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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

2782 - Grande Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5032                               Data: 24 de  janeiro de 2014
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
PARTE III

    BICICLETA – a tragédia de um primo nosso ter morrido por causa de uma queda da bicicleta – bateu com o crânio no chão – exacerbou ainda mais a inclinação alarmista dos meus pais; esse brinquedo foi colocado no índex expurgatório deles.  Ficou determinado que eu e meus irmãos, que começamos com patinete, chegamos ao velocípede – há uma fotografia minha de camisa e bunda de fora, na casa da minha avó, quando eu estava com dois ou três anos de idade – não chegaríamos à bicicleta.
    Meus dois irmãos conseguiram burlar a vigilância mórbida dos nossos pais e aprenderam a andar. Aquilo que talvez seja o único brinquedo que, na nossa vida adulta, não perde a utilidade, pelo contrário, ganha em importância nos dias poluídos de hoje, já era dominado pelo Claudio e pelo Lopo. Eu, com quinze anos de idade, permanecia parado no tempo em que me transportava de camisa e bunda de fora num velocípede.
    Seu Jorge, um motorista de ônibus brutamonte, vizinho que morava na Casa 5 da vila, se a memória não me trai, sabedor da minha frustração, garantiu que ela se acabaria. Apareceu uma bicicleta não sei de onde e ele ordenou que eu subisse nela. Para que eu não caísse, a sua mão vigorosa como uma tenaz era a terceira no guidom.  Gritava que eu não inclinasse o corpo para a esquerda, eu o obedecia, e nada de a bicicleta rodar com os meus dois pés no pedal.  Em seguida, sua reclamação era porque o meu corpo caía para a direita, eu me posicionava como ele queria, e nada. Foram muitas as tentativas, muitos os gritos do meu professor que tinha boas intenções e bons pulmões, até nós desistirmos.
    Anos depois, pensando nessa aula, cheguei à causa do fracasso: sem saber, eu apertava os freios durante todo o tempo.
    Quando eu li uma entrevista do presidente da Constituinte de 1988, o deputado Ulysses Guimarães, em que ele cita como um dos maiores desapontamentos da sua vida não ter aprendido a andar de bicicleta, eu me identifiquei inteiramente como ele. Eu não era o único.

    COLA – Para mim, cola era goma arábica.
    Depois de eu me mostrar um desastre na escola e cair da Turma 3 para a Turma 1 (dos retardadinhos, creio). Nunca saiu da minha mente o sofrimento que passei quando a professora exigiu que nós formássemos uma frase sem o “é” - para mim, tudo, gente ou não, só podiam ser alguma coisa. Comecei a me reabilitar quando fui rebaixado. 
    Dona Tereza, a nossa professora pediu aos alunos que estudassem para o dia seguinte, pois daria uma prova de ditado. Minha mãe me preparou com o maior interesse e eu correspondi ao seu esforço. Depois de um tempo, ela me considerou tão afiado que me disse que eu não deixasse ninguém olhar a minha prova, fato que eu não suspeitava que acontecesse. Mas aconteceu: mal a Dona Tereza ditou mais uma palavra, um colega me tocou no ombro e me pediu que lhe mostrasse o que eu escrevera. Fui obediente à minha mãe e soube, pela primeira vez, que cola não era só a goma arábica.

    NOVELA – Era de manhã e de tarde, minha mãe ligava o rádio, sintonizava na Nacional e exigia silêncio, pois a novela ia começar. Com a minha irmã não ralhava, pois logo se juntou a ela como ouvinte assídua de todos os capítulos. Os mais próximos a que nós, homens da casa chegávamos era acompanhar “O Cavaleiro da Noite”, “O Anjo” e “Jerônymo, o Herói do Sertão”, que durava das 18 às 19, horas, até entrar “A Voz do Brasil” e acabar com a festa. Havia também o “Teatro de Mistério”, na mesma emissora, que não era xaroposo, lá pelas 21 horas, que também prendia a nossa atenção. 
    Com 16 para 17 anos de idade, passei um bom tempo na casa da minha avó materna. Foi em 1964, assim que espocou a Revolução. Não se apagou da minha memória a estranheza da minha mãe e da minha irmã com as muitas alterações nos elencos da Rádio Nacional; excelentes teleatrizes e teleatores eram substituídos por outros, muitos desconhecidos, que ficavam muito aquém do talento dos afastados.
    Como eu dizia em textos pretéritos, passei alguns meses na casa da minha avó e o cenário não mudou muito; ela também ficava grudada no rádio para ouvir novelas.
    Enquanto isso, eu escarafunchava a sua estante e lá encontrei “O Direito de Nascer” que, durante muitos anos, foi o paradigma do drama radiofônico. A história saiu em fascículos, semanalmente, nas bancas de jornal, minha avó comprou todos, sem exceção, e providenciou a encadernação dos mesmos em capa dura. Assim, “O Direito de Nascer” se transformou em quatro alentados volumes que perfaziam umas mil páginas. 
    Já confessei isto em algum texto perdido: li os quatro volumes; as letras grandes também me ajudaram.
    Depois, as novelas e os novelistas se transferiram do rádio para a televisão, e os aficionados os seguiram fielmente.
    Outro dia, advertido pela minha irmã, porque falava, enquanto ela, a filha e a neta assistiam a um capítulo de uma novela, na televisão, emudeci. São cinco gerações, não se afronta uma dinastia de noveleiras.

    MEDALHA – No colégio 9-10 Manoel Bomfim, onde cursei o primário, chamava-me a atenção o número de medalhas da Neide. Ficou mais marcado o nome dela na minha memória do que as das próprias professoras por causa das medalhas que eram tantas quantas as que ostentavam os ditadores latino-americanos ou de outros países economicamente atrasados. Não fossem esses troféus pendurados na camisa dela, ocultando o E.P. , eu nunca saberia o seu nome, pois, da primeira séria à admissão, eu nunca fui colocado na turma mais adiantada,
    Eis que eu ganho uma medalha; eu era da Turma 1, a mais atrasada da Manoel Bomfim, em que só três alunos passaram para a segunda série. Fiz uma boa prova e fui laureado. Não era uma medalha dourada, como as muitas que a Neide carregava, mas sim prateada; mas, para a minha mãe, aquilo era ouro puro.
    Naquele tempo, nós, da Escola Pública, tínhamos dois dias sem aulas na semana: quinta-feira e domingo. Tomada pelo orgulho, minha mãe me vestiu com o uniforme escolar, numa quinta-feira, com a medalha pendurada na frente da minha camisa e me levou do Cachambi a São Cristóvão, na rua General Padilha, onde morava a minha avó e madrinha.  Ela tinha de ver a façanha do seu neto e afilhado.
    Que vergonha! Senti-me nu, pelas ruas, vestido apenas com uma medalha.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

2781 - Médio Dicionário Biográfico


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5031                               Data: 23 de  janeiro de 2014

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE II

 

BOLA – Nós morávamos num prédio de dois andares, com três apartamentos em cada um deles, na Rua Cachambi. Os moradores do andar debaixo cercaram, ou encontraram cercados os seus espaços e ficaram com quintais. Isso acabou nos últimos meses de 1961, quando todos os apartamentos do prédio foram vendidos, e os proprietários do andar de cima exigiram que todas as cercas fossem derrubadas. Quando isso aconteceu, nós não morávamos mais lá.

