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quarta-feira, 30 de maio de 2012

2157 - Trufô, Acre e facebook

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3857                                       Data: 22 de maio de 2012
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NOTÍCIAS NO TÁXI

Pensava no filme “Na idade da Inocência”. Não houve cineasta que mostrasse o mundo das crianças com mais sabedoria do que François Truffaut.  O cinema americano exibe crianças engraçadinhas; o inglês, certamente por causa da influência dos livros de Charles Dickens, crianças vítimas do sistema econômico; e o italiano, pequenos poetas românticos. Truffaut, não, amava as crianças e as respeitava como seres humanos frágeis que enfrentam a vida.
No cinema do grande cineasta francês, a meninice reflete sinceridade; não há lugar para o estrelismo de uma Shirley Temple, por exemplo.
No filme “Na Idade da Inocência”, vê-se o convívio dos jovens numa sala de aula, nos recreios, com os professores, com os seus pais. Vê-se seus namoros. Truffaut mostra o relacionamento em casa de alguns, as ruas que percorrem. Como escreveu acertadamente um cinéfilo: “Nada grita no filme: Truffaut, que é sempre tão suave, tem aqui toque de veludo, o filme desliza sem drama pesado, sem forçar nada. Você gargalha e sente gratidão pela engenhosidade do diretor. Não há um só momento entediante e cada pequena cena é plena de vida, de apelo e verdade. Truffaut jamais foge das implicações da meninice, ele arquiteta o filme como sinfonia colorida.”
Eis a expressão correta: sinfonia colorida. Mas há um momento em que as cores se tornam carregadas, quando, no meio do ano letivo, é matriculado um aluno mal vestido, Julien, que jamais demonstra a alegria saudável dos seus colegas de estudo. Age com dispersão nas aulas e comete pequenos furtos. Identificamos logo, no personagem, as reminiscências infanto-juvenis do autor de “Os Incompreendidos”.
A casa de Julien é apresentada ao espectador de longe pela câmera, paupérrima praticamente um barraco. Ele sai de casa e lhe atira pedras, sinal de que o seu lar é conturbado.  Num exame médico, na escola, em que é compulsoriamente despido, descobre-se marcas de tortura espalhadas pelo seu corpo. A polícia é informada pela direção da escola, e a mãe e a avó do pequeno Julien, duas megeras, são presas em casa.  A inocente gurizada estremece com a visão de um mundo horrível, que até então desconheciam e o professor François faz uma sábia palestra na sala de aula. Diz, com outras palavras, que o pior crime é aquele cometido contra as crianças. E elas, mesmo sendo as vítimas, julgam-se culpadas, o que torna ainda mais perverso o crime contra elas.
Truffaut, que conheceu o mundo das crianças através do cinema melhor do que ninguém, veio-me à mente quando li a declaração da apresentadora Xuxa sobre a época da sua infância em que foi molestada  sexualmente. Disse ela em determinado momento: “Eu não tinha experiência, não sabia o que fazer. Me calava porque me sentia suja, errada, achava mesmo que a culpa era minha, das minhas roupas, do meu jeito. Até hoje me sinto culpada. Mas a gente não pode pensar assim. Porque uma criança não sabe o que fazer em uma situação dessa.”
Puro Truffaut.
Enquanto eu repetia para mim mesmo que era puro Truffaut, apesar de o cineasta não ter abordado a pedofilia, o taxista desconhecido me perguntava onde ele deveria parar o carro.
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No dia subsequente, o taxista não era também uma figura fácil do percurso da Domingo de Magalhães para a Modigliani, mas isso, ao contrário de ontem, não impediu que a conversa fluísse.
-Antes deixassem o Acre com os bolivianos. - bradou.
Tanta fúria só pode ser provocada pelo alvo da nossa paixão.
-O senhor é acriano?
-Sou, mas vejo que a minha terra não deveria passar para as mãos brasileiras.
-O Acre possui regiões de fertilidade comparáveis a encontrada em parte da Argentina e da Ucrânia, pelo que li não sei onde. - comentei.
-Não sabem aproveitar a boa sorte. - continuou zangado.
-O Acre nos deu Armando Nogueira, José Vasconcellos...
-E deu também o Tião Maia.
-Senador Tião Maia?..
-Ele é o governador do Acre. - esclareceu-me.
-Os políticos sempre nos desapontam, por isso eu olho mesmo os que me agradam, pelas ideias, com um pé atrás.
-O Tião Maia se tornou o José Sarney do Acre. Foram cinco os parentes que nomeou para cargos no executivo. Agora, ele nomeou a irmã para a Junta Comercial do Acre com o salário de 16 mil reais.
-Médicos e professores, na maioria, não ganham 30% disso no Serviço Público. - comentei.
-É para você ver... Um jornal de lá publicou que toda a família do governador reunida embolsa, do estado, mais de 600 mil reais.
-Um bom dinheiro.
-Um crime num estado tão pobre. - rezingou.
-Um dia, melhora. - expressei otimismo.
-Os bolivianos não pegaram a Petrobras?... Que peguem de volta o Acre. - azedou ainda mais.
-Nada disso; com aquela terra fértil, eles plantariam mais coca. - retruquei, quando o carro parou na Rua Modigliani.
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-E o curso de contabilidade?- perguntei ao Bob Esponja, cujo táxi me trouxe para casa no dia seguinte.
 -Eu falei curso de contabilidade?... Não é bem isso, eu me formei, na faculdade, em contabilidade. Penso, agora, em fazer um curso de informática.
-Ah, sim... Você me disse um dia desses que se matricularia num curso, e eu fiz confusão. - expliquei-me.
-Eu já tenho uma noção razoável de computador, só preciso me aperfeiçoar, mas o táxi não me deixa tempo, e eu preciso fazer um dinheirinho.
-O sinal da banda larga é ruinzinho por aqui, pelo menos era. Eu ainda encontro dificuldade para navegar na internet, muitas vezes recorro ao computador do meu sobrinho, que mora na Avenida Suburbana. - manifestei-me.
-Pelo que escuto, a banda larga de Del Castilho não anda assim tão lenta.
Depois de uma pausa, perguntou:
-Você tem virtual?
-Não, uso modem que tenho de plugar no computador por cabo USB.
-Sua internet é velox?... Não é uma boa.
-Não mudei ainda por comodidade e preguiça.
-Muda logo, pois você acessará melhor o facebook. - sugeriu.
-Não sou adepto de relacionamentos virtuais. - declarei.
-Quase todo mundo é, você viu agora o lançamento das ações do Facebook na Bolsa de Valores dos Estados Unidos? Um sucesso.
-Vi o lançamento das ações e a sua negociação, caiu 20%.  Já fizeram o trocadilho: virou “Fakebook”.
-Recupera logo. - garantiu o Bob Esponja.
-Não é assim, posso afirmar com a pouca experiência que tenho no assunto. Houve a euforia inicial e, depois, os acionistas caíram na realidade. Como o Facebook fará dinheiro? - foi essa a pergunta que os vendedores da ação fizeram.
-Com tanta gente adepta do Facebook, o dinheiro aparecerá.
 -Não vamos esquecer que essa gente de relacionamento social não trata de negócios e essa empresa começou com um valor superior às maiores do mundo.
-Rua Modigliani. - avisou.


