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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

2011 - quem não tem Simonal

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3 841 Data: 05 de setembro de 2011

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62ª VISITA DE ESCRITORES À MINHA CASA

-Simonsen... - surpreendi-me com a visita.

-Cá estamos nós.

-Infelizmente, o Vinícius passou por aqui, dia desses e acabou com o estoque de uísque.

-E o uísque e, principalmente, o cigarro acabaram comigo. Morto, sou mais resistente aos vícios.

-Você, já sofrendo de enfisema e câncer no pulmão, calculou o número de cigarros que fumou em vida.

-Fumei três maços por dia, durante trinta e cinco anos ininterruptos. Fiz os cálculos e concluí que foram oitocentos mil cigarros.

-Os números sempre exerceram grande atração sobre você.

-Meu amor pelos números começou com a Música. - enfatizou Mário Henrique Simonsen.

-Disseram que a música é uma equação com sentimentos. - manifestei-me.

-Os primeiros sinais da ligação da Matemática com a Música surgiram no século VI a.C., quando Pitágoras, através de experiências com os sons do monocórdio, chegou a uma descoberta que representou o quarto ramo da Matemática: a Música. – disse, com seu jeito professoral.

-Como foi, então, esse seu início com o quarto ramo da Matemática?

-Estudei Música dos doze aos dezoito anos. Nesse período, até compus. Mas eu não era um Mozart e rasguei minhas partituras. Dediquei minha atenção ao currículo escolar do Colégio Santo Inácio e, mais tarde, ao curso de Engenharia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

-Tive um professor que foi seu colega de turma, na UFRJ, e ele afirmava que, no quadro negro, resolvendo intricados problemas de Cálculo, você mostrava mais sabedoria do que os próprios professores.

-Até perto de minha morte, muitas vezes, na hora do almoço, eu dizia, no meu escritório, para a secretária que não estava para ninguém. Sem ser incomodado, eu abria um livro de problemas de Matemática e me punha a resolvê-lo. Outras vezes, eu cantava óperas, árias ou duetos com Paulo Fortes, Nélson Portela...

-As óperas não aconteciam apenas na hora do almoço?...- perguntei.

-Podiam ser a qualquer hora, mas a ordem para a secretária era a mesma: “não estou para ninguém”.

-O seu escritório tinha uma boa acústica?

-Não era uma Sala Cecília Meireles... - riu.

-Dinheiro não faltava para uma boa acústica.

-Eu pertencia à classe média alta. Meu pai, Mário Simonsen, foi um advogado que exerceu atividades financeiras e minha mãe, Carmem Roxo Simonsen, era descendente da família Belford Roxo. Mas fiquei rico por acaso, quando meu amigo de infância, Júlio Bozano, me convidou para ser sócio minoritário dele, no Banco que viria a se chamar Bozano Simonsen.

-Seu amigo fez o que toda pessoa inteligente faria.

A modéstia o levou ao silêncio.

-Sendo você engenheiro, tornou-se, praticamente, um economista autodidata.

-Eu necessitava do diploma de economista. Por isso, matriculei-me numa faculdade onde só aparecia para realizar as provas. Tive problemas apenas com uma matéria, Contabilidade de Custos, que me obrigou a uma prova oral.

-Conheci o professor, o Sarquisão. Ele era considerado um gênio na matéria, embora doido.

-Com o diploma de economista, fiquei mais tranquilo para dar aulas e assessorar o governo...

-Você tinha vinte e nove anos de idade, quando ocorreu o golpe militar de 1964. Logo, Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, Ministros do Planejamento e da Fazenda, respectivamente, o convocaram para participar da Consultec, empresa de consultoria, onde você se sobressaiu como Solucionador de Problemas, o que os americanos denominam Problem Solver.

-Dei minha ajuda, naquela época, a duas mentes destacadas no campo da Economia.

-A criação do FGTS, em substituição à estabilidade no trabalho depois dez anos, que representou um passo fundamental para a modernização do capitalismo no Brasil, não teve o seu dedo?

-Vamos creditar a criação do FGTS ao Roberto Campos. - sorriu.

-Quanto ao Mário Henrique Simonsen, como professor da Fundação Getúlio Vargas, dizem que suas aulas se caracterizavam pela baixa frequência dos alunos, porque poucos conseguiam acompanhar seu raciocínio. Dentre seus alunos, citam Daniel Dantas, Armínio Fraga, Maria Silva Bastos....

-Há muitos outros que obtiveram projeção na carreira de economista. - frisou bem.

-O que considero extraordinário é que você, praticamente um autodidata, teve discípulos que se doutoraram em faculdades americanas e europeias, como André Lara Resende, Armínio Fraga, Gustavo Franco, Carlos Langoni...

-Tive cargos políticos, mas eu era mesmo um acadêmico.

-Por ser um acadêmico, Delfim Neto tomou o seu posto de Ministro do Planejamento, no governo Figueiredo.

-Em 1979, o mundo estava à beira de uma dura recessão. Eu pretendia desaquecer a economia para aguentar o baque, mas veio o Delfim e prometeu taxas de crescimento altas...

-A promessa leviana do czar da economia levou o Brasil à hiperinflação, que só foi debelada quatorze anos depois, pelo Plano Real. Creio que a antipatia do Delfim Neto por Fernando Henrique Cardoso se originou do fato de ele ter corrigido sua lambança.

-A ideia daquele menino, Persio Arida, juntamente com André Lara Resende, de indexar toda a economia através da URV, para, no momento propício, desindexar, foi muito boa.

-Mas eles partiram dos seus estudos sobre inflação inercial.

-Sim. Mas, depois que saí do governo, meus interesses intelectuais já se voltavam para outros assuntos.

-Mesmo como ministro, você, quando viajava ao exterior, para alguma conferência, não perdia um só concerto.

-Eu tinha de aproveitar os momentos de lazer.

-E ainda havia o jogo de xadrez.

-Minha esposa, Iluska, era uma grande jogadora de xadrez. Ela me incentivou muito a mexer com peões, bispos, reis, rainhas...

-Ela conseguiu empatar com Boris Spassky que, anos antes, disputara o título mundial com o legendário enxadrista Bobby Fischer.

-Ela obteve o empate numa simultânea, de que participou o grande mestre internacional, aqui no Brasil. Eu joguei, em outra oportunidade, contra o Mequinho, então campeão brasileiro, mas perdi.

-Sua esposa escrevia uma coluna de jogos de xadrez no Jornal do Brasil e eu era leitor assíduo.

-Aprendi muito com a Iluska.

-Creio que foi Goethe quem disse que o xadrez é uma ginástica para o cérebro.

-Eu morri em 1997, ano em que o grande enxadrista era Gary Kasparov, judeu do Azerbaijão.

-Depois de Kasparov, o jogo de xadrez ficou muito esvaziado. Posso afirmar que o último grande jogo a mexer com a mídia foi o de Kasparov contra o Deep Blue, computador da IBM.

-Sem o xadrez, minha mulher deve estar ouvindo ópera. Influência minha, nesse caso.

-Vocês tiveram três filhos?

-Sim, Ricardo Sérgio e Maria Cristina. A garota é boa flautista.

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