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quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

3150 - Saindo Mesmo




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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1862                          Data: 25 de Junho de 2003 

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A FREIRA NA ANTAQ



-“Será que a freira veio rezar pela sorte da ANTA?” – houve quem dissesse.


-“Como uma freira aparece na Agência..?” – indagam alguns assinantes do Biscoito Molhado, bizarrice essa que só ocorre nos filmes de Fellini, como a freira anã do “Amarcord”.


Apareceu,  porque não liberaram a carga da religiosa. Fosse cocaína e não haveria nenhum problema: a carga passaria, e os consumidores fungariam na paz do Senhor. Mas a carga da freira era remédio para caridade. Ora, nossos burocratas quando souberam de tal petulância, retiveram a carga no porto, e falaram grosso:


-“Documentos e mais documentos na mesa.”


A  freira não se atemorizou e, com o crucifixo em punho, exigiu a presença do manda-chuva. Como este se achava, ou se perdia, em Brasília, ela foi mais além, falou com quem manda no manda-chuva.  Assim, nós terminamos a última edição do Biscoito Molhado, assinalando que a Digníssima Amantíssima não confessara os seus pecados.


Enquanto isso, Dieckmann ainda arrumava as malas. Chegou às oito e meia da manhã, e já encontrou o seu computador desativado.


-“Isso é o que se chama de eficiência.” – comentou, sem perder a esportiva.


-“Isso é o que se chama de ódio.” – diríamos mais preocupados com a palavra justa do que com o “aplomb”.


Pouco depois, o Ronaldinho da Informática ativava o seu computador e o Dieckmann pode, assim,  copiar para  disquetes os arquivos do seu interesse e algumas das suas correspondências eletrônicas. Tudo com muita pressa, temendo o risco de tirarem de vez o seu computador do ar.


-“Daqui a pouco vão salgar a sua sala para não nascer mais nada.” – imaginamos.  


-“E a exoneração?... Quando será publicada?” – indagaram.


-“Isso demora.” – respondeu  ele, que soubera da sua saída pelo telefone no dia anterior às cinco horas da tarde.


-“Isso é o que se chama de eficiência.” – repetiria, sem nunca perder a esportiva, ao saber, horas depois, que a sua exoneração já estava no Diário Oficial. 


No meio da arrumação, especulou-se sobre  nomes cotados para ocupar o seu cargo de gerente. 


-“Se não houver injunção política do PT, Luís Exílio...”


Houve muitos arrepios ao som desse nome, mas, inegavelmente, ele tem todo o perfil  dos que hoje dão as cartas na Agência. Se não, vejamos retrocedendo na história: a Super, quando era Sub e vendia jóias... Quantas colegas suas hoje não ostentam pulseiras vendidas pela Super, quando ela era pobre!... Fujo do assunto.  A Super, quando era Sub, e trabalhava na Seção de Estatística, como funcionária da Ana Luiza, nada saiu desse setor em termos de estatística para o anuário da marinha mercante. 


Quando o Djalma criou um programa com computadores para reiniciar o que fora interrompido por quatro anos – o denominado “Buraco do Collor nos Anuários da SUNAMAM” – 2° semestre de 1993 - ela já se encontrava na Divisão de Acordos, como funcionária do Mílton Barello. Diria ela mais tarde que até o seu filho de dez anos realizaria  o trabalho da Estatística.  A sua intenção óbvia era de se desfazer dos bits e bytes do Djalma. Ela foi tomada pela soberba dos ignorantes e, como o seu tiro no Djalma resvalou em nós, o Biscoito Molhado lhe desceu o pau (a Aloísia, no caso, agiu como leva-e-traz – “olha o que saiu sobre você no Biscoito...”.


Um pouco antes disso, o antecessor do Dieckmann como coordenador,  Paulo Octávio, argumentando que pretendia “oxigenar o órgão”, trocou as chefias: Djalma foi mandar onde o Luís Exílio mandava e este, por sua vez, foi mandar onde o Djalma mandava. Com isso, a Seção de Estatística, com toda a sua programação computadorizada, passava para o Luís Exílio. Este, no seu discurso de apresentação, olhou com cara de nojo para os meninos do Djalma (Djalma assim chamava os computadores da digitação de manifestos de carga), e disse:


-“Não conheço isso e nem quero conhecer.”


Era a mesma soberba dos ignorantes.


Visto isso, nesse deserto de idéias e talentos do comando desta nossa agência, ele é um nome a ser considerado para o lugar do Dieckmann.   


Haja freiras para rezar por nós!















segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

3149 - Saindo

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1862                          Data: 25 de Junho de 2003 

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O DIA DE ONTEM


No dia 20 de abril de 1998, foi enterrado o Sérgio Mota e, no dia seguinte, morreu o Luís Eduardo Magalhães. Os humoristas dos jornais  recordo-me bem – queixaram-se aos céus:

- “Assim, não podemos trabalhar!...”

É mais ou menos isso o que ocorre por aqui, na ANTA. Pedem humor no Biscoito Molhado – “de séria já basta a vida, etc”  – mas como?... Abri o meu correio eletrônico às sete e meia da manhã e me deparei com a despedida do Dieckmann da ANTA. Sem nenhum Simão Cirineu para me ajudar a carregar a cruz dessa notícia, telefonei para o Rio Grande do Sul. Quando atenderam, estranhei, pois esperava  ouvir a Alba:

-“A Alba, por gentileza.”

