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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

2762 - Fim de ano é sempre assim.




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5012                                       Data: 29  de  dezembro de 2014
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REMINISCÊNCIAS DA MARINHA MERCANTE
PARTE II

Dia 28 de dezembro foi o Dia da Marinha Mercante. Vamos, então, evocar algumas coisas que ficaram na nossa retentiva.
A SUNAMAM era um feudo da Marinha de Guerra. Um comandante que lá chegasse não ocuparia um cargo subalterno, mas esse não foi o caso do comandante Viegas, que era estagiário, o mesmo cargo meu quando lá apareci em 1979.
Logo entendi essa discrepância: ele era matusquela.
-De todos os malucos da SUNAMAM, ele é o maior de todos.- disse-me uma colega de faculdade que chegou um mês antes de mim.
Eu o via, passando pelo corredor, sobraçando sempre o mesmo livro intitulado “Buracos Negros”, e guardava cautelosa distância dele. Mas não adiantou, colegas gozadores lhe disseram que eu era um brilhante economista, capaz de esquematizar todas as linhas de produção de farinha de peixe, desde a pesca até a chegada da mercadoria ao seu destino final.
Produzir farinha de peixe era a ideia fixa do comandante Viegas. Por mais que eu lhe dissesse que a História do Pensamento Econômico era a minha especialidade, que eu levaria qualquer investidor ao fracasso, ele não deixou de me abordar durante um bom tempo, pedindo os meus pareceres sobre seus planos para produzir e até mesmo exportar farinha de peixe.
Mas não era só eu que sofria com as crises do comandante Viegas; certa vez, ditou à secretária do almirante Motta Veiga  um carta endereçada ao ministro Mário Andreazza. Ela não o contrariou, afinal, ele era, acima de tudo, comandante. Sobre o que versava essa certa?... Isso mesmo: farinha de peixe, a necessidade de o Brasil obter divisas para aliviar o Balanço de Pagamentos com a exportação desse produto.
Havia também o comandante Esdras, que levava os primeiros óculos do próximo que visse jogado numa mesa, para ir às reuniões, mas não era só isso. Ele não era comandante, mas se apresentava com essa patente. Certa vez, o comandante Parga Nina, então chefe do Bureau de Fretes, atendeu um telefonema dirigido a ele.
-”Como?!... Quer falar com o comandante Esdras... comandante, advogado, médico, engenheiro, ele é um homem de muitos anéis. Não, não está aqui.”
Doutor Esdras, na realidade, era advogado. Anos antes da chegada do Parga Nina à SUNAMAM, o almirante Motta Veiga incumbiu o doutor Esdras  a aquisição de livros técnicos sobre a Marinha Mercante, quase todos na língua inglesa, com a verba vinda da Diretoria Financeira para esse fim.
Como eram muitos os cheques e poucos os livros, Motta Veiga estranhou e foi até a Livraria Leonardo da Vinci. Lá, descobriu que o doutor Esdras se passava por ele. Os funcionários antigos me contavam outras histórias escabrosas com o doutor Esdras que, no entanto, não o afastavam das suas funções, o que só ocorreria com o comandante Parga Nina em 1981. Até então, processos com as reivindicações da Eucatex queimavam nas nossas mãos.
-Coisas do Maluf é com o doutor Esdras. - alertavam-me.
Eram também com o Celso Pitta, porém,  o futuro prefeito de São Paulo não trabalhava mais na SUNAMAM, quando lá cheguei em 3 de setembro de 1979.
Transcorreram mais de dez anos, a SUNAMAM passou a ser chamada de STA – Superintendência de Transportes Aquaviários – e nós fomos apresentados ao computador.
Vigia a famigerada reserva de mercado, a Lei da Informática, Lei  nº7232, de 29 de outubro de 1984, alvo de pesadas críticas dos brasileiros lúcidos, principalmente, do Roberto Campos.
Assim, no lugar do “Lotus 1,2, 3”, tínhamos de nos contentar com o “Samba”; em vez do “Database”, “o “Dialog”; e,  substituindo o “Word”, o “Fácil”. Uma lástima.
Depois do curso que fizemos com esses programas nacionalistas, colocaram um computador numa saleta do nosso andar, décimo-primeiro. O mesmo era dividido entre os funcionários do Bureau de Fretes e os da Divisão de Granéis. Nós tínhamos o computador à disposição durante o período da manhã, e o pessoal do granel durante a tarde.
Quando havia algum problema com os “bits” e “bytes”, era convocado o Jorge Ano Bom, lotado na Informática, para nos socorrer. Certa vez, eu mesmo me atrevi a resolver uma dificuldade, não seguindo o sábio provérbio romano: “Não vá o sapateiro além dos sapatos”.
Que desgraça que eu fiz!
Covardemente, fugi do local do crime. Quem se deparou com aquela burundanga chamou o Jorge Ano Bom. Ele, coitado, suou para deixar o computador apto para o uso novamente.
-Mexeram na formatação; conseguiram essa façanha.- informou, mas como era de boa índole, em momento algum procurou saber quem fora o culpado.
Pouco tempo depois, ele saiu da Informática e veio trabalhar junto a nós na Navegação, trazido pelo comandante Palhares.
Transcorridos uns vintes anos  requentei esse caso com ele.
-Sim, mexeram na configuração do computador.
-Fui eu, Jorge.
Ele sorriu e eu fiquei mais descansado com a minha consciência.
E o Dieckmann voltou. Explico: antes da Divisão de Granéis, nós dividíamos o andar com a Diretoria de Engenharia. Com a edição do Decreto-Lei nº 2055 de 1983, da Presidência da República, que reestruturou a SUNAMAM, a Engenharia foi uma das diretorias extintas. Dieckmann se mudou para outro setor, e, pouco depois, saiu para outras plagas. Transcorrido mais de uma década, a SUNAMAM, depois de receber alguns nomes, era agora o Departamento de Marinha Mercante; foi quando ele voltou.
-Quem é esse tal de Dieckmann? - perguntou o POPA, quando soube que ele empalmaria o seu cargo de Coordenador-Geral da Marinha Mercante.
Essa pergunta foi feita praticamente por todos que aguardavam o novo chefe. As colegas noveleiras disseram, logo, que ele era pai de uma promissora atriz da TV Globo. Bastou para que os mais imaginosos aventassem a hipótese que ele era uma indicação do doutor Roberto Marinho.
Quando se soube que o servidor do seu endereço eletrônico era globo.com, cresceu o número de pessoas que imaginavam que o Dieckmann fosse ligado  aos donos das Organizações Globo. Nessa altura dos acontecimentos, os mais crédulos já diziam que o Dieckmann era benquisto por Dona Lily de Carvalho Marinho.
Evidentemente que esses rumores chegaram até ele, que nada falava, fazia cara de paisagem,  ou de samambaia, conforme dizia a Tia Carla, nossa professora do MBA.
Em dezembro de 1999, uma reportagem na primeira página do segundo caderno do Globo convenceu os mais céticos. Nessa reportagem, via-se em letras garrafas que o primeiro grande evento do segundo milênio seria a exposição de carros antigos e o Dieckmann, como colecionador, tinha o seu nome em destaque. Viriam os carros de Santos Dumont, da Isadora Duncan, de Gabriela Bezanzoni, Giacomo Puccini, Ciccillo Matarazzo, etc, etc.
Firmou-se, então, a convicção que o nosso chefe tinha um padrinho poderosíssimo.
E o grande evento? - perguntarão os leitores.  Bem, parece que ficou para o terceiro milênio. 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