Foi no quintal do aptº 103 que eu joguei as minhas primeiras peladas junto com meus irmãos e até, quando necessitávamos completar os times, com minha irmã e alguma amiga dela.  Meu pai, quando tinha uma folga no “Diário de Notícias”, também participava dessas peladas. E uma vez, que para mim é inesquecível, juntou-se a nós o Seu Eduardo, um espanhol corpulento, de mais de 40 anos de idade do aptº 203. Ele, talvez para não machucar um de nós, num lance, perdeu o equilíbrio e desabou sobre a nossa plantação de bertalha, destruindo tudo o que estava por perto.

Como eu gostava de jogar bola! Para mim, ser um craque de futebol se tornou o meu maior sonho. Mas eu era um perna de pau sem consciência disso.  O fato de eu ser o primogênito, um ano e meio a mais do que o Claudio, e quatro a mais que o Lopo, fazia com que eu tivesse mais vigor físico do que eles e conseguisse muitos gols. Isso me iludiu por completo e eu me julgava bom de bola.

Um dia, no meio de uma pelada em que meu pai participava, ele afirmou que o Lopo era o melhor de todos ali.  Não me convenci, o bom era eu que lograva mais gols.

Quando nos mudamos da Rua Cachambi para a São Gabriel, saímos das peladas de quintal para as peladas da Rua Americana, onde o trânsito era quase nenhum, possibilitando partidas com muitos peladeiros.

Comecei a pôr os pés na realidade quando me apelidaram de Jair Bala, um atacante do Flamengo, na época, que era um autêntico bode cego. Eu reagia, chamando-me de Jairzinho, craque do juvenil do Botafogo, mas os meus fracassos com a bola no pé cresciam tão assustadoramente, que admiti que os gozadores estavam certos.

Porém, a minha paixão pelas disputas de futebol era tamanha que não desisti. Os apaixonados não têm senso de ridículo.

Ao ler, na época, uma frase do Nélson Rodrigues, me senti retratado nela: “Todo perna de pau é um abnegado.”

 

Boy- fiz muitas compras a pedido do meu pai, quando menino. Nada que me exigisse um esforço hercúleo. Ele me pedia para comprar pão na padaria do Seu Paulino, cigarros e fósforos no botequim do Seu Otacílio, e lá ia eu. O problema eram as compras no Armazém São Domingos. Eu não era atendido logo porque as mulheres tinham preferência. Como os caixeiros de lá não eram seletivos, mesmo as mulheres sem beleza eram atendidas na minha frente. Ao chegar em casa com as compras, eu protestava contra aquilo e meu pai engrossava o meu protesto; mais tarde, percebi a besteira deles: se deixassem as mulheres bonitas por último teriam mais tempo para comê-las com os olhos. Outra uma opção do meu pai mandar-me para a quitanda do Seu Armando, perto do ponto do bonde Cachambi, mas não o fazia, talvez porque achasse arriscado para mim o fato de atravessar ruas sem companhia; o mesmo acontecia com a banca de jornal do Russo, que ficava por ali; ele mesmo trazia O Globo.

Mais tarde, morando na Rua São Gabriel, mas perambulando mais pela Rua Americana, Dona Darcy me pegou para boy.   Ela era uma senhora magricela, de cabelos brancos, que morava com vários cachorros e andava meio despida pelo quintal da sua casa que mais se assemelhava a um terreno baldio cercado de folhas de zinco que a molecada adorava sacudir para ouvir seus gritos de indignação. Não eram só os moleques, adultos também, sobressaindo-se o Seu Dilmar, nosso vizinha da vila. Estremecia, com seus fortes braços, aquele cercado de zinco enquanto gritava: “Não faça isso, Claudio! Pare com isso, Claudio!.” E Dona Darcy xingava meu irmão com os palavrões mais cabeludos que conhecia.

Ela dava aulas de biologia, conhecia a matéria, deu-me provas disso, mas, para a vizinhança, era mesmo louca, já passara de excêntrica.

Dona Darcy me pedia, às vezes, para comprar algumas mercadorias no armazém do Seu Zé na Rua São Joaquim. Por que não ia ela?... Talvez porque tivesse de se vestir. Ainda assim, eu atendia ao seu pedido sem me mostrar contrariado quando ela me entrega a lista de compras e o dinheiro.   O grande problema era eu decifrar os seus hieróglifos.

Um dia, eu cumpri a minha missão, mas não inteiramente. Disse-lhe que não tinha cuscuz em lugar algum; não era isso – explicou-me – era chuchu.

 

GIBI – Eu estava no terceiro ou no quarto ano primário, quando a professora nos aconselhou a não lermos histórias em quadrinhos, senão, a leitura de livros, que não têm desenhos, ficaria prejudicada para o resto das nossas vidas.  As professorinhas, às vezes, erravam feio.

Fernando, o espanhol, filho do Seu Eduardo, que era uns três anos mais velho do que eu, foi quem me introduziu na leitura dos gibis. Ele tinha uma coleção de Don Chicote, Flecha Ligeira, Cavaleiro Negro, Buck Jones, Tom Mix, Fantasma, Bufalo Bill, Hopalong Cassidy e outros. Fiquei deslumbrado, apesar de já conhecer alguns desses heróis pelas tirinhas dos jornais que eu lia na casa da minha avó ou mesmo lá em casa. No entanto, vê-los nos gibis, em aventuras completas, era bem mais emocionante.

Pouco tempo depois, meu pai passou a adquirir gibis e mais gibis com os personagens de Walt Disney. Como o heroísmo das revistas em quadrinhos ficou suplantado pelo que eu via no cinema, as histórias do Pato Donald e sobrinhos, Tio Patinhas, Mickey, Pateta e Pluto se tornaram mais interessantes do que as dos gibis do vizinho espanhol.

