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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

2457 - contos da carochinha



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4257                               Data:  25 de  agosto de 2013
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UM CONTO CHINÊS  NO SABADOIDO

-A Gina está no supermercado?
-Está. - respondeu-me o Daniel, que abrira o portão para mim.
Conversamos sobre os últimos acontecimentos futebolísticos, com algumas incursões pelo passado recente, quando o Claudio apareceu.
-Vou ver meu carango. - anunciou e saiu.
-Daniel, falou em carro...
-O que tem? - perguntou meu irmão sem demonstrar interesse.
-O Dieckmann postou uma foto no Facebook com um amontoado de carros antigos num quadrado, e eu me lembrei dos currais do Américo Fontenelle. Recorda-se?...
-Não. - respondeu secamente.
-Carlos Lacerda, quando governador da Guanabara, nomeou o Coronel Américo Fontenelle para administrar o trânsito. Ele, então, estabeleceu umas áreas de estacionamento de veículos, no Centro, que eram chamadas de currais.
E prossegui:
-Ele esvaziava os pneus dos carros estacionados em local proibido; até os pneus do automóvel do Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, ele esvaziou.
-Fez bem. - reagiu meu irmão ironicamente.
-Ou se amavam ou se odiavam as ações do Coronel Fontenelle, ninguém ficava indiferente. Então, ele enfartou e foi hospitalizado.
E fiz uma pergunta retórica:
-Sabe o que ele fez logo que recebeu alta do hospital? Foi a um programa, na televisão, debater a política de trânsito que implementara aqui. Ora, o assunto era extremamente passional, e quase todos estavam contra ele. Discutiu, enfartou e morreu. O governador Carlos Lacerda declarou que ele foi um guerreiro que morreu no campo de batalha.
-Ele foi um doido. - bradou meu irmão.
-Um médico psiquiatra, meu amigo, disse-me a mesma coisa.
-Um caminhão tanque está abastecendo o posto de gasolina, e eu não posso sair com o carro. - retornou o Daniel com palavras indignadas.
-Para eu continuar a dirigir, tinha de praticar algum exercício oriental de relaxamento. Preferi largar a direção; minha carteira de motorista está vencida há uns cinco anos.
 -Às minhas palavras, seguiram-se as do Claudio.
-Não demora tanto assim, Daniel. Senta aí e espere um pouco.
Agitado, ele preferiu ir para a varanda da casa e fixar sua atenção naquele caminhão tanque que surgira intempestivamente no seu caminho.
Eu e Claudio prosseguimos na nossa prosa.
-Você viu, Carlinhos, quantos peregrinos que vieram para a visita do Papa continuaram no Brasil?... Há países em pior situação do que o Brasil.
-Falando em peregrinos, ontem, quando peguei o metrô de volta para casa ao meio-dia e meia...
-Saiu mais cedo do trabalho.
-Há um banco de horas lá, e o meu crédito me permite sair, de vez em quando, ao meio-dia.
E retomei o fluxo da minha narrativa.
-O trem não estava lotado, pelo contrário, até consegui sentar. Veio, então, a surpresa: duas jovens, uma de olhos claros, a outra carregando um bongô, entraram no vagão onde eu estava. Pela alegria espontânea, julgo que são peregrinas que permanecem no Brasil.
-É provável. - aparteou-me.
-De passageiros passamos a público, pois elas se apresentaram, em espanhol, como artistas argentinas. Em seguida, soou o bongô e as duas cantaram um clássico da música popular latino-americana: “Sabor a mí”.
-Depois, recolheram dinheiro? - previu.
-Sim.
-Mas isso é mendicância. - disse em tom exagerado.
-Claudio, se depender de mim, os mendigos podem procurar outro meio de vida, mas, no caso delas, não tive dúvidas; enfiei a mão na carteira e dei algumas moedas a elas pela exibição e pelas duas obras-primas do cinema da Argentina a que assisti nos últimos dez dias: “O Segredo dos Seus Olhos” e “Um Conto Chinês”.
-Há vários DVDs desse filme nas Lojas Americanas do Norte Shopping. - informou-me.
-Eu não sabia e comprei pela Internet quando li o e-mail do Carlos Alberto Torres em que ele afirmava que “Um Conto Chinês” era tão bom quanto “O Segredo dos Seus Olhos”. Duvidei, mas vi que estava certo.
Seu interesse voltou-se, primeiramente, para o nome do amigo do Dieckmann.
-É o lateral da Copa de 70?
-Você, que lê “Há 50 anos”, do Globo, deve saber sobre as grandes equipes do juvenil daquela época; ao mesmo tempo em que aparecia o Jairzinho, no Botafogo, vinha o Carlos Alberto Torres do Fluminense.
-E ele foi campeão nos profissionais do Fluminense em 1964. - acentuou meu irmão.
-Até que enfim aquele caminhão tanque deixou de atravancar o progresso, - bradou o Daniel, passando pela cozinha, a caminho da rua.
-Então, Carlinhos, “Um Conto Chinês” é um filme para se assistir?
-Como disse um comentarista de cinema, os filmes argentinos, atualmente, nos falam mais de nós do que os próprios filmes brasileiros. Tolstoi não disse “se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”?... Assim é o cinema argentino: universal.
-Odeio contar e que me contem um filme, mas algumas passagens de “Um Conto Chinês” merecem ser contadas.
Antes que meu irmão mostrasse contrariedade, segui adiante:
-O filme começa num pequeno barco onde um chinês, que era só felicidade diante da namorada, vai pedi-la em casamento. Nesse exato momento, cai uma vaca do céu em cima dela, que morre.
-O que é isso?
-Claudio, o caso é verídico. Uns malfeitores russos colocavam vacas roubadas do Japão, em aviões cargueiros; um deles foi alvejado pelos camponeses e, para que o avião se estabilizasse no ar, tiveram de jogar os animais no mar, uma das vacas atingiu um barco pesqueiro. É claro que, na fita, fizeram algumas alterações, mas o surrealismo do caso existiu.
-E o chinês, sem a noiva, foi parar na Argentina? - deduziu.
-Ele só tinha agora um tio, que vivia na Argentina. E para lá foi apenas com um endereço tatuado no braço. Mal chega em Buenos Aires, entra num táxi, tiram-lhe o que tinha e o arremessam na rua. Nesse instante de violência, é socorrido pelo Roberto...
-O personagem do Ricardo Darin. - aparteou.
-Ele é o grande ator da Argentina.
E concluí:
-Da convivência dos dois, o filme mostra que a ida do Roberto para guerrear nas Malvinas, em 1982, representou a vaca que caiu do céu para desgraçá-lo. É a grande metáfora do filme que mostra que eles, mesmo não se entendendo, um só falava cantonês e o outro, só espanhol, identificavam-se como vítimas de coisas absurdas.
-E o “Hoover”, você viu?
-Vi e me surpreendi, pois imaginava que o Clint Eastwood, por ser republicano, mostraria a biografia do chefe do FBI por 48 anos com algumas deturpações direitistas, mas não houve nada disso. Ele mostra que, de todos os presidentes, o que quis acabar, mesmo, com o Edgar Hoover foi o Nixon.
-Ele não queria concorrentes.
-Certo, Claudio; foram os homens dele, Nixon, que fizeram as escutas de Watergate para proveito próprio.
Fomos interrompidos pelo telefone. Era o Luca.



