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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

2800 - Nababesco Dicionário Biográfico


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5050                  Data: 18 de fevereiro de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE XII

 

CORAGEM – Quando necessito de coragem para alcançar algum propósito, reporto-me aos soldados que desembarcaram na Normandia no dia 6 de junho de 1944.  Com pais e namoradas distantes, tendo de enfrentar a força da natureza – ventos e ondas do oceano – e a assustadora máquina de guerra nazista, aqueles rapazes seguiram em frente, mesmo sabendo que a probabilidade de seus corpos boiarem sem vida no mar era grande.

Quando elogiam a minha coragem, por exemplo, porque cheguei ao trabalho no meio de um daqueles temporais do Rio de Janeiro, eu penso que isso foi apenas uma gotícula comparada com a bravura dos aliados no desembarque da Normandia. (*)

 

GUERRA – Desde criança, eu me sentia atraído pela guerra, certamente porque nunca vivi uma.

Minha mãe me falava dos treinamentos de guerra que havia depois de o Brasil se juntar aos aliados na Segunda Guerra Mundial. Um dia, estando ela com a irmã mais nova num bairro do subúrbio, soou a estridente sirene e veio, em seguida, o apagão, mas não apareceu um só avião da Luftwaffe nos céus, ainda assim, as duas se viram em palpos de aranha em busca de um abrigo.

Eram netas de um coronel que lutou na Guerra do Paraguai. O gem bélico, não passou para toda a família. O filho da minha tia-avó foi convocado para lutar no solo italiano na Força Expedicionária Brasileira e a sua mãe entrou em desespero. Ela pegou a minha mãe, então com 17 anos de idade, e as duas foram ao quartel de convocação dos soldados. Lá – conta a minha mãe – minha avó rogou, aos prantos, que tirassem o seu filho da relação dos combatentes. O oficial argumentou que ela era filha de um herói da Guerra do Paraguai – não fez menção alguma à pensão que ela recebia do pai – e que ele se mostraria tão valoroso quanto o avô no campo de batalha.

Retornou vivo, mas, segundo meu pai, também primo dele (todos eram primos), ficou tão abalado que veio, mais tarde, a sofrer do coração, durando bem menos do que a sua aflita mãe, que passou dos 90 anos de idade e viu o filho morto.

Quando eu morava no prédio de apartamentos da Rua Cachambi de dois andares, havia um ex-combatente no 201. Lá, viviam umas dez pessoas, a porta ficava escancarada e nós entrávamos e saíamos do apartamento à vontade.

Sem me dirigir a ele, eu o observava disfarçando a minha curiosidade. Taciturno, estava sempre sentado à mesa de jantar desenhando figuras em papéis que ele mesmo quadriculava com régua, lápis e borracha. A sua genitora afirmava que, naquela especialidade, ele era um dos maiores do Brasil e eu, que nada entendia daquilo, acreditava.

O sobrinho do ex-expedicionário, que regulava com a minha idade, 11, 12 anos de idade, me contava que, às vezes, ele se via no meio da guerra, gritando que estava sob ataque de aviões alemães e procurava abrigo.

-Meu tio é neurótico de guerra. - cochichou-me.

Como nunca testemunhei uma dessas crises, permaneci cativado pela guerra. Os filmes de Hollywood só vieram sedimentar ainda mais essa atração. Às vezes, eu até revia os filmes; os atos de heroísmo requentados ainda desciam bem pela minha goela abaixo.

Certa vez, Dona Maria, a mãe do Fernando, o vizinho espanhol, e a minha estavam dubitativas em assistir ao filme em cartaz no Cine Cachambi. Eu, que já assistira à fita, disse-lhes, com entusiasmo, que a fita era muito boa. Fomos os três ao cinema. A guerra acontecia no extremo oriente, só não tenho certeza se era na Coreia. As duas, no meio da fita, já demonstravam desagrado e resmungavam com o que se passava na tela. Veio, então, uma cena em que o herói (seria o James Stewart?...) impaciente, na fila do rancho, com o cozinheiro que conversava displicentemente, bateu com a frigideira umas duas ou três vezes, no balcão.  Elas riram, tive esperança que passassem a gostar do filme. Nada. Voltei para casa com as duas me espinafrando por lhe indicar um filme tão ruim.

Além do cinema e dos livros, eu juntava fascículos sobre a Segunda Guerra Mundial, ou melhor, um amigo meu, o doutor Pirulito, juntava.  Ele, depois de se tornar médico, entrou para o Exército, mas isso não vem ao caso, não são as memórias dele que estou pondo no papel. O doutor Pirulito recebe um ultimatum: aquela coleção já estava atravancando os espaços da casa, teria, então, de jogar tudo aquilo no lixo.  Herdei dele as dezenas de fascículos com instigantes textos e gravuras elucidativas.

Veio a Guerra do Vietnã. As cenas terríveis transmitidas pela televisão, praticamente ao vivo, as fotografias que nos chegavam praticamente no momento em que a crueldade era consumada, arrancaram de mim o “glamour” com que eu sentia a guerra. O interesse histórico, no entanto, nunca se desfez.

 

PRATO – Durante a maior parte da minha vida, eu dava mais valor à satisfação da barriga do que à do paladar. Era gourmand, e não gourmet. Eu comia até dizer que estava cheio – depois de muitas reprimendas, passei a dizer satisfeito – e me erguia da mesa.

Eu grudava com farinha de mandioca o feijão com arroz, observando o meu pai, que chamava toda comida de mangonga, para que sobre essa argamassa viessem macarrão, ou carne, ou fígado, ou peixe, ou tripa – assim chamávamos a dobradinha. A galinha era rara, naquela época, comida de luxo que, ainda por cima, obrigava a minha mãe a matar a ave e depená-la, o que ela detestava fazer.

Quando me convenceram, anos depois, que eu comia concreto armado, eliminei a farinha de mandioca do meu prato.

Aprendi também a não engolir logo a comida para sentir a barriga estufar. Eu tinha de perceber os variados gostos do que eu comia. Quando larguei no vício do cigarro, com 18 anos de idade, o meu paladar se tornou mais sensível aos sabores e passei a comer com mais vagar.

Sempre foi uma grande dificuldade para mim deixar alguma sobra no prato. Sinto-me estranhamente incomodado quando não sou capaz de comer tudo o que colocaram no prato. Rebusco na memória, como se estivesse no divã de um psicanalista, a razão disso, se me obrigavam a raspar o prato quando era pequerrucho, mas não me vem lembrança alguma.

