importante para mim. Você poderia falar da sua avó paterna? Por favor – repete a suplica me encarando com olhar pidão. Seus olhos sabiam fazer um ótimo olhar pidão.

– Minha avó paterna faleceu há mais de vinte anos. – Eu sei.

– Como assim você sabe?

– Quis dizer... eu imaginei. É normal na nossa idade já não termos mais a presença dos avós.

Interessante ela ter usado o termo “nossa idade”, estando eu próximo aos quarenta. Tomei como elogio e cedi:

– E o que você quer saber sobre minha avó?

– Qualquer coisa. Fale qualquer coisa.

Foi quando comecei a recordar da minha avó. Ela era uma boa mulher. Carinhosa, divertida, boa cozinheira. Me chamava de uns apelidos engraçados, típicos da cidade onde ela nasceu no sul do país. Gostava de contar umas histórias do folclore local, algumas que me aterrorizaram por anos, como a lenda do minhocão – uma espécie de serpente monstruosa com língua de fogo que morava na lagoa da cidade e que perseguia crianças malcriadas. Enquanto pensava na minha avó, ia soltando palavras que pareciam ser devoradas com atenção máxima pela mulher ruiva, de quem nem o nome eu sabia.

Falar da minha avó paterna ativou algo dentro de mim que não soube bem explicar. Só sei que comecei a falar sem parar, a entregar histórias e sentimentos com um nível de detalhes que não imaginava recordar. E a mulher na minha frente não piscava um olho. Que tremenda ouvinte estava ali, cem por cento atenta e presente. Seria ela uma psicóloga com a capacidade de atenção plena bem apurada?

Confesso que não percebi o momento que ela se comunicou com o garçom, mas sei que na mesa chegou uma porção de pão de queijo, brioches, manteiga e uns croissants. Enquanto ela comia e esparramava manteiga sem desgrudar os olhos dos meus, percebi uma certa emoção quando comecei a detalhar o amor da minha avó pela culinária. Contei que era especialista em fazer arroz de carreteiro, e o preparava com a carne bovina bem picada que sobrava do churrasco, além de linguiça e tomate. Fazia tudo refogado em bastante gordura, sempre caprichando nos temperos. O cheiro-verde salpicava com fartura para dar o toque final. As lágrimas caiam com discrição dos olhos da ruiva, que já havia dado conta de finalizar todos os carboidratos da mesa.

Interrompi minha narrativa para perguntar se estava tudo bem.

– Então é isso. Agora eu tenho certeza – disse ela, convicta, enxugando as lágrimas com o guardanapo.

– Certeza do que?

– De que eu te conhecia. Eu sabia que eu te conhecia desde o momento que te vi entrar na cafeteria.

– Desculpa, mas eu não tenho a impressão de ter te visto antes. Sou bom em reconhecer e guardar fisionomias.

– Mas eu te conheço – afirmou, plena.

– Você me conhece ou conheceu a minha avó? Ou as duas coisas?

– É muito mais do que isso.

– O que é então?

A ruiva respirou fundo e soltou algo que eu não estava preparado para escutar:

– Eu sou a sua avó!

– Ahn? – respondei incrédulo, tentando digerir o absurdo que havia escutado.

– É isso mesmo. Eu sou a sua avó. Sua avó paterna. Óbvio que não nessa encarnação, porém na última.

– Na última?

– Sim, sou muito sensível a esse tipo de coisa. Fiz uma regressão e consegui enxergar quatro gerações para trás. Na última, fui uma senhora de família aqui do Sul, que amava cozinhar. E adivinha qual era a minha especialidade? Isso mesmo: arroz carreteiro, com cheiro-verde como toque final.

– Você tem certeza disso?

– Absoluta. E estou feliz por encontrar o meu netinho.

– E por acaso você consegue lembrar do seu nome na última encarnação?

– Lembro sim – afirmou, resoluta.

– Maria Eugênia, não é mesmo?

– Exatamente. Maria Eugênia. Fui muito feliz sendo a Maria Eugênia. Obrigado por ser parte importante da minha vida. Agora preciso ir, é muita coisa para digerir. Adeus, meu neto.

A mulher ruiva se levantou, passou a mão no meu cabelo como num afago de vó e, assim como entrou decidida, saiu sem olhar para trás.

Obviamente a conta ficou comigo. O cappuccino sem canela e todos os pães foram parar na minha comanda. E tudo bem. Minha avó teria ficado feliz de eu tê-la convidado para um café da manhã, pena que ela se chamava Ignácia.



quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

3153R - Wilder x Lemmon

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 3023                     Data: 03 de Março de 2008 

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SE MEU APARTAMENTO FALASSE


Cinéfilos e arqueólogos que vez ou outra lêem o nosso periódico (culpa do nosso distribuidor, que falha na sua tarefa) descobriram o Cine Danúbio no Leme. Talvez The Apartment que, no Brasil, recebeu o ridículo nome Se Meu Apartamento Falasse, tenha sido visto no citado cinema, pois é um filme de 1960.

-Cena impressionante de Se Meu Apartamento Falasse é o das fileiras aparentemente infinitas de mesas no escritório - reminiscência da famosa cena de A turba que estabelece o anonimato e a despersonalização do indivíduo em seu ambiente. - escreveu a biógrafa Charlotte Chandler.

Ela prossegue com as pesquisas sobre tal cena, plenamente justificáveis porque não passa despercebida por ninguém, mesmo pelos que não se interessam pela arte cinematográfica.

