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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

2010 - bronquinhas e broncões

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3840 Data: 03 de setembro de 2011

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ESPORROS

Quando a destacada atriz do cinema e do teatro francês, Madeleine Ozeray, veio ao Brasil nos anos cinquenta, foi uma sensação entre seus admiradores. Tinha amigos na alta sociedade brasileira, que a aplaudiam nos teatros de Paris e, agora, estendiam o tapete vermelho para ela passar no Rio de Janeiro.

Um pouquinho mais de entusiasmo e poderiam ser comparados àqueles estudantes que, no Segundo Império brasileiro, substituíram os cavalos de uma carruagem para transportar a grande Sara Bernhardt.

Como muitos desses amigos brasileiros da Madeleine Ozeray não estavam com o tempo ocupado por exigências profissionais, compareciam aos ensaios em que ela participava. Em um desses ensaios, a grande artista errou muito e o seu diretor, Jouvert, perdeu as estribeiras: berrou com ela, sem medir as palavras. Mesmo ofendida por palavrões, a atriz permaneceu de cabeça baixa e quando o esporro acabou, continuou a ensaiar.

Se ela se comportou como uma aluna obediente diante do professor, seus amigos grã-finos, não. Planejaram uma emboscada na saída do teatro: assim que Jouvert pisasse a calçada, seria cercado e, em seguida, levaria uns sopapos na cara, em desagravo à artista que viveu, nas telas, Sonia, em “Crime e Castigo” e a Rainha Vitória, em “A Guerra das Valsas”.

Tal plano não se consumou. Como os conspiradores contaram seu objetivo à atriz, Madeleine Ozeray, ao ouvi-los, caiu na gargalhada. Disse que eles não entendiam nada de teatro, que esses xingamentos, nos ensaios, eram coisas naturais, podiam ser chamados de distúrbios de amor. Tanto ela como Jouvert buscavam o mesmo fim, apaixonadamente: uma noite de grande espetáculo.

E tudo terminou em paz, com aquela companhia francesa de teatro, no Rio de Janeiro.

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Assisti a um documentário sobre o maestro Arturo Toscanini, em que o grande barítono americano, Robert Merril, fala de sua experiência com ele. Conta que, em um ensaio de “La Traviata”, de Verdi, não ajustava sua voz à orquestra. Toscanini, então, colocou-o a seu lado e passou a marcar o compasso do trecho em que ele cantava, tocando com a batuta em sua cabeça.

Isso foi narrado pelo barítono sem rancor algum. Pelo contrário, seu rosto estava iluminado pela boa lembrança, porque tudo se acertou musicalmente.

O maestro Toscanini se tornou legendário pela excelência na condução das orquestras sinfônicas e pelos destampatórios que passava naqueles que erravam. Lembro-me de meu pai, ouvindo as gravações dos ensaios de Toscanini, para rir com seus constantes acessos de fúria.

No documentário a que aludi acima, é citado o esporro que o soprano Geraldine Farrar levou de Toscanini.

Indignada, ela retrucou:

-Maestro, não se esqueça de que sou uma estrela!

Toscanini apontou para si próprio e contra-atacou:

-Quando o sol surge, as estrelas desaparecem!

Depois, os dois fizeram as pazes. Aliás, levaram tão a sério essas pazes que se tornaram amantes por algum tempo.

Geraldine Farrar ainda conseguiu um feito inusitado: participou da ópera “Carmem”, em um filme mudo.

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O time principal de vôlei feminino da Rússia não conseguiria um terço dos títulos obtidos se não fossem os esporros de seu técnico, Nicolay Karpol.

Aquele senhor de cabeça toda branca, vociferando no rosto de suas atletas, durante os tempos concedidos pela regra desse esporte, era uma coisa de deixar a plateia atônita.

Consideravam-no um possesso, saído das páginas de Dostoievsky.

Mas, na maioria das vezes, elas retornavam revigoradas ao jogo e transformavam derrotas iminentes em vitórias.

Entrevistadas, depois, revelavam uma quase adoração por Karpol.

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Dia desses, o jornalista José Negreiros relembrou, em uma coluna n’O Globo, um almoço com o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, que acabara de deixar o governo Figueiredo, depois de divergências no enfrentamento da crise econômica.

Mais interessado no período em que o economista atuou como Ministro da Fazenda do sisudo General Ernesto Geisel, o jornalista lhe perguntou quantas vezes pediu demissão daquele ministério.

Simonsen respondeu três. E passou a contar a que lhe pareceu mais engraçada:

- “Numa audiência, ele gritou comigo. Eu me levantei, e disse que ia embora, pois não admitia gritos. O presidente explicou que não estava gritando, e sim falando alto, porque era descendente de alemães. “Todos lá em casa falam assim”, argumentou. E me convidou para jogar biriba em sua casa de Teresópolis, para comprovar a história. “O senhor também pode gritar comigo... – Geisel ironizou.”

Mario Henrique, então, foi à casa do presidente, em Teresópolis, e constatou que era verdade: os alemães, como os italianos, também falam em alto volume.

José Negreiros e outro jornalista que o acompanhava nesse almoço, Fernando Martins, ouviram o economista e, curiosos, perguntaram o que aconteceu, depois de ele se certificar da gritaria constante entre os Geisel:

- “Nossos despachos passaram a ser aos berros...” - respondeu.

Deduz-se que Mário, como era chamado pelos amigos, saiu de sua característica de homem polido, para berrar nesses despachos, pois sabemos que somente gostava de levantar a voz na hora de cantar óperas.

A meu ver, ele tratou de maneira humorística sua reação a um ato do presidente que mexia com sua sensibilidade.

Acredito que houve caso um tanto parecido, recentemente, entre o Ministro da Segurança, Nélson Jobim, e a Presidente Dilma Rousseff: ela gritou com ele e, como não lhe deu o mesmo direito ao grito, o ministro se demitiu.

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Fernando Moraes, em seu livro “Chatô”, sobre a vida de Assis Chateaubriand, conta que o Cidadão Kane da imprensa brasileira chamava “carinhosamente” seus servidores de “filhos da puta”.

Abriu exceções apenas para dois deles, segundo seu biógrafo: Alceu de Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, pensador católico, e Carlos Lacerda, que somente trabalharia para ele sem esse tratamento “terno”.

Cito esse caso, do Assis Chateaubriand, para contrastar a blandícia, que humilha, da aspereza, que eleva.

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No que me diz respeito, convivi bem com os esporros nas peladas, não me enfurecia com desaforos, depois de cometer uma pixotada, pois o objetivo era o mesmo: a vitória.

Em meus trinta e quatro anos de trabalho ininterrupto, sendo trinta e dois na Marinha Mercante, também tive a sorte de não me deparar com chefe algum que metesse o dedo na cara de funcionários e os humilhasse, com a voz na estratosfera. Nem sei o que faria numa situação dessas: se não reagisse, certamente cairia doente.

O último esporro de chefe, que eu me lembre, aconteceu no Departamento de Marinha Mercante, quando o Dieckmann era Coordenador-Geral de Transportes Marítimos.

Ele chegara de Brasília, de surpresa e surpreendeu os fumantes, com seus cigarros acesos, fora do “fumódromo”. De dedo em riste, passou uma descompostura geral. (*)

Ainda bem que eu, já então, não fumava, e isso, desde 1965.

(*) Tô em boa companhia.

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