Uma voz que ainda se espreguiçava, respondeu:

-“É ela.”

Percebi, então, que a Alba saindo dos braços de Morfeu é outra mulher, principalmente com outra voz. Dada a notícia, ela me perguntou se o Dieckmann não caiu pra cima. Que nada! A turma aqui, quando derruba, amarra antes um pedregulho de toneladas no nosso pescoço. Volto, então, ao sentido da nossa pergunta: como fazer humor assim? Digamos que o redator-chefe do Biscoito Molhado descarte de vez a hilariedade e descreva a ANTA como ela é. Caso eu assim proceda, dirão que plagio o poeta Dante no Canto XXIX da sua obra-prima, onde descreve a décima vala do oitavo círculo do Inferno.  Ah, sim: quem se acha na décima vala do oitavo círculo do Inferno? Os falsários. Vamos, então, de qualquer maneira.  

-“Cheiro de churrasco já?...”

E pensar que já as oito horas da manhã dos últimos dias nos queixávamos dos camelôs que colocavam os churrascos na brasa. O cheiro – agora sabemos – era da fritura do Dieckmann. Ontem, na sua sala, recolhendo os seus pertences em três malas e um baby-container, comentava:

-“Eu não ia mais a Brasília... Havia assuntos importantíssimos subordinados à minha gerência, em Brasília, e eu não era escalado para viajar.”

-“Mas o cheiro de fritura prossegue.” – farejamos.

-“Prossegue, mas não é mais para mim.” – declarou.

E, assim, se encontrava ele, na sua sala que, à primeira vista, nos pareceu uma barricada, tantas eram os seus colegas. Para distraí-lo, contei o que me acontecera às sete horas da manhã, e que não deixou de ser um mau presságio: o trinco do banheiro, que estava quebrado, trancou a  porta e me prendeu. Para eu escapar, tive de tirar os sapatos, apoiar o pé na privada, e escalar o espaço de uns setenta centímetros que uma divisória deixa até o teto.

-“Rapaz, e não saiu com merda no femural, não?” – indagou o Dieckmann.

-“Não.” – garanti.

Porém, Dieckmann que, como eu, pretende sair por cima, escalando a cabeça daqueles que o derrubaram, não escapará da merda no femural.

-“Qual o motivo da saída, Dieckmann?...”

Bem, o motivo era o fato de o Dieckmann, desde que apareceu no Departamento de Marinha Mercante, ser alegre, comunicativo,  aglutinador, animador cultural e – pecado mortal – conhecer o serviço. A pergunta mais pertinente seria: 

-“Qual foi o pezinho para decapitá-lo de vez, Dieckmann?”

Ele acredita  que foram os seus apartes, numa palestra da Shell, com a presença da alta cópula da ANTA, contra as empresas de papel. Nem cheguei, naquele momento, a imaginar uma manchete para o Biscoito Molhado como: DIECKMANN ENFRENTA O POLVO ANGLO-HOLANDÊS, E CAI.  Mais tarde, no almoço no Jirau, onde estivemos eu, ele, Alberto, Djalma, Cláudia, Lourdinha e Vera, um telefonema ao doutor Barreiros apontava para uma outra versão para a sua  queda:

-“Críticas à diretoria.”

-“Como, doutor Marreiros?”

-“Críticas à diretoria.”

Dieckmann era, agora, a Heloísa Helena da ANTA. Outra versão - o que explica a expressão alta cópula – é que cada demissão representa um orgasmo. Se o Djalma, o Dieckmann, o Alberto e a Cláudia, por exemplo, fossem demitidos numa só canetada, teríamos um orgasmo múltiplo na alta cópula.

Para espairecer um pouco no almoço, falamos sobre algumas autoridades marítimas... Minha Nossa Senhora dos Navegantes!... O problema do Mílton Barella é o cerceamento: lê uma frase, e fica inteiramente atado a ela, não criando nada, absolutamente. Quanto à Belinha, lê a frase, esquece, lê a frase de novo e esquece de novo. Passa, então, a tomar remédio para a memória, e esquece de tomar o remédio para a memória. Quanta a Aloísia... “Que frase?... Está na hora da minha ginástica!”

No final do expediente de ontem, cruzei com a Digníssima Amantíssima acompanhada de uma freira, que se vestia como tal. Juro que é verdade.  Reparei, então, nas orelhas da religiosa: como não estavam com o tamanho das orelhas do Dumbo, deduzi que  a D.A. não fizera a sua confissão.


quinta-feira, 30 de novembro de 2023

3148 - Restaurantes do Tempo Perdido

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1856                          Data: 16 de Junho de 2003 

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O FIM DO BAREBOAT


O espírito não se abre logo ao entendimento, quando o fato é marcante. Uma sabedoria instintiva prepara, como no teatro, os artistas e o cenário antes que a boca de cena abra, e se dê o espetáculo.  O  saber popular recorreu a uma metáfora telefônica, mais diretamente ligada aos orelhões, e cunhou a expressão “cair a ficha”. Na terça-feira passada, quando o Vergasta me garantiu que a minha pretensão de almoçar no Bareboat não se realizaria, porque o mesmo acabara, a “ficha não caiu”. De volta à ANTAQ, comentei com um e outro colega o fim do restaurante do Zé Luiz, e retornei à minha faina de separar por estados os portos, barrancos e terminais do Brasil, cadastrados no sistema Mercante.