-Um dia, a caminho do almoço, o co-roteirista  I.A.L. Diamond  me contou como o diretor de arte, Alexander Trauner, havia criado aquela ilusão de grande profundidade - uma perspectiva forçada - numa área relativamente pequena para o set do escritório de Se Meu Apartamento Falasse.

-As mesas e as cadeiras ficavam menores e menores conforme se aproximavam do fundo do ambiente. Chegaram a tamanhos tão diminutos, que Billy Wilder recorreu a crianças vestidas de adultos para se sentarem nelas.

No restaurante, os dois se encontraram com o diretor e roteirista do filme.

-”Sabe como conseguimos aquele efeito? Anões.”

Diamond não contrariava Billy Wilder, como se obedecesse a uma hierarquia militar, e cortou a comida, enquanto o diretor  prosseguia com o seu depoimento para a biógrafa:

-Alexander Trauner era excepcional. Era o mestre da perspectiva. Tínhamos oitocentas mesas e mais duzentas, só que menores. Mais para o fundo, os figurantes também eram menores. No final, as mesas eram minúsculas, e os figurantes, anões. Finalmente, havia mesas muito minúsculas. Ao fundo, dava para ver um pouco de trânsito, coisas penduradas em cordas, como marionetes. Ele criou essa ilusão. Realizar filmes, nesse contexto, se transforma em diversão de verdade. Usam-se espelhos como se fôssemos mágicos. Tiramos coelhos das cartolas.

Se Meu Apartamento Falasse é sobre grandes mentiras inofensivas e pequenas verdades perigosas. - definiram.

-A vida corporativa americana é mostrada em 1960 como um mundo masculino. As mulheres não estão presentes nos escritórios dos executivos nos andares mais altos da Consolidated Life, a não ser pelas secretárias ou ascensoristas que levam os homens às suas alturas profissionais. As mulheres, nas mesas e nas camas, tentam agradar os homens nos Estados Unidos pré-pílula. As mulheres estão envelhecendo e os homens, não. Os anos 50 foram de grande prosperidade nos Estados Unidos e, como nos anos 90, nem todos partilhavam da afluência.- assinalou Charlotte Chandler.

Na classificação por gênero, vemos Se Meu Apartamento Falasse como comédia, drama e romance. Sobre isso, disse Billy Wilder:

-Alguns dizem que é a minha melhor comédia, mas nunca me dispus a realizar uma comédia com Se Meu Apartamento Falasse. Não o considero uma comédia, mas quando dão risadas, não discuto.

-‘Lembro da criação de Se Meu Apartamento Falasse muito claramente’- recordou Wilder. ‘Vi um filme de David Lean chamado Desencanto, baseado numa peça de de Noël Coward e cujo protagonista era Trevor Howard’.

-‘Um homem casado tem um caso com uma mulher casada e usa o apartamento de um camarada para encontrá-la. Sempre tive num canto da mente que esse camarada, presente apenas em uma ou duas cenas, volta para casa e se deita na cama quente que os amantes acabaram de deixar. Imaginei que esse homem, sem a sua própria amante, poderia ser muito interessante.’

Depois de Quanto Mais Quente Melhor, Billy Wilder pretendeu fazer outro filme com Jack Lemmon e, juntamente com Iz Diamond, deu início ao desenvolvimento desse personagem de Desencanto, dono do apartamento de encontros, e ao de toda a história em si.

Escreveu Charlotte Chandler:

-Em Se Meu Apartamento Falasse, Billy Wilder usou o seu triângulo preferido, porém com mais ousadia. Tudo tem a ver com amor. Bud Baxter (Jack Lemmon) ama a bela ascensorista Fran Kubelik (Shirley MacLaine). Ela, por sua vez, ama Jeff Sheldrake (Fred Mac Murray). E Jeff  Sheldrake ama Jeff Sheldrake

Segundo Billy Wilder, o amor de  Jeff Sheldrake por si próprio pode ser o mais duradouro do triângulo.

Eis o que ele disse:

-“O filme tem também um pouco de tristeza, contudo alguns críticos o chamaram de conto de fadas imoral. Se as pessoas prestarem atenção aos diálogos, ficarão sabendo como Jack Lemmom, uma pessoa decente, se envolve nessas coisas. Ele não ofereceu a sua chave e disse: ‘Aqui está, para quem quiser transar no meu apartamento’. De jeito nenhum.”  

-“O primeiro sujeito aparece e diz: ‘Minha mulher e eu temos ingressos para assistir a My Fair Lady, e precisamos nos trocar, mas moramos em Long Island. Podemos usar o seu apartamento?’ Depois, vem outro sujeito, e a cama está um pouco desfeita, certo? É como uma bola de neve que ele não consegue deter. Ele é basicamente um cara decente, mas creio que, a cada vez, um pouco de corrupção toma conta.”

A feitura do filme, como de depreende mais acima, começou com Jack Lemmon.

-“Jack é um dos meus melhores amigos.” - disse Billy Wilder- “e nós nos unimos e falamos sobre coisas. Então, essas coisas acontecem. Escrever é evidentemente mais confortável quando se sabe para quem se escreve.”

E prossegue com mais objetividade:

-“O Sr. Lemmon chegava ao estúdio às oito e quinze da manhã, mesmo que começássemos a filmar às nove. Havia poucos que chegavam cedo. Ele vinha até a minha sala e dizia: ‘Olha, tenho uma ótima idéia. Por que não fazemos assim?’ Ele falava um pouco, eu olhava para ele de um jeito esquisito, e ele dizia: ‘Eu também não gostei.' Então, ele saía, e eu não precisava ficar até o meio-dia ouvindo-o falar sem conseguir filmar nada.”