terça-feira, 29 de maio de 2012

2156 - o contraditório Dia das Mães

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3856                                      Data: 21 de maio de 2012
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SABADOIDO NA ENTREGA DAS FAIXAS
PARTE II

O vídeo “O Dia das Mães” merece uma resenha à parte. Inicia-se com a informação, em letras destacadas, uma homenagem ao cinema mudo, que o Dieckmann vai levar o carro do Muca a uma exposição, Muca, que tem sobrenome de jogador do Bayern de Munique, Schweinsteiger, ou algo parecido, teve um tioavô enforcado por Hitler porque participou da Operação Valquíria. No entanto, ele não demonstrou o mesmo heroísmo do seu antepassado e evitou dirigir o seu deslumbrante Rolls-Royce pelas ruas de Santa Teresa. Coube ao Dieckmann a façanha de guiar aquele tesouro criado na Inglaterra de Shakespeare, Isaac Newton e Mister Bean da sua casa, na Rua Triumpho, também estúdio cinematográfico, à Praça XV.
Mais sorridente do que candidato a cargo eletivo em campanha, Dieckmann aparece ao volante do precioso carro. Na primeira esquina, o primeiro problema: era estreita demais para ser contornada numa única manobra; Dieckmann dá marcha a ré, obtém o ângulo desejado e supera o obstáculo. Com um sorriso confiante, prossegue. A câmera aproveita o caminho percorrido pelo Rolls-Royce e mostra, num plano sequência, a beleza de Santa Teresa, passar pelos prédios das estatais da Avenida Chile e até chegar ao destino, que era o  Paço Imperial da Praça XV.  Ao fundo, a belíssima música do Bach americano, Duke Ellington, além do tempo nublado, remete-nos aos filmes de Woody Allen do cenário novaioquino.
A tomada com a câmera ao ar livre é entremeada com rápidos cortes em que são entrevistadas, no ambiente de trabalho, pessoas que expressam o que representa o  Rolls-Royce no seu imaginário.
Na Praça XV, onde se realizou a exposição de carros clássicos, no Dia das Mães – por isso o título do filme – Dieckmann chega como o Rolls-Royce do Muca, são e salvo.  É saudado pelos amigos, enquanto os populares afagam com os olhos o carro que não faria feio na garagem da rainha Elizabeth II, nos seus 60 anos de reinado.
Dieckmann, sem dúvida alguma, realizou o seu melhor filme e eu não o trocaria por “Herbie, o fusquinha ...”
Retornei à sessão do Sabadoido, quando o Luca repetia, para o meu irmão, o que dissera para mim e para a Gina do programa da TV a cabo a que assistira no canal 66. Como o Cláudio gosta de música americana, aproveitei uma brecha para lhe informar que acabara de escutar, no vídeo do Dieckmann, Sofisticated Lady,  de Duke Ellington.
-Não me recordo. Cantarola.
-Não consigo cantarolar nada, muito menos uma música dessa qualidade. - assumi a minha incapacidade.
Nesse instante, Daniel retornava.
-Claudiomiiiiiiiiro...  Luca, no sabadoido passado, eu me prontifiquei a levar o Carlão para casa de carro. Buzinava e nada de ele aparecer. Estava com medo.
-E eu tenho medo de você no volante!...
Sem atentar para o meu protesto, Daniel continuou:
-Vim até aqui e quase o carreguei à força para dentro do meu carro. No caminho, eu disse: “Dirijo igual ao Luca, não é?”...  Sabe o que ele disse?
-O que ele disse?- quis saber o Luca.
-Será igual, se você batucar no painel do carro.
Luca riu e meu sobrinho voltou para o seu quarto, onde tocaria teclado.
-Encontrei-me com o Luís, esta semana. - informou o Luca.
-O Xalulu?!... Ele deu uma caída... - interveio o Cláudio.
-Perguntei a ele se estava lendo, e ele me disse que leu apenas dois livros no ano passado. Ora, um cara que dá aulas não pode ler só isso.