Dois dias depois, assistindo a um canal de TV a cabo e ouvindo nas cordas de uma orquestra as plangentes notas do tango “Por una cabeza”, caía finalmente a ficha. Ou, saindo do popular para a esfera mais erudita, ecos proustianos, através da memória afetiva, me fizeram ver e sentir o espetáculo que foi vivido no Bareboat.  Em uma das centenas de vezes em que lá almocei, tocou “Por una cabeza”, pois uma das características da casa era a música ambiente. Antes de sair, comentei com o Zé Luiz:

-“É um tango do Carlos Gardel. E ele era adepto do turfe; como perdera a amada por uma besteira, lamenta a perda recorrendo à imagem de um cavalo em que apostara e que deixou de ganhar por uma cabeça.”

-“Eu também adoro tango, Carlos. Cheguei a estudar para cantor de óperas.”

Daí, a nossa conversa seguiu pelo passionalismo dos tangos e óperas, da predileção que Gardel nutria por Caruso, até terminar num freguês que se apresentava para pagar a conta.

Em decorrência do modo tão poético com que o meu espírito se abrira ao entendimento sobre o fim do Bareboat, naquela noite de quinta-feira, o meu primeiro impulso foi escrever um poema “Elegia a um resataurante”. Músico não sou, senão eu correria para um piano, e comporia “Pavana para um restaurante defunto”, com a pretensão que ela fosse tão melodiosa quanto a “Pavana para uma princesa morta” de Ravel, que até no enterro do presidente Tancredo Neves foi tocada (se tocassem a minha “Pavana para um restaurante defunto” apenas no enterro do Fernando Collor, eu já me daria por satisfeito). Descartado esse meu delírio musical, cuidei da elegia. Necessitaria, para isso, de rimas. Rimaria Zé Luiz com o quê?... “Chegou no Bareboat e comeu o que quis?...” E o Nil?... Com o quê eu rimaria o nome do mestre-cuca premiado da Bahia, o dengoso Nil?... “Cozinhava para mais de mil?...” Não; nada de composições poéticas consagradas ao luto e à tristeza. Lembraremos o restaurante Bareboat numa crônica hoje, outra amanhã; servindo os leitores como os garçons servem os comensais: um prato de cada vez, apesar de a característica do nosso restaurante extinto ser o “self service”.

Nessa retrospectiva gustativa, em primeiro lugar, ou como entrada, por que Bareboat, que diz respeito ao afretamento a casco nu? Porque era um restaurante performático. José Luiz, que pertencera à Aliança e a representava na Conferência Brasil/Europa/Brasil, não quis desatar de vez a sua ligação com a navegação, mesmo caindo para 3% a participação da bandeira brasileira no nosso comércio com as outras nações. Por ele, no restaurante, entraríamos pelo portaló e almoçaríamos no camarote do armador.

Há muito o que lembrar do Bareboat, apesar da sua passagem meteórica (pouco mais de dois anos). Houve, por exemplo, o garçom que sumiu no carnaval de 2002 e obrigou o Zé Luiz, com a família do dito cujo, que viera do Espírito Santos, a procurá-lo até no necrotério. Dias depois, o Zé Luiz saberia que o sujeito levara alguns cheques seus. Era um meliante. Substitui-o o Paulo. Paulo era o garçom que mais me perguntava pela “dona Glória”, apesar de ela o considerar amaneirado em demasia, com ou sem bandeja na mão. Outro que me abordava com perguntas era o Nil; a este preocupava mais o destino do estômago da Amelinha na hora do almoço:

-“Cadê a Amelinha, Carlos?”

Evidentemente, que não eram só as duas que mexiam com esses dois funcionários da Casa. Paulo também me perguntava sobe “aquela moça que às vezes vem almoçar com o senhor”...

-“A Lourdinha?...”

-“Isso mesmo. A dona Lourdinha não vem?”

Em poucos dias, já decorara o seu nome:

-“A dona Lourdinha não vem, seu Carlos?”

Quanto ao Nil, com uma memória mais cultivada, ao ver-me (esse era o problema de eu chegar cedo para almoçar), desfiava quase toda a lotação feminina da ANTAQ:

-“Cadê Amelinha?... Inês?... Nanci?... Cláudia?... Lourdinha?... Glorinha?... “

Glorinha... Com a sua afetuosidade baiana, chegara aonde o Paulo não ousara: Glorinha. Percebo agora que foi, no Bareboat, os últimos dias em que se podia almoçar com a Glória sem a desagradável presença da mosca que voeja ao seu redor. Continuasse o Bareboat vivo e hoje as perguntas seriam outras:

-“Cadê a Glorinha ?”

-“Está no banheiro.”

-“E a mosca que voeja ao seu redor?” 