Mas a minha atração maior, naquela época, eram os gibis do Bolinha e da Luluzinha. Anos depois, soube que Marge, a autora das aventuras dessa garotada, era mulher. Espantei-me e não sei por que, talvez julgasse que só os homens eram capazes de grandes realizações.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

2780 - Pequeno Dicionário Biográfico


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5030                               Data: 22 de  janeiro de 2014

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

 

ÁLCOOL – A minha atração pela bebida alcoólica se iniciou nas festividades de família. Na festa de debutante de uma prima, eu era um ano e alguns meses mais novo do que ela, duas coisas não se apagaram da minha mente: o seu decote, quando a felicitei pelo aniversário e o barril de chope.

Provavelmente, o copo de chope já agia dentro de mim, quando ela valsou o Danúbio Azul com o pai, pois não há meio de eu me lembrar do ponto culminante da festa. Não bebi mais porque a minha mãe estava lá.

Na Rua Americana, onde se agrupavam meus amigos, não existia essa vigilância. Eu me juntava aos mais velhos e eles, às vezes, rumavam para o botequim do Seu José sem impedir a minha companhia. O português queria dinheiro, por isso, me servia um cálice de cachaça, que algum amigo irresponsável pagava, com uma condição: eu tinha de engolir aquele fogo liquefeito escondido, atrás dos engradados de cerveja.

Muitos foram os porres, que nunca eram descobertos pelos meus pais. Até que, numa festa, exagerei na batida de maracujá.  Levaram-me até a porta da minha casa, depois de me obrigarem a cheirar amônia e eu consegui alcançar o sofá da sala onde despenquei; fui acordado debaixo do chuveiro levando tapas na cara desferidos pelo Seu Dilmar, aquele mesmo que não gostava dos meus assovios.

Meu pai, ao se deparar comigo prostrado no sofá, ficou sem ação e recorreu a ele, que morava a três casas da nossa na vila.

No dia seguinte, às 3 horas da tarde, eu fui ao Cinema Cachambi. Arrotava ainda batida de maracujá. Fiquei mais de quinze anos sem beber refresco dessa fruta. Se eu encerrasse esse texto aqui, ficaria uma piada razoável, mas que não espelharia a realidade. Nesse período de anos, larguei também as bebidas alcoólicas. Voltei perto dos 30 anos de idade, bebendo com moderação, com duas ou três exceções.

 

CIGARRO – A culpa foi do cinema. Eu assistia, desde tenra idade, galãs conquistando as deusas das telas, dando generosas baforadas, que aquilo se entranhou no meu subconsciente. Mas não foi só isso; eu via um faroeste e ficava com a impressão de que era destemido como os mocinhos, e muitos deles só não fumavam, como faziam os canos dos seus revólveres fumegarem... Assim, com 13 anos de idade, quando eu não mais brincava com revólver de espoleta, o cigarro saiu do meu subconsciente e foi para os meus pulmões.

Cheguei aos 18 anos sem conquistar mulher alguma (Kim Novak, Gina Lollobrigida, Fada Santoro, entre outras, me tornaram muito exigente), e também com a consciência que a melhor coisa a fazer era me manter a uma distância segura dos desordeiros, pois eu nada tinha de destemido, de durão. Por outro lado ganhei uma tosse seca e uma suspensão de 10 dias que, com os embargos infringentes, foram baixados para 5 dias, por ter sido pego em flagrante pelo diretor do Visconde de Cairu fumando no banheiro.

Era hora de parar, mas uma droga não nos abandona com facilidade. O Professor Maurício de Medeiros, no seu consultório da Rua da Quitanda, me disse para parar, e eu parei como a Maria que chovia no poema do Carlos Drummond de Andrade. Falaram mais forte dentro de mim os títulos do mencionado mestre: ministro da Saúde dos governos Café Filho e Juscelino Kubitschek, articulista do Globo e, principalmente, amigo do poeta Olavo Bilac, que foi padrinho do seu casamento.

Uma curiosidade: o octogenário Professor Maurício de Medeiros quando me disse para largar o fumo, tinha um cigarro entre os dedos.

 

ESCOLA – uma das primeiras coisas que aprendi, ao entrar na escola, nada tem a ver com professora, giz e quadro negro, nem mesmo com sala de aula. A aprendizagem veio na hora do recreio no meio dos jogos de bola de gude, principalmente. Se a mãe de algum daqueles garotos era envolvida, ou levemente insinuada, numa discussão, a fúria tomava conta do ofendido. Os que gostavam de assistir a uma briga, confesso que eu era um deles, sorriam de satisfação. Aprendi que, se em vez da mãe fosse o pai, a fúria não chegava ao mesmo diapasão. Por que? - eu me perguntava. Seriam todos “Irmãos Karamazov”, que tinham um pai que não prestava? - passei a me perguntar, anos depois, quando li Dostoievsky.

Explicavam-me que esse zelo pelo nome da mãe era devido ao fato de o pai poder ser muitos, mas quanto a mãe não poderia haver engano. Argumento tosco, pois depõe contra a figura materna.

Volto às brigas dos pirralhos e dos que gostavam do espetáculo grátis, como eu. Para fomentá-las, dizíamos para os ofensores e ofendidos uma frase provocativa que todo o mundo conhece: “Quem cuspir no chão está xingando a mãe do outro”. Se disséssemos: “Quem cuspir no chão está xingando o pai do outro”, a briga dificilmente acontecia.

 

TURFE - Não sei se o presente foi dado a mim ou a um dos meus irmãos: um hipódromo de papelão com sete cavalos de matéria plástica, que avançavam pela mão dos jogadores depois de girarmos um ponteiro fixado no meio de uma circunferência colorida. Havia, em cada cor o nome de um corredor das pistas de grama. Eram só craques, segundo os retrospectos feitos pelo nosso pai: Tirolesa, Mossoró, Six Avril, Gualicho, Sargento, Albatroz e Adil.

Não sei também se a atração fora herdada, pois o meu avô paterno, morando no Jardim Botânico, acompanhava de perto as performances dos puros-sangues.

No Grande Prêmio Brasil de 1960, meu pai deixou o rádio sintonizado na Jornal do Brasil. Faltavam poucos minutos para o Teófilo Vasconcelos transmitir o páreo aguardado por todos. Meu pai disse que Escorial venceria, a minha mãe, Narvik, e eu Farwell. Meu Deus, quando o turfe brasileiro teve uma geração igual a essa?!...