-A Rosa lê dois livros por semana. - aparteei.
-Incentivei-o a caminhar comigo e ele disse que eu ando muito rápido.
-O Luís sempre que corria comigo disparava à minha frente, mas depois morria. Era um velocista. - lembrei-me depois das palavras do Luca.
-Levei-o para aqueles aparelhos de ginástica do Jardim do Méier, mas o desempenho dele foi sofrível.
-Ele tem ido ao Engenhão?
-Cláudio me respondeu.
-Xalulu não perde uma partida, mesmo quando o Botafogo não joga. Tira proveito do fato de não pagar por ter mais de 65 anos.
-Ele está com uns 70 anos?...
-Sim, é mais velho do que eu. - disse-me o Luca.
-A Rosa escreveu que o livro que me deu sobre as peças de Shakespeare solou, como um bolo, mas estou gostando da leitura. - mudei de assunto.
-Rosa pretendia lhe dar outro livro, mas no seu aniversário, depois, disse que até outubro vocês poderiam brigar e antecipou a entrega. O livro está no meu carro.
-Por que eu brigaria com a Rosa?...
Não sou o cravo da marchinha popular, pensei depois, quando o tema do sabadoido era outro, por isso, eu me calei.
-Claudiomiro, a Rosa revela que se confundia com a pronúncia da palavra...
Depois de investigar uma carta que ela manuscrevera numa folha amarela, disse de que palavra se tratava.
-Abside.
Palavra inglesa. - pensei.
-Significa dossel que encima o sacrário. - anotou o Luca.
-Vou trazer as bebidas. - informou o Cláudio.
-Um pouquinho só para mim, pois tenho de levar a Carolina ao aeroporto.
-Carlinhos – disse ele – assisti ao programa de Jô, quando apareceu um especialista em Augusto dos Anjos. Especializar-se num poeta que morreu cedo e deixou um livro apenas, não é um mérito extraordinário.
-Sim.
-Mas ele é também um grande conhecedor de Machado de Assis.
-E o que ele disse de interessante? - eu quis saber.
-Ele disse que Machado de Assis tinha tudo para dar errado; foi criado no morro, era filho de lavadeira...
-Mulato, vendia balas, não frequentou regularmente a escola. - acrescentei.
-Era epilético...
Machado de Assis é o maior exemplo de superação na história da sociedade brasileira. - pensei, enquanto o Luca falava:
-Ele disse ao Jô que, escrevendo na França, Machado de Assis superaria Balzac.
-Machado de Assis tem reconhecimento internacional. Woody Allen leu “As Memórias Póstumas de Brás Cubas” e ficou encantado...
Quando eu ia citar o renomado crítico literário Harold Bloom, Luca sacou uma crônica do Ruy Castro, que cita o cineasta de Nova York e o escritor do Rio de Janeiro para, em seguida, passar para o “Dom Casmurro”.
-Você vê Carlinhos, a sonoridade do nome Capitu.
-Machado de Assis pegou um nome feio, Capitolina e o tornou bonito com uma simples abreviatura.
-E você vê Carlinhos, que o nome Bentinho era pomposo. Não me lembro agora qual era.  
Nem eu nem ele nos recordamos que era Bento Fernandes Santiago. Também ficou no esquecimento Ezequiel de Sousa Escobar.
-Ele disse, no programa do Jô, sobre a traição ou não da Capitu, que a história é narrada por uma pessoa ciumenta.
-Sim, Luca; o Bentinho, com o passar dos anos, se torna amarga, e recebe o apelido de Dom Casmurro. Ele via semelhanças incríveis do filho da Capitu com o amigo falecido Escobar...
-Mas uma mente ciumenta distorce a realidade. - interveio o Luca.
-Muitos julgam que Capitu cometeu adultério, mas se esquecem que ela não é ouvida nessa história, que existe apenas a versão do marido. O contraditório é a base do julgamento e não há o contraditório.
-É isso mesmo, Carlinhos: Machado de Assis era o máximo.
Nossa atenção voltava-se, agora, para meu irmão, que vinha com as bebidas.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