2761 - Impostando a voz


 

 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5011                                       Data: 28  de  dezembro de 2014

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RÁDIO MEMÓRIA ÀS VÉSPERAS DO ANO NOVO

(1ª VERSÃO, AGUARDEM A DEFINITIVA)

 

Como nas outras vezes, o tom de voz do Sérgio Fortes era imponente quando anunciava os acontecimentos, e informal ao comentá-los.

-Dia 28 de dezembro, os Irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo que deu origem ao cinema atual.

-Caramba!

-Que invento, Jonas!

-Mudou o mundo, Sérgio. Para se ter uma ideia, não são os Estados Unidos que produzem mais filmes, e sim a Índia.

-Os Irmãos Lumière trouxeram o entretenimento para a vida de milhões de pessoas, mesmo depois do “The End”. - acrescentou o Homem-Calendário.

-O que mais, Sérgio?

-Em 1895, a peça Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, estreava em Paris. Trata-se daquele personagem de nariz enorme como o Juca Chaves.

-Sim, mas o Juca Chaves comparou o narigão dele com o busto da Lolobrigida, em tamanho, e o Cyrano, com mil coisas. É um clássico do teatro que recebeu várias versões cinematográficas.

Depois da intervenção do Jonas Vieira, o Homem-Calendário prosseguiu no seu ofício.

-Em 1965, o presidente do Vietnã do Norte, Ho Chi Minh, rejeita negociações de paz oferecidas pelos Estados Unidos. Será por que o tratado não seria assinado em Paris, Jonas? Eles adoram Paris.

-Ho Chi minh era comunista de verdade, Sérgio. Pagou para ver como no jogo de pôquer.

-Em 1975, é cantado pela primeira vez o hino nacional do Timor Leste. Jonas, você sabe cantar o hino do Timor Leste?

-Sei, mas esqueci a letra.

-Em 1981, o presidente Ronald Reagan, dos Estados Unidos, anuncia sanções econômicas contra a União Soviética porque ela impusera a Lei Marcial na Polônia.

-Os americanos são, agora, mais sutis; deixaram o preço internacional do petróleo despencar de 110 dólares para 60, e criaram um pandemônio na economia russa: inflação alta e rublo maxidesvalorizado. Obama é um gênio.

-Sei... Sei... Putin tomou a Crimeia da Ucrânia e está agora sofrendo as consequências. - seguiram-se as palavras do Sérgio Fortes às do Jonas Vieira.

-Em 1982, por exigência do FMI, o Brasil cortava subsídios ao petróleo e aumentava o preço da gasolina e do gás.