Agora, as comidas gordurosas e salgadas, principalmente, ficaram fora do meu cardápio, mas meu prato continua fundo e, antes das primeiras garfadas, cheio até em cima.

 

(*) Gotícula, Temporal, Canal da Mancha, para o Biscoito Molhado, está me parecendo nada demais.

 

 

    

2799 - Carnavalesco Dicionário Biográfico, com banho


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5049                   Data: 17 de fevereiro de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE XI

 

BANHO – Na nossa casa da Rua Cachambi, onde residimos até o final de 1961, havia um aquecedor no banheiro.  Não éramos, por isso, obrigados a enfrentar a água fria como nos locais mais pobres. Mas não me recordo desses banhos, propriamente disso, e sim do que aconteceu após um deles. Eu estava no colo da minha mãe, enrolado numa toalha, ela, provavelmente me enxugava, quando o meu dente foi arrancado por uma tamancada. Meu irmão Cláudio pegara o tamanco do meu pai e o arremessou na minha direção.

Com o impacto, engoli o dente e a minha mãe correu comigo para o SAMDU – Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência.

Lá, depois de me examinarem, disseram que a minha mãe deveria se certificar de que eu excretara o dente engolido. Ou não disseram?... Sei que eu tinha de fazer cocô num penico que, em seguida, era escarafunchado pela minha mãe com uma vareta. Quando ela constatou que o dente fora expelido, deu por encerrada a sua missão.

Depois, vieram os banhos no colégio. As aulas de Educação Física eram praticadas com a separação de sexos; um professor ficava com os meninos, e uma professora com as meninas. Eram três ou quatro turmas no mesmo horário, tantos eram os alunos.

Pulinho de galo, canguru, flexão de braço, barra... o nosso suor escorria inevitavelmente.

Numa aula, um dos nossos professores cismou que nos preparava para guerra, pois, após a distribuição de bastões a cada um de nós, levou-nos para a parte detrás do Visconde de Cairu, onde o terreno era acidentado. Lá, depois de nos enfileirar lateralmente com precisão militar, ordenou que arremessássemos o mais longe possível o bastão sem perdê-lo de vista.

-Viram onde seus bastões caíram? Agora, vocês irão buscá-lo. 

Logo em seguida, veio a sua ordem para nos arrastarmos até eles como soldados que evitam arames farpados nas batalhas ou se protegem dos projéteis letais.

Evidentemente não retornávamos para as salas de aula suados e imundos; havia no Visconde de Cairu um banheiro imenso com um encanamento onde estavam acoplados dezenas de chuveiros.

Depois de 40 minutos - as aulas duravam 50 – o professor nos posicionava em fila indiana com um espaçamento em que cada um de nós ficava debaixo do seu chuveiro.

-Um minuto para tirar a roupa. - vinha a ordem.

Apressadamente, arrancávamos o tênis branco e as meias, a camiseta regata branca e o calção preto, com o cuidado de deixar os nossos pertences longe dos respingos d' água.

Os chuveiros eram abertos de uma só vez, enquanto o professor, com voz de sargento, berrava:

-Um minuto para tomar banho.

O fato de não haver sabão, muito menos sabonete – xampu, então, nem conhecíamos – concorria para que o banho fosse rápido; na verdade, tirávamos apenas o suor e a sujeira do corpo, mas voltávamos com a sensação de frescor para as salas para assistir as próximas aulas. O banho era sempre frio.

Eu já residia na casa de vila, na Rua São Gabriel, onde havia, além de chuveiro, uma banheira. Com os ensinamentos do colégio, eu tomava um banho rápido de chuveiro, mas me ensaboando bem.

Um dia, assisti a um filme em que um mafioso ficava horas num banho de imersão na banheira ouvindo discos de ópera. Adolescente, facilmente sugestionado, além de gostar de óperas e de me render ao “glamour” com que Hollywood retratava a máfia, dei para fazer a mesma coisa. Levava para o banheiro uma eletrola portátil com um LP operístico, enchia a banheira d' água, colocava o disco para rodar e me enfia nela. Sem capangas para me ajudar, logo vieram as dificuldades. Respingos de água nos sulcos do LP e fio da eletrola muito esticado por causa da distância da tomada me trouxeram à normalidade.

Voltei ao chuveiro de água fria, às vezes morna e nunca mais pensei nos banhos mafiosos, tão demorados quanto os de Cleópatra, Paulina Bonaparte ou de estrela de cinema, com exceção da Janet Leigh.

 

BLOCOS – Não aconteceu na Rua Cachambi e sim na General Padilha, em São Cristóvão: ouvi as primeiras batucadas. Eu já estava deitado para dormir quando aquele som misterioso chegou a mim. Quis saber da minha avó o que era aquilo; ela me explicou que era um bloco do morro do Tuiuti que tocava.  O morro do Tuiuti para mim, até então, se resumia à Maria, uma negra retinta, viciada em cachaça que, nos momentos de sobriedade, lavava roupa na casa da minha avó e até da minha mãe. Trabalhando lá em casa, pegou-me um dia na saída da escola e foi chamada de cacique pelos moleques por causa dos seus compridos pixains desalinhados.

Talvez a Maria esteja no meio dessa batucada. - devo ter pensado.

Depois, o som da batucada e dos apitos foram crescendo paulatinamente. A minha avó me disse que o bloco descia o morro, passava pela General Padilha e ia até à Rua São Januário.

Aquilo não era barulho para mim, agradava-me aos ouvidos e dormi.

Morando, algum tempo depois, na Rua São Gabriel, o Paulinho Vovô, que regulava com a minha idade, 15 anos – o “Vovô” era por causa dos fios de cabelo brancos que despontavam no seu couro cabeludo – levou-me a um ensaio do Inferno Verde que, depois, se chamaria Acadêmicos do Cachambi. Lá, ficamos próximos da bateria, ele queria essa proximidade e eu, talvez, quisesse mais do que ele.

Em determinado momento, um dos tamborinistas disse que precisava dar uma saída do terreiro e estendeu o braço com o seu tamborim em minha direção; Paulinho Vovô, mais do que depressa, pegou o tamborim, como se a oferta fosse feita a ele, e se juntou aos demais instrumentistas.

Enquanto eu pensava no gesto inútil do meu companheiro, pois eu passaria o instrumento para ele, o maestro, que usa o apito como batuta, apitou alto. Em seguida, todos os instrumentistas silenciaram, menos os cavaquinistas; era a hora do solo deles.