-“Está lhe passando o papel.”




sábado, 18 de novembro de 2023

3147 - Trotes e Raparigas


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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1855                          Data: 13 de Junho de 2003 

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TROTE NA SUNAMAM


Alguma coisa até que acontece por aqui. Temos, por exemplo, desde que o Talma deixou de ser o gerente da Fiscalização,  um “reality show”, onde todos os ocupantes dos espaços apartados por vidro tornaram-se uma platéia compulsória.  E o espetáculo não cai no agrado do público; talvez porque os apreciadores desses espetáculos prefiram casais mais perfumados pela flor da idade; embora intelectualmente insuficientes, como Sabrina e Dhomini,  como outros  casais de TV dos quinze minutos de sucesso do Andy Warhol, que, por já transcorrerem  esse espaço de tempo, eu já esqueci os seus nomes. Talvez esse descontentamento da platéia seja pela falta de um animador como Pedro Biau, para incentivar a dupla de artistas.  A platéia compulsória reage... ou melhor, não reage:  são muitos os bocejos e o tédio é interminável, como observa a reportagem do Biscoito Molhado nas suas idas ao banheiro.

Mas alguma coisa acontece, como afirmamos acima;  não com a mesma intensidade do Departamento de Marinha Mercante que, ao que parece, agora é Departamento do Fundo da Marinha Mercante. Explica-se:  o DMM é inflamado pelo calor tropical, ainda mais inflamado  com o “Fundo” que ganhou no nome, enquanto na ANTAQ, somos desanimados pelo frio glacial. Nessa terça-feira, por exemplo, quando atravessamos a geografia e a avenida Presidente Vargas, e lá estivemos, deparamo-nos com o Adelino que, beijocando as moças e apertando as mãos dos homens, como se esses fossem portadores da pneumonia asiática,  declarava:

-“De homem quero distância. Quanto às mulheres, podem subir sobre mim, me montar, fazer o que desejarem...”

Pretende o Adelino colar dois adesivos no corpo: um no tórax e outro nas costas com os mesmos dizeres: “Mantenha a distância, se você for homem”. A diferença é que as letras do adesivo nas costas serão garrafais. Não sei se enxergarão...

Poucas horas depois, quando já nos achávamos  na ANTAQ, Dieckmann que desancava os anões de jardins (para ele um gosto kitch dos novos ricos da Barra da Tijuca)  ao saber da aversão do Adelino, garantiu que o seu problema com os anões de jardins nada tem de pessoal com o ex-diretor do DMM.

Falando no Dieckmann, ele viera, nessa oportunidade, à Seção de Estatística, para pegar gazeteiros na sala de relax Cíntia Martins e, ao perceber que a Cíntia se molhara, quis saber o porquê.

Nós, que antes da chegada do nosso amigo, já ouvíramos a reclamação dela, porque o frasco com o corretivo à base d'água esparramara-se sobre ela, examinamos a reação do Dieckmann com a  resposta da Cíntia.     

-“Tomei um banho de corretivo.” 

-“Ninguém,  Cíntia, pode dizer, agora,  que você não é uma mulher correta.”

Ali estava o mesmo Dieckmann que, nas aulas do curso da Fundação Getúlio Vargas, ora agia como um jogador de vôlei (se a bola subia, ele cortava), ora agia como um jogador de futebol (se a bola quicava, ele chutava), ora agia como um jogador de basquete (se a bola vinha no rebote, ele encestava). Nunca, porém, Dieckmann agia como um jogador de beisebol – se arremessam a bola, mete-se o porrete. Nada de piadas grosseiras, nada de mau gosto, nada de anões de jardim. Dieckmann é gentil, embora confesse que, às vezes, controla a vontade de calçar os borzeguins do seu tempo de Colégio Militar, que dona Jurema o obrigava a lustrar diariamente, e chutar algumas bundas e bundões. 

-“Mulher correta...” – falou o Dieckmann, nesse meio de tanta incorreção.  Recordo-me de uma mulher que estava correta, apesar da sua atividade para ganhar dinheiro. Não!... A sua atividade para ganhar dinheiro era menos sutil. Tratava-se de uma profissional do sexo que apareceu na SUNAMAM no tempo da avenida Rio Branco 115.

-“Lá vai o redator-chefe do Biscoito Molhado descambar  outra vez pelo passado.” – reclamará um e outro assinantes, já prevejo.

Fazer o quê? Pouca coisa acontece por aqui; o máximo que pode sair do nosso “reality show” talvez sejam uns ensaios de nus para a revista Portos e Navios ou Fairplay. Voltemos, então, no tempo. Todos devem reconhecer que tento ser mais historiador do que passadista.

O diabo é que solicitaram os serviços da profissional do sexo dando o telefone da Ana Luiza.      

-“Nunca um funcionário meu faria  uma molecagem dessa.” – insurgiu-se a Ana Luiza.

Era um trote, sem dúvida. A moça, a princípio, ficou  emburrada, mas  depois  reagiu com preocupação, pois teria de se apresentar ao seu patrão sem a  parte dele do michê. Ana Luiza, menos nervosa, explicou ao cafetão, no telefone, a situação deplorável da sua funcionária. Ele teria que compreender.  Em seguida, neurastênica de novo, pois correra a notícia que o boy Zé Grandão da diretoria de Cabotagem fora o autor do trote, Ana Luiza rumou para a sala do doutor Pacheco:

-“Ela, com  uns óculos enormes, estava mais assustadora do que nunca.” – lembra-se ainda hoje o Lampier do arrepio que lhe percorreu a espinha com a súbita aparição da chefe do Bureau de Fretes no lugar onde trabalhava.

-“O comandante Pacheco tinha verdadeiro horror à voz da Ana Luiza.” – diz ainda hoje a Regina, também funcionária do comandante.