-O Brasil não perde essa mania, Sérgio.

-Em 1989, o Brasil batia o recorde negativo de inflação da sua história: 1764, 86% ao ano. Jonas, um feito e tanto; ganhamos uma medalha... de lata  evidentemente.

-Se fosse de ouro, roubavam e derretiam como a Taça Jules Rimet.

-Em 1990, foi editado a Lei Orgânica da Saúde no Brasil que criou o SUS, Sistema Único de Saúde. Um sucesso, Jonas.

-Sim; os governantes brasileiros, quando caem doentes, procuram logo o SUS. - disse o Jonas Vieira.

-Em 1993, o Vaticano reconheceu, oficialmente, o Estado de Israel. Demorou, Jonas; o Estado de Israel foi criado em 1948... Levaram 45 anos. Não seria a rivalidade catolicismo e judaísmo?

-Com o Papa Francisco não duraria tanto. Lembra o Luiz Paulo Horta quando aqui esteve citando o Papa? “Antes de sermos católicos, fomos judeus”.

-Em 2005, o cartunista Maurício de Sousa lançou a revista em quadrinhos “Ronaldinho Gaúcho”. Jonas, não foi difícil para ele, pois desenhara a Mônica, também dentuça.

-Espero que não lance revista com outra dentuça, aquela que assusta os adultos, que dirá as crianças.

-Acredito que a verba da Lei Rouanet já esteja comprometida para outras prioridades. - aventou o Sérgio Fortes a hipótese.

-Nascimentos. - impostou a voz.

-Em 1813, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.

-Grande figura! - exclamou o Jonas.

-Ele refundou o Banco do Brasil, porque Dom João VI voltou para Portugal com todo o dinheiro.

-Precisamos de um novo Barão de Mauá, agora, para refundar a Petrobras, porque levaram todo o dinheiro. - comentou o Jonas Vieira.

-Em 1856, Woodrow Wilson, vigésimo oitavo presidente dos Estados Unidos.

-Ele foi o presidente quando os americanos entraram na Primeira Grande Guerra. - interveio o titular do programa.

-O presidente Wilson não queria medidas tão duras contra os alemães, no Tratado de Paz, ao contrário dos ingleses e dos franceses, e apresentou quatorze medidas. Sabe o que o estadista francês Georges Clemenceau disse?

-Não, Sérgio.

-”Se Deus se contentou com os dez mandamentos, qual é a razão de você insistir em quatorze, meu caro Wilson?”

Apesar dos risos, Jonas comentou que essa paz cartaginesa criou o ambiente para o surgimento do Hitler.

-Keynes, grande economista, talvez o maior do século XX, que esteve presente nessas conversações de paz, porém se retirou contrariado, afirmou que um mercado, como o alemão, não poderia ser anulado. - evocou o Sérgio Fortes.

-Na Segunda Grande Guerra, os aliados capitalistas, é evidente, não repetiram essa besteira. - aditou o Jonas Vieira.

-Em 1888, nascia Friedrich Wilhelm Marnau, cineasta alemão.

-Era conhecido por Marnau, apenas.

-Você assistiu a alguns filmes dele, Jonas?

-Claro. Qual o cinéfilo que não viu “Nosferatu, o Vampiro da Noite”?

-Eu vi o José Serra, são parecidíssimos, além de ele passar a noite toda acordado. - brincou o Sérgio Fortes.

Dessa vez, o Homem-Calendário colocou o comentário diante da data:

-Esse é da minha enfermaria e a do Dieckmann, acrescentando o saudoso Skipper, o Tio Frank do Carlos Nascimento. Em 1896, nascia Philippe Étancelin, automobilista francês.

-Em 1903, o pianista de jazz norte-americano Earl Hines.

Jonas Vieira vibrou:

-Músico fabuloso! Pela sua banda “Earl Hines Orchestra”, passaram  Nat King Cole, Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan e Charles Parker.

-Nat King Cole cantava?...

-Às vezes, ele substituía o Earl Hines no piano. Nat King Cole também foi um excelente pianista de jazz.

-Em 1908, o ator Lew Ayres, famoso por interpretar o Dr. Kildare no cinema. Você assistia ao Dr. Kildare na televisão?

-Preferia o Ben Casey.

-Eu e o Dieckmann, preferíamos“O Jovem Dr. Ricardo”, com o Cyl Farney.

-Em 1913, Lou Jacobi. Outro ator canadense que triunfou nos Estados Unidos da América.

Em consideração às festas de fim de ano, Sérgio Fortes não evocou o Glenn Ford para não irritar mais uma vez o Dieckmann.

-Em 1932, Manuel Puig, escritor argentino.

-É o do “Beijo da Mulher-Aranha”. - aparteou o Jonas.

-Como deve ser o beijo dela? - interessou-se o Sérgio Fortes.

-Não sei, nunca beijei aranha.

-Deviam casá-la com o Homem-Aranha. - elucubrou o Sérgio.

-Daria um ótimo filme e muitas aranhinhas. - previu o Jonas.

-Em 1934, Maggie Smith, atriz inglesa.