Meu pai, sempre patriota, afirmava que aceitava de bom grado a vitória de qualquer um dos três, menos a do Atlas, o temível competidor da Argentina. Venceu Farwell, o que me alegrou tanto quanto as vitórias na disputa do brinquedo de papelão.

Com 15, para 16 anos, morando perto de um bookmaker, na Rua São Gabriel, fiz, juntamente com meu irmão Claudio, algumas apostas, nada que fosse além do espetáculo lúdico das disputas nas raias de grama ou areia.

Um dia, minha mãe me transmitiu um conselho do meu avô: esquecer as patas dos cavalos.

Passaram alguns meses e a irmã do meu pai se casou. O escolhido pela minha mãe para acompanhá-la, naquele sábado, fui eu.  Lá, naquele apartamento do Jardim Botânico, quando a agitação da festa amainara um pouco, meu avô me enlaçou pelos ombros e me indagou quais foram os vencedores dos páreos que ele não pôde ouvir.

Parece que ele saiu satisfeito com as minhas respostas, mas não asseguro.

Pouco tempo depois, eu não apostava mais nas patas dos puros-sangues. Minhas economias eram escassas, e eu tinha de optar entre o cigarro e o turfe; fiquei com o cigarro, este sim, um vício.

 

 

 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

2779 - os sem sapatos


 

 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5029                                    Data: 21 de  janeiro de 2014

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50 NO SABADOIDO

 

-Você sabe, Daniel, que 18 de janeiro é o dia consagrado à Nossa Senhora da Defesa?

-Carlão, ela não atendeu às rezas dos torcedores brasileiros no jogo contra a Alemanha na Copa do Mundo.

-Foi o que eu disse para o Homem-Calendário do Rádio Memória.

-Pelo menos com essa derrota vergonhosa, esqueceram a Copa do Mundo de 1950 com a final Brasil e Uruguai. - manifestou-se o Claudio.

-Não foi o meu caso, terminei de ler, ontem, um livro sobre essa Copa, escrita por um uruguaio.

-Por um uruguaio, Carlão?!... - abismou-se meu sobrinho.

-Atilio Garrido; apesar de ser um bom pesquisador, ele é patrioteiro. Imagina que afirma que o Uruguai defendeu, na Copa do Mundo, no Maracanã, o título de tricampeão do mundo,

-Tricampeão do mundo?!... - foi a vez de o Claudio ficar abismado.

-Ele computou os títulos olímpicos de futebol de 24 e 28 mais a Copa de 50. - intentei explicar.

-O Brasil não é tricampeão do mundo, seria se ganhasse o título de 66 na Inglaterra. O Uruguai, então, não é nem que a vaca tossisse.

-Não use essa expressão, Daniel, que já ficou desmoralizada pela Dilma.

-Valeu a pena ler o livro?

-Sim, Claudio, algumas coisas foram novidades para mim, pois ele ainda recua alguns anos no tempo. Por exemplo, o foguetório para saudar a entrada dos jogadores no gramado começou com a torcida brasileira.

-Isso é influência das festas juninas que só existiam no Brasil. - deduziu meu irmão.

-Outra coisa: o William Martinez integrava o escrete reserva do Uruguai.

-Aquele que, no sul americano de 59, segundo o Paulo Amaral, ouviu o grito vindo do banco “Aça, el niño”, e partiu para dentro do Almir?... Os dois se embolaram no chão, veio o Coronel e desferiu um chute na cabeça que mataria o William Martinez se pegasse de jeito, pelo que o Paulo Amaral falou.

-Esse mesmo, Daniel, William Martinez era um ferrabrás que, na véspera do jogo, prometeu quebrar a perna do Pelé, que não jogou porque estava contundido.

-Essa partida foi boa porque os brasileiros venceram os uruguaios na bola, 3 a 0, e na porrada.- manifestou-se o Claudio.

-Ficou aquela lenda que o Brasil perdeu a Copa de 50, em casa, porque era frouxo. O Mário Filho, o nosso mais destacado cronista, se portou levianamente ao escrever que o Obdúlio Varella dera um tapa na cara do Bigode que ressoou na face de toda uma multidão de brasileiros.

-Isso foi mentira. - indignou-se também o Claudio.

-Segundo o escritor uruguaio, a seleção mais violenta era a do Brasil, mormente a defesa. Conta ele que Bigode, sabendo que as jogadas perigosas da seleção adversária partiam de Julio Lopez, deu uma entrada tão violenta nele, mal começara o jogo, que pensou em ser expulso. Obdúlio Varella se aproximou do Bigode e lhe disse “Calma, muchacho”, empurrando-o; não houve nada que se assemelhasse a uma bofetada.

 Naquele tempo, não havia a cobertura televisiva que há hoje, quando se vê até a marca da cueca dos jogadores, caso houvesse, esses delírios dos jornalistas seriam logo desmascarados. - acrescentei.

-Eu acho que o Assis Chateaubriand ainda estava trazendo a televisão para o Brasil.- disse o Claudio.

-Esse escritor uruguaio afirmou que, caso houvesse as transmissões televisiva, que há hoje, talvez o Barbosa não levasse o gol do Ghiggia porque ele fez um igualzinho contra a Espanha. O Ramallets, um dos maiores goleiros do mundo, julgou que o Ghiggia, vindo pela ponta direita, ia cruzar, mas ele chutou, com pouco ângulo, para as redes. Contra o Brasil, segundo Atilio Garrido, Miguez entrou pelo meio da área pedindo que Ghiggia lhe enviasse a bola, o que desviou a atenção do Barbosa. Gigghia deu, então, aquele fatídico chute esquinado.

-Então, Carlão, você ainda está remoendo a perda da Copa de 50, mesmo depois da nossa derrota de 7 a 1 para a Alemanha?

-Daniel, eu gostava de futebol como apaixonado; porém, de muitos anos para cá, eu gosto apenas como curioso.

-Você falou desse escritor uruguaio; é estudioso, no entanto, para ele, o Uruguai conquistou 0 tetracampeonato em 1950. - argumentou o Claudio.

-Sim, ele é apaixonado, mas a paixão, pelo que notei, não embaçou a sua análise sobre os dados apurados. Citei o William Martinez, pois ele afirma que esse beque não tinha categoria alguma, matava tão mal a bola no peito que os atacantes adversários aproveitavam e a enviavam ao gol.

-Ele era só botinudo. - disse o Claudio.

-Ortuño, futebolista uruguaio, outro que eu também não sabia que estava na reserva em 1950. Era um negro alto, fortíssimo que, depois, jogou no Vasco. Vascaíno, jogou um torneio na Espanha, se não me engano, quando espocou uma briga generalizada em campo; Ortuño provocou um número elevado de baixas nas linhas adversárias.