Lá, na Diretoria de Cabotagem, Ana Luiza queixou-se mais da  canalhice que foi darem o número do telefone da sua sala para uma chamada dessas, do que da covardia que fizeram com a moça.

De volta ao Bureau de Fretes, esculhambava agora o comandante Pacheco, porque sempre passou a mão pela cabeça desse “compridão ordinário” (o Zé Grandão).

-“Funcionário meu não faz isso!” – berrou com toda a estridência da sua voz.

Nesse tempo, ainda não haviam aparecido o Nilo e o Volto Já na SUNAMAM, mas já trabalhava o Marcos. Ele, funcionário da Cabotagem, sem histerias e correrias, e com seu profundo conhecimento da natureza humana, tirou do bolso o provento da profissional (ela ganhava por hora),  entregou-lhe e o caso foi resolvido. Isto é correção de rumo.

   






terça-feira, 7 de novembro de 2023

3146 - Traduções



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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1815                          Data: 15 de Abril de 2003

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 TRADUZINDO E TRAINDO




“Tradutor, traidor” – reclamam os críticos das traduções, traduzindo a célebre máxima italiana “tradutore, traditore”.

O acadêmco Raimundo Magalhães Júnior – nome hoje lembrado porque era o pai da carnavalesca Rosa Magalhães – traduziu a peça de Tennessee Wiliams, Cat on a hot tin roof, como Gata em teto de zinco quente. Millor Fernandes não perdeu tempo ao saber dessa tradução,  representou numa charge uma gata (ou seria um gato?) de cabeça para baixo, andando sobre um teto, desafiando a lei da gravidade. Teto esse que nem quente era, pelo  menos na charge. Passaram trinta anos, e quando a peça é encenada no Brasil, permanece o título:   Gata em teto de zinco quente. Se ainda fosse uma peça surrealista...

Outro erro de tradução – esse mais escondido dentro da obra – ocorreu num livro sobre guerra vertido do inglês para o português. O editor do mesmo, ao ler os originais, intrigou-se com os encontros que Hitler mantinha com um tal de General Staff; em certo momento, mandou chamar o tradutor, o famoso escritor Marques Rabelo.

-“Você não sabe que General Staff é Estado-Maior?”

-“Eu nem sei inglês.”- respondeu Marques Rabelo.

Há, contudo, as traduções praticamente impossíveis. Dia desses, pelo telefone, Léozinho enveredou pela infância de Napoleão Bonaparte:

-“Ele era chamado pelos seus colegas de escola de Napadonez.”

Como traduzir esse trocadilho para a nossa língua sem perder o nariz (nez, em francês)? Impossível.

O próprio Léozinho, agora no restaurante Tarantino, tratou das traduções indiretas; obras redigidas em alemão, por exemplo, e que conhecemos em português através de traduções do francês.

-“O Feliciano de Castilho fez uma boa tradução do Fausto de Goethe, mas do francês.”

Sem nada falar, para não interromper o Léozinho, lembramos que essa obra máxima da literatura alemã inspirou algumas óperas, entre elas a Danação de Fausto de Berlioz. A Canção do Rato, recitada por Mefistófoles, que comprara a alma de Fausto, ganhou na ópera de Berlioz um formidável acompanhamento orquestral;  não fez, porem, sucesso, o que levou o compositor Rossini a comentar:

-“A Canção do Rato não fez sucesso porque não havia um só gato pingado na platéia.”

Bem, prossigamos com a peroração do Léozinho sobre as traduções, naquele nosso erudito almoço no Tarantino:

-“A tradução, Carlinhos, tem de ser também uma obra de arte, e não uma simples mudança de um idioma para o outro. Veja as obras de Dostoievsky: sempre nos chegaram através de traduções indiretas,  principalmente do francês. Agora, há um tradutor que tem familaridade com a cultura, a língua e a literatura russa, e que nos indica muitas contrafações que houve ao passarem as obras de Dostoievsky para o português.”

Sem tomar fôlego, prosseguiu:

-“O conto do Dostoievsky, Noites Brancas, por exemplo; trata-se do branco que se vai tornando mais transparente no fenômeno típico de São Petersburgo entre 21 de junho e 1° de julho.”

Outra questão que o Léozinho chamou a atenção, baseado nesse profundo conhecedor da língua russa e de Dostoievsky, é a relação muita profunda entre o estado de espírito das personagens e a sua linguagem. Esse ponto é interessante, como os assinantes do Biscoito Molhado poderão constatar, e até mesmo identificar exemplos próximos, como veremos:

“...Mas, na medida em que as personagens vão entrando em conflito com seu universo social e consigo mesmos, a linguagem fica mais complexa. Há momentos em que a personagem se torna quase que incompreensível...”

Não parece o Sílvio Carello?... Só falta mesmo o farol de milha... Alguém, talvez, resmungue:

-“Sílvio, um personagem de Dostoievsky?!...”

Ora, o autor russo foi o primeiro grande escritor a trazer o povo miserável para o primeiro plano, para o proscênio da literatura, e o Sílvio Carello, mesmo hoje, não apaga da nossa memória a sua choradeira pelo seu escasso salário no passado recente.

Como o assunto é vasto, e mais vasta ainda é a erudição do Léozinho, não tivemos tempo, na nossa conversa, de tratar das traduções faladas, ou seja, das dublagens. Como sempre encontramos lugar no Biscoito Molhado para qualquer assunto perdido, aí vai um trecho, ou melhor, uma frase de um dublador do Robert Mitchum, num filme que assistíamos na TVA.

