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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

2988 - Barba Negra


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5238                            Data:  24 de novembro  de 2015

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ACONTECEU NO DIA 22 DE NOVEMBRO

 

Antes de O Homem-Calendário do Rádio Memória dar início aos trabalhos, Jonas Vieira colocou uma gravação com o propósito de preparar o espírito dos ouvintes para os fatos históricos e não tão históricos assim.

Pronto, agora que ele podia começar.

-Jonas, 22 de novembro de 498 é uma data que não poderia passar em branco, nem em cor alguma.

-Não poderia passar com as cores do arco-íris.

-Em cor alguma, Jonas, nem com aquela citada pelo Caetano Veloso numa das suas canções: fúcsia.

-Que data extraordinária foi essa, Sérgio?

-Foi eleito o Papa Símaco.

-Mas ele não tomou semancol?... - não resistiu o Jonas Vieira ao trocadilho.

Após uns quatro ou cinco trocadilhos com o nome do papa, Sérgio Fortes prosseguiu:

-Em 1546, Calvino edita um decreto que regulamenta os nomes que devem ser dados e os que são proibidos aos recém-nascidos em Genebra.

Voltou-se, em seguida, para o titular do programa.

-A medida foi excelente, porque existe cada nome por aí...

-Horríveis, Sérgio, horríveis.

Se o exemplo do Calvino fosse seguido no Brasil, não teríamos nomes como Maiquelchéquisom, Eva Gina, Uélinguitom, e por aí vai.

-Em 1573, é fundada a cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, pelo cacique temiminó Arariboia.

-Foi um prêmio por ter ajudado os portugueses a derrotarem os franceses e os tamoios.

Como não se lembraram de que as terras de Niterói eram uma sesmaria, vários trocadilhos foram evitados.

-Em 1842, é inaugurada, no bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, a primeira Agência dos Correios do Brasil, adotando o sistema de entrega em domicílio.

-Puxa!

-E pensar que os serviços dos Correios já foram bons. - permeou o Sérgio Fortes o seu comentário com uma respiração de lamento.

-Essa agora é trágica.

-Qual, Sérgio?

-Em 22 de novembro de 1963, John Kennedy é assassinado em Dallas, num atentado que deixou o governador do Texas seriamente ferido. Lyndon Johnson, o vice-presidente, assume o poder.

Assim na monarquia, assim na República: presidente morto presidente posto.

Voltou-se para o titular do Rádio Memória.

-Nós, garotos do Santo Inácio, nas proximidades das provas finais, ficamos atônitos com a notícia desse assassinato.

Na ocasião, lembramos bem, as emissoras de rádio estavam em greve, com exceção da Roquette Pinto e da Ministério da Educação, ouvidas por poucos, por isso, muitos julgaram que se tratava de boato, quando espalhamos a notícia pela vizinhança.  Nem a morte de John Kennedy, que era muito popular, conseguiu furar aquela greve nos tempos anárquicos do governo João Goulart. Acompanhamos o enterro do presidente pela Rádio América em cadeia com a Rádio Ministério da Educação.

-Em 1979 é restabelecido o pluripartidarismo com a extinção do MDB e da ARENA.

-Depois de acabarem com o pluripartidarismo, com PTB, PSD, UDN, etcétera, para estabelecer o MDB e a ARENA, voltaram com o pluripartidarismo.

-Só que os partidos não seriam os mesmos.- completou o Sérgio Fortes o comentário do Jonas Vieira.

-Em 2005, Angela Merkel se torna a primeira mulher a ocupar o cargo de chanceler da Alemanha. Eu tenho uma grande admiração por ela, Jonas.

-É uma líder e tanto, Sérgio, uma prova da grandiosidade do povo alemão.

-Nascimentos. - impostou a voz.

-Jonas, esta data agora é da minha perfumaria: em 1710. nasce Wilhelm Friedmann Bach, organista e compositor alemão.

-Mais um Bach, Sérgio.

-A família Bach, Jonas, é de uma importância superlativa na história da música: foram mais de 50 músicos e muitos compositores exemplares.

-Sobressaindo o deus da música, segundo Villa Lobos, Johann Sebastian Bach, nome que traduzido para o português é João Sebastião Ribeiro.