-Em 1954, Denzel Washington, ator, diretor e produtor do cinema norte-americano.

-Puxa! - exclamou o Jonas.

-Em 1990, nasceu um futebolista alemão cujo nome só o Simon Khoury teria coragem de dizer.

-Faz de conta que você é o Simon Khoury, Sérgio.

-Serei Simon Khoury por dez segundos apenas e não me responsabilizo.

Encorajado, disse:

-Sandro Foda.

-Ele fodia com a paciência dos times em que jogava, pois nunca ouvi falar nele. - comentou o Jonas.

-Falecimentos. - impostou a voz.

-Jonas, eu tenho três grandes nomes e suas mortes já bastam para me deixar aniquilado.

-Quais são:

-Em 1918, Olavo Bilac; em 1937, Maurice Ravel; e, em 1992, Otto Lara Resende.

-Caramba! - exclamou o Jonas.

-O filho do Otto, André Lara Resende, discípulo do Professor Simonsen, foi um dos cabeças do Plano Real.

-Puxa!

-Hoje, o Dieckmann e o Carlos Nascimento devem estar em festa porque é o Dia da Marinha Mercante. Eles ainda não abandonaram o barco, prosseguem trabalhando.

-E o santo, Sérgio?

-Dia de Santiago Maior.

-Prefiro o Santiago Menor; eu me identifico mais com os santos modestos. - não perdeu o Jonas a piada.

 

 

   

 

 

 

 

 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

2760 - International Wet Cookies, Inc.


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5010                                      Data: 26  de  dezembro de 2014

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196ª  CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Eu ia do Centro ao Engenho Novo, bairro do Dom Casmurro. O taxista não fazia o meu costumeiro trajeto de Maria da Graça a Del Castilho, mas isso não impediu que conversássemos como se nos conhecêssemos há algum tempo.

-Já está acabando 2014. - quebrou o silêncio de um minuto.

-Um ano de fatos inusitados; até corre uma piada na internet que, em 2014, Eike Batista ficou pobre, Xuxa foi demitida, a Petrobras faliu, o Rubinho foi campeão e esqueceram de citar a derrota do Brasil para a Alemanha, nosso antigo freguês, por 7 a 1, aqui, em plena Copa do Mundo.

-Um fato esquisito que aconteceu comigo ainda hoje, mesmo: peguei um passageiro chinês.

-Onde?

-Na Barra da Tijuca.

-Soube que há muitos chineses por lá, não se banhando na praia, mas trabalhando.

-Esse passageiro chinês estava com uma maleta de executivo.

-Li uma entrevista de um brasileiro, que se interessou tanto pela cultura da China que até aprendeu mandarim, a língua de lá. Ele se refere às bizarrices dos chineses.

-Que comem carne de cachorro?...

-Quando ele trata da culinária, não se detém sobre o nosso melhor amigo. Fala das barracas que vendem abelhas, besouros, escorpiões, aranhas, centopeias, mas que não são comidos por eles e sim pelos turistas que se aventuram pelos pratos exóticos.

-Estou fora. - reagiu.

-Dos costumes insólitos de que falou o que achei mais interessante foi a briga dos casais.

-É diferente dos casais daqui?

-Lá, quando marido e mulher brigam, o vizinho bate à porta e leva as crianças dos briguentos para a sua casa. Encerrada a briga, o casal vai ao vizinho e traz o filho de volta. (*)

-Poxa, se eu tivesse um vizinho chinês, escaparia das discussões dos meus pais. - desabafou.

-Muitos problemas psicológicos não surgiriam, porque estamos mais vulneráveis na infância. - comentei.

-Não deve existir psiquiatra por lá.- imaginou.

-Outra coisa – lembrei – ninguém pede esmolas na rua.

-Caramba, estou gostando da China. Não vou para lá porque eles oferecem aranhas, besouros e escorpiões para os turistas comerem. - brincou, enquanto eu saltava do seu táxi.

 

O taxista seguinte era bem mais falante do que o outro e o assunto não foi a China e sim, os Estados Unidos da América.  Como chegamos a esse país, naquele táxi, confesso que não sei; as palavras, que brotavam aos borbotões da sua boca, confundiram a minha memória.

-Veja esse negócio de Dia das Bruxas; é o cúmulo que brasileiros comemorem essa coisa dos americanos. - rezingou.

-Guloseimas ou travessuras; as guloseimas nós temos no Dia de São Cosme e Damião, as travessuras também. - manifestei-me.

-Amigo, nós não precisamos copiar nada deles, temos de seguir a nossa tradição.

Sem tomar fôlego, prosseguiu:

-Agora, tem um tal de “Walking Dead”...

-Desconheço.

-É a festa dos zumbis; isso tem muito na zona sul.

-Não seria a velha festa à fantasia em que alguém vai trajado de zumbi? - calei a minha pergunta.

-A minha filha não ganha um tostão meu para participar dessas coisas dos americanos. - vociferou.

-O Dia das Bruxas é muito divulgado nas escolas, o que não acontecia na minha época de estudante. - manifestei-me.