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

2455 - Síndrome da Empatia Compulsiva



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4255                               Data:  22 de  agosto de 2013
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CARTAS DOS LEITORES

-Você e o Elio tiveram o privilégio de testemunharem os acontecimentos que redundaram na ascensão do comunismo na Rússia, em 1917 e procuraram ver Tolstoi e Rasputin... Ora, ora, por que não a Anastácia?...   Poderiam elucidar, de uma vez por toda, se ela sobreviveu ou não à chacina. Vocês dois não assistiram, certamente, ao filme em que a formosa Ingrid Bergman fez o papel da única sobrevivente da dinastia Romanov, senão, não perderiam essa oportunidade..  Dieckmann.
BM: Meu caro Dieckmann, o Cinema Cachambi, dos velhos tempos, colocava em cartaz os últimos lançamentos, por isso, eu assisti “Anastácia,a Princesa Esquecida” com menos de dez anos de idade, mas não me esqueci da calva do Yul Brynner e da beleza da sueca. Elio, certamente, viu também essa película.
A família Romanov, depois da queda, passou de prisão a prisão em cidades diferentes. Foi em Ecaterimburgo, na madrugada de 16 para 17 de julho que os bolcheviques executaram da maneira mais cruel a dinastia Romanov, ou seja, nessa data, eu e Elio já tínhamos viajado para país e século distantes.
Quanto à carnificina, além do czar, da czarina, do filho e das filhas deles, também foram supliciados o médico da família imperial, um servo, a camareira e o cozinheiro. Se esses últimos não escaparam, o que dizer da princesa Anastácia?... Só mesmo Hollywood para tornar charmosa toda essa tragédia.

 -Como nos tempos em que eu já estava no Departamento de Marinha Mercante às 8 horas da manhã, acordei cedo, no domingo e ouvi, com bastante atenção, o Rádio Memória em que o Jonas Vieira homenageou os grandes artistas da música popular falecidos em agosto e o Sérgio Fortes os da chamada música clássica.  Fiquei maravilhado com o trecho da Turandot que foi tocado, é a minha ópera de Puccini preferida. Dieckmann.
BM: Meu caro, Dieckmann, essa também é a ópera pucciniana de que mais gosto. Confesso que já fui volúvel nas minhas predileções. Cheguei a considerar “Madame Butterfly” a melhor, hoje, fujo dela porque fico deprimido com a carga emocional que Puccini colocou nas notas musicais. Nessa questão, até pareço você, que evita a arte depressiva.
Prosseguindo, já considerei que “La Boheme” levava a dianteira sobre todas as outras, a obra que mereceu elogios até de Bernard Shaw, que, como crítico musical, descia a ripa em tudo, até no “Fausto”, de Gounod. Mas continuo gostando dela, como da Manon Lescault, porém, desde muitos anos, “Turandot” se tornou, para mim, a ópera das óperas do Puccini.
Falando desse programa do Rádio Memória, Sérgio Fortes pediu Non Pingere, Liù, que, apesar da pequena intervenção do soprano, é uma ária. Ele homenageou o tenor Eugenio Fernandi, que morrera em 8 de agosto de 1991. O soprano, como dissemos, participa, vocalmente, pouco nesse trecho, mas como se tratava da legendária Elizabeth Schwarzkopf, Sérgio Fortes lhe dedicou um longo comentário. Ele, na verdade, com uma única gravação, homenageou dois artistas que se foram, pois Elizabeth Schwarzkopf morreu em 3 de agosto de 2002.