-Não traduza, Sérgio, porque mais parece nome de motorista de ônibus.

-Em 1890, nasce Charles de Gaulle, estadista francês.

-Estadista mesmo; durante muitos anos, foi o nome proeminente da política francesa.

-Eu não gostei do De Gaulle quando ele comparou Sartre com Voltaire, o filósofo do iluminismo, extremamente lúcido, que não merecia essa comparação.

-Todos erram, Sérgio.

-Por outro lado, Jonas, gostei quando ele declarou: “Como se pode governar um país que tem 246 tipos de queijo?”

-O que inspirou o Millor Fernandes a dizer: “Como se pode governar um país que só tem queijo Minas e Catupiry?”

-Mesmo sem queijo algum no Brasil, a presidente... deixa pra lá, Sérgio, prossiga com o calendário.

-Em 1901, nasce Joaquin Rodrigo, compositor e maestro espanhol. Ele foi notável.

-Jonas Vieira concordou plenamente.

-Em 1913,nasce outro grande compositor, Benjamin Britten, que também era pianista.

A Inglaterra teve poucos compositores excelentes no campo da música erudita. Adotou o alemão Handel e, por um tempo, Haydn, depois da morte do príncipe Nicolau Eszterkázy, a quem estava ligado profissionalmente.

-Em 1922, nasce Marlene, cantora e atriz brasileira. A sensacional Marlene.

-Sensacional. - concordou o Jonas Vieira.

-Jonas, esta data aqui, o nascimento do jogador de futebol chileno, em 1940, Alberto Fouilloux, eu coloquei aqui por causa de um caso de que eu não me esqueço.

Sérgio Fortes, como estudou no tempo em que o idioma francês constava no currículo escolar, pronunciou corretamente o sobrenome do jogador, mais ou menos “fuilú”.

-Como foi? - mostrou-se o Jonas Vieira curioso.

-Eu escutava um jogo entre o Brasil e Chile, na Rádio Globo, pelo Waldir Amaral, quando a bola vai para o Fouilloux e ele faz a maior lambança. Então, o Waldir Amaral se reporta ao Washington Rodrigues: “Apolinho, o que foi que aconteceu?” “Waldir, o Fuilú failú”.

-Washington Rodrigues é uma das pessoas mais engraçadas que conheço. - salientou o Jonas Vieira.

Washington Rodrigues criou o termo “geraldinos”, os frequentadores da geral, e “arquibaldos”, os frequentadores das arquibancadas no tempo em que o Maracanã era um estádio para as grandes multidões.

-Em 1943, nasce Billie Jean King, grande tenista americana.

-Grande tenista. - ressaltou o Jonas Vieira.

-Falecimentos. - impostou de novo a voz.

-Em 1718, Barba Negra, um dos mais famosos piratas britânicos. Ele foi mestre no comando de chalupas a grandes embarcações da época.

-Quem matava as esposas era o Barba Azul. - lembrou o Jonas Vieira.

Barba Azul servia para ser secretário do prefeito Eduardo Paes se batesse apenas.

-Em 1980, morria a atriz e escritora americana Mae West.

“Você está com um revólver no bolso ou ficou contente em me ver?”- perguntou ela a um admirador no filme “Uma Dama do Outro Mundo”, quando viu um volume suspeito.

-No ano 2000, morre Emil Zátopek, atleta tcheco. Num dia só, ele vencia mais de uma competição. Era conhecido como “A Locomotiva Humana”.

Emil Zátopek foi o único atleta a vencer as corridas de 5 mil metros, 10 mil e mais a maratona  em um mesmo Jogos Olímpicos, o de 1952 em Helsinque. Façanha inigualável.

-Jonas, hoje é o Dia do Músico.

-Que beleza, Sérgio.

-Dia de Santa Cecília, a padroeira.

-Os dois, portanto, tinham a obrigação de caprichar na seleção musical.

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

2987 - da gelada Sibéria 3


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5237                             Data:  22 de novembro  de 2015

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128ª VISITA À MINHA CASA

3ª PARTE

 

-“Always”, Irving Berlin, outro estrondoso sucesso que me vem, agora, à mente.

- Eu compus, em 1925, quando me apaixonei pela minha segunda e definitiva esposa, Ellin Mackay.