-É o cúmulo – indignou-se – as escolas brasileiras não ensinarem às crianças as nossas raízes: o saci-pererê, a mula sem cabeça, o curupira, o boto tucuxi...

-Nosso folclore deveria ser mais conhecido. - concordei.

-Isso cabe às nossas escolas; mas não, eles ensinam “Halloween”.

O asco com que falou “Halloween” atrapalhou ainda mais a sua pronúncia.

-Os americanos nos olham com desdém, como se fôssemos lixo, e ainda babamos por eles. Os brasileiros que foram ganhar a vida nos Estados Unidos só conseguiram empregos horríveis, como o de varredor de rua e, como moradia, porões. Aqui é bem diferente; se eu estiver com problemas financeiros, pego uma caixa de isopor, encho de cerveja, mate ou refrigerante e vou vender na praia. Qualquer pessoa tem como se virar nesta terra. Vai se virar nos Estados Unidos?...

-É mais difícil. - limitei-me a dizer.

-Minha mulher trabalha com os dados cadastrais das pessoas que querem viajar para lá. Uma nojeira. Eles querem saber de tudo sobre nós. O que você vai fazer?... Quanto tempo vai ficar?... O diabo. Eu não me submeto a isso.

-É bom viajar para os Estados Unidos com muitas malas vazias e retornar com elas cheias, pois lá as coisas são bem mais baratas. - interferi.

Mesmo esse fato incontestável não abrandou a sua ira.

-Mas não vale o esforço.

E prosseguiu:

-Eu só conheço uma exceção: uma moça muito estudiosa, que conseguiu uma bolsa de estudo para a melhor universidade dos Estados Unidos.

Percebi que pretendia nomear a universidade, mas sua memória rateava.

-Harvard... Ela vai estudar em Harvard. Como terá um alojamento da própria universidade, não haverá problemas de moradia para a moça. Mas só assim vale a pena ir.

Calou-se, pensei que mudaria de assunto, mas reiniciou a sua diatribe contra os americanos.

-Beisebol... Eu tenho visto brasileiros jogando beisebol... Não é esporte da nossa cultura.

-Nem conhecem as regras. - intervim.

-Vão jogar pelada, mas beisebol, rugby não são coisas nossas.

-E a Barra da Tijuca com a réplica da Estátua da Liberdade? - provoquei-o.

-Por que não colocam a réplica do Cristo Redentor?... do bondinho do Pão de Açúcar?... Não, eles querem ser americanos. - bradou.

-Os cinemas da Barra recebem o nome de “UCI New York City Center”. - persisti na provocação.

-Querem ser americanos, vão para lá dormir em porões. Se eu quero conhecer belos lugares, vou a Cabo Frio, a Paraty, ao Recife...

Se ele citar Brasília, eu defenderei os Estados Unidos. - pensei.

-Lençóis Maranhenses, que não conheço, mas deve ser uma beleza. Não preciso ir à Disneylândia, Miami, Nova Iorque; tenho aqui tudo o que me agrada.

-Mas a influência da cultura americana se espalhou por quase todo o mundo, Cuba é das poucas exceções. - assinalei.

-Não por muito tempo; Cuba, daqui a pouco, estará cheia de McDonald's com a população bebendo Coca-Cola, empanturrando-se de Big Mac e assistindo a filmes no “UCI New York City Center”.

-Pelo menos, a frota de veículos de Cuba vai melhorar com essa aproximação com os americanos. - disse-lhe. (**)

-Isso é verdade; por que dirigir aquelas latas velhas...

Lamentei, no fim da corrida, não ter uns 10 dólares no bolso, para lhe perguntar: “Aceita o pagamento em dólar?” (***)

 

(*) o Distribuidor do seu O BICOITO MOLHADO esteve em Xangai, a menos chinesa das cidades da China (Hong-Kong fora) e pode ver hábitos um tanto diferentes, como cozinhas, lavanderias (o tanque e o varal) e banheiros comunitários. Em guetos que lembram muito qualquer comunidade brasileira, só muda a integração entre os moradores.

 

(**) A fama da frota de Cuba, com automóveis americanos pré-1959, fez, na verdade a maior propaganda que os automóveis americanos poderiam merecer.

 

(**) Este Biscoito foi o mais internacional de todos os Biscoitos. Por coincidência, o Distribuidor estava minutos antes discutindo com um amigo que esteve em Oshkosh, no evento de aviões. Talvez seja um motivo para tirar o visto americano, coisa que o Distribuidor abomina. Este é o grande diferencial dos EUA, eles sempre procuram oferecer o que têm de melhor. E faturar em cima, a meu ver, licitamente.

 

 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

2759 - cauboi


 

 

           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5009                                      Data: 24  de  dezembro de 2014

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RÁDIO MEMÓRIA NATALINO E ATLÉTICO

PARTE II

 

   Na segunda-feira, ao desejar, com atraso, parabéns ao Luca, pelo seu aniversário, o assunto foi o Rádio Memória.

-Carlinhos, eu recebi um autêntico presente de aniversário.