2155 - Dia das Mães


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3855                                         Data: 20 de  maio de 2012
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SABADOIDO  DA  ENTREGA   DAS  FAIXAS

-Chovia na terça feira, e eu descia a Rua Van Gogh de guarda-chuva aberto, às 6 horas da manhã. Com tênis novo, derrapei na parte mais inclinada da calçada e caí. Apoei-me no braço para não me machucar. Ergui-me, espanei com as mãos as pedrinhas do corpo, peguei o guarda-chuva emborcado no chão e reiniciei minha caminhada para a estação de Del Castilho. No trabalho, por volta das 10 horas, senti uma coisa esquisita no cotovelo, olhei e vi um ovo, mas não era de codorna, um ovo de avestruz. Recusei as sugestões de ir a uma clínica de radiografia, pois não sentia a menor dor. Fiz aplicações de gelo e o inchaço desapareceu, deixando essa mancha.
-Deixe-me ver. - pediu a Gina.
Depois de fazer considerações médicas sobre a contusão, minha cunhada previu que ela assumiria uma tonalidade amarela.
-Carlão está com dor de cotovelo com a derrota do Botafogo na disputa do título com o Fluminense. - diagnosticou o Daniel.
Cláudio, que se sentara à mesa para descascar uma laranja, mudou de assunto.
-Você viu, Carlinhos, o canal 66?
-Eu tenho a TVA, a numeração dos canais é diferente da NET. O que é o canal 66?
-A TV Brasil.
-Não, eu tenho o canal com a programação da antiga TV Educativa.
-Você precisava assistir à entrevista com o general Newton Cruz.
-Ele está com uns 88 anos. - calculei.
-86. Mas que memória!... Foi uma entrevista para gravar, pois ele é muito engraçado.
-O presidente Figueiredo dizia: “Nini, o nosso Mussolini...” Há uma fotografia dele, montado num cavalo branco, em que é idêntico ao Mussolini. - lembrei.
-Quando lhe perguntaram sobre a manifestação popular em Brasília, na votação das “Diretas já”, ele disse, na entrevista, que soltou umas bombinhas e todo o mundo correu.
-Napoleão Bonaparte ordenou uma descarga de canhão contra o povo em 1795. - aparteei.
-Newton Cruz disse que o repórter desligou acintosamente o gravador na cara dele, por isso agarrou-o...
-E o obrigou a pedir desculpas. - acrescentei.
-Afirmou o general que os dois se tornaram amigos.
-Cláudio, o Aldir Blanc dizia que o bairro onde morava, Muda, era tão conservador, que lá o Newton Cruz foi o candidato a prefeito que recebeu a maior votação.
-O general Newton Cruz não suporta o Leônidas Pires Gonçalves.
-O ministro do Exército do governo Sarney?... Falavam que o filho dele prevaricava no mercado financeiro.
-O Newton Cruz disse que não se senta à mesma mesa com o general Leônidas Pires Gonçalves.
-E o Luca?
-O que tem o Luca? - perturbou-se meu irmão com a mudança brusca de tema.
-O Luca levou para a Rosa o envelope que deixei aqui no sabadoido passado?
-Luca não tem aparecido e nem deve aparecer hoje. Ele só parou aqui, um desses dias, para entregar uns aipins.
-Luca vai levar a Carolina para o aeroporto daqui a pouco. - interveio a Gina.
-E eu que trouxe outro pacote de biscoitos para a Rosa. - lamentei com os meus botões.
Daniel entrou com o assunto futebolístico, enquanto meu irmão, como no sábado anterior, anunciou a sua ida ao Wal Mart em busca de cervejas com preços atrativos.
-O diabo é que o Boca Juniors joga fora de casa com a mesma pegada com que joga no La Bambonera. - expressou meu sobrinho sua apreensão com o próximo cotejo do Fluminense na Taça Libertadores da América.
Tenho de assistir ao vídeo do Dieckmann sobre o “Dia das Mães”, mas com a não vinda do Luca ao Sabadoido terei tempo de sobra para acessá-lo no cybercafé do Daniel. - pensei.
Depois de alguma conversação entre nós três, Cláudio já rumara para o Wal Mart, o telefone tocou. Gina atendeu.
-É o Luca que está chegando cedo para não sair tarde. - informou.
Terei de deixar o vídeo do Dieckmann para depois e substituir o Cláudio. - apressei-me. No quintal, vi um pedaço que recebia o sol e me postei ali.
-O Sabadoido deveria ser aqui, sob os raios solares, que é mais saudável. - disse, enquanto a Gina trazia o Luca, que buscara no portão.
-Está quarando, Carlinhos?- perguntou ele.
-Como vai, Luca?
-Não posso ficar muito tempo, pois tenho de levar a Carolina ao aeroporto.
-Sente-se. - apontou-lhe a Gina uma das cadeiras.
-E o Claudiomiro?
-O Cláudio, como sempre, foi atrás de cerveja no Walt Mart, Carrefour... - respondeu ela.
-Ô Claudiomiiiiiiiiiiro.- era o Daniel, que aparecia com a faixa de campeão carioca de 2012 do Fluminense.
Depois do brado, prosseguiu:
-Luca, eu o imitei no sábado passado, quando você esteve no Ceará, para que ninguém sentisse a sua falta.
-Bela faixa, Daniel.
-Tira para ele ver. - ordenou a Gina.
-Antes, deixa-me tirar uma foto do Daniel enfaixado. - pedi.
Posicionei o celular, mas no instante do clique tocou um sinal de mensagem.
-Isso é hora de mensagem. - reclamei.
Depois de eu clicar, Daniel tirou a faixa, e o Luca se deteve nas figuras dos jogadores e do técnico Abel que foram colocadas nela.
-Eu não tinha visto ainda uma faixa assim, tão ilustrada.
-Isso é só com o Fluminense, Carlão.
Pouco depois, o Daniel se retirou com sua exuberante alegria, enquanto a Gina ficava, sentada no lugar do Vagner, ficando vaga apenas a cadeira do Cláudio.
-Vocês viram o Globo News?
-Eu não tenho esse canal, Luca.
Ao dizer essas palavras, prossegui:
-Antes de você continuar, o Cláudio me falou agora de uma entrevista do general Newton Cruz no canal 66.
-Ele tem uns 90 anos, não tem?
-86, segundo o Cláudio, mas a memória dele está tinindo.
-O velho lembra bem das coisas. - confirmou a Gina sem muito entusiasmo.
-Eu não vi. Assisti, isso sim, no canal Globo News um programa com a Ângela Maria. Ela fala da Dalva de Oliveira, que se inspirou no canto dela...
-Dalva de Oliveira. - repetiu a Gina meio blasé.
 -A Maria Betânia citou como maiores cantoras, Nana Caymmi, Dalva de Oliveira, Billy Hollyday, e aquela maluquinha que morreu há pouco tempo.
-Amy Winehouse.
-Essa mesma; não colocou Gal Costa. Parece que todas as cantoras brasileiras se espelharam na Dalva de Oliveira.
-Vila Lobos a considerava a melhor cantora popular do Brasil.- intervim.
-Eu não gosto daquele jeito de portuguesa de ela soltar a voz, mas eu a imitava cantando “Bandeira Branca”. Minha mãe ficava ouvindo, depois, eu fiquei sem voz para isso. - enveredou a Gina pelas reminiscências.
Nesse instante, o barulho do portão anunciou a chegada do Cláudio.
Hora de assistir “O Dia das Mães” do Dieckmann. - falei com os meus botões.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