-Depois de treze anos da morte de Dorothy, você casou?

-Mas não foi fácil. Ela era herdeira de Clarence Mackay, um milionário católico. Ele se opôs de tal maneira à nossa união, que a enviou para a Europa, onde esperava que pretendentes mais interessantes para ele a fizessem se esquecer de mim.

-Você fez valer o seu talento musical e a cortejou de um modo irresistível, imagino.

-Ela retornou da Europa gostando ainda de mim, enquanto o seu pai declarava à imprensa que o nosso casamento só aconteceria sobre o seu cadáver. Resolvemos, então, fugir e casar numa cerimônia simples longe da mídia.

-O pai deserdou a filha?

-Deserdou e, quatro anos depois, faliu com a queda das ações na quebra de Wall Street em 1929.

-Contam que você, esquecendo as maldades sofridas, financiou o seu sogro.

-Deixe isso pra lá.

-Seu casamento, dessa vez, não foi meteórico?

-Não, graças a Deus; fomos inseparáveis até ela morrer em 1988 com 85 anos. Em sessenta e três anos de casados, tivemos quatro filhos: Irving, que morreu criança, no Natal de 1928, Mary Ellin Barrette, Elizabeth Irving Peters e Linda Louise Emmet.

-Apesar de você ser insuperável em número de composições, letra e música, de qualidade, é justo frisar que as músicas não brotavam da sua cabeça, que você suava para cria-las.

-Que eu sentia as dores do parto, como disse Beethoven depois de sofrer para dar à luz à sua única ópera? – riu com a comparação.

Após uma breve pausa, prosseguiu:

-Suei sangue de verdade quando compus “Annie Get Your Gun”.

-Considerada uma das maiores produções da história da Broadway. – interferi.

-A trilha sonora de “Annie Get Your Gun” era uma incumbência do meu grande amigo, um dos maiores compositores da história da música popular, Jerome Kern. Desafortunadamente, ele sofreu uma hemorragia cerebral e faleceu. Os produtores Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II me convenceram a levar a tarefa adiante. Eu relutei, pois sabia que substituir Jerome Kern à altura era quase impossível.

-Mas tudo saiu bem; “Annie Get Your Gun” foi o maior triunfo obtido na Broadway, até então, com 1.147 apresentações ininterruptas. – observei.

-Eu não acredito em inspiração, eu acredito em trabalho. Em 1916, quando eu estava com 28 anos de idade, concedi uma entrevista em que disse que, quando tinha de escrever uma canção madurando no meu cérebro, ia para casa, jantava por volta das oito horas, e depois, trabalhava nela se, preciso, até às quatro, cinco horas da manhã. Até 1962, quando me aposentei com setenta e quatro anos, foi mais ou menos assim.

-Você foi um compositor tão profícuo que foi criado o “Music Box Theater” exclusivamente para as suas criações.

O “Music Box Theater” foi elaborado pelo arquiteto C. Howard Crane, em 1921 e construído por mim e pelo produtor Sam H. Harris com o objetivo específico de pôr em cartaz as minhas peças de teatro musical. Nesse ano de 1921, eu já compunha bastante, mas o produtor apostou em mim.

-Era o único teatro da Broadway dedicado as representações de um só compositor. – pontuei.

 -Era pequeno, mil e nove lugares sentados, mas, para mim, me bastava.

-A canção mais gravada da história, durante muitos anos, é sua: “White Christmas”, “Natal Branco”.

-Composta por um judeu. – riu.

-Vendeu 50 milhões de discos em 1942, quando o mercado não tinha a dimensão de hoje, quando a venda de 5 milhões de discos já é uma façanha! – exprimi meu assombro.

-Evidentemente que, ao compor essa canção, eu não imaginava nem de longe essa marca, mas a popularidade do Bing Crosby ajudou.

-Em 1942, as gravações eram feitas numa chapa.

-Eram os discos de 78 rpm, o material usado na fabricação era a goma-laca, antes, era o ebonite. O LP só surgiria em 1948. - acrescentou.

-Pois é; de uma única chapa de gravação, um número elevadíssimo de cópias poderiam ser feitas, contudo “White Christmas” vendeu tanto que extrapolou esse valor e uma nova chapa de gravações teve de ser feita, pois a demanda persistia.