Eu, se lá estivesse, também teria parado, cometendo um erro que me pareceu catastrófico. Paulinho Vovô, já tendo o samba nas veias, não hesitou em momento algum e, no solo, bateu com a vareta no couro com toda a força que possuía.

O bloco saiu às ruas, ele o acompanhou e eu fui para a casa.

 

 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

2804 - Artistas estrangeiras no Brasil


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5054                               Data:  23 de fevereiro de 2015

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O CALENDÁRIO NUM DIA VALSANTE

 

-Antes de o Homem-Calendário arregaçar as mangas, Sérgio Fortes apresentou uma questão:

-Jonas, esclareça um ponto importante: é Roquette Pinto 94 ponto 1 ou 94 vírgula 1.  O povo quer saber. 

A resposta foi imediata:

-Vírgula 1. 94 vírgula 1.

-Está perfeito. - deu-se o Sérgio por satisfeito.

-É mais chic.- justificou o titular do programa.

“Chic a valer” era o bordão do Dâmaso Salcede de “Os Maias”.

Além da obra-prima de Eça de Queiroz, aqui, no Biscoito Molhado, fomos conduzidos para tempos pretéritos, quando realizamos uma estatística para o superintendente da SUNAMAM, colocando vírgulas nos lugares dos pontos e pontos nos lugares das vírgulas, como fazem os americanos. Nosso chefe pediu que não fizéssemos isso. O superintendente – suponhamos – não ia entender nada.

-Agora o calendário. - impostou a voz o Sérgio Fortes.

O calendário foi iniciado com os eventos históricos:

-22 de fevereiro. Em 1939, pela primeira vez o petróleo jorrou no Brasil, no poço de Lobato na Bahia.

Virou-se em seguida para o Jonas Vieira.

-A confusão começou aí.

-Foi.

-O Petrolão começou em 1939. - alardeou o Sérgio Fortes.

-O Cerveró já estava lá. - disse o companheiro de apresentação e de piadas do Sérgio Fortes.

-O Cerveró estava lá com a pazinha cavando o petróleo.

A presidente do Brasil, que procura desesperadamente uma pessoa, fora do PT, para acusar pela corrupção na Petrobras, tem agora mais um: “A culpa foi do Monteiro Lobato.”

-1945, uma data importante: as tropas da FEB conquistaram Monte Castelo. Foi a nossa página mais gloriosa na Segunda Grande Guerra.

-Certamente. - acentuou o titular do programa.

-1998, uma data terrível: desaba o edifício Palace II, e morrem oito pessoas. Jonas, um colega meu, do Santo Inácio, era morador do Palace II. Eu, de certa forma, acompanhei todas as ocorrências. Uma coisa horrorosa; você morar num edifício durante anos (dois, foi inaugurado em 1996) e a coisa cai. Olha: a vida da pessoa é virada de cabeça para baixo pela ganância. Misturar areia de praia com cimento... É um absurdo.

Sérgio Naya, um canalha que parecia saído do teatro de Nélson Rodrigues, morreria 11 anos depois, quando pretendia construir um shopping center em Ilhéus.

-Nascimentos. - anunciou o Homem-Calendário.

-Em 1732, George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos. Não é biscoito, não.

Apesar de o biscoito ter sentido depreciativo nessa expressão, não pediremos direito de resposta ao Rádio Memória.

-Em 1857, Robert Baden-Powell, o fundador do escotismo.

-Você é lobinho, Jonas? - provocou.

-Nunca fui lobinho, nem lobão, sou apenas lobo.

Sempre alerta, Sérgio Fortes continuou com os acontecimentos de 22 de fevereiro.

-Em 1895, nascia Plínio Salgado.

-Grande fascista!

Foi Fascista mesmo a palavra da exclamação do Jonas Vieira? Não ouvimos direito, daí a nossa dúvida. Bem, farrista não foi, então, fica fascista mesmo.

-Fundador da Ação Integralista Brasileira.

-Apesar das minhas discordâncias, reconheço que ele era, realmente, uma figura extraordinária. Um intelectual; tinha uma cultura fora do comum.

-Sem dúvida. - concordou o Sérgio.

-Anauê!

-Anauê!

Depois da saudação dos camisas-verdes, veio a personalidade nascida em 1897.

-Outra grande cultura: Barbosa Lima Sobrinho.

-Caramba! - exclamou o Jonas.

-Belíssima figura. Jornalista, político...

E o Sérgio parou de citar os seus predicados, haja vista que durou 102 anos, pois o tempo urgia.

-Em 1900, Luís Buñuel, cineasta espanhol. Foi importante.

-Em 1932, Ted Kennedy.

-Está vivo? - indagou o Jonas Vieira.

-Não, morreu em 2009. O Ted Kennedy estava traçado numa trajetória que culminaria com a presidência, mas arranjou uma confusão com uma moça que não socorreu...

-Os Kennedy eram arruaceiros com as mulheres. - comentou o Jonas.

-A minha avó diria que eram da pá virada.

Rosa Grieco recorre a Dona Isaura, sua genitora, quando cita um máxima popular, Sérgio, como vemos, à avó, só não explica se é a materna ou a paterna.

-1940, nasceu Aracy Balabanian. Grande atriz.

-1949, o piloto Nick Lauda, que é aquele do carro que pegou fogo. Foi uma coisa assim: Vai morrer?... Não só não morreu como, num prazo curtíssimo, voltou a correr todo queimado, todo desfigurado. Uma figura!

Sérgio Fortes omitiu que Nick Lauda, um dos cinco maiores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos, chegou a receber a extrema-unção.

-Falecimentos. - elevou a voz em uma oitava.

-Em 1512, Américo Vespúcio.

Temos aqui uma injustiça de tamanho continental. Américo Vespúcio, graças à desinformação dos cartógrafos (Martin Waldseemüller), deu nome aos continentes descobertos, enquanto coube a Cristóvão Colombo nomear apenas um país da América do Sul.

-Em 1891, falecia Benjamin Constant, articulador da República.

“Muito barulho por nada”, como intitulou Shakespeare uma das suas peças cômicas.

-1956, uma figura que não é tão conhecida, mas eu garanto que é uma pessoa importante: Mário Augusto Teixeira de Freitas. Foi advogado, estatístico. A estatística do Brasil deve muito a ele. A criação do IBGE tem muito a ver com Teixeira de Freitas.

-Em 1987, Andy Warhol, artista plástico, produtor cinematográfico, agitador cultural.

Andy Warhol cunhou a frase: “Um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama.” Tantas são as celebridades instantâneas, que acertou em cheio.