2154 - o biscoito culpado


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3854                                    Data: 19 de maio de 2012
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LONDRES ASSADA POR UM PADEIRO
 Depois da fuga de Varennes, eu estava tão entorpecido que a minha voz soou estranha.
-Quanta fumaça sai desse ópio...
-Carlos, isto é o fog londrino.
-Estamos em Londres, Elio? - espantei-me para, sem respirar, concluir.
-Espero que esta não seja a época da Maria Sanguinária.
-Você se refere à Rainha Mary Tudor, conhecida como Bloody Mary pelo seu fanatismo religioso?
Essa mesmo; se ainda reina, Elio, esqueço o meu agnosticismo e volto a ser católico.
-Não, Carlos; se os filmes de Hollywood a que assisti não erraram no figurino, as vestimentas das pessoas que vemos são de reinados posteriores.
Depois de abordarmos um e outro inglês, soubemos que estávamos no fim de agosto de 1666.
-Carlos, aquele que rege a orquestra dos gênios, segundo Voltaire, vive. - iluminaram-se as feições do Causídico Verborrágico.
-Isaac Newton...
-Ele mesmo, Carlos. Li sua biografia, sei que nasceu em 1642. Vamos vê-lo.
O seu entusiasmo fervia.
-Ele está com 24 anos, ainda não elaborou as suas ideias luminosas. Talvez, encontre-se fora de Londres... - tentei esfriar o seu ânimo.
-Com 24 anos, Carlos, Isaac Newton já estudava a dispersão da luz branca através de um prisma e trabalhava na construção do primeiro telescópio de reflexão. Vamos vê-lo.
Não convenci o meu amigo e, assim, partimos atrás do grande homem.
-Pelas informações que obtivemos, estamos na pista exata. - disse ele.
Dessa vez, ele acertou, encontramos o gênio cochilando debaixo de uma árvore.
-Carlos, não se trata apenas do Isaac Newton, a árvore que dá sombra é uma macieira. - vibrou como um menino.
-Elio, na Inglaterra as árvores não dão sombra porque o sol com a sua quentura nunca aparece.
-Que seja! Mas importa que ali estão Isaac Newton e a macieira.
-Sim, mas a descoberta da Lei da Gravidade depois que uma maçã serviu de despertador de Newton é lenda.
-Sei, Carlos, que Isaac Newton introduziu a noção de gravitação universal ao identificar a gravidade terrestre com as atrações entre os corpos bem depois deste ano de 1666, mas nós podemos acelerar o processo.
-Como acelerar o processo?
-Você sobe na macieira e joga uma maçã na cabeça do gênio, que dorme.
-Elio, eu não subo numa árvore desde os 16 anos de idade, quando serrei o galho de uma mangueira e caí.
-Isso, quando?... Em 1964?... Estamos 29 de agosto de 1666.
Convencido pela argumentação cansativa do Causídico Verborrágico, subi na macieira e deixei um fruta cair no cocoruto de Isaac Newton. Ele acordou soltando um motherfucker e rumou para dentro de um prédio com aparência de biblioteca.
Com o passar das horas, a vibração de fã por ídolo do Elio se esfriou, e seguimos nosso caminho.
-Elio, já passamos pela Grécia, pela França, pelos Estados Unidos, e, durante esse tempo todo, não fiz um só biscoito, o que me traz uma sensação de inutilidade.
-Faça biscoitos, então, visando dinheiro, pois precisamos do vil metal para adquirir ópio e sair desse lugar.
Com o incentivo do Elio, consegui emprego com Thomas Farriner, o padeiro do rei, em Pudding Lane, como mitron, ou seja, ajudante de padeiro.
-Eu disse que só aceitava ser mitron do Shakespeare, mas ele bradou que o bardo morreu há algum tempo.
-Você não tem de ter essas vaidades, afinal, ele trabalha para o rei Carlos II. - advertiu-me.
Depois de uma pausa, Elio me perguntou:
-E quem vai distribuir os seus biscoitos?
-Se o Dieckmann estivesse aqui, conosco, seria ele, como não está, eu mesmo distribuo.