-É verdade – confirmou. O Bing Crosby teve de fazer uma nova gravação e, coitado, teve de reproduzir tudo igualzinho, cada respiração tinha de ser idêntica à da gravação original. O público não poderia notar a menor diferença que fosse.

-E ele conseguiu?

-Bing Crosby foi um grande profissional; conseguiu.

-Essa canção evoca anseio nostálgico e as pessoas se identificaram com ela, além da beleza da melodia naturalmente. Mesmo nos países tropicais, como o Brasil, o sucesso foi grande.

-O menino dentro de mim nunca saiu. – declarou.

Respirou fundo e prosseguiu:

-Ao longo da minha vida, eu tinha por hábito visitar os lugares onde passei a minha infância de vendedor de jornais, de garçom de Café, de artista de rua. Passava pela Praça Union, Chinatown, o Bowery, “Lower East Side.” Lembrava as moedas que recolhia dos populares que gostavam do meu canto, os cortiços onde dormia.

-Você, Irving Berlin, visitava os velhos fantasmas.

-Todo homem deve ter um “Lower East Side” em sua vida.- declarou.

-Eu entendo; lá, o seu caráter foi formado.

-Todo o meu ser. – foi enfático.

-Dizem os seus biógrafos que você nunca esqueceu os amigos, quando passou a ganhar rios de dinheiro, que sempre foi simples até na maneira de ser vestir, jamais foi um janota.

-Sim, ganhei e doei muito dinheiro. Certa vez, meus advogados me aconselharam a depositar a minha fortuna em paraísos fiscais, disse-lhes um peremptório não. “Eu quero pagar impostos. Eu amo este país.”

Fez uma pausa e prosseguiu:

-Visitar velhos fantasmas... Fantasma, isso sim, era a minha casa queimada pelos cossacos em Tyumen. As minhas idas e vindas de “Lower East Side” me revigoravam.

-Você disse que se aposentou com 74 anos, mas eu acredito que ainda portava por, mais ou menos uns vintes anos, o fogo da criação.

-Parei em 1962, porque o mundo mudara muito. Eu fazia canções, trilhas sonoras, música, enfim, que espelhava o gosto do americano comum, mas ele não era mais o mesmo. Porém, reafirmo, que até os cento e um anos de idade, eu não deixei de amar a América.

-Você morreu em Nova York.

-Sim; e fui enterrado no Cemitério de Woodlawn no Bronx.

-Depois dos cinco primeiros anos de vida turbulentos, você morreu sossegadamente, dormindo.

Não ouviu as minhas palavras, já havia partido para outras paragens.

    

  

 

 

2986 - da gelada Sibéria 2


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5236                                  Data:  21 de novembro  de 2015

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128ª VISITA À MINHA CASA

2ª PARTE

 

-Como a sua educação se deu, praticamente, nas ruas, você, Irving Berlin, foi um músico autodidata?

- Eu tenho uma ideia, um título, uma frase ou uma melodia, que vai se formando na minha cabeça. Quando a canção se completa, eu a memorizo e a canto para o arranjador que as escreve no pentagrama.

-Mas você tocava piano.

-Eu só tocava as teclas pretas do piano. Eu havia comprado um piano de segunda mão em 1909. Quando pude, financeiramente, adquiri um piano especial, com uma tonalidade abaixo no teclado, que me possibilitou transpor minhas músicas mecanicamente.

-Esse piano, Irving, está num museu da Bélgica.

-Devo muito a ele.

-Muitos especialistas dizem que foi bom você seguir o seu dom natural para a música, pois a teoria musical, caso a estudasse, poderia dar cãibras no seu estilo.

-Quando o meu amigo George Gershwin pediu a Ravel que lhe ensinasse música, ele lhe disse: “É preferível você ser um ótimo Gershwin a ser um mau Ravel”. Isso foi quando Gershwin resolveu se concentrar apenas na música clássica.

-Sim, Irving, mas música popular, ele, podemos dizer, aprendeu com você. Disse Gershwin que a sua música tem vitalidade, tanto rítmica quanto melódica, que nunca perde a sua frescura exuberante. Que o seu fluxo melódico colorido é uma maravilha.

-Nossas famílias fugiram das perseguições aos judeus na Rússia para a América. Gershwin era um ótimo pianista, não foi o meu caso.