Surpreendi-me, pois o Homem-Calendário se esquecera de dizer: “21 de dezembro de 1944, nascimento do Luca, também conhecido como Bigode, popular mesatenista do Unibanco que, ainda hoje, dá as suas raquetadas.”

-Carlinhos, aquela música de filme de caubói!... Frankie Laine!... Como eu me lembro!... As músicas dos programas da Rádio Tamoio!... O quanto eu aprendi com o Humberto Reis... Como eu me lembro!...

Depois de elogiar a bagagem de música popular do Jonas Vieira, concluiu:

-Infelizmente, fui convocado para uma partida do torneio de pingue-pongue e não pude ouvir tudo; mas aguardo a sua resenha.

Não vamos deixar o aniversariante setentão esperando, não é mesmo?

A palavra está com o Jonas Vieira:

-Vamos homenagear um cantor romântico que obteve um extraordinário êxito nos anos 50, mas, antes, comeu o pão que o próprio demônio se encarregou de amassar (Rosa Grieco diria: “comeu o pão que Asmodeu amassou”). Ele sofreu demais. Era de ascendência italiana.

Isso é que dá não procurar a proteção da Máfia, pensei, enquanto o Sérgio Fortes listava alguns cantores de sangue italiano.

-Frankie Laine. Quando ele aconteceu, ninguém mais o deteve, mas até chegar ao sucesso... Se eu contar as pessoas vão chorar.

-Cortou um dobrado, Jonas?

-Dois dobrados.

-Ele obteve seu primeiro triunfo com a música de um filme que nem foi gravada primeiramente por ele. “Matar ou Morrer”. Lembra-se desse filme, Sérgio?

Sérgio Fortes poderia evocar a paródia com Oscarito, Grande Otelo e José Lewgoy, “Matar ou Correr”, mas, no momento, não estava tão descontraído, limitou-se a dizer que sim. (*)

Jonas prosseguiu após a resposta monossilábica:

-”High Noon” é o nome do filme, e a balada se chama justamente “High Noon” ou “Do Not Forsake Me”, “Não Me Abandone”.

Após a audição, citou os nomes dos compositores, Dimitri Tiomkin e Ned Washington.

-Essa dupla obteve muitos sucessos.

Depois de citar o protagonista da fita, Gary Cooper, falou, em poucas palavras, do enredo desse clássico do cinema.

A escolha da segunda atração do Rádio Memória coube ao Sérgio Fortes.

-Jonas, vamos dar prosseguimento à seleção de temas da Rádio Tamoio. Agora, a música é “Adios”, gravação com a orquestra de Don Costa, que abria o programa “O Disco Que Gostamos de Ouvir”.

-Que execução! - vibrou o Jonas Viera para, em seguida, ir ao próximo número musical.

-Depois do “High Noon”, tudo o que Frankie Laine gravou vendeu milhões.

-Água de morro abaixo. - comparou o seu parceiro.

-Todos vão se lembrar de “Jealousy” na voz de Frankie Laine.

Lembramos. Sérgio Fortes, arrebatado, comentava que Jonas Vieira, trajado de Papai Noel, distribuía ótimos presentes para os ouvintes.

-O que vamos ouvir agora, Sérgio?

-Jonas, chegamos ao momento Cole Porter, uma das sessões mais aguardadas do nosso programa. Vinculado ainda à programação da Rádio Tamoio o tema de “Seleções Musicais”, “In The Still Of The Night” com a orquestra de Ray Conniff.

-”Na Quietude da Noite”. Traduziu o Jonas Vieira.

Na sua vez, continuou com Frankie Laine:

-Outro extraordinário sucesso, chama-se ”Jezebel” de Wayne Shanklin.

Como esquecer a canção que eu e meus irmãos endiabrados cantávamos, em meado dos anos 50, na privada, mesmo quando havia rolo de papel higiênico?  “Jezebel...el...el... el... el... me dá papel el... el... el...el. “

A crônica do Fernando Milfont, na “Pausa para Meditação”, intitulada “Festa de Natal”, suscitou comentários.

-Uma data extraordinária; se todos os dias fossem Natal, a humanidade seria outra.

Essas palavras do Jonas Vieira vinham ao encontro da crônica do Carlos Drummond de Andrade que falava justamente disso; da solidariedade natalina acontecer todos os dias do ano o que faria o mundo bem melhor de se viver.

Depois, ele investiu, com veemência, contra aqueles que estragam tudo. Mais tranquilo, voltou-se para o Sérgio:

-O que temos agora?

-O tema de “Musifone”, da Rádio Tamoio, “Hot Lips”, de Freddy Martin.

Talvez, os “lábios quentes” tenham levado o titular do programa a evocar os filmes de antigamente dizendo que eram proibidos para menores de 14 anos, 18 anos e até maiores de 18 anos. Com uma fúria de Zola no Caso Dreyfus, como escrevia Nélson Rodrigues, atacou o cinema e, depois, a televisão, de hoje, que só mostram sexo e violência, “um estimulante para os débeis mentais”.