-O Biscoito Molhado fala do Gelol que o Sérgio Fortes passou no corpo, cita um personagem do Jerry Lewis que sofria do mesmo mal: Síndrome da Empatia Compulsiva, mas não diz de que filme se trata?...Assim, muitos assinantes que desejarem assistir a ele em DVD não poderão fazê-lo.  Aqui vai a crítica construtiva, pois, embora eu seja engenheiro, só construo navios. Dieckmann.
BM: Esse filme, de 1964, recebeu, no Brasil, um título tão bizarro que nós poupamos os leitores, mas como você insiste, aqui vai: “O Bagunceiro Arrumadinho”. O nome original, meio surrealista, é “The Disordely Ordely”.
Jerry Lewis encarna um personagem que não consegue estudar Medicina porque sente os sintomas de que sofrem os pacientes, no hospital onde trabalha de enfermeiro.
Jerry Lewis reclamava que, no único filme em que ele não teve trabalho algum, pois não dirigiu nada e ainda representou a si próprio, “O Rei da Comédia”, de Martin Scorcese, foi premiado pelos americanos. Nas fitas em que trabalhou duramente como ator e diretor, a ponto de ficar numa tenda de oxigênio por causa de um desses filmes, os cinemeiros da sua nacionalidade não lhe reconheceram o valor. Ao contrário dos franceses, que sempre o enalteceram.  Jean-Luc Godard o considerou um comediante superior a Charles Chaplin.
Ah,sim, o filme em que o Jerry Lewis baixou hospital, ficando numa tenda de oxigênio, foi “Cinderelo Sem Sapato.”  Subiu em poucos segundos dezenas de degrau de uma escadaria e caiu desacordado.

-Biscoito, você conversou com o Gaguinho em duas corridas de táxi sobre o final de basquete masculino do Pan Americano de 1987 e não disse o resultado da partida. Quanto foi? Dieckmann.
BM: O épico jogo de basquete do Pan americano de 1987 terminou 120 a 115 para o Brasil. No término do primeiro tempo, os Estados Unidos venciam por 68 a 54, mas no segundo tempo, fizemos 66 pontos e eles, 47. Ou seja, o Oscar, com 45 pontos na partida fez quase o mesmo número de todo o time americano na segunda metade do jogo.
O grande trunfo do Brasil foi a cesta de 3 pontos, que existia nas disputas da NBA, mas que só foi implantado no esporte amador 5 anos atrás.
Com essa derrota, a primeira dos americanos dentro de casa, em Indianópolis, eles passaram a disputar as olimpíadas com os profissionais, o Dream Team. O mais famoso deles foi o das Olimpíadas de Barcelona, em 1992,  com Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley, Karl Malone, David Robinson e Michael Jordan.
Nas Olimpíadas de 2004, em Atenas, os hermanos conseguiram um êxito ainda mais épico do que o nosso: derrotaram o “Dream Team” daquela época por 89 a 81.
 O jeito, para o Brasil, foi trazer para cá o técnico argentino campeão olímpico, Rubén Magnano, para trabalhar nossos jogadores de basquetebol.

-Biscoito, no seu passeio com o Elio pela Rússia no meio da revolução de 1917, você escreveu que os bolcheviques prometiam à plebe retirar o país da Primeira Guerra Mundial e que, por isso, a Alemanha permitiu que Lênin, exilado na Suíça, passasse por lá num trem especial até a estação Finlândia em Petrogrado. No poder, os comunistas cumpriram a promessa? Dieckmann.
BM: Sim, através do Tratado Brest-Litovski, assinado com a Alemanha em março de 1918, a Rússia saiu da guerra, abrindo mão do poder que exercia sobre a Finlândia, a Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Polônia, a Ucrânia e a Georgia. Com a derrota da Alemanha na Guerra, os bolcheviques abocanharam de volta quase todos esses territórios.
Resumindo: com o czarismo e com o comunismo, a Rússia continuou imperialista.


terça-feira, 27 de agosto de 2013

2453 - botaram a pipa do Gago na cesta



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4253                                Data:  18 de  agosto de 2013
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165ª  CONVERSA COM OS TAXISTAS

-Amigo, passei com o meu táxi pela sua rua, nesse último sábado... Que confusão! - disse o Meu Nobre, quando eu me acomodava ainda no cinto de segurança.
-Ah, sim, houve um festival de pipas na Praça Manet e arredores. - lembrei-me logo.
-A confusão foi entre uma moradora da Modigliani e um daqueles barbados que soltam pipas. - acrescentou.
-Eu vi a discussão, quando eu chegava, com os policiais presenciando tudo. Depois, ela se foi, no carro deles para dar queixa. - informei-lhe.
-Parece que o problema foi com o cerol da linha, que é uma arma. Conheço um motoqueiro que quase ficou sem o pescoço por causa dessas linhas de pipa, que não são vistas. Se não fosse o capacete...
-É uma guilhotina! - exclamei.
-No meu tempo de garoto, nós colocávamos lâmpadas nos trilhos dos bondes, depois pegávamos o vidro moído e colocávamos na cola de madeira que derretíamos em casa. Hoje, compra-se uma tal de linha chilena que já vem com um cerol muito mais cortante, uma lâmina.
-No nosso tempo, eram os garotos que empinavam pipas, hoje são os marmanjos. - juntei minhas observações às dele.
-Eu, como muitos meninos, não trocava a pipa pela bola e o tempo das pipas eram as férias escolares.
Como ele abriu a porta das reminiscências, eu entrei:
-Quando não havia cerol nas nossas linhas, nós gritávamos que estávamos “puros”.  Certa vez, quando eu tinha uns nove anos de idade e meu irmão, oito, soltávamos pipas, no quintal do nosso apartamento, sem cerol na linha e o José Augusto, irmão mais novo do Otávio Gaguinho...
-Onde foi isso? - pediu mais detalhes.
-Na Rua Cachambi, n° 533, precisamente. Entre nosso prédio e a garagem, que ainda existe, havia um terreno baldio...
-Já localizei. - garantiu.
O José Augusto, que soltava a pipa dele da garagem, sabia que estávamos “puros”, mesmo assim, ele, numa só manobra, cortou as linhas da minha pipa e a do meu irmão, as duas se foram, lamentavelmente, para longe de nós emboladas nas rabiolas.
-Que sacanagem! - expressou sua solidariedade regressiva.
-Como o safado vibrava!... Considerou uma façanha cortar duas pipas ao mesmo tempo, mas foi uma covardia.
-Covardia mesmo. - concordou.
-Fiquei, sentado no muro, observando o “inimigo”. Em dado momento, observei que deixara uma pipa no chão, enquanto continuava com a outra, a que nos cortou, no céu. Notei que, às vezes, empolgado com a guerra colorida no ar, afastava-se muito dessa pipa, que era dele. Pulei, então, do muro, esgueirei-me como um felino, pus a mão nessa pipa e disparei de volta para casa com ela.
-E ele?
-Ele ficou com a mesma cara que eu e meu irmão ficamos quando nos tirou a alegria de soltar pipa.
E completei:
-Como eu me orgulho desse roubo!
-Rua Modigliani. - avisou, enquanto parava o carro.