Quando se iniciaram as filmagens de Se Meu Apartamento Falasse, Shirley Mac Laine expressou o quanto se sentia feliz e honrada em trabalhar com ele, Billy Wilder. Com o rosto e a voz enigmática, ele respondeu:

-“Preciso lhe dizer, Sra MacLaine, que sou um homem muito bem casado.

Até hoje, Shirley MacLaine não sabe se foi brincadeira ou se Billy Wilder falou mesmo sério.




segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

3152 - Guerra Relâmpago


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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição D                        Data: 19 de Fevereiro de 2024 

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BLITZKRIEG.


Os leitores vão estranhar, pois o redator resolveu se aprofundar nos mistérios que envolveram o início da Segunda Guerra Mundial, com a derrota de inúmeros exércitos nacionais perante uma técnica inovadora, a blitzkrieg.

Ressalto que foi muito mais a derrota de vários exércitos do que uma vitória do exército alemão e muito mais o despreparo das forças armadas nacionais, advindo da luta política entre armamentistas e pacifistas; em outras palavras, a guerra poderia ter sido muito menor (e nem mundial) se houvesse mais equilíbrio entre as posições daqueles que defendiam os orçamentos das nações, pois estava à mostra de todos, e a tempo suficiente, o desenrolar da política de conquistas da Alemanha.

Para dar profundidade ao tema, procuramos conhecer teses do século XXI, abaixo nomeadas e, dessa leitura, resumimos ao maior grau possível, nos restringindo apenas às causas e efeitos mais claramente identificados com a blitzkrieg. Gostamos muito do que lemos, pois são teses que buscaram convencer suas bancas examinadoras da exatidão de suas pesquisas e conclusões.

As teses de:

ATHAYR ARAUJO PEREIRA JUNIOR

A BLITZKRIEG ALEMÃ E A EVOLUÇÃO DA ARTE DA GUERRA - UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

LUANA ISABELLE BEAL

A BLITZKRIEG E A TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL


I) Evolução Histórica

O que é blitzkrieg?

A estratégia da blitzkrieg, termo criado por um jornalista e que traduzido significa guerra-relâmpago, foi aperfeiçoada pelo general alemão Heinz Guderian no final de década de 1930. O efeito desejado pela guerra-relâmpago só pode ser obtido pela utilização coordenada da infantaria, dos blindados e da aviação, que agem conjuntamente para "perfurar" as linhas inimigas em um ponto de ruptura. Todo "atrito" com as forças inimigas deveria ser evitado. Se um foco de resistência era encontrado, era imediatamente cercado, suas comunicações interrompidas (o que dificultava a tomada de decisões e a transmissão de ordens) e o resto das tropas de ataque continuava seu avanço ao interior do campo inimigo, o mais rapidamente possível. O foco de resistência ultrapassado seria destruído mais tarde, pelas forças de infantaria que seguiam o ataque surpresa.

Detalhando um pouco, ela concentrava os tanques das divisões blindadas (panzer) numa falange ofensiva, apoiada por esquadrões de caças de mergulho agindo como "artilharia voadora" de muita precisão, que era direcionada para um ponto fraco de uma linha de defesa. Assim, a falange rompia o ponto fraco e prosseguia espalhando confusão em sua esteira. 

Mas é preciso voltar um pouquinho na História. Começando já com  uma supresa, pois essa técnica era a mesma introduzida por Epaminondas em Leuta, usada por Alexandre contra Dario em Gaugamelos e, bem mais recentemente, empregada por Napoleão em Marengo (1800), Austerlitz (1805) e Wagran (1809).

Na I Guerra Mundial, em meados de 1918, os exércitos aliados, reforçados pelos Estados Unidos, foram gradativamente passando para a ofensiva até empurrar os alemães de volta para suas fronteiras. Este acontecimento, somado com a falta de alimentos para a população e o perigo de um avanço comunista no país levou os políticos alemães a destituírem o Kaiser e procurarem a paz com os aliados, assinando um armistício.

O Exército alemão não se considerou derrotado e voltou para casa em desfiles militares com suas bandeiras ao vento e com a certeza de que podiam vencer os aliados. (Esta confiança dos alemães era resultado das vitórias na Guerra Franco-Prussiana de 1870, que impôs uma grande derrota aos franceses e rendeu a anexação dos territórios ricos da Alsacia-Lorena à Alemanha.) 

Os Aliados vencedores tinham o intento de desmobilizar a maior parte do Exército Alemão e impuseram aos alemães o Tratado de Versalhes, elaborado pelos aliados ingleses (Lloyd George), franceses (Clemenceau) e americanos (Wilson), que gravou com perdas enormes o povo alemão e determinou limitações severas às Forças Armadas. Outro fato humilhante (uma vingança especial da França) para os alemães foi terem que assinar o tratado no famoso Palácio de Versalhes, antiga sede dos monarcas franceses, onde 48 anos antes, eles tinham assinado o tratado de paz com os franceses no final da Guerra de 1870. 

Os aliados vencedores tinham o intento de desmobilizar a maior parte do Exército Alemão e acabar com o famoso Estado-Maior, de maneira que este não ressurgisse mais. Segundo eles, o Estado-Maior era o cérebro do militarismo alemão e, suprimindo-o, introduziriam uma grande fraqueza nos alemães, deixando-os sem comando.