-Sim, porém, ele deixou registrado que aprendeu muitas coisas com você, que o seu ragtime, o seu jazz, a sua música, enfim, era o único idioma musical que expressava adequadamente a América.

-“Alexander’s Ragtime Band”, o meu primeiro grande sucesso, composto em 1911, não era, na verdade, um rag, como o do Scott Joplin, de dez anos atrás, mas uma marcha. Mas gostaram tanto dela que o ragtime ressurgiu com toda força.

-Voltando a Gershwin, ele declarou que “Alexander’s Ragtime Band” era o primeiro trabalho musical realmente americano, que você mostrou o caminho a todos os compositores, que, agora, era mais fácil atingir “o nosso ideal”.

-Foi um sucesso não só nacional como internacional – admitiu apesar da sua modéstia.

-Os russos também adoraram essa música, também, por ironia, a família imperial. Contam que, num baile, em Londres, o príncipe Felix Yusupov, descendente de Frederico da Prússia, herdeiro de um latifúndio maior que o do czar, se esbaldou com a sua música. Uma tal de Lady Diana Manners, devia ser a namorada dele, comentou irritada que o príncipe se contorcia  no salão como um verme demente gritando por “mais ragtime e champanhe”.

-Essa Lady não foi a única a antipatizar com a minha música.

-Sim, Irving. Um médico alemão, Ludwig Gruener, afirmou que “Alexander’s Ragtime Band” era uma ameaça pública, que o ragtime produzia a histeria que é uma forma de loucura.

-Exagerou, não?

-Cinquenta anos depois, mais ou menos, falariam a mesma coisa do “rock”. - observei,

A minha ambição era chegar ao coração dos americanos comuns, não confio muito nos intelectuais. Meu público são as pessoas reais, que lutam no dia a dia pela vida. - enfatizou.

-Os seus primeiros triunfos se deram com músicas sincopadas, dançantes, mas você logo partiu para as canções românticas.

-O ritmo do ragtime não era apropriado para expressar o romantismo, comecei, então, a ajustar o meu estilo para canções de amor.

-Citam, então, “I Love A Piano”, de 1915.

-Essa canção refletia um amor erótico, com ritmo de ragtime e comicidade. Compus a minha primeira música triste quando perdi minha esposa.

-Como foi isso?

-Em 1912, quando eu estava com 24 anos de idade, casei-me com Dorothy Goetz, irmã do meu colega de profissão, E.Ray Goetz. Nosso casamento durou escassos seis meses; na lua de mel, em Havana, ela contraiu a febre tifoide. Tentei sublimar a minha tristeza compondo “When I Lost You”, “Quando Eu perdi Você”; foi a minha primeira balada.

-Vendeu mais de um milhão de cópias. – lembrei.

-O êxito foi, em parte um consolo, mas se passaram muitos anos até eu pensar em outra esposa.

-Nessa sua transição do ragtime para as canções de amor, você compôs baladas.

-Eram baladas líricas, como “Uma Menina Bonita É Como Uma Melodia”. Essa foi para os espetáculos de Ziegfeld Follies.

-Em 1º de abril, o presidente Woodrow Wilson declarou a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. - lembrei.

-Tínhamos de ser, agora, mais americanos do que nunca. Eu tinha de retribuir à pátria que me acolheu quando a minha família foi escorraçada.

-Em 1917, você, com 29 anos de idade, foi convocado para o exército e isso, evidentemente, já sendo um nome nacional, foi manchete.

-Compus canções patrióticas, de incentivo ao soldado americano, e contribuí, financeiramente, para o esforço de guerra. Era o mínimo que eu poderia fazer.

-Às portas da Segunda Grande Guerra, em 1938, você compôs “God Bless America”, na versão para o português, “Deus Salve a América”.

-Eu pedia a Deus para abençoar a América.

-Tornou-se o segundo hino dos Estados Unidos.

-Eu compus “God Bless America” para comemorar o vigésimo aniversário do armistício da Primeira Guerra Mundial.

-O belicismo entre os países é tal que se tornou uma canção patriótica atualíssima em 1938. Mesmo agora, em 11 de setembro de 2001, quando atentados terroristas derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, com mais de três mil mortos, os senadores e congressistas americanos, nas escadarias do Capitólio, cantaram “God Bless America”.