-Em 2008, o ator Rubens de Falco; no mesmo ano, outro ator: Oswaldo Louzada.

-Em 2009, Ida Gomes. Ela era polonesa e se chamava Ida Szafran. Ela era incrível porque nasceu na Polônia, onde ficou um tempo, depois morou 13 anos na França, veio para o Brasil e não tinha sotaque, Jonas. É inacreditável. Eu prezo muito, tenho muita admiração por atores e atrizes que nasceram fora do Brasil e conseguiram superar completamente essa questão do sotaque. Eu chamaria a atenção para Berta Loran, que é impressionante, Eva Todor e Renata Fronzi.

-Certamente. - concordou o Jonas Vieira.

-O Dia 22 de fevereiro é o Dia Europeu da Vítima. - disse em tom grandiloquente.

-Olha só. - surpreendeu-se o titular do programa.

Sérgio Fortes prosseguiu com a sua informação:

-Eu não sei o que é isso, mas eu me considero desde já agraciado.

Por que essa discriminação com aqueles que não nasceram na Europa?... Nós, do Biscoito Molhado, como o Sérgio Fortes e os demais brasileiros que pagam impostos, também nos consideramos agraciados.

Encerrado o calendário, veio a alegria das valsas, isso porque não tocaram a ária da cigana do 2º ato do Trovador que retrata um terrível drama em ritmo de valsa, façanha essa da genialidade de Verdi.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

2797 - Fúnereo-canino Dicionário Biográfico, o final do Silveira


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5047                      Data: 15 de fevereiro de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE X

 

CACHORROS (03) – O fusca do Luca, ano 1973, foi também uma espécie de ambulância para a cachorrada lá de casa. Banzé, cuja saúde frágil se evidenciou quando ele era ainda novo, obrigou a minha mãe a requisitar, por diversas vezes, o carro do nosso amigo para levá-lo ao médico veterinário Moisés Frimer.

Certa vez, o Luca não estava disponível e eu carreguei o Banzé nos braços, com algum esforço, por boa parte da Rua Chaves Pinheiro, fato esse que agitou todos os quadrúpedes em prisão domiciliar – para citar uma expressão hoje na moda – que latiram, ao vê-lo, ensandecidamente.

Com a morte do Banzé, como já escrevi anteriormente, o Pipi passou a ser o xodó da minha mãe. Ele era mais saudável do que o pai, porém, o Luca, com a sua paciência bíblica, o carregou, vez ou outra, no seu fusca até o Frimer. Levá-lo eu, no colo, pela Chaves Pinheiro, como fizera com o Banzé, era uma hipótese inviável, haja vista a antipatia quase ódio que tomou por mim de uma hora para outra,

Silveira, o mais saudável de todos – talvez a temporada num terreiro de macumba o tenha fortalecido – continuava mordendo os transeuntes incautos, apesar das nossas broncas. Porém, quando recebíamos, em casa, visitas, ele não se mostrava hostil, sendo amigos nossos, respeitava. Do mesmo modo, agiam os demais cachorros, embora a Sapeca tenha sido uma exceção.

Certo dia, uma das nossas primas, recém-casada, nos visitou com o marido. Nós o alertamos para não dar muita confiança à Sapeca, que era dissimulada, mas ele insistiu em paparicá-la.

-”Olha, meu bem: a Sapeca é minha amiguinha” - disse ele para a esposa.  Encerrada a visita, foi mordido por ela na saída. O Big, não contei no momento oportuno, mas aqui vai, também tinha essa mania de avançar sobre os visitantes no momento de eles irem embora, mas não provocou estragos porque ficava confinado no quintal, o que não acontecia com a Sapeca e os demais, que tinham  trânsito livre pela casa.

Sapeca engravidou. Quem era o pai incestuoso? Nunca soubemos, muitos foram os suspeitos. Toda a sua ninhada, no entanto, não vingou, todos nasceram mortos.

Nesse ínterim, uma senhora passou a ir lá em casa, anualmente, para vacinar os nossos animais de estimação contra a raiva.  Quem a indicou? A minha memória falha, mas não consultarei a minha mãe para sabê-lo porque não quero despertar-lhe tristes recordações.

O ano foi 1977, eu trabalhava no Jornal do Brasil, quando a cinomose, provocada pela agulha infectada da vacina contra a raiva, começou a dizimar nossos bichinhos um por um.

Nessa época, meu pai ficava mais tempo em casa, já superara o período em que o trabalho em jornais o prendia por muitas horas, assim, acompanhou o veterinário sacrificando o Pipi, a Sapeca e o Manolo. Minha mãe, sem estrutura emocional para presenciar aquela tragédia, afastou-se, ficando toda a carga com ele.

-”Se eu não tivesse compromissos com todos vocês, eu iria atrás dessa filha da puta e acabava com ela. - disse-me o meu pai com o cigarro fumegante quase caindo dos seus lábios trêmulos.

 Silveira ainda resistia e o meu pai indagou do veterinário se poderia ser salvo; ele respondeu que, talvez com três doses de vacina, ele escapasse, mas não garantia nada. No meu íntimo, duvidei, pois vira o Silveira lambendo o pelo do Manolo, que seria sacrificado poucos dias depois, por mais de um minuto.

Bem, lá foram o Lopo e o eternamente prestativo Luca, no seu inseparável fusquinha, por três vezes a uma clínica veterinária com o Silveira. Ele escapou, apenas um leve tremor nas mandíbulas, quando abria a boca, foi a sequela que restou.

Como único sobrevivente, a paixão da minha mãe por ele cresceu exponencialmente, a do meu pai também.

Minha mãe tratou de trazer um veterinário, o Doutor Jorge, que examinava periodicamente o nosso sobrevivente na Rua Chaves Pinheiro. Numa das suas primeiras visitas, mostrou-se curioso sobre o porquê de ele ter sido batizado de Silveira.

-É porque é magricela como aquele jogador do Fluminense.

Ele discordou prontamente, orientando-nos a apalpar as nádegas do Silveira; feito isso, constataríamos que aquilo era puro músculo, que ele nada tinha de pele e osso, estava bem distante disso.  Nosso cachorro era extremamente musculoso, o que explica, até certo ponto, as muitas mordidas que já dera com seus saltos acrobáticos.

Quando nos mudamos da casa da Rua Chaves Pinheiro para o apartamento da Avenida Suburbana, Silveira perdeu o espaço para seus movimentos e pulos e engordou. Envelheceu e não procurava mais ninguém para morder.

