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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

2004 - Teatrinho Trol 2

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3834 Data: 24 de agosto de 2011

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UM SABADOIDO DE AGOSTO

(comédia em um ato, com um prólogo dramático)

Ilumina-se o palco do sabadoido, mostrando as mesmas pessoas que se encontravam sentadas.

Luca: O Carlinhos enviou para a Rosa um texto em inglês sobre a recessão americana e ela ficou encantada. Vai enviar para as amigas. E perguntava a toda hora se eu não li...

Luca (como se estivesse diante da Rosa): Eu só falo português e você está cansada de saber disso! Não adianta nada escrever expressões em inglês ou em francês para mim.

Gina: Luca, ela o incentiva...

Luca: Ela quer que eu aprenda uma língua... Ora, há muitas obras ainda, em português, que eu tenho de ler e reler.

Carlos: (chegando do computador do sobrinho): Tudo bem, Vagner? Tudo bem, Luca?

Luca e Vagner lhe acenam sem arroubos.

Gina (erguendo-se da cadeira): Senta aqui, Carlinhos.

Carlos: Não, eu vou ficar neste banquinho.

Carlos (cantando): Um banquinho, um violão, um amor, uma canção...

Gina (já de pé): Senta aqui, porque tenho de fazer algumas coisas lá dentro.

Carlos senta na cadeira da Gina, que se afasta, mas não se retira de cena.

Luca: Carlos, a Rosa lhe mandou umas cartas e um livro.

Carlos: Eu ouvi que ela gostou do texto que o Tio Frank me enviou sobre a recessão americana, na língua original.

Luca (sem entusiasmo): Ela adorou aquilo.

Carlos: Como eu tinha de viajar para Macaé e recorro a dicionários, não tive tempo para traduzir o texto e enviei como estava. Mas há piadas boas sobre a crise econômica americana.

Carlos (elevando a voz para que o assunto não seja mudado pelos participantes do sabadoido): Com a recessão americana, Bill Clinton e Hilary estão dividindo o mesmo quarto, nos hotéis. Os pais americanos são obrigados a despedir as babás e, com isso, já aprenderam os nomes dos filhos.

Cláudio (erguendo-se da cadeira): Vou trazer as nossas bebidas, Luca.

Vagner: Pode me trazer um copo d' água?...

Gina (aprestando-se): Eu trago a água do Vagner.

Carlos (pensando): Quantas rimas toantes na frase da Gina!...

Gina se encaminha para dentro de casa, seguida pelo marido.

Luca: Você não imagina, Carlinhos, como a Rosa me perturbou com esse texto em inglês... Eu, então, lhe disse que lia Machado de Assis, que ela não gostava por causa da herança maldita. Lia Manuel Bandeira e Drummond, que a herança maldita a impediu de ler.

Carlos (pensando em Dilma Rousseff e no Lula): O Agripino Grieco criticava os modernistas e também o Machado de Assis.

Voltam a Gina e o Cláudio, com copos nas mãos.

Luca: Que bebida é esta, Claudiomiro?

Cláudio: Conhaque Lula. Conhaque Presidente.

Coro grego: O conhaque que deixa sujeira que não se imagina; quem vem depois, tem de fazer a faxina.

Luca: Carlinhos, o Nélson Motta conta que, certa vez, o Paulo Francis terminou um artigo e vibrou: “Não tem um advérbio de modo!” Você se lembra de um advérbio de modo que não termine em “mente”?

Gina: Deve haver...

Carlos: Ele escreve bem. Nesta frase “bem” é um advérbio de modo.

Gina: Lembrou bem.

Luca: Paulo Francis adorava Wagner. No programa que vi, disseram que ele conhecia ópera...

Carlos (cético): Luca, ele esculhambou, por diversas vezes, as vozes do Plácido Domingo, do Pavarotti, do José Carreras... Dizia que eram vozes monocromáticas. Quanto aos dramas musicais de Wagner, não se cansava de enaltecê-los nos seus textos de jornal, é verdade.

Luca: Ele cantava árias de ópera pela casa, em Nova York, e não aceitava que alguém não gostasse de “Carmem”.

Carlos: “Carmem” é, provavelmente, a mais popular das óperas e seu valor é reconhecido pelos entendidos em música.

Coro grego: Surgiu a oportunidade de se falar que o filósofo Nietzsche, quando rompeu com Wagner, contrapôs a ópera mediterrânea de Bizet ao drama musical wagneriano. Mas se isso acontecesse, o sabadoido perderia as suas características com o risco de se tornar um sabadoyle.