-Há um bom tempo que não pego seu táxi, - disse antes de sentar no banco do carona do carro do Gaguinho.
-É mesmo.
 -Logo hoje, que saí mais cedo do trabalho.
-Mas eu tenho estado aqui às quatro, cinco horas da tarde.
-Eu sei; tenho visto o nº 009 do seu carro, mas sempre há uns táxis na frente do seu quando eu apareço.
-Hoje foi dia de você voltar mais cedo?
-Saí às onze e meia para almoçar e a Avenida Rio Branco estava fechada. Retornei ao serviço uma hora e a Avenida permanecia sem trânsito, a não ser aqueles veículos que apenas a cortam, como na rua Buenos Aires, Assembleia, Nilo Peçanha... Por volta das duas horas, eu estava diante do computador, digitando um parecer, quando entrou uma funcionária informando que corria o boato de fechamento do metrô. Não pensei duas vezes, peguei minha mochila e vim embora.
-Se fecharem, vai ser uma loucura completa. - aparteou.
Veio-me à mente o calvário dos peregrinos, que pretendiam ir a Copacabana, com o metrô parado durante duas horas, na visita do Papa.
Mas mudei de assunto.
-E o seu filho com o handebol?
-Vai muito bem; ele estuda e treina muito, por isso, vai às seis horas da manhã para o colégio, em Realengo e volta para casa de noite.
-Nos gloriosos tempos do Visconde de Cairu, anos 60, o time de basquete era sensacional, eu soube depois que era, praticamente, a equipe do clube Mackenzie, que disputava campeonato carioca. Nós nos recusávamos a voltar para as salas de aula, depois do recreio, se o Cairu estivesse no ginásio jogando.
-As escolas daqui deveriam fazer como nos Estados Unidos.
-Lá, os colégios, mormente as universidades são os maiores celeiros de atletas. - concordei.
-Você vê os grandes jogadores de basquete de lá. - assinalou.
-Sim; eles disputavam olimpíadas com universitários e ganhavam tudo, praticamente.
E concluí:
-Mas perderam para o Brasil no Pan Americano...
Como eu titubeei em precisar o ano, ele interveio mesmo gaguejando:
-Mil novecentos e oitenta e sete.
-Foi uma das maiores vitórias da história do basquete brasileiro. - afirmei.
-A maior, pois o basquete masculino dos Estados Unidos nunca tinha perdido em casa.
-Esse Pan Americano foi onde?
-Em Indianápolis.
Quando chegou à última sílaba do nome da cidade, já estávamos na Rua Modigliani, onde saltei.

Por coincidência, no dia subsequente, peguei o táxi do Gaguinho.
-Depois de tanto tempo, agora será um dia depois do outro. - brinquei.
-Você, hoje, veio na hora habitual. - notou.
-Ontem, foram duzentos que pararam a cidade. Um absurdo. - esbravejei.
-Se a PM desce o cacete, reclamam. - disse.
Mas a conversa sobre o Pan Americano de 1987 ficou inacabada e tratei de reatá-la, pois concluí que ele era adepto dos jogos de basquete.
-Naquele Pan Americano de 1987, o Oscar fez um monte de cestas.
-Quarenta e cinco pontos. A maioria cesta de três pontos. Essa regra começara há pouco tempo e o Brasil se aproveitou dela.
-Eu me recordo que estávamos bem atrás no placar.
-O primeiro tempo terminou com os americanos vinte e dois pontos na frente.
Marcel jogava? - perguntei.
-E muito. Jogaram ele, o Israel, o Gérson.
-O Magic Johnson não estava nesse time?
-Estava o David Robinson.
E completou:
-Depois dessa derrota, os Estados Unidos passaram a colocar os profissionais para disputar as olimpíadas. - disse.
-Eu me recordo do Larry Bird. Eu ficava impressionado com a categoria dele. - manifestei-me.
-Era um craque.
-Também me lembro do Moses Malone, do Kareen Abdul Jabar.
Os nomes desses jogadores, que citei, animou-o a falar de outros.
-Tinha um que era o melhor de todos. Eu sempre torcia contra ele, mas não adiantava.
-Era como torcer contra o Pelé nas partidas de futebol?
-Isso. - concordou com a comparação.
-Como era o nome dele? - torturou-se com o esquecimento.
-Eu sei quem é, logo o nome dele vem às nossas cabeças. - falei, embora estivéssemos a menos de trinta metros da minha casa.
-Michael Jordan.
Foi o único nome americano que pronunciou, nessa corrida, sem gaguejar.