Todos os dias, por volta das 5h 30 min da manhã, meu pai saía com ele na coleira e os dois davam longas caminhadas pelo canteiro que dividia as duas pistas da Avenida Suburbana.  Certa vez, meu pai chegou transtornado desses passeios: um carro capotara e por muito pouco não pegava os dois em cheio. Quando restabeleceu a calma, concluímos que o Silveira, por ter passado um estágio num terreiro de umbanda, ficou com o corpo fechado.

Nesse ínterim, meu pai comprou um apartamento em Del Castilho, mas ficou estabelecida uma cláusula pétrea: só nos mudaríamos para lá depois da morte do Silveira.

Os filhos todos casaram e, como eu era a exceção, fiquei com os meus pais morando na Suburbana. Éramos agora quatro.

Com 16 anos de idade, Silveira caiu doente e o Doutor Jorge não deu esperanças.

Silveira ficou num canto, sobre páginas de jornais e dali não tinha força para se levantar. Mal tocava na comida e na cumbuca d' água que meus pais lhe traziam.

Numa madrugada, fui acordado pelo meu pai, que entrou no meu quarto chorando copiosamente. Soube, então, que o Silveira, depois de dias de prostração, se erguera, caminhou até a cama dos meus pais e, junto a eles, morreu.  Esse último ato do nosso cachorro aniquilou emocionalmente o meu pai e a minha mãe.

Mudamo-nos, então, para o apartamento de Del Castilho. Silveira foi o nosso último cachorro, ninguém mais poderia substitui-lo. 

 

       

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

2793 - Megacanino Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5043                               Data: 08   de  fevereiro de 2014

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE IX

 

CACHORROS (O2) – Morreu o Big sem cruzar com uma fêmea, e ficou o Veludo sozinho, já entrando na terceira idade canina.

Como um animal de estimação, apenas, não bastava à minha mãe, que era uma discípula de São Francisco de Assis, ela mostrou interesse em preencher a lacuna deixada pelo cachorro que nos acompanhou por três casas.

Dona Lurdes, vizinha do outro lado da rua Chaves Pinheiro, esposa do Seu Válter, que me chamava de “Mexicano”, talvez porque o meu bigode se assemelhasse ao do Cantinflas, informou que tinha uma cadela disponível para doação. A minha mãe se interessou e a trouxe nos braços, porque ainda era filhote, para a nossa casa.

O nome?... Tornou-se comum, hoje, cachorros com nome de gente, mas naquela época não era assim, havia muitos Nero, é verdade, uma das poucas exceções (E Nero, o imperador, foi ser humano?...).

Minha mãe, com a aprovação do meu pai, resolveu que o nome da nova moradora seria de uma ópera. Ela gostava mais da “Manon Lescaut” de Puccini do que da “Manon” de Massenet, mas, para uma cadela, preferiu a do compositor francês; também pesou o fato de nome e sobrenome para um quadrúpede ser um exagero – até hoje não ousaram tanto.

Manon era, como o Veludo, de pelo negro do primeiro fio da cabeça ao último da cauda, e também era bem menos encorpada do que ele.  O nome que melhor espelharia a recém-chegada, sem sair do mundo operístico, seria “Mignon” devido ao seu tamanho diminuto, não à personagem de Goethe transformada em ópera.

Veludo tinha, agora, uma fêmea ao seu alcance, mas não se portou como um pedófilo: esperou que ela crescesse.  A infinita tranquilidade do Veludo, que se tornava ainda mais relevante quando o comparamos com o Big, talvez fosse a espera por uma companheira que lhe estava destinada. Ele conseguiu um feito que deixaria o incrível Big invejoso: cruzou com uma cachorra.

Apesar de ser um cão idoso, foi fértil. Dos filhotes, minha mãe só ficou com dois, que foram chamados de Sapeca e de Banzé, este obviamente inspirado no filme “A Dama e o Vagabundo”, além das histórias em quadrinho.

Veludo, cumprida a sua missão de reprodutor da espécie canina, cerrou os olhos para sempre deixando-nos tristes, pois era muito querido.

Manon, por seu lado, era uma esfaimada. Lembro o osso de carré que arremessei para ela roer, durante uns quinze minutos, pelo menos, qual o que, ela o engoliu no ar sem sentir o seu gosto. Espantei-me com aquela ganância que nunca vira na Totó, no Big e, muito menos, no Veludo.

Todos que tiveram cachorros no quintal sabem que atos como os de Jocasta e Édipo não se tornam tragédias gregas; no mundo canino são naturais, não se vê cão necessitando de psicanálise. Assim, Banzé e Manon cruzaram, e nasceu uma ninhada. Meu pai, principalmente, e minha mãe se assustaram com o número de filhotes, seis machos, e eles foram colocados à disposição de quem quisesse adotar alguns deles.

Uma colega da minha irmã desde o tempo em que morávamos na Rua São Gabriel se prontificou a levar o malhado de preto e branco com uma máscara de Zorro, não para si, mas para uma conhecida sua. Minha mãe consentiu na doação desde que fosse informada do endereço do novo lar desse filhote.

Ficaram conosco Don Pixote, Sapeca e Manolo, este tão negro quanto a mãe e o avô.

Teve saudades dos filhotes que havia dado? Minha mãe me disse que não, porém, a desconfiança crescia no seu íntimo; ou seja, o seu sexto sentido lhe dizia que alguma coisa não ia bem com um deles, por isso, rumou para o tal endereço que a amiga da minha irmã lhe dera com o Lopo, meu irmão mais novo. Lá, encontraram o filho do Veludo e da Manon, num cercado de terreiro de macumba, preso num cubículo onde havia pouca água na cumbuca e um prato com comida de aspecto suspeito.  Minha mãe não pensou duas vezes: pediu ao meu irmão que desamarrasse a corda do cachorro. Ele colocou o bicho no colo e eles o trouxeram definitivamente para a nossa casa. Nosso mascarado viria a ser o cachorro mais significativo que tivemos.

Ficou famoso como Silveira, quem escolheu o nome foi o meu irmão Claudio; argumentou ele que era tão magro quanto o jogador de meio de campo do Fluminense, em meados dos anos 70, de potente chute, e ninguém discordou, dizendo que Zorro lhe cairia melhor.

Tínhamos agora, pela primeira vez, vários cachorros em casa. O quase canil ficou, assim, difícil de administrar. Mãe e filha se odiavam, por isso, Manon e Sapeca não podiam conviver no mesmo espaço. Se bobeássemos, deixando um buraco na fronteira estabelecida entre as duas, elas se atracavam, e separá-las, requeria, no mínimo, dois de nós.