No dia primeiro de setembro, comecei a trabalhar na padaria do rei Carlos II, em Pudding Lane, perto da ponte de Londres.  Nesse primeiro e único dia de trabalho, não me mostrei muito eufórico.
-Não adianta imitar o meu estilo, pois eu lido com a farinha de trigo como Miguelângelo lidava com o mármore. As minhas obras artísticas são inigualáveis. - gabou-se Thomas Farriner.
-Porque ele é padeiro do rei, julga-se a quintessência dos fabricantes de pães. - pensei sem me manifestar.
Depois do expediente, encontrei-me com o Elio num pub que servia uma cerveja quente.
-Carlos, tentei defender, no tribunal, algumas das muitas mulheres espancadas pelos seus maridos, por aqui, mas não consegui um só caso; não existe lei que impeça essa prática brutal na Inglaterra.
-Elio, os ingleses precisam de uma Mary da Penha Act.
Horas depois, nós dois nos recolhemos numa espelunca de uma rua estreita, como tantas outras ruas, que não cobrava diárias adiantadas.
-Isto aqui parece tão miserável quanto umas favelas que vi no Rio de Janeiro. - disse o Elio, enquanto se ajeitava no chão forrado com um grosso pano. (*)
Na manhã seguinte, quanto mais eu me aproximava da padaria do rei, mais sentia subir a temperatura. Olhei para cima e o sol continuava escondido pelas densas nuvens. Subitamente, deparei-me com uma multidão que corria em sentido contrário ao meu.
-O que foi? - perguntei a um popular.
-A padaria de Thomas Farriner está em chamas.
-Deixaram queimar os meus biscoitos! - levei as mãos à cabeça.
-O fogo se espalha com o vento do leste. - gritou outro popular com a voz tomada pelo desespero.
Com tudo em ebulição, saí em busca do Elio e, com alguma dificuldade, eu o encontrei suando em bicas.
-Carlos, o fogo é tanto que nem adianta jogar tinas e baldes de água.
-As chamas são vistas daqui. - constatei.
-São casas de madeira, coladas uma na outra, é toda uma estrutura medieval... daqui a pouco, as chamas serão vistas a quilômetros daqui.- previu o Elio.
-O jeito é nos juntarmos à multidão e correr para longe, bem longe. - propus.
Enquanto corríamos entre milhares de pessoas, comentei:
-Esta, na realidade, é a primeira maratona de Londres.
Três dias depois, o incêndio parou, não porque encontrou resistência, mas porque não havia quase nada para queimar. Feita a lúgubre contabilidade, falaram em 13.200 casas destruídas, 44 prédios públicos, 87 igrejas mais a Catedral de Saint Paul. Os óbitos não passaram de 19, mas os desabrigados pelo fogo foram mais de 100 mil.
-Por que três dias de inferno? - gritou um inglês.
A técnica de derrubar construções para impedir o espalhamento do fogo foi retardada pelo Lord Major de Londres, Sir Thomas Bloodworth, que subestimou o potencial das chamas – era a explicação encontrada para a duração prolongada do incêndio.
-Carlos, eu sei sobre a reconstrução de Lisboa depois do terrível terremoto de 1755, o Marquês de Pombal recorreu ao ouro do Brasil, mas nada sei sobre a reconstrução de Londres depois deste incêndio.
-O rei Carlos II também tinha o seu ouro roubado, Elio. 
Soube-se, então, que o incêndio de Londres começou na padaria de Thomas Farriner, onde o forno não foi apagado inteiramente, ensejando que fagulhas chegassem à madeira e se agigantassem, saindo do controle humano.
-Carlos, vamos fugir porque podem colocar a culpa  nos seus biscoitos.
E fugimos.
(*) A língua inglesa sobrevive porque influencia a todos. Vejam este prosaico exemplo; o redator do seu O BISCOITO MOLHADO empregou o adjetivo à inglesa, grosso pano, em vez de pano grosso. Será que foi porque se sentiu realmente em Pudding Lane? Em Asterix entre os Bretões podemos ver a influência do linguajar sob a forma de humor quando o Obelix se indignou ao ouvir que o inglês ia misturar chá com quente água.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