segunda-feira, 26 de agosto de 2013

2452 - Wagner Loves



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4252                                Data:  17 de  agosto de 2013
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UM SABADOIDO WAGNERIANO

-Carlinhos, você gosta do Wagner? - perguntou-me meu irmão de supetão.
-Bem, Claudio, quando nós éramos garotos e morávamos no Cachambi, a minha pipa embolou com outra, da Rua Chaves Pinheiro e as duas ficaram presas num fio da Light. Soube, depois, que a minha pipa tinha embolado com a do Vagner.  Foi a primeira vez que ouvi falar dele. E a partir de então, nunca houve mais disputas entre nós.
-Estou falando do Wagner compositor.
-Ah, o Wagner que, este ano, completaria 200 anos juntamente com o Verdi. Prefiro o Verdi.
-Mas você gosta dele? - insistiu.
Gosto, mas estou adorando “O Caso Wagner” escrito por Nietzsche. Lá, pelas tantas, ele pergunta se Wagner era realmente um homem, se não seria, em vez disso, uma doença, porque, segundo o filósofo, ele torna doente tudo aquilo que toca. E concluiu que Wagner tornou a música doente.
-O grande compositor para os nazistas era Wagner.
-Sim, Cláudio; Nietzsche foi premonitório. Ninguém conseguiria tantos argumentos para desancar com o Wagner do que ele, que foi wagneriano, mas que alardeou para o mundo que se curou dessa doença.
-Mas o Nietzsche morreu louco. - contrapôs.
-Porque contraiu sífilis.
Depois de uma pausa, prossegui:
-De fato, os admiradores de Wagner são como aqueles torcedores de futebol doentes. Quando o Sérgio Fortes levava wagnerianos ao “Clube da Ópera”, da Rádio MEC, para comentar alguma ópera, como Siegfried, por exemplo, o fanatismo era visível, ou audível. Certa vez, o Fiani, um professor da FGV, que eu conheci, foi lá para falar da ópera Pelleas et Mélisande de Debussy, e, em certo momento, disse que os temas dessa ópera voltam muito bem elaborados, enquanto os de Wagner são atirados nos nossos ouvintes. Foi, logo, interrompido pelo Sérgio Fortes, que lhe disse: “Cuidado, Fiani, que os wagnerianos vão te pegar lá fora”.
-Ele percebeu, então, que os wagnerianos são mesmo fanáticos?
Dei outro exemplo:
-A Rádio Cultura, de São Paulo, transmite as récitas da temporada lírica do Metropolitan de Nova York. Houve uma época em que, antes e nos intervalos das transmissões, o maestro Walter Lourenção, ouvia os comentários dos apreciadores de óperas, como no “Clube da Ópera”. Claudio, não apareceu um wagneriano que fosse comedido.
-Mas você gosta do Wagner?
-Como gosto do Vasco sem ser vascaíno. - mal comparei.
Mudamos, então, de assunto, que já estava esgotado.
-Claudio, depois de sugerir à mãe os filmes “Cova Rasa” e “Um Estranho no Ninho”, você acertou com “Como Era Verde Meu Vale”. Dessa fita, ela gostou.
-É um clássico. - frisou.
-Podemos dizer que todos os filmes dirigidos pelo John Ford são clássicos e eu, evidentemente, assisti ao “Como Era Verde Mau Vale”, depois da mãe.
-Vou procurar comprar agora o “Vendaval de Paixões”, que também é com a Maureen O' Hara.
-Eu pensava que ela fosse a mãe da Mia Farrow...
-A mãe da Mia Farrow é a Maureen O' Sullivan. - antecipou-se o Claudio.
-Depois de eu rasgar elogios ao “O Segredo dos Seus Olhos”, um amigo do Dieckmann, o Carlos Alberto Torres...
-O capitão da Copa de 70?
-Não, coincidência apenas. Ele escreveu afirmando que “Um Conto Chinês” é outra obra-prima do cinema argentino. Já encomendei o filme pelo Mercado Livre.
-Levou dia desses, na televisão, “Shane”. Você que gosta tanto desse filme...
Interceptei a sua fala.
-Eu e todos aqueles que veem o cinema como a sétima arte, e não como um local para se comer pipoca e tomar refrigerante. O American Filme Institute colocou o “Shane” em quadragésimo quinto lugar numa lista dos cem melhores filmes de todos os tempos, e em terceiro no rol dos dez melhores faroestes.
-Eu me lembro que, em 2003, quando foi comemorado o cinquentenário dessa fita, o Woody Allen afirmou que se tratava de uma obra-prima dirigida pelo George Stevens e que ele colocava na sua lista dos grandes filmes a que assistiu. - completou o Claudio.
Nesse instante, a Gina, que acabava de entrar na cozinha, se manifestou.
-Vocês falando em cinema e eu me lembrei do meu pai que, coitado, trabalhava tanto que pouco tempo tinha para se divertir.
E prosseguiu:
-Ele me contava que foi muitas vezes ao Cine Polo, no Silvestre, onde os filmes eram seriados, e a plateia era obrigada a voltar para acompanhar a história.
-Não seria Cine Apolo?...”- lançou o Claudio a dúvida.
-Carlão, você tem visto os jogos do Botafogo. - era agora o Daniel que aparecia.
-De uns anos para cá, só tenho a pachorra...
-Carlão, você tem a cachorra?... não perdeu a oportunidade para o trocadilho.
-Como eu dizia, eu só tenho paciência de testemunhar os trinta minutos finais  das partidas de futebol.
-Pois é justamente no final dos jogos que o Botafogo leva gols. Já deixou três vitórias escaparem nos acréscimos. - gozou-me.
-Se aquele beque, André Bahia, não fosse tão ruim de bola, eu diria que a culpado é o pé-frio do Carlinhos. - acrescentou.
-Falando em frio, o Vagner não vem hoje, deve estar de pantufas em casa. - informou a Gina.
-Quem não pode faltar hoje é o Lucas, eu trouxe um livro da vida do Toulouse Lautrec, para dar de presente à Rosa Grieco e não pretendo voltar com ele para casa, pois é muito pesado. A minha hérnia inguinal voltou depois dos exercícios de musculação que andei praticando.
-É um tijolaço. - disse a Gina, enquanto o Daniel anunciava a sua ida para a lagoa, onde andaria de bicicleta.
-Tijolaço era do Brizola, o livro é um tijolo. - corrigiu à mulher referindo-se às catilinárias que o Brizola escrevia contra o Roberto Marinho.
Voltei-me para o meu irmão.
-Onde comprei esse livro, numa feira defronte à estação do metrô, folheei uma obra da Raquel de Queiroz com o autógrafo dela.
-E não comprou esse livro? - agitou-se.
-Claudio, a Raquel de Queiroz é boa escritora, mas há uma penca de livros aguardando pela minha atenção como os cãezinhos na hora da chegada dos seus donos.
-Mas um livro com a assinatura do autor se torna uma raridade e é procurado pelos colecionadores, que dão um bom dinheiro por ele. - justificou o Claudio a sua agitação.
-Segunda-feira verei se esse livro está lá ainda.
-Duvido que encontre. - afirmou.
Nosso diálogo foi interrompido pelo telefone. Era o Luca informando que não viria para o Sabadoido.