Manolo tinha o gênio do avô: contemplativo sem ações arrojadas.

Dom Pixote crescia enquanto o seu nome encurtava, ficou “Pipi”.

Silveira continuava aparentemente magro. Apesar do contato quase nenhum com a rua, apenas umas brechas a guisa de ornamento na parte superior do muro e a parte de cima do portão, ele deu de morder os pedestres que passavam distraidamente pela calçada, ou se encostando no muro à espera do ônibus – o ponto fica a poucos metros da nossa casa. De emboscada, Silveira, ouvia passos e, com a sua audição apuradíssima, sabia qual era o momento exato em que a vítima estava ao alcance dos seus dentes, saltando com uma agilidade felina sobre ela. Tudo bem sincronizado. Quando reclamavam, argumentávamos que ele se achava dentro de casa e informávamos que era vacinado.

Fizemos uma estatística e chegamos a 17 mordidas dados pelo Slveira nos transeuntes desatentos. Ele, no entanto, conosco, sempre foi dócil sem se mostrar um cão carente que se desmancha com cafunés.

Manon não viveu muito, pegou uma infecção ou outra doença – não sei até hoje porque um veterinário não foi chamado – e se foi.

Enquanto isso, a minha mãe se apegava ao Banzé. Ela, com a morte do Fluminense – falaremos dele no vocábulo gato – transferiu grande parte do seu amor pelos animais para ele. Banzé, no entanto, não viveu muitos anos, e o xodó da mamãe passou a ser o Pipi.

Pipi, que sempre foi um dos meus melhores amigos, não sei por que cargas d' água, passou a me hostilizar. Eu não podia me aproximar dele que arreganhava todos os dentes e rosnava. Por quê?... Anos depois, inferi que fosse por ciúmes da minha mãe. Os cachorros também podem ser ciumentos como Otelo.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

2792 - O Biscoito vai ao cinema


 

 

 

           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5042                                Data: 06   de  fevereiro de 2014

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SABADOIDO DO TEATRO AO CINEMA

 

-Claudio, ainda reprisam o programa “Arte com Sérgio Britto” no Canal Brasil?

-Nunca mais vi.

-Cheguei assistir a dois programas, nesse canal, mas estavam condensados.

-Diminuíram a duração?

-Sim; eu não perdia “Arte” no tempo em que o Sérgio Britto era vivo, e estava programado aos sábados na TV Educativa. Durava uma hora. Dessa vez, não passou de trinta minutos com interrupções.

-Essa TV Brasil foi criada pelo Lula... Franklin Martins -emendou - , não podia dar em boa coisa.

-Você sabe que a entrada da estação da Carioca do metrô se transformou numa pequena feira de livros? Lá, eu me deparei com o “Teatro & Eu”, do Sérgio Britto, lacrados, novos.

-Sei, você comprou um e deu de presente para a Rosa Grieco.

-Comprei dois, um para mim também.

-E já leu?

-Li e me deparei com algumas divergências entre o que ele falou, no tempo do “Arte” da TV Educativa, e escreveu.

-Por exemplo? - interessou-se.

-Ele disse que quando viajou por diversos países da Europa, chegando à Grécia, teve a sorte caída dos céus de assistir Medeia, de Eurípedes, com Irena Pappás.

-Ele sabia grego?

Depois dessa piada, que nos vem à cabeça pela força do hábito, corrigiu-se:

-É verdade que só ver a interpretação de um grande artista, mesmo sem entender o que ele, já vale a pena. Para ele, seria como ouvir canções estrangeiras sem saber o que está sendo cantado.

-Pois é; no livro “O Teatro & Eu”, ele alude à sua viagem a Grécia sem citar a representação de Medeia com Irene Pappás. 

 

-Isso é grave.

-Outra: no “Arte com Sérgio Britto”, ele me irritava com as críticas desabonadoras que fazia ao Placido Domingo como ator. Enaltecia a Maria Callas, como se fosse uma Meryl Streep e depreciava o tenor de maior repertório da história da ópera.

-O Placido Domingo não foi elogiado pelo Laurence Olivier como ator?

-Sim, Claudio. Ao vê-lo no “Otello”, produzido para o cinema pelo Franco Zefirelli, Laurence Olivier exclamou: “E ainda canta!”

-E então?

-E então, Claudio, que, no livro, ele elogia o Placido Domingo como ator.

-Ele escreveu “O Teatro & Eu” com mais de 80 anos, Carlinhos?

-Com 85, aproximadamente, mas estava lúcido, pois, com 86, ainda atuava nos palcos e era premiado.

-Eu me lembro que ele recebeu o Prêmio Shell, por uma peça em que atuava,  pouco antes de morrer. - disse o Claudio.

-Na autobiografia dele, reclamava de dormir, acordar pela meia-noite, sem mais sono algum, então, ia escrever; esse livro surgiu assim. Agora, detentor de uma excelente memória, não poderia esquecer a Medéia com a Irene Pappás. Quanto ao Placido Domingo, tudo bem; reviu o seu parecer com a passagem do tempo. - comentei.

-Assisti também a muitos programas dele na TV Educativa, e, de fato, a memória dele era boa, mas perdia para a da Fernanda Montenegro. Quanto ele revisitou “O Grande Teatro Tupi”, teve de recorrer à Fernanda Montenegro, que esmiuçou ainda mais as ocorrências daquele teleteatro.

-Claudio, a memória do Sérgio Britto falhava, mas era raro. Certa vez, ao comentar a biografia do Paulo Fortes, “Um brasileiro na ópera”, do Rogério Barbosa Lima, falou de uma “Tosca” a que assistiu com o Paulo Fortes no papel do Barão de Scarpia. Ora, o filho dele, o Sérgio Fortes, disse que o pai dele nunca cantou “Tosca”.

-E a Rosa, gostou das memórias do Sérgio Britto?

-O que ela mais gostou, pelo que revelou nas cartas escritas por ela e trazidas até mim pelo Luca, foi das massagens a que ele se submeteu na Tailândia.

-O David Carradine morreu, em Bangcoc, numa masturbação tailandesa. - lembrou o Claudio.

-O Sérgio Britto sobreviveu. - brinquei.

-Carlão, pronto para ir ao Engenhão? - irrompeu cozinha adentro meu sobrinho.

-Estádio Nílton Santos, Daniel. - corrigi.

-Segundo o prefeito, podem chamar de Nílton Santos, mas, na papelada, ficará o nome João Havelange, pois seria muito complexo fazer essa alteração de nomes. - interveio o Claudio.