2153 - alpiste para todos

O BISCOITO MOLHADO
Edição 3853                                               Data: 17 de maio de 2012
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MENSAGENS ELETRÔNICAS COMENTADAS

Antes dos nossos comentários, transcrevo, in verbis, o conteúdo de um e-mail do Dieckmann:
“O novo apelido do Botafogo é perfeito; “Elvis Presley”, porque fez muito sucesso nas décadas de 50/60 e muitos acreditam que ainda está vivo. Saudações tricolores, de um tricolor (eu sou Flamengo).”
“Ciao Dieckmann.”
Quando um conhecedor profundo de carros do passado resolve enveredar pelo futebol dá nisso...
Então, o Botafogo só fez sucesso nas décadas de 50 e 60?...
Bem, apesar de o torcedor do América, Lamartine Babo, colocar no hino do Botafogo que o clube é campeão desde 1910, o Botafogo também abiscoitou o de 1907, juntamente com o Fluminense.
Prosseguindo; eu, que pensava que o cognome “glorioso” surgira do fato de o Botafogo ser a agremiação que mais jogadores forneceu à seleção brasileira, agora sei que o motivo foram as acachapantes goleadas que ele aplicava nos adversários desde tempos remotos. Em 30 de maio de 1909, o Botafogo alcançou o maior número de gols numa só partida, na história do futebol brasileiro, ao derrotar o Mangueira por 24 a 0. Em 25 de setembro de 1910, venceu o Fluminense por 6 a 1 e, em 29 de maio de 1927, foi a vez do goleiro do Flamengo se cansar de tanto apanhar a bola no fundo da rede: 9 a 2.
Um pouco antes do sucesso dos anos 50 e 60, precisamente em 10 de setembro de 1944, o Botafogo de Heleno de Freitas enfrentou o Flamengo de Zizinho e... e o time do Flamengo se sentou em campo quando o placar lhe era desfavorável em 5 a 2. Pelo menos, o técnico rubro-negro, Flávio Costa, veio a público e garantiu que a ordem não partiu dele, e sim de algum dirigente, que ele nada teve a ver com uma das cenas mais patéticas do futebol do Rio de Janeiro.  Há testemunhas que garantem que, a certa altura desse jogo, o massagista do Flamengo, Arubinha, gritou: “Arrecua os arfes pra evitar a catastre.” Seria melhor do que sentar todo o mundo.
Nos anos 1931, 1932, 1933 e 1934, o clube da Estrela Solitária se tornou tetracampeã carioca. Na década de 40, antes do título de 1948, conquistado contra o poderoso “Expresso” do Vasco da Gama, o Botafogo foi tetravice-campeão, o que demonstra que não era um mero participante dos cotejos futebolísticos.
Encerrando, pois outras mensagens eletrônicas têm de ser acessadas: o Botafogo faz sucesso desde a primeira década do século XX. (*)
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E a outra mensagem eletrônica também é do Dieckmann e, por coincidência, trata de futebol... ou, pelos menos, de algo parecido. Nosso amigo levou a câmera da Triumpho Produções 30 a um campo com grama e balizas, em Vila Isabel, para filmar uma pelada amistosa disputada entre seus amigos. Ele deveria carregar para lá também o seu neto de 13 anos, pois, assim, a idade média dos atletas, em campo, cairia para uns 60 anos.
Desde o tempo em que Noel Rosa era vivo que não se via tanta inspiração em Vila Isabel.  A voz em off do diretor e narrador do vídeo dizia enfaticamente: “nove a oito... nove a nove... dez a nove... dez a dez... onze a dez...”
E nós víamos as redes estufarem e, mais ainda, as barrigas estufadas dos jogadores. Como brinde, e bota brinde nisso, o cineasta ainda mostrou a festa de confraternização, quando todos recuperaram com sobras as calorias perdidas em campo.
Cut!
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Percebo, agora, que já se achava há algum tempo na minha caixa de correspondência internética, uma mensagem de teor econômico que precifica  o  brasileiro  no mercado internacional. Eis o que ela diz:
“... O valor médio do salário do brasileiro, já descontada a inflação, cresceu 5,6%, e atingiu R$ 1.728,00 em março. Em dólar desde 26 de abril, isso equivale a um rendimento anual de US$ 11 mil. Contra US$ 45 mil nos Estados Unidos e US$ 7 mil na China. Ou seja, no salário, um americano vale quatro brasileiros e o brasileiro vale um chinês e meio.”
Lembro-me de um professor que, no meio de uma aula, surpreendeu a todos com uma pergunta: “Quanto vale um ser humano”. Recorri à imaginação e comparei o ser humano a um bem de estimação, depois de descartar o bem livre, por não ter preço, mas o professor quantificou todos nós monetariamente, falando nos custos de alimentação, educação, lazer, etc.
Apesar de economista, não me agrada o “homo economicus”, prefiro o homem renascentista, que Shakespeare antepôs ao homem medieval na Cena II do Ato II do Hamlet:
“Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimento, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus! A maravilha do mundo! O padrão de todos os seres criados! E, mesmo assim, que significa para mim essa quintessência do pó?”
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Remetem-me um e-mail em que o alpiste é exaltado como um excelente alimento para o ser humano. Será que, comendo alpiste, morreremos como um passarinho? - foi o meu primeiro pensamento antes de abrir o anexo ou, como diria a Rosa Grieco, o panegírico ao alpiste.
Lê-se, no texto, um parágrafo que afirma que, depois de muitas experiências científicas, descobriram que o alpiste possui uma proteína incrivelmente poderosa, a qual tem seus aminoácidos estáveis o que induz a uma maior eficiência alimentícia no organismo. Quer dizer não é só a garganta que é privilegiada, mas o corpo inteiro.
Talvez fosse bom submeter os envolvidos na CPI do Carlinhos Cachoeira a uma dieta do alpiste para eles piarem.
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Reproduzo uma mensagem eletrônica e a reproduzo sem comentários, pois ela provoca, com toda certeza, discussões acaloradas.
“Fale o que quiser, mas os presídios da época da ditadura militar eram muito bons. Existem comprovações irrefutáveis de que, eles sim, recuperaram presos e deveriam servir de exemplo para o mundo. Nenhum país e nenhum modelo prisional conseguiu reabilitação igual. Orgulho brasileiro! Entraram:
-Guerrilheiros,
-Torturadores,
-Fraudadores,
-Ladrões,
-Assassinos e
-Sequestradores.
Saíram:
-Governadores,
-Ministros,
-Prefeitos,
-Deputados,
-Senadores,
-Vereadores,
-Assessores,
-Dois presidentes da República.

(*) Não pronuncio o nome do clube e até da praia me esquivo. Entretanto, cabe a réplica: o mencionado time, cognominado como Glorioso deve ter parado de conquistar as tais glórias em algum tempo, haja vista o retrospecto de campeonatos: 32 Flamengo, 31 Fluminense, 22 Vasco da Gama (**) e 19...
(**) Não sei bem se são 22 os campeonatos do Vasco. Entretanto, são tantos os vice-campeonatos que o simpático time de São Januário conquistou, que seria meritório agregar uns campeonatos. Assim, pra mim, o Vasco tem 28 campeonatos. Já tetravicecampeonato não conta.