quinta-feira, 22 de agosto de 2013

2451 - memória canina 2



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4251                                Data:  15  de  agosto de 2013
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TRÊS FLAMENGUISTAS E UM TRICOLOR NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II

E Jonas Vieira assinalou enfaticamente que escolheu uma gravação com um tenor que dispensa adjetivos e substantivos: Placido Domingo
-E ele cantará um bolero de Maria Grever, a única compositora de bolero que existe na história.
E se ouviu, em seguida, a possante voz do Placido Domingo, que foi considerado por um júri de dezesseis membros reunidos pela BBC Music Magazine o maior tenor de todos os tempos. O próprio Placido Domingo considerou o resultado um exagero, mas que, em certos momentos, sua voz é insuperável, nós concordamos com esses críticos.  Ele cantou “Jurame”.
-É a melhor gravação que existe para mim, e houve mais de quinhentas.  Olhem a orquestra que acompanha o Placido Domingo. É uma obra-prima. - vibrava ainda o Jonas Vieira.
Dieckmann fez um trocadilho com a compositora de boleros, e o titular do programa retomou a palavra. (*)
-Eu quero mandar um abraço para o Biscoito Fino...
-Biscoito Molhado. - corrigiram-no o Sérgio Fortes e o Dieckmann em uníssono.
Mas eles logo perceberam que era uma ironia. Nós, da redação, acreditamos que ele já metabolizou a troca do seu nome pela do pastor, aqui perpetrada, pois, a partir daí, escrevemos Jonas Vieira umas trezentas vezes sem erros. Será uma alfinetada porque escrevemos o nome Luiz Paulo Horta como Luís?... Se for isso, explicamo-nos: fizemos confusão com os reis franceses, principalmente Luís IX, que se tornou santo.
No meio da gozação, Sérgio Fortes sugeriu que elaborássemos uma lista com as dez músicas da nossa predileção para que eles, como ventríloquos, as comentassem. Bem, dez músicas que nos marcaram no correr da vida, podemos listar, mas as dez preferidas, é impossível, pois são mais de mil.
-Quanto tempo falta? - perguntou o titular do programa ao maestro Marcos Ribas, ao Peter, enfim, os ouvintes não souberam a quem.
-Vinte e quatro. -responderam.
-Cabe mais uma. - assanhou-se o Dieckmann, pois era a sua vez.
-É uma gravação que persegui durante muito tempo; música de Paulo César Pinheiro e letra de João Aquino: “Viagem”.
No momento em que ele disse o nome da cantora, Jonas Vieira interveio e disse Maysa. Dieckmann falou outro nome, e foi citado Marisa Gata Mansa. Mais tarde, ficamos sabendo que se tratava da Márcia, casada com o locutor esportivo Sílvio Luiz.
Depois da pausa para meditação, cabia a escolha ao Sérgio Fortes.
-Uma cantora que adoro, presença constante nos musicais da Broadway, é a Kim Crisswell.  Ela vai cantar “You And The Night And The Music”, de Arthur Schwartz e Howard Dietz, do musical “Revenge With  Music”, de 1934, que fracassou, pois só teve 22 representações.
É verdade que, poucos meses depois, foi encenado de novo, mas só chegou a 135 representações.
-Pois eu iria lá todas as noites só para ouvir essa música com essa cantora. - traiu o Jonas Vieira mais uma vez a Doris Day.
-E reverteria tudo. - fez-se ouvir o Dieckmann que, como os alunos peraltas, não consegue ficar quieto.
-Esse musical deveria ter o nome dessa música e não “Revenge With  Music”. - tentou o Jonas Vieira explicar o motivo da pífia atração que exerceu sobre o público da Broadway.
Depois que ouvimos Kim Crisswell, o titular do programa enveredou pela história dos musicais, dizendo que foram irrepreensíveis nos anos 40 e 50; a ameaça de queda de qualidade apareceu nos anos 60; e, nas décadas de 70 em diante, seria melhor não comentar.
-Sou eu agora? - foi a indagação que sucedeu o seu comentário em um tom apreensivo, pois o Dieckmann poderia ultrapassá-lo.
-Sim. - respondeu o seu parceiro.
-É como no jogo de buraco. - não perdeu o Dieckmann a piada (mas sem falar em morto, para que o humor não fosse negro).
-Vou arrasar. - anunciou.
-Então, vou pôr a minha roupa de amianto.- preparou-se o Sérgio Fortes como os pilotos da Fórmula 1.
E o “arraso” veio com uma pequena introdução.
-Andre Kostelanetz é um dos músicos mais extraordinários que existiram; pianista, arranjador, grande regente, de um bom gosto fora do comum. Nasceu na União Soviética, mas se realizou nos Estados Unidos.
Diante de tanto deslumbramento, Sérgio fortes citou a Doris Day.
-Ela é o meu xodó, não poderia ser o Andre.
E prosseguiu.
-Sua orquestra tinha 45 músicos, nasceu em 1901 e foi casado com a Lily Pons.
-Grande cantora. - lembrou-se rapidamente o Sérgio Fortes da soprano ligeiro do tipo coloratura.
E a música executada pela orquestra de Andre Kostelanetz foi um pot-pourri de sucessos mexicanos entre eles a canção mais entoada nos estádios de futebol brasileiros, Cielito Lindo.
-Que tal, Sérgio? - depois de a orquestra partir deixando saudades.
-Excelente. Ele foi para os Estados Unidos com quantos anos?
-Ele saiu da União Soviética depois da Revolução, com 22 anos.
-Em 1923. - calculou o Dieckmann.
E era a vez dele:
-Gosto de desafios quando falam que a música tal teve 500 gravações, ou não sei quantas, por isso eu escolhi uma canção de Oscar, que teve mais de 1 500 gravações: “Stardust”. E se trata da melhor gravação, não vou dizer agora qual é.
Enquanto soavam os primeiros acordes da música de Carmichael, de 1927, que recebeu, dois anos depois, letra de Mitchell Parish, eu era transportado para um programa da Rádio MEC no fim dos anos 70 de uma hora de duração. Nesse programa, colocaram os mais destacados intérpretes da música popular internacional cantando “Stardust”, mas nenhum deles superou, na minha opinião, Nat King Cole. E foi a voz dele que reinou absoluta no “Rádio Memória”.
Depois da audição, Dieckmann falou que “Stardust” foi gravada de Doris Day a Ringo Starr. Em seguida, referiu-se ao filme de faroeste em que Nat King Cole atuou com Jane Fonda e Lee Marvin, “Cat Ballou” no personagem de um menestrel.
-Vamos lá, Sérgio. - apressou-o o Jonas Vieira, pois o tempo urgia, e também rugia, depois de o Dieckmann falar do cavalo do Lee Marvin que não foi receber o Oscar de melhor ator juntamente com o Lee Marvin.
Sérgio optou por “The Way You Look Tonight”, do filme “Swing Time”, de 1936, na voz do dançarino legendário Fred  Astaire.
O Rádio Memória do domingo do Dia dos Pais (que não foi citado em momento algum) terminou com um presente do Jonas Vieira para os ouvintes: a música de Nino Rota para o filme “Fellini, Oito e Meio.”