-Antes, fazia sentido o nome João Havelange para um estádio que foi construído com preços superfaturados e material de quinta categoria, mas agora que fizeram os reparos, nada mais justo que o estádio tenha o nome do atleta que mais se identificou com o Botafogo.

Enquanto eu falava, Daniel preparava o seu café da manhã. Dirigi-me a meu irmão:

-Claudio, assisti a outro grande filme argentino: “O filho da noiva”.

-Com Ricardo Darin. - ironizou.

-Ricardo Darin é uma espécie de Messi do cinema. - acrescentou.

-Carlão, você já viu algum filme que concorre ao Oscar deste ano?

-Daniel, você sabe que não vou mais ao cinema; não suporto cheiro de pipoca, baldes de refrigerante e mais ainda às pessoas que falam ao celular no meio do filme.

-Vai na última sessão. - sugeriu.

-Acordo cedo, mesmo quando durmo muito tarde; como não quero ficar com poucas horas de sono, não vou. Mas acredito que os celulares ainda são acionados a essa hora.

-Mais ou menos. - disse ele.

-Assim sendo, vou esperar esses filmes saírem em DVD para comprar e ver, como fiz com “O Discurso do Rei”. Alguns desses filmes candidatos ao Oscar, de fato, me interessam.

-O “Selma” tem erros grosseiros, como colocar o presidente Lyndon Johnson contra os ativistas dos direitos civis liderados pelo Martin Luther King. Foi exatamente o contrário. - disse o Claudio.

-Eles erram muito: há filmes americanos em que o sol nasce no oeste.

-Você leu isso onde, Daniel, porque eu também li, mas há muito tempo?

-Agora, não me lembro, Carlão.

-Desses filmes, o que tenho mais interesse de assistir é The Imitation Game ou, como dizem os lusoparlantes, “O Jogo da Imitação” sobre a vida do cientista Alan Turing. Ele foi um gênio, conseguiu desvendar o código de guerra dos nazistas, que, segundo os especialistas, antecipou a guerra em dois anos, poupando milhões de vida. No entanto, teve um fim que guarda semelhanças como o do Oscar Wilde. Isso em 1954, o que mostra que, passados mais de 50 anos, a Inglaterra permanecia intolerante com os homossexuais.

-Quando levar no Norteshopping, verei. - garantiu meu irmão.

-O filme sobre a vida do Stephen Hawking não me atrai tanto porque não sou afeito ao cosmos.

-A não ser ao clube em que o Pelé jogou. - brincou o Daniel.

-”Teoria do Tudo”. - disse meu irmão o nome do filme.

-“Um filme que não vou deixar de ver: “Relatos Selvagens”.

-Carlinhos e o cinema argentino... - ironizou o Claudio.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO viu o Alan Turing, o Stephen Hawking e os Relatos e ainda Birdman. Tirando Birdman, cujo destino é a poeira da última prateleira, Hawking fica bem e Relatos e Turing no alto, são ótimos, embora um seja um documentário e o outro, reality show, ambos de primeira.

 

 

 

2798 - Os larápios e os Barrymore, Paulo de Frontin e outros bichos


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5048                      Data: 16 de fevereiro de 2015

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CALENDÁRIO DO DOMINGO DE CARNAVAL

 

A voz que abriu os trabalhos do Rádio Memória foi, dessa vez, a do Sérgio Fortes.

-Quem apostou 10 reais que o Jonas Vieira não apareceria neste domingo de carnaval para trabalhar, recebeu o dinheiro de volta; como nas corridas de cavalo, era “poule” de 10. Jonas Vieira desfila em blocos carnavalescos todos os dias; saía até no Chave de Ouro. Lembra-se, Peter, desse bloco?

Como nas outras vezes, por mais que apurássemos o ouvido, não escutávamos a voz do interlocutor do Sérgio Fortes.

-Era um bloco do Engenho de Dentro que saía na quarta-feira de cinzas apesar de todo aparato policial para impedir essa saída. Quando o delegado José Gomes Sobrinho liberou, a graça se perdeu e o bloco se desfez.

-O que, Peter? Ah, sim: o pessoal gosta mesmo é de correr da polícia. Esse delegado também apitava jogo de futebol, ele foi do tempo do Alberto da Gama Malcher, Antonio Viug, Eunápio de Queiroz... Este, quando roubava o Fluminense, era chamado pelo pai do Carlos Nascimento, do Biscoito Molhado, disse-nos ele, de Larápio de Queiroz.

Depois de uma pequena pausa, Sérgio Fortes prosseguiu:

-Bem, se o Jonas estivesse aqui, e não no Bola Preta, me perguntaria pelos acontecimentos do dia 15 de fevereiro; então, vamos ao calendário.

Voz impostada, Sérgio Fortes seguiu adiante:

-Em 1763, é assinado o Tratado de Hubertusburgo entre a Prússia e a Áustria. Essa guerra, Peter, durou sete anos e consolidou a Prússia como potência. Brigou toda a Europa, creio que só Portugal e a Suíça, como sempre, ficaram de fora.

-Em 1786, William Herschel descobre a Nebulosa Olho de Gato. Você já viu, Peter?... Eu também só conheço o olho de gato dos carros.

Em 1814, ocorre a Batalha de Nive: o exército conjunto britânico, português e espanhol transpõe a linha de defesa francesa no rio Nive. Eu não digo, Peter, que eles estavam chutando cachorro morto, no caso, Napoleão, mas moribundo. O império napoleônico sangrava desde o fracasso da campanha na Rússia em 1812.

-Em 1898, o encouraçado USS Maine explode em Havana desencadeando a guerra entre os Estados Unidos e a Espanha. Peter, parece que os adeptos da Teoria da Conspiração estão certos: os próprios americanos explodiram a embarcação para provocar a guerra. Assim, tomaram possessões da Espanha; ficaram com as Filipinas e, com isso, marcaram presença no extremo oriente.

-Em 1931, primeira publicação do jornal oficial do Partido Comunista Português “Avante”. Concordo, Peter, o “Avante” deu pra trás,

-Em 1944, começa o ataque aliado ao mosteiro de Monte Cassino. A batalha ficou conhecida como Monte Cassino e a Força Expedicionária Brasileira participou do combate.

-Em 1989, o exército soviético deixa Cabul, depois de nove anos de ocupação militar do Afeganistão. Veja, Peter, a ironia: os afegãos foram bem sucedidos porque os Estados Unidos lhes forneceram muitos armamentos, depois, essas armas se voltaram contra os próprios americanos com atos terroristas, o diabo. O amigo de ontem passou a ser o inimigo de hoje. Só a indústria armamentista ganhou com isso.  