-Os brigões da seleção uruguaia de 50 estavam na reserva. - concluiu o Claudio.

-O escritor é um uruguaio apaixonado, mas não deixou de registrar as lambanças que contribuíram para a nossa derrocada.

-O Brasil meteu 7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha, enquanto o Uruguai passou por essas duas seleções aos trancos e barrancos. Criou-se, então, o clima do “Já ganhou”. - disse o Claudio.

-Eles venceram a Suécia por 3 a 2 e empataram com a Espanha por 2 a 2. - disse o Daniel, que havia devorado uma publicação sobre as Copas do Mundo que eu lhe dera anos atrás.

-A primeira lambança foi arrancar os jogadores do tranquilo Joá, numa casa cedida por um milionário e os levar para a tumultuadíssima concentração de São Januário na semana da decisão.

-Mas por que isso, Carlão?

-Porque haveria eleições dali a três meses. O candidato do PSD do presidente Marechal Dutra, Cristiano Machado, o prefeito Mendes de Moraes e outros trataram de explorar o êxito dos jogadores para serem fotografados com eles.

-O técnico Flávio Costa não seria também candidato? - interrompeu-me o Claudio.

-Prometeram-lhe o cargo de vereador. Tudo saiu pela culatra, o Cristiano Machado, candidato do Dutra para a presidência, no dia 3 de outubro, foi “cristianizado”.

-De qualquer maneira, o uso político do futebol deu certo, porque o Estado Novo começou com tudo isso e o Getúlio se elegeu. - manifestou-se meu irmão.

-Deu certo por caminhos enviesados. - comentei e prossegui:

-Outra lambança foi acordarem os jogadores às 7 horas da manhã para assistir a uma missa, quando ficaram um bom tempo de pé. Na igreja Segundo Atílio Garrido, a essa hora, os jogadores uruguaios descansavam, dormiam.

-Ele não é tão apaixonado assim, Carlão.

-Ele escreveu que, na estreia da seleção contra a Bolívia, 8 a 0, computaram, na FIFA, 5 gols para o Schiaffino. Quando o “Savenco”, da Rússia, meteu 6 gols na República de Camarões...

-Isso foi na Copa de 1994, e ele se chamava Salenko. - corrigiu-me o Daniel.

-Disseram que o russo batia o recorde de Schiaffino, o Atilio Garrido estranhou, foi à cata do artilheiro uruguaio, que lhe revelou que, na verdade, foram apenas 2 os seus gols, e não 5.

-Carlinhos, a Índia não participou da Copa de 50?

-Que participou o quê, Velho!...  - antecipou-se o Daniel.

-Veja na internet. - pediu.

-Esqueceu que estamos sem internet?... Eu sou o Google: não houve nada de Índia na Copa de 50.- foi taxativo o Daniel.

Quando a internet voltou, horas depois, soube-se que a Índia se classificara para o grupo da Itália e da Suécia, porém, não houve dinheiro para os indianos viajarem para o Brasil. Eles tinham se classificado para a Copa jogando descalços.

 

 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

2783 - dia de craques


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5033                               Data: 25 de  janeiro de 2014

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RÁDIO MEMÓRIA DEPOIS DAS FÉRIAS

 

-No domingo passado nosso programa foi uma reprise, afinal, eu e o Sérgio temos direito a dez dias de férias. - explicou o Jonas Vieira.

-Fomos para Aruba.- veio a explicação do Sérgio Fortes.

De lá, ele nos enviou os acontecimentos do dia 18 de dezembro para que os leitores do Biscoito Molhado, frustrados com um programa repetido, se sentissem, em parte, recompensados.

Recarregados com os ares do Caribe, voltaram com toda energia, embora o convidado do dia, o poeta Salgado Maranhão, conseguisse falar mais do que os dois juntos. Mas passemos para os apresentadores do Rádio Memória com a sessão Calendário.

-25 de janeiro. - encorpou a voz o filho do Paulo Fortes.

-Em 1308, Eduardo II da Inglaterra casa com Isabel da França. Em 1327, Eduardo II da Inglaterra é obrigado pela mulher Isabel da França e os seus nobres a abdicar em favor do filho Eduardo III.

-Em seguida, volta-se para o Jonas Vieira com este comentário:

-Veja, depois de 19 anos de casamento, a rainha tirou o marido do trono e colocou o filho no lugar.

-Já naquela época, as mulheres mandavam. - concluiu o Jonas Vieira.

Isso é mais do que incompatibilidade de gênios.

-Em 1533, ocorre o casamento de Henrique VIII com Ana Bolena.

Mais um casamento que não deu certo

-Ela foi a segunda esposa dele. Casou quantas vezes? Sete?...

-Algumas tiveram as cabeças decepadas, Sérgio.

-Henrique VIII, Jonas, me lembra o compositor de óperas Puccini, por caminhos oblíquos, pois só se casou uma vez. Puccini matava todas as mulheres das suas óperas, só a Turandot escapou porque ele morreu antes.

-Há mais casamentos realizados em 25 de janeiro que não deram certo, Sérgio?

-Agora, é a fundação da cidade de São Paulo, que se deu em 1554.

-Nós aprendemos isso, Sérgio, no curso primário. Colégio Piratininga, índios, Padre Manoel da Nóbrega...

-No Santo Inácio, nós tínhamos de saber tudo isso na ponta da língua, afinal, todos eram jesuítas.

-São Paulo era terra da garoa. Hoje, é a terra das secas ou das trombas d´água; sumiram as garoas. - manifestou-se o Jonas  Vieira.

-Em 1881, Alexander Graham Bell e Thomas Edison formaram a Companhia Telefônica Oriental.

Voltou-se mais uma vez para o titular do programa:

-Eu nutria uma grande admiração por Thomas Edison, mas depois que ele eletrocutou elefantes e inventou a cadeira elétrica, fiquei decepcionado.

-Com a invenção da lâmpada elétrica, Sérgio, ele ficou com muito crédito para cometer algumas maldades. (*)

-Se ele teve participação na GE ficou com crédito até demais.

-Em 1890, foi assinado o Tratado de Montevidéu que solucionou a Questão de Palmas entre o Brasil e a Argentina.

-Outro grande feito do Barão do Rio Branco, que venceu esse contencioso, e contra a Argentina.

-Este nome Palmas me dá vontade de fazer um trocadilho bem infame relacionado à vitória do Barão.