2152 - paraíba 2

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3852                                          Data: 16 de maio de 2012
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80ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
PARTE II
-George Sand, você mereceu elogios de grandes artistas do século XIX.
-Relembre esses elogios, pois há mais de 100 anos que ninguém me exalta.
Com um livro aberto nas mãos, eu disse:
-O grande poeta alemão Heine escreveu:
“... o seu rosto deve ser considerado belo e interessante. O interessante é sempre um desvio gracioso ou engenhoso do tipo belo, e os traços de George Sand contêm certa impressão de regularidade grega. As suas formas, (…) não são duras, mas suavizadas pelo sentimento que é espalhado sobre elas como um véu de sofrimento. A testa não é alta. (…) e o delicioso cabelo castanho cacheado cai partido até os ombros. Ela não tem um nariz aquilino nem um nariz curto, pequeno e gracioso. É somente um nariz reto comum. Um sorriso bem-humorado geralmente brinca na sua boca...  Seus olhos são um tanto apagados. Ela tem olhos tranquilos e delicados que não nos lembram nem de Sodoma nem de Gomorra. O lábio de baixo levemente caído revela traiçoeiramente a sensualidade fatigada.
Eu, que já saltara a parte em que Heine afirmou que o seu sorriso não era atraente, notei que ela estava um tanto melancólica e disse:
-Passemos para Musset, grande poeta do romantismo francês.
E li:
-É o tipo de mulher de que eu gosto – morena, pálida, de compleição clara com reflexos bronzeados, e com olhos arrebatadores e grandes como uma indiana. Jamais fui capaz de contemplar tal rosto sem uma emoção interior. Sua fisionomia é relativamente tórpida, mas, quando se anima, assume uma expressão notoriamente independente e orgulhosa.
Suspendi a leitura e comentei:
-Musset falou com conhecimento de causa.
-Meu relacionamento com Musset se iniciou em 1833, mas durou apenas dois anos devido ao excesso de ciúmes que ele nutria por mim.
Voltei à leitura do livro:
-Chopin escreveu no seu álbum, que era uma espécie de diário: “Já a vi três vezes. Ela olhou profundamente nos meus olhos enquanto eu tocava. Era uma música relativamente triste, as lendas do Danúbio; meu coração dançou com ela. E seus olhos nos meus olhos, sombrios e singulares, o que diziam? Estava recostada no piano e seu olhar envolvente me inundou. (…) Flores à nossa volta. Meu coração foi capturado! Já a vi duas vezes depois disto... Aurora, que nome encantador.”
Chopin jamais diria “George, que nome encantador”. - pensei, mas falei outra coisa.
-O seu relacionamento mais duradouro foi com Chopin, de 1837 a 1847.
-Quanto me custaram esses 10 anos! - expirou ruidosamente.
-Tempo em que você ouviu o surgimento das mais belas músicas compostas para o piano.
-Mas a vida não é só músicas que se compõem e livros que se escrevem. - rebateu.
-Foi penoso aquele verão na Ilha de Maiorca. - reportei-me à ida de George Sand e Chopin para a Espanha no primeiro ano de relacionamento.
-Meu filho, Maurice, estava com 15 anos de idade e sofria de reumatismo, necessitava de um lugar quente para a sua saúde. Eu precisava, também, de tranquilidade para escreveu um novo romance, Spiridion.  Chopin se sentiria bem com o calor da Espanha – imaginei.
-Três meses de estada lá?...
-Uma eternidade!...
E eu tentei dizer o porquê do seu desânimo.
-Na Espanha, chegaram em Palma...
George Sand me interrompeu intempestivamente:
-Era impossível encontrar um apartamento minimamente habitável em toda cidade. Um apartamento em Palma de Maiorca é composto por quatro paredes absolutamente peladas, sem portas ou janelas. Na maioria das casas burguesas, não se usam janelas de vidro e, quando se deseja garantir tal iguaria, ela tem de ser construída. Cada inquilino leva, portanto, consigo, quando se muda, as janelas, as trancas e até mesmo os alisares das portas. O seu sucessor tem de começar por substituí-los, a não ser que goste de viver ao vento.”
  -Apesar dos problemas desse verão, Chopin ainda conseguiu compor verdadeiras obras-primas. - contemporizei.
-Ele não conseguiu nem vender o piano, na nossa partida da Ilha de Maiorca, porque temiam o contágio da tuberculose. Na ida para Barcelona, no vapor El Mallorquín, onde estávamos eu, Chopin e meus filhos, o capitão limitou nossa área com medo de que a doença de Chopin passasse para os outros.
E arrematou:
-Fui mãe e enfermeira dele.
-Você, seis anos mais velha do que Chopin, nutriu um amor maternal...
-Como mulher, eu não me realizava mais com ele.
-O livro que você escreveu, Lucrezia, foi o estopim do rompimento com Chopin, muitos dizem. Vejamos o enredo. Lucrezia, que teve vários casos amorosos, encontra o príncipe Karol de Roswald, de vinte anos (ela estava com 30), um aristocrata da Europa, que é adorável, gentil, sensível, refinado, um rosto bonito e angelical, como o de uma grande mulher melancólica. Eles se apaixonam, e Lucrezia cuida dele como dos filhos. Logo, o verdadeiro caráter egoísta de Karol se revela: é ciumento, intolerante. Um dia, Karol ficou com ciúmes de um padre que viera pedir um donativo. Outro dia, teve ciúmes de um pedinte que considerou ser o seu amante disfarçado. Teve ciúmes, também, de um criado. E de muitos outros. Lucrezia, infeliz, perde a beleza, fica amarela e enrugada, sofre por ter sido condenada a uma velhice prematura causada pelo péssimo tratamento do amante que não a respeita mais. Ela não ama mais Karol e, nessa infelicidade, morre de repente.
George Sand apenas me olhava.
-Em Paris, fofocou-se que o seu livro era uma versão velada do seu relacionamento com Chopin. Eu, particularmente, penso que esse Karol  se assemelha mesmo é com Musset.
-Meu rompimento com Chopin se deu por causa da briga a tapas que houve na família, ele tomou o partido da minha filha Solange, cujo marido me agrediu.
-André Maurois, que escreveu a sua biografia, George Sand, comentou que uma briga entre dois seres que se amaram muito é algo triste e bobo. Afirmou que, na maioria das vezes, não há nada realmente grave, e que, devido a ressentimento ou orgulho, aquele que foi caluniado se recusa a explicar. Prolonga-se um silêncio que faz um morrer para o outro. É assim que as afeições são rompidas. E arrematou o grande escritor do século XX: “Quanto maior foi o sentimento, mais se cria um tipo de ódio na decepção.”
-Dois anos depois, em 1849, Chopin morreu.
-Ele estava com 39 anos de idade.
-E você, vinte e sete anos depois; escreveu muitos livros ainda.
-Livros que, hoje, ninguém lê, enquanto a obra de Chopin se eternizou.
-Sua obra ainda atrai os leitores. - tentei ser gentil.
-Não me iludo. Ninguém quer saber, na atualidade, de heroínas desesperadas e heróis galantes e pálidos. Não agradam mais os meus diálogos retóricos e os ideais mais romanescos do que ideológicos que coloquei no papel.
Depois, quebrou o silêncio pesado:
-Tenho de ir...
E volatizou-se.