Pelo tratado, os alemães teriam o seu exército reduzido para 100.000 homens (eram 13 milhões), sendo que somente 4.000 poderiam ser oficiais e 96.000 praças. O Exército deveria ser responsável somente para a defesa interna e era vetada a formação de reservistas. No tocante ao armamento e ao equipamento, os alemães não poderiam possuir veículos blindados, artilharia pesada, aeronaves de combate e navios de guerra, como os grandes cruzadores e couraçados, reduzindo a marinha alemã a uma guarda costeira.

Os militares alemães consideraram o Tratado de Versalhes uma afronta, como o General Heinz Guderian escreve, em seu livro Actung, Panzer!

“Os parágrafos da parte V do vergonhoso Tratado de Versalhes foram concebidos no ódio. Não estamos mais sujeitos a eles (seu livro é de 1937), mas é bom relembrá-los agora e sempre. O Exército alemão, pelo que eles estabeleceram, ficou pequeno e incapaz de se desenvolver. Entretanto, a medida mais restritiva não foi a diminuição numérica ou a obrigação de serviço por 12 anos. Foi a proibição de não ter nenhuma arma moderna”.

Mas, após o Tratado de Versalhes, começou alguma reestruturação no Exército Alemão e o homem responsável por esta tarefa foi o General Hans von Seeckt, que colocou em prática a idéia de reconstruir o Exército Alemão com um exército constituído de soldados profissionais, engajados por um longo período e, se possível, de voluntários. Então, Seeckt procurou motivar seu exército de 100.000 homens e fez daquela força um grupo de instrutores que fosse capaz de servir de núcleo para uma rápida expansão do exército. 

Cabe ressaltar que ele, durante a I Guerra Mundial, na batalha de Gorlice contra os russos, introduziu um método de ataque que seria o germe da moderna tática de infiltração, ou seja, atacando os pontos fracos do inimigo e penetrando o mais profundamente possível. Não havia blindados então, mas pode-se dizer que este método foi o germe das Tropas de Assalto desenvolvidas posteriormente pelo General Guderian.

A origem da Blitzkrieg está diretamente ligada ao surgimento das Tropas de Assalto Alemãs, à introdução do carro de combate no campo de batalha na I Guerra Mundial e às experiências que os próprios alemães tiveram tanto com os traumas da guerra de trincheiras, como na luta contra os blindados.

Mas como Guderian teve a oportunidade de juntar os mencionados pensadores, com sua experiência e tudo isso sob o Tratado de Versalhes?

O General Guderian era de família de origem militar. Formou-se em 1907 e foi servir na unidade comandada por seu pai, o 10º Batalhão Jaeger de Hanover, uma unidade formada por soldados que eram ensinados a pensar por si, moverem-se rapidamente e encorajados a inovar. Durante este tempo, Guderian completou um Curso de Telegrafia Sem Fio, o que foi um aprendizado fundamental para o seu futuro. Durante a guerra estudou as doutrinas de Estado-Maior, tendo sido aprovado pouco antes do fim da guerra.  

Por tais qualidades, foi designado pelo General von Seeckt para fazer parte do grupo que secretamente formou um novo Estado-Maior Geral, proscrito pelo Tratado de Versalhes, sendo sua missão a modernização do Exército. Guderian passou a estudar tudo o que foi escrito sobre blindados e seu emprego, principalmente os trabalhos dos teóricos britânicos como Fuller, Liddell Hart, Martel e do coronel francês de Gaulle. Com determinação e perspicácia, contou com sua experiência com as comunicações e seu espírito inovador, e desenvolveu uma filosofia de emprego de Forças Mecanizadas que estava à frente das experiências dos outros países. Em seus estudos, ele se convenceu que os blindados, empregados isoladamente ou em conjunto com a infantaria, nunca poderiam adquirir importância decisiva. Mas estava certo de que as formações de todas as armas, apoiadas pelo poder aéreo e com adequado suprimento logístico, seriam capazes de desfechar golpes estratégicos de longo alcance capazes de paralisar nações inteiras. À frente desse tipo das equipes de todas as armas, imaginava comandantes altamente agressivos, que liderariam diretamente na frente de combate e não na retaguarda, e fariam a coordenação pelo rádio que alcançava todos os veículos de combate.

Em 1930, Guderian assumiu o comando de um batalhão motorizado, onde pode reorganizar uma de suas subunidades, conforme sua concepção de guerra de movimento. Depois, em 1931, foi nomeado Chefe de gabinete da Inspetoria Geral das tropas motorizadas, dirigida pelo General Lutz, que também era simpatizante da doutrina desenvolvida por Guderian e, como seu chefe imediato, poderia angariar simpatizantes para a teoria da mecanização e com isso, permitir a maior alocação de recursos para a formação das Divisões Panzer.

A nova organização, entretanto, não era aceita pela maioria dos oficiais mais antigos do Exército Alemão, que não acreditavam nas teorias de Guderian e preferiam idéias mais ortodoxas.

O mesmo fato aconteceu na França e na Inglaterra porque os políticos achavam que o tratado de Versalhes garantiria a paz; como ainda tinham na lembrança as grandes perdas da guerra, adotaram um discurso pacifista e assim reduziram os recursos para as suas Forças Armadas, o que prejudicou o desenvolvimento da mecanização e a formação de suas unidades blindadas. Ainda pior, a França apostou em uma organização defensiva construindo uma rede de fortificações na fronteira com a Alemanha chamada Linha Maginot, imaginando que esta Linha impediria qualquer nova tentativa alemã de invadir a França pela fronteira entre os dois países. 