-“Me dá um chopis.”

Mudei de canal sem esperar que ele pedisse dois pastel.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

3145D - Queima de arquivo

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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1                           Data: 06 de Outubro de 1948

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 O MIMEÓGRAFO


Existem máquinas que adquirem o nome de seu mais importante usuário. Assim, o telescópio mais famoso é o de Hubble (Edwin Hubble, astrônomo que descobriu a existência de galáxias fora da Via Láctea) e, outro exemplo, chama-se um acelerômetro por Hobbes (Thomas Hobbes, autor de obras que abrangem conceitos de política, física e matemática. Escreveu Leviatã, um tratado político que lhe valeu algumas perseguições e muitos discípulos...), a lâmina de barbear é gilete (King Camp Gillette) e aí, descendo muito, descendo bem, a ladeira dos chiques e famosos, chegamos ao Mimeógrafo de Dieckmann. 

Contou-me este nosso amigo que em 1971, sua então namorada Maira estudava na Santa Úrsula e fazia parte de... não, não prosseguirei como contador de história de terceiros. Muito melhor fazer bom uso de aspas e itálico, e passar para o papel as impressões em sua verdadeira grandeza, ainda que inclinadas:

"Em 1971, a Maira estudava na Santa Úrsula e fazia parte de um diretório que publicava apostilas. O ano letivo começava e, como as apostilas não estavam prontas, ela pegou o mimeógrafo da escola para imprimir no fim de semana. Ajudei como pude, o serviço terminou, mas o mimeógrafo ficou na casa dela; talvez tenha ficado duas, três semanas, algo assim e eu olhando aquela impressora do século passado e ela olhando pra mim."

Interrompo a narrativa para instigar o leitor, nunca dê tempo para o Dieckmann pensar no que falar, ou no que fazer. É certeza de que uma maquinação, às vezes diabólica, às vezes divertida, jamais melancólica, mas também jamais santificável, está por vir. Prossigamos com ele.

"Eu começava o 4º ano de engenharia naval, os "bichos" estavam de chegada no 3º ano, pensei que uma boa orientação profissional seria cabível e necessária para aqueles jovens alunos. E eu olhando o mimeógrafo e ele olhando pra mim... bem que podia fazer uma apostila para os nossos calouros.

Quem já usou mimeógrafo sabe que antes de imprimir, você precisa datilografar no estêncil (que é uma espécie de carbono) o texto desejado, em 3, 4... 10 folhas e depois, sim, rodar o mimeógrafo para obter as cópias de cada folha. Avaliei a tarefa e encerrei a questão, mas não desisti dos calouros. Em vez de uma apostila desencaminhadora, por que não uma palestra? Uma palestra falsa, um trote, uma enganação... e apenas um estêncil seria necessário. E apenas umas dez cópias, que seriam  coladas nas pilastras do Fundão."

É assim que as ideias se formam na cabeça do nosso amigo, vão devagar e são simplificadas em processo contínuo, sempre na direção da Lei do Menor Esforço. Vi acontecer nas vésperas do nosso primeiro Natal, no último ano do século XX, no amigável Departamento de Marinha Mercante. Eu estava na sala dele, quando a Inesinha perguntou seu endereço de casa; ele deu, mas perguntou o motivo. "Ah, os armadores estão pedindo para mandar algum brinde, normalmente cestas de Natal, como é praxe, todo ano".

Aí ele pediu para ela não repassar o endereço e uns cinco minutos depois, completamente desatento do assunto que discutíamos, Dieckmann ordenou suas prioridades e disse para Inesinha avisar os armadores para mandarem o que desejassem para o nosso endereço de trabalho. Um escândalo! Um olho arregalado fez parte das nossas caras, da minha, da Inesinha, do DJ e até do Dudu, do lado de fora da sala, para o escândalo que se avizinhava!

Largo o mimeógrafo pra lá e vou terminar a história do escândalo, ou choverão cartas de repúdio, ou pior, de cancelamento de assinaturas em nossa redação, por tentativa de interrupção no melhor ponto; portanto, nada disso, a cena volta ao DMM e começaram a chegar as cestas, do Lidador, da Casa Colombo, era só o que havia de melhor.

Foram todas para a sala de reuniões, onde havia uma mesa imperial, forte e larga (adjetivos cabíveis no nosso Coordenador) o suficiente para acomodar aquele novo empreendimento comercial; dois dias antes do Natal, nosso chefe magnânimo chamou os chefes de divisão e disse: "peçam aos colegas que tragam bolsas amanhã, farei uma fila de todos os servidores e cada um pegará o que desejar, uma coisa em cada mão e retornarão ao final da fila, até que acabem todos os presentes - e, como dei a ideia, eu serei o primeiro da fila e já vou avisando, pegarei a melhor champanhe!" Em vez de escândalo, foi um sucesso do Espírito de Natal, mas voltemos ao mimeógrafo...

"Palestra... tema Engenharia Naval, e mais o quê..? perspectivas, certamente, uma noção de futuro, mas que tal adicionar um pouco de solidez..? E assim, aos solavancos, nasceu ENGENHARIA NAVAL - PERSPECTIVAS E BASES - A PALESTRA. Junte-se a isso, um palestrante, ora, nosso colega Bento Moreira da Silva era quase homônimo do Almirante Paulo Moreira da Silva, um cientista exponencial e renomado, com seu Projeto Cabo Frio, uma iniciativa notável no campo da Oceanografia.