 Depois de uma pausa, veio a pergunta:

-O que, Peter?... Levar os gestores da Petrobras para gerir a indústria armamentista para elas irem à bancarrota?... Seria uma solução, de fato.

-Em 2005, o site de vídeos “You Tube” é criado. Peter, eis uma das maiores criações da década deste segundo milênio. Outro dia, descobri um filme de 1941 da Tosca, com a voz do Ferruccio Tagliavini, dirigido pelo Jean Renoir.  A desgraça foi que o diretor se preocupou bem mais em fazer cinema, deixando a ópera em segundo plano. Como o público, no meio da Segunda Guerra Mundial, queria espairecer com uma boa música, o filme não obteve êxito algum.

-Nascimentos. - caprichou na locução.

-Em 1564, Galileu Galilei, matemático, astrônomo e físico italiano. Foi gênio.

-Em 1710, o Rei Luís XV de França. É isso mesmo, Peter: muita gente só ouviu falar nele por causa dos saltos.

-Em 1811, Domingo Faustino Sarmiento, presidente da Argentina. Os hermanos tiveram Bartolomeu Mitre, Saens Peña, Sarmiento, mas, depois do Peron, com o populismo, a Argentina cai feito balão apagado.

-Em 1841, Campos Sales, presidente do Brasil. Ele, Peter, terminou o mandato vaiado por causa das medidas econômicas antipopulares que tomou com Joaquim Murtinho, o ministro da Fazenda. Ele, na verdade, deixou a casa arrumada para o governo desenvolvimentista do Rodrigues Alves. Um plantou, e o outro semeou; há alguns casos desses na nossa história.

 -Esse aqui é da minha enfermaria, do Dieckmann também, que deve estar se preparando, nesta hora, para desfilar no Bloco das Carmelitas. Em 1877, nascia Louis Renault, industrial francês.

-Em 1882, nascia John Barrymore, ator estadunidense.  O Dieckmann, Peter, me intriga (*) com o Carlos Nascimento dizendo que não gosto de cinema, mas eu já vi filmes de toda a família Barrymore, até mesmo com aquela menininha que berra quando vê o E.T. Como é o nome dela?... O Peter diz que é Drew Barrymore.

-Em 1894, nascia Osvaldo Aranha, político e diplomata brasileiro. Foi uma personalidade importante.

-Em 1905, Nise da Silveira, psicoterapeuta brasileira. Era doida por gatos?... Eu sei, Peter, ela era gatófila. Foi uma psicoterapeuta que seguiu os ensinamentos de Jung, o psicanalista que rompeu com Freud, que supervalorizava o sexo. Freud só pensava naquilo.

-Em 1909, Miep Gies, amiga de Anne Frank, que guardou o seu diário durante a Segunda Grande Guerra. Que grande gesto! Ainda hoje é um dos livros mais lidos do mundo.

-Em 1910, Irene Sendler, ativista polaca, salvadora de milhares de vidas no gueto de Varsóvia. Não foi só o Schindler, outras pessoas salvaram a vida de muitos judeus, na guerra, uma delas foi a primeira esposa do escritor Guimarães Rosa, Aracy de Carvalho.

-Em 1915, Abel Ferreira, compositor, clarinetista e saxofonista brasileiro. Lembra o domingo passado, Peter, quando o Jonas Vieira citou o centenário do Abel Ferreira para o Cláudio Pinheiro da Banda de Ipanema?... Vamos homenageá-lo.

-Em 1951, nascia Jane Seymour, atriz inglesa. Se o Jonas Vieira aqui estivesse diria que é a sua favorita.

-Em 1954, Matt Goerning, cartunista americano. Ele é o criador dos Simpsons, um fenômeno que perdura na televisão há mais de 20 anos.

-Peter, como hoje é domingo de carnaval, eu pretendia pular os falecimentos, mas há alguns nomes que não posso deixar de citar, como Nat King Cole. 

 E prosseguiu:

-Em 1933, morria Paulo de Frontin, político e engenheiro brasileiro. Ele reformou a cidade do Rio de Janeiro no governo Rodrigues Alves, de que já falamos.(**)

-Em 1965, o cantor americano Nat King Cole falecia com apenas 45 anos de idade. Uma lástima, pois, além de cantor de técnica assombrosa, foi um excelente pianista de jazz.

-Em 2006, morria Antonio Lotti, cantor de óperas ítalo-brasileiro. Foi-se também cedo com 50 anos, e cantou com famosos sopranos como a búlgara Raina Kaibavanka.

-Hoje é dia de São Faustino e São Teotónio, com “o” aberto.

Voltou-se mais uma vez para o Peter:

-Peter, o seu protetor é São Faustino; e Jonas, esteja em que bloco estiver, agora, é protegido por São Teotónio.

Assim, encerrou-se o calendário do dia 15 de fevereiro.

 

(*) Consultado, o Dieckmann jurou que apenas reproduziu os conceitos emitidos pelo radialista, mesmo considerando que tais conceitos merecessem uma demolição consagradora, seja lá o que isso queira significar.

 

(**) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO considera que a grande façanha de Paulo de Frontin foi resolver em 6 dias o problema crônico de falta d’água no Rio de Janeiro. Porém é verdade que trabalhou no botabaixo do Prefeito Pereira Passos, como indica o resumo a seguir:

Foi senador, prefeito do antigo Distrito Federal e deputado federal. Ganhou notoriedade ao multiplicar, juntamente com o também engenheiro Raimundo Teixeira Belfort Roxo, o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro num prazo recorde de uma semana, num empreendimento que ficou conhecido como Episódio da água em seis dias. Ainda como engenheiro, teve notável participação durante o governo municipal de Pereira Passos que realizou a política do bota abaixo que modificou o cenário carioca. Nessa mesma época chefiou a construção da Avenida Central.

Como prefeito (de fevereiro a julho de 1919) realizou obras importantes, como o alargamento da Avenida Atlântica, em Copacabana, e a construção das avenidas Niemeyer e Delfim Moreira, ambas na zona sul da então capital do Brasil.

Batizados em sua homenagem, há uma avenida na zona norte do Rio de Janeiro, assim como um município no interior do mesmo estado, nomeado Engenheiro Paulo de Frontin, anteriormente denominado "Rodeio" e Paulo Frontin no Paraná.

É conhecido como o 'patrono da engenharia nacional.

Muita ironia ter caído o viaduto do patrono.