-Não faça, Sérgio.

-Em 1934, temos a fundação da Universidade de São Paulo, a USP. Veja o ano, Jonas. O Brasil sempre chegando atrasado.

-Quantas universidades já existiam nos Estados Unidos em 1934?... E mesmo na Argentina? A Universidade de Buenos Aires é de 1821.

E prosseguiu com o roubo das armas do Exército, liderado pelo comunista Carlos Lamarca, em 1969, passando, depois para outra data:

-Em 1971, Charles Manson e três mulheres da “família” são considerados culpados e sentenciados à prisão perpétua pelo assassinato da Sharon Tate. Estão apodrecendo na cadeia.

-Aqui, já estavam soltos. - disse o Jonas Vieira.

-Ficariam uma ou duas semanas presos.

Depois, houve manifestações indignadas contra a impunidade no Brasil, em que só não se ouviu os protestos do Peter, e o Homem-Calendário reiniciou a sua função.

-Em 1984, acontece o grande comício das “Diretas Já”.

-Foi quando o General Newton Cruz, montado num cavalo, chicoteou os carros?

-Isso foi em Brasília, Jonas.

-Esta é recente, Jonas, 2012: três edifícios comerciais desabaram após falha estrutural devida à obra irregular em um edifício no centro do Rio de Janeiro, nas proximidades do Teatro Municipal, o qual sofre danos parciais por ser atingido por destroços.

-Uma lástima, Sérgio.

-Em 1906, quando ocorreu o pavoroso terremoto de São Francisco, o legendário tenor Caruso lá se achava para cantar a ópera “Carmen”. Dizem os seus admiradores que os agudos do Caruso provocaram todo o desmoronamento da cidade.

-Não foram os cantores de ópera que derrubaram esses três prédios, Sérgio?

-Certamente que não; ópera de verdade, no Teatro Municipal, acabou na temporada lírica de1964.

-Nascimentos. - impostou a voz.

-Em 25 de janeiro de 1739, nascia Charles François Dumouriez, militar francês. Ele é citado pelo coro, no terceiro ato da ópera “Andrea Chénier”, como traidor e girondino.

-E é guilhotinado?- interrompeu-o o titular do Rádio Memória.

-Não, morreu em 1823. Como escapou, não sei; o poeta Andrea Chénier não teve a mesma sorte.

-Quem mais nasceu em 25 de janeiro, Sérgio?

-Em 1874, Somerset Maugham, escritor britânico. Escreveu “A Condição Humana”, “O Fio da Navalha”.

-Em 1882, outra grande personalidade da literatura britânica: Virgínia Woolf.

-A minha favorita.

-Em 1886, Wilhelm Furtwangler, regente alemão. Ele foi um dos maiores maestros do século XX.

-Teve um envolvimento com o nazismo...

O convidado do programa, Salgado Maranhão, até então emudecido, interveio para argumentar que muita gente boa se empolgou com o nazismo sem saber que redundaria naquela desgraça toda.

 O que aconteceu com muitas petistas. - acrescentamos nós do Biscoito Molhado.

- Wilhelm Furtwangler pretendia ser um grande compositor, como não estava dando certo, dedicou-se a regência. - explicou o Sérgio Fortes.

-Em 1913, Witold Lutoslawski, compositor polonês.

-Em 1917, Jânio Quadros, político e escritor brasileiro. Uma figura interessante.

Sim, Sérgio, entendemos o seu eufemismo: uma figura bizarra. Ele adorava mesóclises e mais ainda caipirinha. Pedia ao garçom essa bebida e, em seguida, pedia que fosse servida sem limão, açúcar e gelo.

-Em 1927, Tom Jobim.

-Gênio.

-Veja só, Jonas: em 1942, nasceu Eusébio, futebolista moçambicano e, em 1947, Tostão.

-Só nasceram craques no dia 25 de janeiro, Sérgio.

-Certamente, Jonas, o Biro Biro do Fluminense não nasceu hoje.

-Em 1982, Clara Morgane, atriz pornográfica francesa. Você conhece, Jonas?

-Eu não, mas o Simon Khoury deve conhecer.

-Falecimentos. Em 477, Genserico, rei dos vândalos.

-Morrem os reis, mas os vândalos continuam por aí. - manifestou-se o Jonas Vieira.

-Em 1947, Al Capone, famoso gangster ítalo-americano.

Famoso sonegador de imposto de renda também.

- 25 de janeiro é o Dia Nacional da Bossa Nova. Certamente porque é o dia do nascimento do Tom Jobim.

-Como 23 de abril é o Dia Nacional do Choro devido ao nascimento do Pixinguinha. - completou o Jonas Vieira.

-Também é o Dia do Carteiro.

-Os carteiros já foram confiáveis, como os do tempo da canção “Mensagem”, sucesso da Isaurinha Garcia. - comentou o Jonas Vieira.

-Depois que os carteiros andaram se envolvendo com campanha política...

-Nem todos, Sérgio, nem todos se envolveram.

-No dia 25 de janeiro, Jonas, se celebra a Festa da Conversão de São Paulo.

-Ele ia para Damasco, no rastro dos cristãos, quando lhe veio a epifania: a voz de Cristo lhe perguntando por que o perseguia.

-Jonas, eu tenho um amigo entendido em horóscopo que diz, sobre essa visão de Saulo a caminho de Damasco, que a interseção de Marte com ...

-Isso é outra corrente, Sérgio. - interrompeu-o o titular do programa.

Encerrado o calendário, os apresentadores do Rádio Memória se detiveram no convidado: o poeta Salgado Maranhão.

 

(*) Thomas Alva Edison foi um inventor de mais de mil patentes. Causava-lhe pavor ser reconhecido apenas com “o da luz elétrica”, embora o reconhecimento monetário não fosse desagradável. É sabido que ele gostava muito de ficar horas pescando, porém sem colocar nenhuma isca no anzol. Um dia, por azar, pescou um baita peixe, que foi devidamente empalhado e está no Museu-casa de Thomas Edison, em Fort Myers, Florida, devidamente registrado como o único peixe que ele pescou.

 

 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

2778 - musas de verão


 

 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5028                                    Data: 20 de  janeiro de 2014

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SUANDO EM BICAS

 

Coisa dos cariocas; elegia-se a musa do verão, mas o que nós vemos, de uns anos para cá são várias pessoas recebendo essa honraria. Mulheres de corpo escultural, calipígias como Vênus, famosas e usando sumários biquínis como roupa de trabalho eram, geralmente, as eleitas pela mídia.