Aqui um parêntese: o Canal Curta, no programa, “Filmes que marcaram época” com “O Império dos Sentidos”, reprisou o mesmo às 5 horas da tarde na íntegra, sem cortar nem mesmo a cena de felação pra lá de explícita.

De volta à indignação do Jonas Vieira.

-Os débeis mentais veem tanto sexo e violência e saem por aí estimulados. Como dizia o Sérgio Poro: “A televisão é uma máquina de fazer doidos.”

E ninguém melhor do que Fellini, no seu filme de 1986, “Ginger e Roger”, expôs a loucura na televisão.

-É isso aí, Jonas.

-Voltemos a Frankie Laine. “A Woman in Love”, “Uma Mulher Apaixonada” é uma das minhas canções preferidas. Diz isso: “seus olhos são olhos de uma mulher apaixonada”.

-”Your eyes are the eyes of a woman in love.” - começou a cantar Frankie Laine.

-Gostou, Sérgio?

-Muito. É um círculo virtuoso; depois da primeira música de sucesso, passa-se a gravar com grandes orquestras, grandes arranjadores, e se vai subindo como um foguete.

Após esse comentário, passou para a sua escolha musical:

-Da programação da Rádio Tamoio, “The Man With The Golden Arms”, com a orquestra de Billy May. 

Depois de citar o filme de 1955 “O Homem de Braço de Ouro”, permaneceu lembrando o cantor de “Do Not Forsake Me”.

-Ouviremos um grande êxito obtido por ele: “Rose, Rose, Rose, I Love you”.

Por outro lado, Sérgio Fortes não abandonava a Rádio Tamoio dos velhos tempos:

-Agora, “Summer Place” com a orquestra de Percy Faith.

-Percy Faith era canadense.

A essas palavras do Jonas, Sérgio Fortes citou artistas canadenses que se realizaram nos Estados Unidos, Oscar Peterson, Donald Sutherland, Glenn Ford. Ao citar o ator de “Gilda”, imaginei que lá, na Rua Triunfo, o Dieckmann torcia o nariz.

Jonas Vieira fechou exemplarmente o Rádio Memória de Natal com Frankie Laine cantando “That Old Feeling”, jazz com a orquestra do trompetista Buck Clayton, antes, destacou  dois músicos: J.J. Johnson e Karl Winding..

-Um demorado Natal. - desejaram.

De 365 dias por ano como na crônica do poeta.

(*) Descontraído, coisa nenhuma; Sergio Fortes, segundo contaram ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, detesta filme de caubói, embora não tenha visto nenhum. Ainda por cima, Matar ou Morrer, que, como a paródia Matar ou Correr, é em preto e branco...

 

 

2758 - Dia do Atleta


 

 

           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5008                                       Data: 22  de  dezembro de 2014

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RÁDIO MEMÓRIA NATALINO E ATLÉTICO

 

Sérgio Fortes e Jonas Vieira estacionaram as renas nas imediações da Roquette Pinto e, de gorros e sacos cheios de presentes para os ouvintes, se prepararam para apresentar o programa de Natal.

Rou... rou... rou... rou... Roubaram muito no Brasil.

-Sérgio, vamos ao calendário.

-Dia 21 de dezembro, o dia mais longo do ano no hemisfério sul e, consequentemente, o mais curto no hemisfério norte.

-É o solstício. - assinalou o Jonas.

-Em 1937, estreava Branca de Neve e os Sete Anões no cinema americano, o primeiro longa-metragem de desenho de animação.

Antes de prosseguir com as datas, o Homem-Calendário fez o seguinte comentário:

-Eu li que o Walt Disney, com toda a sua genialidade, era um desenhista sofrível. Foi um grande empreendedor, isso sim.

-Desenhista sofrível. - ratificou o Jonas.

-Em 1942, Projeto Manhattan, início da primeira reação nuclear em cadeia autossustentada. Já imaginou, Jonas, se a bomba atômica chegasse às mãos dos nazistas?

-Deus do céu! - arrepiou-se.

-Seria pior do que andam fazendo com a Petrobras.- comparou o Sérgio.

-Em 1988, o voo da PAN AM 103 explodiu no ar em Lockerbie. Uma coisa de louco. Você pega o avião e um maluco colocou um troço no porão.

-Karma coletivo. - afirmou seu parceiro.

-Em 1995, houve a fundação do município de Pingo d' Água no estado de Minas Gerais.

-Não adiantou nada, Sérgio, por que a seca também chegou lá. - não perdeu a piada.

Sérgio Fortes não disse, altissonante: “Nascimentos”; foi mais prolixo:

-Quem nasceu em 21 de dezembro.

-Em 1804, Benjamin Disraeli, político e escritor.

Virou-se para o Jonas:

-Ele foi um político do Partido Conservador, primeiro-ministro no reinado da Rainha Vitória. O maior oponente dele foi o também primeiro-ministro, do Partido Liberal, Gladstone. Uma vez, Disraeli disse: “Se Gladstone cair no Tâmisa será um infortúnio, mas se o tirarem de lá, será uma tragédia.”

Enquanto o Jonas Vieira ria, nós, do Biscoito Molhado, lastimávamos o fato de o Brasil ter o Rio Amazonas, bem mais volumoso, e nenhum político cair nele.