Mas ainda sobrava espaço no estêncil e decidi incluir uma visitação a um estaleiro de verdade, mas não um estaleiro qualquer, aqui da Baía da Guanabara. O escolhido só poderia ser o Verolme, por sua localização paradisíaca em Angra dos Reis e, a época só podia ser a Semana Santa, em abril próximo, com vagas limitadas, claro... Outro colega, o Christian Hoyer, tinha um nome que abalizava qualquer excursão a ser patrocinada por alienígenas, mesmo que fosse falsa."

Tenho que interromper de novo, porque o Paulo Moreira da Silva merece muito mais destaque nesta história do que essa palestra esvoaçante. Um pouco antes do Projeto Cabo Frio e após a Guerra da Lagosta, quando os franceses argumentavam que podiam pescar lagosta aqui porque ela é peixe e os brasileiros reagiam, dizendo que ela vive entocada na plataforma continental, o nosso almirante fechou a questão... "se a lagosta é um peixe, porque se desloca dando saltos, então o canguru deveria ser considerado uma ave” e foi o bastante para a França tirar o time de campo. Volta a palestra:

"Estêncil pronto, rodamos dez cópias e executamos, eu e o Joel, o planejamento da divulgação. No dia estipulado, a 'palestra' se daria às 13:00 e nós teríamos aula às 13:30 no mesmo local, um anfiteatro com uns cem lugares. Eu e Joel morávamos em Santa Teresa e viajávamos para o Fundão de jipe e, nesse dia, achamos que, em respeito ao programado, deveríamos chegar a tempo da 'nossa' palestra, talvez uns dez minutos antes. Chegamos e já encontramos o anfiteatro lotado. Duas filas de cadeiras, de praxe, as primeiras, estavam semi vazias, com alguns professores sentados, conversando animadamente. Nós ficamos no final, na escada traseira, apenas olhando, pois era certo de que aquilo não acabaria bem."

Como não lembrar da Maira, em um de nossos almoços, contando a história do envenenamento, que é um exemplo bem acabado de um episódio, onde o pivô é o nosso amigo? Conto rápido para não cortar mais uma vez o arrepio do leitor, mas o nosso Dieckmann tinha em casa um sabão desengraxante, vindo de uma firma sua, a CONGERAL, de Macaé. A empresa foi desfeita e ele herdou aquele sabão, que acomodou em muitas caixinhas de leite longa vida. Muito bem, seus filhos menores, liderados pela Carolina, então considerada no colégio uma "líder negativa", provaram o tal sabão, que provocou uma espuma. Apavorada, a Maira catou a criançada e os levou para a Urgil; passado um exame e o susto, ela retornava para casa, quando irrompeu uma choradeira no banco traseiro. Estupefata, ela ouviu que "papai vai matar quem sobreviver..." Dito isso, ela respondeu que deixassem isso com ela, suspirou e tudo acabou bem. Volta o suspense.

"Treze horas e ...nada, mais quinze minutos, a sala superlotada e aparece o seu Lima, para apagar o quadro negro, conforme sua rotina. Viu o movimento, mas seguiu no seu trabalho. Então, um dos professores foi até ele saber da programação. Ato contínuo, foram bater na Coordenação do Curso de Engenharia Naval. Neste momento, eu e o Joel saímos da cena.

Todos surpresos, foram achar em uma pilastra a mimeografada conclamação. Nós éramos poucos, o coordenador Selasco e seu imediato, o Benzecry, conheciam o nome de cada aluno; leram a folha e, instantaneamente, perceberam o trote. Como isso se deu, eu não sei, mas antes da aula começar, o Selasco apareceu no anfiteatro e pediu desculpas a todos, e disse que a palestra era um trote. A turba saiu frustrada, bufante e reclamante, mas aqueles alunos tinham aprendido algo para o resto de suas vidas.

Sai a turba e, como numa peça de Shakespeare, entra o Professor Boleckis, nosso futuro paraninfo, para dar sua aula; com dez minutos, mais personagens, o Selasco reaparece, com um Benzecry em segundo plano, mal se aguentando de tanto rir. Selasco dá uma bronca geral, que ele não entendia o que passava na cabeça do 4º ano, embora ressaltando que a última turma do 4º ano incendiara as cortinas, o que revelou pouca criatividade e muito vandalismo.  Em outras palavras, muito barulho por nada.

Apesar dessa compreensão toda, soubemos 40 anos depois, que o Selasco queria expulsar, senão todos, pelo menos os alunos mencionados. Ao que o Reitor, sabiamente, perguntou: 'O nome dos alunos é o que está no panfleto?' Dito que sim, o Reitor encerrou o papo: 'Então não há mentira, foi na palestra quem quis, não vamos expulsar ninguém!'. 

E eu também aprendi que se deve retirar o panfleto depois do efeito." A velha e popular queima de arquivo.



sexta-feira, 13 de outubro de 2023

3144 - INSS do Bismarck (R)



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O BISCOITO MOLHADO


Volume 1 Edição 1827                           Data: 07 de Maio de 2003

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AINDA O DESENCAIXE ATUARIAL


Iniciemos com a frase de uma escritora inglesa com sobrenome italiano, Maria Corelli:

-“Nunca me casei porque nunca precisei. Tenho três bichinhos em casa que, juntos, perfazem um marido: um cachorro que rosna de manhã, um papagaio que fala palavrões o dia todo e um gato que volta de madrugada para casa.”