Pausa: imagine-se o coronel de Gaulle, estudioso da guerra de movimento, assistindo imobilizado a construção das fortificações, mas, neste meio tempo...

A influência do Tratado de Versalhes, com suas condições de reparação de guerra aos aliados, somada aos acontecimentos da crise econômica gerada pela quebra da Bolsa de New York, resultou em uma hiperinflação na Alemanha, o que foi determinante para que Hitler subisse ao poder em 1933.

Então as idéias da guerra mecanizada e das Divisões Panzer saíram do papel e partiram para a prática. Hitler assistiu as manobras de 1934 em Kummersdorf e ficou muito impressionado com aquilo que viu, proclamando aos seus interlocutores “É o que eu preciso! É isto que eu preciso ter.”

Após a formação das Divisões Panzer, o próximo passo era organizar a coordenação dos blindados com Força Aérea, Infantaria e Logística. A estratégia alemã combinou dois conceitos tradicionais: “a Manobra Decisiva”, desenvolvida pelo general prussiano von Moltke em 1850, e “o conceito Guerra de movimento”, proposto por Guderian no final da década de 20. 

Os resultados de comandantes anteriores, cuja habilidade de explorar o sucesso no ponto de assalto estava limitada pela resistência e velocidade do cavalo, tanto como um instrumento de deslocamento, como meio de levar mensagens e relatórios. 

Já o tanque não somente deixava para trás a infantaria, como podia manter um ritmo de avanço de cinqüenta quilômetros por hora, desde que suprido de combustível e peças sobressalentes, ao mesmo tempo que seu aparelho rádio permitia ao Quartel-General receber e transmitir ordens com a mesma velocidade em que as operações aconteciam, um desdobramento que veio a ser conhecido como “tempo real”.

Foi com este conceito de forças mecanizadas de alta mobilidade, apoiados pela aviação, realizando apoio aéreo aproximado, com comandantes conduzindo seus homens na linha de frente, a comunicação rádio em todos os níveis de comando, liderança agressiva em todos os níveis, que os alemães, mesmo que em inferioridade numérica e tecnológica, mudassem no começo da II Guerra Mundial o curso da História Mundial e Militar.

Toda a nova teoria de combate sempre tem óbices quando é colocada em prática e com a Blitzkrieg não foi diferente. Uma pela novidade e outra pelo descrédito de alguns comandantes alemães mais antigos.

Ficou claro durante a invasão da Polônia que as necessidades de adaptação das novas técnicas da Guerra em Movimento com as coordenações necessárias entre as diversas armas e entre a Força Blindada e a Força Aérea. As perdas materiais levaram os alemães a reestruturar suas forças e através das lições apreendidas durante a esta campanha, tornar mais eficiente o emprego das divisões panzer nas operações, bem como solucionar os problemas apresentados durante a campanha. 

II) A Transição Tecnológica:

Qual a relação entre a doutrina da Blitzkrieg e a transição tecnológica? A hipótese é de que existe uma conexão importante entre ambas evidenciada em dois aspectos: 

(a) A Segunda Revolução Industrial e o advento do motor de combustão interna, que permitiram o surgimento do caminhão, do aeroplano e do tanque (motorização e mecanização de guerra); 

(b) O rádio que, ao realizar a comunicação sem fio, permitiu a operação conjunta de Forças (Exército e Aeronáutica), permitindo coordenação em tempo real.

Assim, a novidade era o emprego associado da Força Aérea com a Força Terrestre. No caso da atuação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe (Força Aérea alemã) destruía as linhas de comunicação, os postos de comando e controle e os depósitos de munição realizando, deste modo, a interdição aérea do teatro de operações terrestre. Esta ação era efetivada através dos bombardeiros de mergulho Junkers Ju-87, que precediam o avanço dos tanques e da Infantaria na fronteira do adversário. 

Em resumo, apesar da “guerra relâmpago” não possuir um conceito integralmente definido, seus componentes permitem inferir que esta foi uma forma de conduzir as operações militares que surgiu a partir das possibilidades suscitadas pelo motor de combustão interna (avião e tanque) e da comunicação sem fio (rádio). Como critério de manobra, adotava o envolvimento e a penetração profunda, visando fragmentar o teatro de operações ou o próprio país-alvo. A penetração em grande escala pretendia, também, destruir a infraestrutura do oponente. Além disso, baseava-se na velocidade para ataques rápidos, sempre que possível de surpresa, visando dividir e isolar as Forças inimigas no teatro de operações. Assim, em uma escala menor, o alvo era cortar as linhas de suprimentos adversárias para desestruturar as Forças Armadas inimigas, diminuindo a capacidade de combate das mesmas.

Ao qualificar a Blitzkrieg como tendo provocado uma alteração na guerra habitual, podemos atribuir grande parte deste efeito ao progresso tecnológico alemão. Durante a Segunda Guerra Mundial, os sistemas de armamentos utilizados em todas as Forças deviam-se à acentuada aplicação da recente ciência e tecnologia para fins militares. As modificações nas comunicações elétricas, o aperfeiçoamento de instrumentos de navegação e a melhora do equipamento do rádio afetavam fortemente estes sistemas. Para a melhoria da comunicação e, portanto, para tornar possível uma troca de informações rápida e eficiente, o uso do rádio foi elemento essencial. 