A coisa começou a degringolar quando a economista Maria da Conceição Tavares foi chamada a musa do verão de 1986. O Plano Cruzado do PMDB realizou milagres dignos dos templos bíblicos: elegeu deputados, senadores e 90% dos governadores desse partido. Antes das urnas, alcançara o impossível com uma portuguesa, com bafo de cigarro e que deflagrava uma chuvarada de saliva nos alunos e repórteres que não se achavam a menos de 10 metros de distância dela. 

Com o título bagunçado, no ano seguinte, nomearam a latinha de maconha a musa do verão de 1987. Mesmo os eleitores deste periódico, que moram longe do litoral de Rio de Janeiro, devem se lembrar do caso. O navio Solana Star precisa atracar para que o motor fosse reparado. O problema era que transportava 22 toneladas de maconhas em latinhas; o único jeito foi jogar essa carga fora para não serem detidos, e assim foi feito. As caprichosas ondas do mar levaram as latinhas para as praias para a alegria daqueles que são chegados a um baseado e também para aqueles, vidrados em dinheiro, pois as venderam não por um preço muito elevado, porque a oferta era grande.

Depois que a Maria da Conceição Tavares passou a faixa para a latinha de maconha, não consigo citar, de cabeça, uma só musa do verão; teria de recorrer ao Google.

Neste verão 2014/2015, então, ninguém pensa em outra coisa que não seja o sol do Rio de Janeiro, nunca tão inclemente desde 1917, segundo os escarafunchadores de alfarrábios. Talvez tenham razão, pois, naquele ano, as coisas esquentaram até na Rússia.

O sol reina soberano. Aliás, ele também é chamado de astro-rei. “Astro-rei para as negas dele” - diriam as estrelas de 1ª grandeza, desdenhando-o por ser de 5ª categoria. O problema é que nós, aqui no Rio de Janeiro, somos as negas dele, ou melhor, negras, de tanto que estamos queimados com esse calorão.

Nílton Santos, a Enciclopédia do Futebol, contou, na televisão, que quando o sol castigava gregos e troianos, no campo do velho Maracanã, ele aproveitava a sombra que uma generosa marquise proporcionava. Ficava lá até vir, com a bola nos pés, um jogador que ousava enfrentar o sol e ele; Nílton Santos saía, então, da sombra, desarmava o inoportuno, passava a bola para um atleta do seu time e retornava para a sombra. 

Nessa época, Armando Nogueira e outros colunistas esportivos investiram contra as partidas de futebol sob o sol das 15 horas. Vale lembrar que ainda havia o campeonato de aspirantes, cujas disputas serviam de preliminar, ou seja, tinha início às 13 horas. Foi deflagrada a polêmica, pois Nélson Rodrigues fez o papel de advogado do diabo, defendeu o calor infernal, contestando o Armando Nogueira e aliados. Um desses aliados era o Zagalo, já técnico de futebol, que reclamou do maçarico que levava os futebolistas a suarem em bicas. Não escapou da ironia ácida; Nélson o viu como um esquimó, caminhando com sapatos de sola em forma de raquete de tênis, coberto por várias camadas de pele, como se vê no filme “Em Busca do Ouro”, de Charles Chaplin. Enfim, Armando Nogueira, Zagalo e outros deveriam se regalar com o tempo que se faz aqui, e não nos países estrangeiros.

Antes de prosseguirmos, lembremos que Nélson Rodrigues cunhou a seguinte frase: “Era em dezembro, e fazia um calor de rachar catedrais.”

Alegava o dramaturgo que, nas obras completas de Machado de Assis, não havia uma só queixa contra a canícula. Talvez, ele tivesse razão; o que li do Bruxo do Cosme Velho contra o tempo foi uma crônica em que reclamava machadianamente, isto é sem veemência, das incessantes chuvas que castigavam a cidade do Rio de Janeiro. Escreveu que São Pedro espremia nuvens entre os dedos, ou algo parecido, não tenho esse texto em detalhes na estante e muito menos na minha retentiva.

Seria tão bom que São Pedro espremesse nuvens enviando-nos uma boa chuva para refrescar... 

Eu, que não sou de falar mal do calor, que até repercuto os benefícios da vitamina D para o nosso organismo, que não deixo cair no ostracismo aquele trocadilho infame de priscas eras feito com a língua francesa: “É bom suar”, eu que digo ser pior virar picolé no inverno do hemisfério norte, brado agora: “Não dá para aguentar tanto calor durante tantos dias seguidos, já passou de todas as medidas (mais de 40º com sensação térmica beirando, às vezes, os 50º. E, para piorar, moro nas adjacências do Méier, onde, segundo o meu pai, falecido em 1998, se encontra o caldeirão do diabo.

Imagino se este calor viajasse do Rio de Janeiro para a França. Por que não?... com o real supervalorizado, todo o mundo daqui  tem ido para lá. Como dizíamos, imagino se este calor deixasse a nossa cidade e viajasse para a França, morreriam, certamente, muitos mais franceses do que naquele verão de 2003. O que eles chamaram naquele ano de “canicule” (calor excessivo) acabou com a vida de 14.802 franceses, idosos, na maior parte. Há outras fontes estatísticas que garantem que pereceram quase 20 mil.

Aqui, não há o perigo de morrer tanta gente, a não ser pisoteada num arrastão na praia.

Alguém viu o filme “Faça a Coisa Certa”, do Spike Lee? Em Nova York fazia um calorão tamanho, que os mais despachados trataram de abrir os hidrantes das ruas para se refrescarem. Mas a fornalha tirou os neurônios dos personagens do filme de ordem ou os torrou, não sei ao certo e ninguém fez a coisa certa.

Quanto a mim, estou fazendo tudo errado nesta crônica, por isso paro por aqui, ainda mais que a Rádio MEC, que ouço, enquanto escrevo, colocou no ar “A Dança Ritual do Fogo”, de Manuel de Falla. 

 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

2777 - soprando e estopando


 

 

 

           

 

      O BISCOITO MOLHADO

                      Edição 5027                                    Data: 19 de  janeiro de 2014

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CARTA DA LEITORA

 

-”Agradeço o Sérgio Britto, imersa em 1001 preocupações sobre seus instintos perdulários (1), incluindo os 2 reais que injetou na arte canora do metrô (2). Economize, mire-se no uruguaio presidente e no centenário fusquinha (3). Nos táxis, costumo dar opíparas “pourboires”, os motoristas  não fazem discursos, mas costumam beijar minha mão, nada a ver com “Sweet Charity” e a clássica indagação. “E onde estava a sua mão?”...