Se vou falar de déficit da Previdência, até com o eufemismo desencaixe atuarial, por que iniciei dessa maneira? Ah, sim: maridos como os da frase da Maria Corelli, foram provavelmente aqueles que levaram sofrimento à Cynthia quando, trabalhando na Delegacia do Ministério dos Transportes, teve de cortar pensões de velhinhas porque os falecidos tiveram outras companheiras e, muitas vezes, filhos em relações extraconjugais.

Criado em 1923... no Brasil, evidentemente, pois a previdência social veio com Bismarck, o chanceler prussiano que falsificou um telegrama para provocar a guerra contra a França em 1870 e que, antes, em 1866, já fizera a guerra contra a Áustria... Fujo do assunto, talvez porque o assunto guerra é mais ameno.   Criado em 1923, no Brasil, o sistema oficial de previdência andou direitinho até o Juscelino Kubitschek resolver levar a fortuna de 6 bilhões dos seus cofres para a construção de Brasília. 

-“Sua avó, que sempre recebeu certinha a pensão do pai, teve de voltar com as mãos abanando das filas, na época do Juscelino.” – lembrava-me disso meu pai quase todas as vezes que eu falava em Brasília.

-“Não, pai, eu não quero elogiar Brasília, eu quero dizer que o trabalhador brasileiro, quando exigido, corresponde. Resolve-se construir uma capital federal em três anos, e o povão constrói. O Barão de Mauá teve todas aquelas idéias e, graças aos trabalhadores daqui, elas saíram do papel, e até incomodaram o poderio dos Rothchild,”

É isso aí: os políticos brasileiros é que arrastam o país para trás. E, assim, raspou-se mais ainda os cofres da Previdência Social para a construção da ponte Rio-Niterói, Transamazônica. Transamazônica, meu Deus!... Eugênio Gudin escrevia que, ao ouvir o Mário Andreazza, parecia que via ali o Juscelino. 

Hoje, contudo, Juscelino Kubitschek está reabilitado, a ditadura militar que tanto o perseguiu, conseguiu essa proeza. Vimos agora, por ocasião da campanha eleitoral de 2002, os quatro candidatos viajarem até Brasília para as homenagens do seu centenário. Todos estavam lá: Lula, José Serra, Ciro Gomes e Garotinho. Juscelino, que Nélson Rodrigues denominara o “canalha dionisíaco”, passara a ser cabo eleitoral com o seu "formidável" governo e nenhum candidato a presidente da República deixaria de aproveitar.

Samuel Wainer, quando escreveu o seu livro de memórias, insurgiu-se contra a calúnia de corrupção que lançaram sobre o presidente Getúlio Vargas, lembrando que até de bonde os seus filhos andavam. Quanto ao Juscelino, todas as vezes que a Última Hora necessitava de recursos, lhe indicavam um empreiteiro que era conhecido como “o empreiteiro do Juscelino”. Mais um argumento que nos leva a crer que, com Brasília, além da inflação, surgia a corrupção em larga escala, aliás, uma vem conjugada à outra.

-“A história fez justiça ao Juscelino.” – bradam hoje os seus admiradores.  

Cabe, então, citar essa frase de Napoleão Bonaparte:

-“A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.”

Falando em Napoleão, em conversa com o Leozinho por telefone anteontem, não deixamos de comentar as confusões que o Lula comete com o imperador.

-“Carlinhos, você viu: o Lula mais uma vez falou do Napoleão na China.”

-“Pois é, Léo; já foi aquele desacerto todo a invasão de Napoleão a Moscou, já imaginou ele invadindo Pequim? ”

Leozinho riu; afinal Napoleão não iria perder tempo na China para apenas visitar as Muralhas.

-“Léozinho, o Lula não estaria confundindo Napoleão com Gengis Khan? Ele, sim, invadiu a China lá por 1215.”

-“Ou Tamerlão, Carlinhos. Este pretendia invadir a China quando morreu  com cerca de 70 anos. Dizia-se descendente de Gengis Khan, mas era filho de turcos. Teve o seu valor no segundo império mongol. Não possuiu a China e a Mongólia como Gengis Khan, mas conquistou a Síria, a Índia e a Anatólia.”

-“Tamerlão...Napoleão... Creio, Leozinho, que dá para o Lula confundir.”

O diabo é que o Lula, alimentando mais o corpo do que o espírito, não deve conhecer o Tamerlão, e sim o Requeijão.

Falamos de o Napoleão descer numa sessão espírita, reclamando dessas incongruências do presidente brasileiro e desligamos. Retornei, então, os meus pensamentos à previdência.

Numa Veja de 1988, lemos que só o Brasil paga aposentadorias milionárias. O teto no Reino Unido é 1 060,00 reais, e o da França 1 350,00. Ora, esses não são países ricos como o Brasil que ainda pode dar-se ao luxo de ter 2 contribuintes por aposentado. Mas com toda essa “riqueza” do Brasil, quem deve a previdência tem que pagar, a começar pelos bancos.

 Ufa!... Como é difícil arrancar algum humor desse assunto. Paro aqui, e vou ordenhar pedra que é uma tarefa mais aprazível.