 A Alemanha obteve uma maior efetividade de suas Forças Armadas nas operações pois “o exército estava preparado para concentrar as forças de tanques e, em seguida, dar-lhes a iniciativa no campo de batalha, mantendo contato pelo rádio; a força aérea, apesar das tendências para missões ‘estratégicas’, era treinada para prestar assistência aos avanços”

Ao longo de toda a guerra, os rádios foram utilizados tanto na Força Aérea quanto na Força Terrestre já que a coordenação entre ambos era crucial no nível tático do combate, tanto para incrementar as Forças conjuntas e as Armas combinadas, quanto para concentrar o poder de fogo. Como principais exemplos utilizados na “guerra relâmpago” podemos citar o FuG1018 no sistema de aeronaves e os conjuntos de VHF19 implantados em comunicações de tanques. Mecanicamente, os aparelhos alemães foram muito bem produzidos e, em relação a eletricidade, eram bons e eficazes, apesar de não tão modernos quanto os britânicos. 

Um rádio de aeronave  tinha como propósito permitir que tripulantes de bombardeiros se comunicassem. Composto por dois transmissores e dois receptores, dos quais um par operava de 300 a 600 quilo-hertz (kHz) – ondas longas de frequência média com alcance de 500 a 1.000 metros – e o segundo operava de 3 a 6 mega-hertz (MHz) – ondas curtas de frequência alta com alcance de 50 a 100 metros.  

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O redator se esmerou na adaptação livre e suave das teses acima e entendeu que a transição tecnológica foi essencial ao sucesso encontrado pelos alemães até a rendição da França. Guerras aconteciam na Europa e todos os exércitos tinham organização, pessoal e armamento semelhantes, mas a rapidez das conquistas que batizou esta edição foi decorrente da coordenação possível pelo uso do rádio nas comunicações, o que era inédito.
Enquanto os aviões e blindados alemães se entendiam a cada instante, todas as demais nações dependiam do uso de telefone para qualquer providência. A Polônia resistiu 36 dias - de 01/09/39 a 07/10/39, a Bélgica, 18 dias, a Holanda, 7 dias e a França, 46 dias. Estas 3 campanhas tiveram início simultâneo, em 10/05/40, o que contribuiu para mais desorganização entre os países atacados.

No caso da França, apesar da ideia defensiva da Linha Maginot não ter funcionado como desejado, o Exército francês era o maior do mundo, tinha organização exemplar e divisões blindadas comparáveis às alemãs. Além disso, foi reforçado por uma Força Expedicionária Britânica de 320 mil homens, mas foi superado pela coordenação de combate. Parece pouco, mas é a única explicação razoável para o caos que dominou o exército francês, que tinha quase o dobro de canhões e tanques, embora tivesse menos aviões. 

Há, entretanto, quem diga que existem outros motivos... e acha-se de tudo no Google:

O papel dos estimulantes na Blitzkrieg

Segundo alguns autores, um dos fatores do sucesso da blitzkrieg, em particular durante as invasões da Polônia em 1939 e da França em 1940, foi a utilização de Pervitin, uma metanfetamina, para melhorar o desempenho e a capacidade de concentração das tropas.

Primeiro testada na Polônia — onde a sua distribuição ficou ao critério de comandantes, oficiais médicos ou iniciativas individuais — foi depois já oficialmente distribuída às tropas antes da invasão da França.De abril a junho de 1940, a Wehrmacht recebeu mais de 35 milhões de tabletes de Pervitin. A droga reduzia a sensibilidade à dor e fome. Isto possibilitou o avanço rápido e constante dos alemães, que já não sentiam necessidade de descansar e dormir.

Após cruzar o Rio Meuse, as tropas alemãs avançaram ininterruptamente entre 11 e 20 de maio até alcançarem o Canal da Mancha. É uma semana de avanço quase ininterrupto.

Parece incontestável, porém logo chegam argumentos diferentes.

Você sabe o que acontece se você usar metanfetamina por uma semana? Porque, como mencionado acima, a metanfetamina não elimina a fadiga. No momento em que os efeitos terminam, a combinação da queda das drogas com a fadiga acumulada atingiriam os soldados como uma marreta e eles teriam que repousar vários dias.

Se os blindados de Guderian estivessem tão cheios de Pervitin quanto se costuma afirmar, as tropas estariam tendo ataques cardíacos, ou caindo em sonolência de zumbi antes mesmo de verem a cor do Atlântico. Como se sabe, nada disso aconteceu.

Levando isso em conta, chega-se à conclusão que seria melhor não levar tais hipóteses em conta, o que sugere uma boa hora para encerrar esta edição.


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

3151 - Um pouco de passado.


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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1854                         Data: 13 de Junho de 2003 

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NO ALVORADA...


-“Pretendia receber o Kirchner com a mulher no palácio do Planalto, mas os manifestantes contra as reformas eram tantos, que tive de receber aqui.” – reclamou o presidente que, sentado na sua poltrona preferida, esticava um dos braços, observando os dedos entreabertos.

 -“É assim que eu vejo se estou nervoso.”

-“E o senhor está calmo, não é presidente?” – preocupou-se o assessor sabujo.

 -“Calmo, nada.”

-“Quer que eu chame o Gilberto Carvalho?”

Todos, principalmente o assessor sabujo, já conheciam  o chefe de gabinete como o fio terra por onde era descarregada a ira presidencial.

-“Não; dia desses passei uma descompostura no companheiro Gilberto que.., depois a Marisa me aconselhou a pedir-lhe desculpas.

-“Ora, presidente, não foi nada comparável àquelas descomposturas da Maria da Conceição Tavares.” – mostrou-se o assessor sabujo paciente com a dor de dente alheia.

-“Mas eu disse pro Gilberto “não vou te pedir desculpas, apesar da Marisa mandar.”