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO não conteve a curiosidade e contatou o Dieckmann a respeito do trocadilho: “Ho-ho – comentou-me como se o Papai Noel fosse – é que compositor de bolero é bolerante e eu tasquei bolorante no ar, à vista e ao ouvido de todos, embora Jurame seja ótima.”
Dito isso, comprova-se uma vez mais que o Dieckmann perde a compositora e a compostura, mas não perde a piada.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

2450 - memória canina 1



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4250                                Data:  14 de  agosto de 2013
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TRÊS FLAMENGUISTAS E UM TRICOLOR NO RÁDIO MEMÓRIA

Com um coro ao fundo, foi iniciado mais um Rádio Memória.
-Senhores ouvintes, muitíssimo bom dia. - fez-se ouvir a voz do titular do programa.
-Nós, eu e Sérgio Fortes, mais o maestro Marcos Ribas...
E deteve-se no maestro que, durante todo o programa, não escutamos a voz e, muito menos, vimos a batuta.
-O maestro Marcos Ribas não vai mais a Portugal.
 -Estão moralizando as coisas por lá... - interveio o Sérgio Fortes.
Parece que o pessoal do programa não pode viajar, pois quando o Sérgio Fortes foi a Porto Alegre esvaziou garrafas de cerveja, e o Marcos Riba em Portugal?... Esvaziaria garrafas de bagaceira?... Fica a pergunta.
E o Jonas Vieira retomou a palavra:
-Hoje, com o reforço do Roberto Dieckmann.
Antes de o Dieckmann abrir as suas asas de pavão, Sérgio interveio de novo.
-Eu estou cercado por três flamenguistas.
Mas não são quatro?... - foi a pergunta que me fiz quando, adolescente, li “Os Três Mosqueteiros”.  Nesse momento, a pergunta que me fiz foi diferente: Mas não são três?... - Segundos depois, lembrei-me que o maestro estava lá, não foi para Portugal.
-E na véspera do Fla x Flu. - acrescentou o Dieckmann.
-Lá, na OSB, há uma profusão de botafoguenses. - disse o Sérgio.
-Fluminense, eu aturo, Botafogo, não. - afirmou o Dieckmann.
-Os flamenguistas têm uma bronca dos botafoguenses. - constatou o Sérgio Fortes.
Dieckmann rememorou o tempo em que o clube da estrela solitária tinha Didi, Garrincha, Nilton Santos, que estragavam a sua alegria rubro-negra.
-Eu já gostei muito de futebol, hoje,não.
E prosseguindo com um tom de crítica, Jonas Vieira reclamou da presença exagerada da televisão no mundo futebolístico.  Foi o gancho para o Sérgio Fortes entrar com o seu comentário:
-Outro dia, um jogador levou uma pancada e a televisão mostrou de trinta e dois ângulos diferentes. Eu quase passei Gelol pelo corpo, porque já estava sentindo as dores...
Se o nosso amigo estivesse, de fato, sentindo essas dores, seria diagnosticado como portador da Síndrome da Empatia Compulsiva, doença que foi explorada magistralmente por Jerry Lewis, numa das suas comédias, em que, trabalhando como enfermeiro de um hospital, sentia todos os sintomas dos pacientes.
-Não vamos perder mais tempo: música. - exigiu o titular do programa.
-Música. - repetiu o convidado.
E cabia ao próprio Jonas Vieira apresentar a primeira gravação daquele domingo.
-Peggy Lee é uma das minhas cantoras preferidas.  Nós vamos ouvir com ela “It's Been A Long Long Time.”
Sérgio Fortes não perdeu a oportunidade:
-Que voz apaixonada!... Deixa a Doris Day saber disso.
-Não conte nada para ela. - pediu.