Luca: Vocês leram a coluna do Caetano, no Globo de domingo?

Carlos (dando um tapinha no ombro do Luca, com um sorriso): Hora de descer a ripa no Caetano Veloso.

Luca (sério): Não vou fazer isto, não.

Cláudio: Eu li, ele escreveu sobre um sucesso do Orlando Dias.

Gina: Houve uma época em que os discos do Orlando Dias tocavam no rádio a toda hora.

Luca: O Caetano fala do bolero sobre o ciúme.

Luca (cantando): Tenho ciúme da....

Carlos (cantando uma oitava acima): Tenho ciúmes até da roupa que tu vestes...

Carlos (ajoelhado, brandindo um lenço imaginário): Obrigado, minhas fãs!

Gina (pilheriando): Isso, Orlando Dias!

Carlos: E outra dele. (cantando) “Agora eu dou glória a Jesus, glória a Jesus, foi Jesus quem me salvou!...”

Luca, Gina e Cláudio: Não!

Cláudio: Esse cantor é o Silvinho.

Carlos: O Flávio Cavalcanti quebrava os discos dos dois, no programa dele, e eu fiz confusão.

Luca: Hoje, a música dos evangélicos fica só com eles. Antigamente, não.

Gina canta um ponto de macumba

Luca (voltado para o Carlos, em tom professoral): Para tirar dez, cite um bolero que foi um grande sucesso do Orlando Dias.

Carlos: Não sei.

Luca (cantando): Detenha o tempo, relógio...

Carlos (pensando): O Sérgio Fortes gostava muito de tocar esse bolero no programa dele, “As melhores vozes do mundo”, sem o Orlando Dias, evidentemente.

Luca: O filme que me tocou foi “Casablanca”. O meu lado musical foi despertado, o...

Carlos (interrompendo): O seu romantismo.

Luca (concordando, mas com alguma relutância): Também o meu lado romântico, mas Humphrey Bogart é o máximo como ator...

Carlos (desanimado): Humphrey Bogart...

Luca (explicativo): Eu acredito que o Humphrey Bogart, como ator...

Cláudio (enfático): Luca, mais ator do que Humphrey Bogart era James Cagney.

Carlos (concordando): Bem mais completo! Dançava...

Luca (polemista): Se for assim, eu sinto o Frank Sinatra...

Carlos: James Cagney viveu Lon Chaney em “O Homem das Mil Caras... Como dizia Billy Wilder, o maior de todos os atores foi o Charles Chaplin. Eu creio que depois de Charles Chaplin é Marlon Brando.

Daniel (chegando da academia de ginástica): É o Chiiiiiico!

Luca (brincando): Garoto, você não fica me gozando, se não nós vamos resolver essa parada...

Gina (ralhando): Menino, vai lavar este suor que, daqui a pouco, nós saímos para almoçar.

Cláudio: Leram o Ancelmo Goes, no Globo desta semana?... Ele cita “Gente Humilde” como de autoria do Chico Buarque.

Carlos (indignado): Isto é uma idiotice! A música foi composta pelo Garoto e, muitos anos depois, o Vinícius de Moraes enfiou uma letra. Pelo que informaram, ele deixou um pedacinho para o Chico Buarque completar. Chico gravaria e, com o carisma que possui, a composição faria sucesso.

Luca (insinuando): A música do Garoto não estava inacabada?...

Carlos: A música do Garoto era instrumental, só para violão.

Coro grego: Disse João Gilberto: “Garoto é extraordinário e seu violão é o coração do Brasil.” Radamés Gnatalli lhe dedicou o Concerto nº 2, para violão e orquestra, que o homenageado tocou sob a regência de Eleazar de Carvalho. Garoto gravou sambas, choros, prelúdios, valsas, além de composições de músicos eruditos. Sua musicalidade era tamanha que a letra de “Duas Contas” nem precisava de rimas. Era um compositor mais compreendido pelos seus colegas do que pelos populares, daí sua enorme influência entre os seus pares.

Luca (mostrando um CD): Eu trouxe um CD de choros, que o virtuose do cavaquinho dedicou à Glória.

Carlos (examinando o CD): Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim... Só tem música boa.

Vagner: Parece bom.

Luca: Vocês tinham de ouvir esse cavaquinista, no sábado passado.

Cláudio (largando o copo): Vamos ouvir algumas faixas deste disco.

CAI O PANO COM “A NOITE DO MEU BEM”, EM RITMO DE CHORO.

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