O assessor de jornal na mão interveio:

-“Acabo de ler que a CUT afirma que não será correia de transmissão do PT.”

-“Nem no próprio PT a correia de transmissão está bem azeitada.” – suspirou o presidente, de desalento.

-“Logo, aprenderão...”

Excitado, Lula ergueu-se da poltrona:

-“Meu governo está chegando no sexto mês. Esses dissidentes julgam a criança no ventre. Esperem a criança nascer para então julgar. Ora bolas!”

-“O seu governo ainda não fez nem o teste do pezinho...” – murmurou um assessor com um livro nas mãos.

-“O quê?” – não entendera o assessor sabujo.

-“Nada. Uma coisa que lia sobre  Lei de Terras.”

Lula, ainda sem sentar-se, prosseguia indignado:

-“Parece que não entenderam o meu discurso na CUT.”

E tentou relembrá-lo:

-“Há gente que se afoga, não por não saber nadar, mas porque se agita; bate por demais as mãos, mexe em demasia as pernas; falam demais, e falando demais bebem muita água, e afundam.”

-“A metáfora  era bem cristalina.” – aprovou o assessor sabujo.

-“O debate, porém, está aceso.” – observou o assessor de jornal na mão, enquanto o presidente refestelava-se de novo na poltrona.

-“São aquelas discussões que provocam muito calor, e pouquíssima luz.”- prosseguiu esse assessor.

-“Gostei da metáfora.” – disse o presidente.

-“A sua com o afogamento e com o bebê é bem melhor. É uma metáfora mais bem resolvida, literariamente falando.” – comparou o sabujo.

-“Quem  citava muito essa frase sobre as discussões que provocam  muito calor e pouca luz era o Roberto Campos.”

-“Não fale em Roberto Campos que me dá arrepio.” – reclamou do assessor com o jornal o assessor sabujo.

-“Há muita gente que odeia as idéias do Roberto Campos, mas adora embolsar o Fundo de Garantia que surgiu com ele, quando ministro do Planejamento do Castelo Branco. Injustiças...” – lembrou o assessor com um livro.

-“Vamos tratar das injustiças com o nosso presidente.” – solicitou o sabujo.

-“Essa reforma da previdência...” – torturou-se o Lula.

-“O companheiro Brizola é um dos seus mais empedernidos adversários, principalmente no que se refere à aposentadoria por idade.” – queixaram-se.

-“O Lula já disse: ele pisaria no pescoço da mãe para ser presidente. Como ele não foi presidente, atrapalha quem é.”

Era mais uma vez o sabujo que intervinha. E prosseguia:

-“Ele, que assumiria a presidência da República até com cem anos; atacar a idade avançada para se aposentar.”

-“E Brizola chegará aos cem.” – sorriu o presidente, com algum sadismo.

O assessor com o livro nas mãos interveio:

-“Ele sempre garantiu que os Brizolas chegam aos noventa. É bem capaz de ele chegar. Brizola, às vezes, me lembra o doge de Veneza, Enrico Dandolo. Com 95 anos, comandou a Quarta Cruzada, em 1202. Eram 20 mil homens  e quase 500 navios sob as  ordens de um ancião quase cego.”

-“Quantos anos?” – pediram para repetir.

-“No-ven-ta-e-seis- a-nos.” – escandiu bem as sílabas. E continuou:

-“Derrotou o exército bizantino e tomou Constantinopla. E temos de saber que Enrico Dandolo se tornou doge com 85 anos.”

-“E há gente que quer se aposentar com pouco mais de 50 anos...” – lastimou o assessor sabujo.

-“Psiu! O nosso presidente se aposentou com 42.” – soprou-lhe no ouvido o  chefe da Segurança.

-“É verdade que Enrico Dandolo cometeu muitas maldades na sua longa existência?” 

Aproveitando a oportunidade, o assessor de jornal na mão, que conhecia algum emaranhado de história geral,  tirou uma dúvida com o assessor do livro:

-“Não foi Dandolo o idealizador da chamada Cruzada das Crianças, quando milhares de rapazes e raparigas se dirigiram para Alexandria e lá foram vendidos como escravos?”

-“Não; isso foi em 1212, e Dandolo teria 106 anos, se vivo fosse. Além disso, a Cruzada das Crianças, em nome do papa, embarcou em Marselha, não em Veneza.”

Lula, até então calado, manifestou-se:

-“Eu não quero intervir porque o meu forte é a biografia de Napoleão Bonaparte. Suas viagens à China...”

-“Vamos falar de coisas atuais.” – repreendeu o assessor sabujo os outros dois colegas.

-“Os sem-terra daqui a pouco...” – parou no meio o chefe de Segurança, primeiramente porque o seu discurso não era articulado, e também porque julgou que essa parada brusca comunicava melhor a intensidade do problema dos sem-terras.

Lula estendeu de novo o braço para examinar a tremedeira dos quatro dedos daquela mão.

-“Os sem-terra...” – tentou o chefe de Segurança prosseguir.

O assessor do livro assenhoreou-se, então, da palavra:

-“Todo o problema começou com a Lei de Terras de 1850. Como nesse mesmo ano de 1850 a Lei Euzébio de Queirós proibia o tráfico dos navios negreiros, os proprietários de terra se prepararam para a inevitável abolição futura da escravidão. Assim, os saquaremas, membros do Partido Conservador, trataram de aprovar a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, que deixava bem claro, e bem separados,  os proprietários das terras daqueles que trabalharam nelas. Com a Lei de Terras, só se tornava proprietário de terras quem as comprasse.  Os imigrantes europeus tinham também de encontrar dificuldades à propriedade da terra no Brasil. Como diziam os saquaremas “a luta pela terra é um germe fecundíssimo de desordens e de crimes.”