A bela canção me reportou a um amigo de trabalho, nos anos 80, que amava Pat Boone e que, além dessa música do repertório do cantor, assanhava-se com “Nature Boy”, uma música “gay”, segundo ele. Bem, mas lá se vão trinta anos, quando o rádio ficava ligado durante o serviço e os homossexuais eram mais discretos.
Depois de a Peggy Lee pedir para ser beijada diversas vezes por um longo tempo, Dieckmann se apossou da palavra:
-Sou fã da Peggy Lee desde tenra idade. Eu assisti à “Dama e o Vagabundo”... Tenho que explicar quem é esse vagabundo...
Era o cachorro, não o sapo barbudo, deduzimos logo e ele retomou o fluxo do seu comentário:
-Trata-se de um desenho do Walt Disney. Lá, pelas tantas a Lady foi presa, colocada numa carrocinha e levada para o canil municipal. Ela trava, então, contato com o submundo canino e lá se depara com uma cadela loura, linda, que é dublada pela Peggy Lee. (*)
-Só isso já basta.
Diferentemente do Jonas Vieira, que vibrou, eu fiquei intrigado com as palavras do Dieckmann. Cadela loura?... Pedirei o filme emprestado à minha sobrinha-neta de quatro anos para constatar se era mesmo loura essa cadela,
Então, a voz do titular do programa se tornou séria, porque iria passar uma nuvem que, por minutos, nublaria aquele domingo de sol:
-Não fiz na abertura do programa, mas vou fazer agora. Ainda não me recuperei do falecimento do Luiz Paulo Horta. Tínhamos programado dois encontros, um para almoçar, e outro para uma partida de xadrez. Ele é mais uma das minhas saudades.
A palavra passou para o Sérgio Fortes:
-Estive sexta-feira na missa de sétimo dia no Santo Inácio, que foi comovente. Os músicos da OSB foram lá tocar, o coro também foi...
-Ele foi um gênio, de grande modéstia, simplicidade. - realçou o Jonas Vieira.
Mas, como escreveu Victor Hugo no seu poema “Soleils Couchants”, o sol continua a brilhar. E a alegria retornou ao Rádio Memória.
-E agora, Dieckmann?
-Uma música que serviria plenamente para a voz da Peggy Lee, mas essa gravação é instrumental, Enoch Light & The Charleston City, a música “Ain't She Sweet.”
Era uma bela peça musical que ficou, talvez décadas afastada dos meus ouvidos, e que retornava. Foi muito bem-vinda.
-Você, Sérgio Fortes.
-Vamou ouvir agora o barítono galês Bryn Terfel, no musical “Camelot”, de 1960, da dupla Alan Jay Lerner e Frederick Lowe.
-A mesma dupla do “My Fair Lady.”  interferiu o Dieckmann.
-... Cantando “If  Ever Would Leave You”.
Depois de a poderosa voz de barítono ser ouvida, Sérgio Fortes retomou seu comentário.
-Bryn Terfel talvez seja, atualmente, o mais importante artista lírico do mundo. Ele surgiu com o segundo lugar de um concurso de canto. As pessoas deverão perguntar: “Mas quem foi o primeiro?”. O primeiro foi Dimitri Hvorostovsky com a voz de registro de baixo.
Dieckmann não repetiu o nome do russo para que a reputação da sua voz de “locutor da BBC” não fosse abalada, mas não deixou de se referir à dificuldade dos jurados em escolher o melhor.
-Eu não queria estar nesse júri. - frisou o Sérgio Fortes.
-Ele é de onde? - quis saber o Jonas Vieira.
-Galês. - repetiu o Sérgio.
Galês como os personagens do filme “Como Era Verde Meu Vale”, de John Ford.
-E você, Roberto?
-Eu estou ultrapassando alguém e faço isso com o maior prazer. - percebia-se nitidamente o tom alegre na voz do Dieckmann apesar de ele, convidado, tomar a frente justamente do titular do programa.
-Não, é a minha vez. - recuperou a sua posição o Jonas Vieira, enquanto se ouvia os risos do Sérgio Fortes.

(*) O nome da cadela era Peg mesmo. Muita personalidade.