Quanto ao talento musical que vos atribuiu Seu Dilmar, em vossa infância (4), veio-me à combalida memória o espanto que provoco quando, impedida pela descontrolada artrose, anuncio que nada sei fazer com a sinistra mão. Sempre questionam: “N-A-D-A?” Nada.

Nunca me levaram ao gratuito Municipal, mas traziam comentários ao 86. Dona GG (Gioconda, sua irmã) voltou histérica de um Guarani hermeticamente vestido luvas, meias e outros atavios para amorená-lo. Penso que era o Del Monaco. Não garanto (5). E o vizinho dela na plateia só acordou no desabamento final (6).

A irmã-cupim (Berenice) e a proverbial mamã (Dona Isaura) voltaram sufocadas de riso, o galã da tuberculina transviada era a cara do nosso leiteiro (7). 

Todo suburbano é apedeuta? Jamais! O taxista 151 até usa “aleatoriamente” no cotidiano (8).

Vi “Fantasia” na primeira exibição, no Brasil, ainda menina (9), fiquei deslumbrada. O papá (Agrippino Grieco), como de praxe, saiu insatisfeito. Ele, eu e a velha Isaura costumávamos ir “cimemar”. Nunca aventava outro comentário, só “Uma estopada!” (10).

O pai da Dilecta e Dona Gioconda se conheceram no Cine Mascote. Ela deixou cair pecúnia em moedas e ele a ajudou a catar. Muito romântico, foram felizes 38 anos. Sempre gostei muito dele.

Vou-me. Ósculos.

R

BM: Esta, como as outras missivas da Rosa, não são para ser lidas de um só fôlego, Vamos por tópicos.

(1) Rosa faz referência ao livro que lhe presenteei “O Teatro & Eu”, do Sérgio Britto, ator que, segundo o Dieckmann, guarda semelhanças com o Sérgio Fortes não só no nome.

Bem, a entrada da estação do metrô da Carioca se transformou numa feira de livros, e, passando por ela, vi “O Teatro & Eu”; veio-me logo à mente às jeremiadas da Rosa. Ela escreveu, em várias cartas, que o seu pai recebia muitos ingressos para o teatro, mas como a família era numerosa (só perdia para a quantidade de livros) e, sendo ela a caçula, sempre ficava fora da festa, apesar de ser a que mais conhecia, entre todos os moradores do 86 (número da casa na Rua Aristides Caire)  Shakespeare, Pirandello, Íbsen, Tchecov, Molière, etc.

Rosa refrescou a minha memória quando aludiu aos dois reais que injetei na arte canora do metrô. Três adolescentes, que me pareceram argentinas resolvidas a esticar a estada no Rio de Janeiro depois da Copa do Mundo, cantaram enquanto tocavam uma espécie de bongô.  “Um sorriso já é o pagamento” - disse uma delas depois da apresentação. Dei-lhe dois reais, embora eu não dê esmola nem que a vaca tussa (a minha vaca não é da raça da vaca da Dilma).

(3) Agora, a Rosa fala do presidente José Mujica do Uruguai, que se veste franciscanamente, apesar de ateu e se locomove de fusquinha velho. Luca, que quase festejou Bodas de Prata com o fusquinha que adquiriu em 1973, deve se identificar com ele nesse particular.

Pepe Mujica é, de fato, uma personalidade que julgávamos em extinção: um esquerdista que não gosta de dinheiro.

(4) Seu Dilmar, de fato, encerrou, com a sua crítica ácida, a minha carreira de assoviador. Eu deveria persistir como Verdi que, reprovado no Conservatório de Milão, não esmoreceu e, depois de tantos triunfos, esse conservatório recebeu o nome dele.

(5) Não, Rosa, não foi o tenor Mario Del Monaco que viveu Peri, em O Guarani, com tantos atavios. Mario Del Monaco, na temporada lírica de 1947, foi um Peri com a vestimenta, ou sem a vestimenta, de um autêntico indígena brasileiro, ou seja, só usou tanga.

Eis o que ele escreveu no seu livro autobiográfico:

-”No Guarani, agradei a tal ponto que me quiseram imortalizar com uma gigantesca fotografia, um pouco engraçada, vestido – ou melhor, despido – como um índio, no traje que usei em cena, para colocar em exposição no museu do Teatro Municipal.

O tenor da estreia da ópera, em 1870, Villani, além de estar exageradamente vestido, usava barba. Há poucos anos, Placido Domingo cantou o papel de Peri com tanta roupa que, segundo a crítica, parecia um soberano inca.

 (6) Mesmo quem não viu a ópera, mas leu o romance de José de Alencar, sabe que o desmoronamento acontece porque o pai de Ceci explode os paióis do seu castelo quando ele é invadido pelos aimorés. 

(7) Apesar de a ópera “A Traviata” de Verdi ser uma cornucópia de belas melodias, como afirma, com toda razão, o maestro Walter Lourenzão, a estreia, em 1853, no Teatro “La Fenice”, de Veneza, foi um retumbante fracasso. O soprano que representava Violetta, mais pesada que uma baleia jubarte, morrendo de tuberculose, provocou gargalhadas na plateia. É verdade que o compositor reviu algumas partes e a relançou para alcançar um triunfo descomunal em todo o mundo. Mesmo com um soprano robusto, como a Monserrat Caballé, cantando essa ópera, o público não deixa de se emocionar com o triste destino da tísica. A comicidade ficou superada para sempre.

Eis que sei agora, por esta carta, que o galã da história deixou uma das irmãs e a mãe da Rosa sufocadas pelo riso porque o apaixonado pela Violetta tinha a cara do leiteiro da rua Aristides Caires. Lembrei-me, então, de um caso que meu pai me contava: “Fui a uma ópera com um amigo, e, em determinado momento, ele me disse: “Já imaginou, Amaury, esta orquestra tocando o “Carinhoso”?

(8) Rosa, os taxistas que conheço não possuem a genialidade para o mal do Lula, mas se expressam num português bem melhor do que o dele.

(9)“Fantasia”, dos Estúdios Walt Disney, é um filme de 1940; calculo que chegou às telas do Méier no máximo em 1942. Você era mesmo uma meninota.

(10) “Uma estopada!” Durante muitos anos, quando alguma coisa era maçante, dizia-se que era uma estopada, palavra ainda encontrada em crônicas do Nélson Rodrigues. Depois, vieram os chatos para nunca mais saírem e estopada só é falada em Portugal, mas não corriqueiramente como antes.

Bem, vou encerrar aqui, porque isso já está se tornando uma chatice.