-“Esse problema dos sem-terra tem mais de 150 anos.” – suspirou o assessor sabujo.

-“Enquanto, no Brasil,  os lafundiários cercavam os seus domínios, nos Estados Unidos do presidente Lincoln, doze anos depois, 1862, era aprovada o “Homestead Act”: os colonos que chegavam no oeste bravio e trabalhavam na terra tornavam-se seus proprietários. O filme “Os brutos também amam” retrata magnificamente essa   época.” – assinalou o assessor com o livro. 

-“Esse discurso todo me deu vontade enorme de jogar bola.” – ergue-se Lula da poltrona.

-“O Palocci já retirou o gesso.” – informou o chefe da Segurança.

-“Vai jogar no seu time, não no meu.” – garantiu o presidente da República.








quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

3150 - Saindo Mesmo




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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1862                          Data: 25 de Junho de 2003 

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A FREIRA NA ANTAQ



-“Será que a freira veio rezar pela sorte da ANTA?” – houve quem dissesse.


-“Como uma freira aparece na Agência..?” – indagam alguns assinantes do Biscoito Molhado, bizarrice essa que só ocorre nos filmes de Fellini, como a freira anã do “Amarcord”.


Apareceu,  porque não liberaram a carga da religiosa. Fosse cocaína e não haveria nenhum problema: a carga passaria, e os consumidores fungariam na paz do Senhor. Mas a carga da freira era remédio para caridade. Ora, nossos burocratas quando souberam de tal petulância, retiveram a carga no porto, e falaram grosso:


-“Documentos e mais documentos na mesa.”


A  freira não se atemorizou e, com o crucifixo em punho, exigiu a presença do manda-chuva. Como este se achava, ou se perdia, em Brasília, ela foi mais além, falou com quem manda no manda-chuva.  Assim, nós terminamos a última edição do Biscoito Molhado, assinalando que a Digníssima Amantíssima não confessara os seus pecados.


Enquanto isso, Dieckmann ainda arrumava as malas. Chegou às oito e meia da manhã, e já encontrou o seu computador desativado.


-“Isso é o que se chama de eficiência.” – comentou, sem perder a esportiva.


-“Isso é o que se chama de ódio.” – diríamos mais preocupados com a palavra justa do que com o “aplomb”.


Pouco depois, o Ronaldinho da Informática ativava o seu computador e o Dieckmann pode, assim,  copiar para  disquetes os arquivos do seu interesse e algumas das suas correspondências eletrônicas. Tudo com muita pressa, temendo o risco de tirarem de vez o seu computador do ar.


-“Daqui a pouco vão salgar a sua sala para não nascer mais nada.” – imaginamos.  


-“E a exoneração?... Quando será publicada?” – indagaram.


-“Isso demora.” – respondeu  ele, que soubera da sua saída pelo telefone no dia anterior às cinco horas da tarde.


-“Isso é o que se chama de eficiência.” – repetiria, sem nunca perder a esportiva, ao saber, horas depois, que a sua exoneração já estava no Diário Oficial. 


No meio da arrumação, especulou-se sobre  nomes cotados para ocupar o seu cargo de gerente. 


-“Se não houver injunção política do PT, Luís Exílio...”


Houve muitos arrepios ao som desse nome, mas, inegavelmente, ele tem todo o perfil  dos que hoje dão as cartas na Agência. Se não, vejamos retrocedendo na história: a Super, quando era Sub e vendia jóias... Quantas colegas suas hoje não ostentam pulseiras vendidas pela Super, quando ela era pobre!... Fujo do assunto.  A Super, quando era Sub, e trabalhava na Seção de Estatística, como funcionária da Ana Luiza, nada saiu desse setor em termos de estatística para o anuário da marinha mercante. 


Quando o Djalma criou um programa com computadores para reiniciar o que fora interrompido por quatro anos – o denominado “Buraco do Collor nos Anuários da SUNAMAM” – 2° semestre de 1993 - ela já se encontrava na Divisão de Acordos, como funcionária do Mílton Barello. Diria ela mais tarde que até o seu filho de dez anos realizaria  o trabalho da Estatística.  A sua intenção óbvia era de se desfazer dos bits e bytes do Djalma. Ela foi tomada pela soberba dos ignorantes e, como o seu tiro no Djalma resvalou em nós, o Biscoito Molhado lhe desceu o pau (a Aloísia, no caso, agiu como leva-e-traz – “olha o que saiu sobre você no Biscoito...”.


Um pouco antes disso, o antecessor do Dieckmann como coordenador,  Paulo Octávio, argumentando que pretendia “oxigenar o órgão”, trocou as chefias: Djalma foi mandar onde o Luís Exílio mandava e este, por sua vez, foi mandar onde o Djalma mandava. Com isso, a Seção de Estatística, com toda a sua programação computadorizada, passava para o Luís Exílio. Este, no seu discurso de apresentação, olhou com cara de nojo para os meninos do Djalma (Djalma assim chamava os computadores da digitação de manifestos de carga), e disse:


-“Não conheço isso e nem quero conhecer.”


Era a mesma soberba dos ignorantes.


Visto isso, nesse deserto de idéias e talentos do comando desta nossa agência, ele é um nome a ser considerado para o lugar do Dieckmann.   


Haja freiras para rezar por nós!