-Em 1924, Altamiro Carrilho.

Altamiro Carrilho, a nossa flauta mágica, como bem disse Gilberto Gil.

-Grande Altamiro! - exclamou o Jonas Vieira.

-Em 1935, Lorenzo Bandini, piloto de Fórmula 1 que, em Mônaco, bateu e o carro pegou fogo. Não há como apagar 300 litros de gasolina encapetadíssima com extintor de incêndio.

-Em 1936, Joelmir Beting, jornalista de quem eu gostava muito. Almocei uma vez com Joelmir Beting em Hanover e falamos de futebol. Ele era um palmeirense louco.

Nós, do Biscoito Molhado, ouvimos, na primeira vez, palmeirense roxo, rebobinada a fita de gravação, notamos o nosso engano. Ele seria, no máximo, palmeirense verde.

-Em 1937, Jane Fonda.

-Grande atriz. - extasiou-se o Jonas Vieira juntamente com o Homem-Calendário.

Aqui, um adendo. Seu talento e beleza, além de ser filha do renomado Henry Fonda, levaram ao esquecimento o seu codinome de “Hanói Jane”, que recebeu quando viajou para o Vietnam do Norte, em guerra contra o seu país, e posou para fotografias sentada num bateria antiaérea. Os americanos foram bem mais generosos do que os franceses, na Segunda Guerra Mundial, que rasparam a cabeça das francesas simpatizantes dos nazistas durante a ocupação.

-Em 1940, o músico Frank Zappa.

Por que Frank Zappa?... Não é da enfermaria do Sérgio, do Jonas Vieira, da minha, talvez seja do Dieckmann.

-Em 1944, um grande maestro, Michael Tilson Thomas

-Em 1947, Paco de Lucia.

-Em 1948, o grande ator Samuel L. Jackson. Você liga a televisão, e lá está Samuel L. Jackson. Ele aparece em todas, até no programa da Xuxa.

Com a demissão da Xuxa, deve ficar apenas ele, talvez substituindo a rainha dos baixinhos. - comentário nosso, não do Sérgio Fortes, que já passara para o obituário.

-Em 1805, morria Bocage. Manuel Maria Barbosa du Bocage.

-Oh! - lamentou o Jonas Vieira.

Nós, do Biscoito Molhado, por outro lado, lamentamos a ausência do Simon Khoury que, com toda certeza, leria um soneto de Bocage em homenagem ao poeta que tomou Camões como modelo. Na verdade, ele foi um novo Camões, mas seguindo outros caminhos. Segue aqui um dos muitos sonetos de Bocage que Simon Khoury recitaria, certamente, se estivesse no Rádio Memória nesse domingo:

“Não lamentes, oh Nise, o teu estado;

Puta tem sido muita gente boa;

Putíssimas fidalgas têm Lisboa,

Milhões de vezes putas têm reinado:

 

Dido foi puta, e puta dum soldado;

Cleópatra por puta alcança a coroa;

Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,

O teu cono não passa por honrado.

 

Essa da Rússia imperatriz famosa,

Que inda pouco morreu (diz a Gazeta)

Entre mil porras expirou vaidosa:

 

Todas no mundo dão a sua greta:

Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa

Que isto de virgo e honra é tudo peta.”

 

De volta ao Homem-Calendário.

-Em 1940, morria Francis Scott Fitzgerald, grande escritor.

-Em 1945, George Patton, figura muito importante.

O general mais respeitado e temido pelos alemães na Segunda Grande Guerra. - acrescentamos.

-Em 21 de dezembro de 1980, alguém que considero gênio, gênio, gênio, Nélson Rodrigues.

Depois de enfatizar, com toda razão, o incomensurável talento do Nélson Rodrigues, voltou-se para o Jonas Vieira:

-Você foi copy desk dele, não foi?

-Pois é, nem eu acredito.

-Em 2005, Aurora Miranda.

-O centenário dela é no próximo ano. - atentou o titular do Rádio Memória para a efeméride.

Logo em seguida, Sérgio Fortes se tornou ainda mais descontraído: as mortes acabaram.

-Jonas, hoje é o nosso dia, o Dia do Atleta.

Com essa notícia, entendi porque, no portal do Google, via-se remadores, ginastas, nadadores, saltadores de vara e sem vara, arremessadores de discos da Preta Gil, etc, etc.

Os dois apresentadores do Rádio Memória trocaram, rapidamente, as vestimentas natalinas pela camiseta regata, pelo tênis e demais componentes do kit-atleta.

-Eu herdei o macacão com que o Lauro Borges dava aula de ginástica no PRK 30. - revelou o Sérgio Fortes.

E finalizou o calendário com os santos.

-Hoje é Dia de São Pedro Canísio e São Tomé.

Os dois não se estenderam sobre São Tomé, um dos santos da nossa predileção por causa do seu lema: “Ver para crer”. Preferimos ele ao escritor Zola que, testemunhando dois milagres na Gruta de Lourdes, disse: “Vejo, mas não creio”.