-Eu concebi essa canção patriótica como expressão da minha eterna gratidão pelo país me acolheu com a minha família e onde eu tive a oportunidade de fazer a minha vida. Eu não pus, na letra, a terra que nós amamos, e sim a terra que “eu” amo.

-Essa canção, no momento, 1938, foi interpretada também como a vitória do país depois de nove anos da Grande Depressão. Com a Guerra contra os nazistas, tornou-se o segundo hino dos Estados Unidos.

-Eu cresci, em Lower East Side, ouvindo a minha mãe dizendo repetidamente “God Bless America”, que, graças a América nós sobrevivemos. Essa expressão ficou na minha mente durante anos e anos, até que um dia, eu a transformei numa canção patriótica.

-O presidente Eisenhower o condecorou com a Medalha de Ouro do Congresso por ela.

E acrescentei:

-Por ela e muitos outros serviços seus prestados à nação americana.

-Não fiz mais do que a minha obrigação.

-Mas “God Bless America” foi um dos inúmeros sucessos estrondosos seus como compositor. - acentuei.

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

2985 - da gelada Sibéria


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5235                                Data:  20 de novembro  de 2015

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128ª VISITA À MINHA CASA

 

-Irving Berlin, os musicólogos chamam atenção que, dos cinco maiores compositores americanos, só você e Cole Porter escreveram letra e música. Um deles chama a atenção para o fato de Cole Porter ter nascido em berço rico, estudado na Universidade de Yale, enquanto a sua formação se deu na pobreza das ruas.

-Eu morava com meus pais, quando viemos para a América, numa espécie de porão, sem janelas, em Lower Easy Rider, a zona dos teatros iídiches de Nova York.

-Voltando ao tal musicólogo, Irving, esse musicólogo observa que você logo caiu no gosto popular enquanto Cole Porter só o conseguira depois dos 30 anos, além de você ter incentivado Cole Porter a deixar Paris e retornar para América, pois ele conseguiria um sucesso igual ao seu.

-A história não foi exatamente esta... – mostrou-se reticente.

-Irving, você é o compositor que melhor retratou a América, isso é quase uma unanimidade, mas vê nasceu na Rússia, precisamente, na Sibéria.

-Era muito gelado lá. A água do nosso porão, em Lower Easy Rider apesar de fria, era bem mais quente. - brincou.

-Você nasceu na cidade de Tyumen, em 1888, quando a Rússia vivia ainda sob o império czarista?

-Isso; meu nome era Israel Isidore Beilin. Os judeus sofriam perseguições e a minha família, como outras, veio para os Estados Unidos da América.

-Como se chamavam seus pais?

-Leah e Moses Beilin, que cantava em sinagoga e de quem herdei o gosto pela música.

-Quando se mudaram para a América?

-Em 1893; eu estava com cinco anos de idade.

-Lembra-se ainda de alguma coisa da sua primeira infância na Rússia?

-Recordo-me de que estava deitado em um cobertor ao lado de uma estrada e via minha casa crepitar em chamas.

-Era o terrível “pogrom”.- lastimei.

-O mais novo czar, Nicolau II, reacendeu os pogroms antijudaicos.  Escaparam para a América as famílias de George e Ira Gershwin, Al Jolson, Jack Yellen, Louis B.Mayer, enfim, os Warner Brothers, produtores de cinema, e outras.

-A vida foi dura na América?

-No início, sim; meu pai, sem conseguir um emprego de cantor litúrgico, trabalhou no mercado de carne e, para nos sustentar, teve ainda de dar aulas de hebraico. Infelizmente, não viveu muito; morreu quando eu estava com 13 anos de idade.

-Você não pôde, então, ser um adolescente que frequenta à escola como os outros jovens. Sentiu logo as agruras da vida.

-As agruras da vida eu senti na Rússia. Em Lower Easy Rider, eu estava vivo e com muita saúde. Para ajudar nas despesas de casa, tive de sair da escola e arrumei um emprego de vendedor de jornais logo que o meu pai morreu.

-Há uma história inesquecível para você quando começou a trabalhar.

-Eu estava tão fascinado, no porto de Nova York, observando um navio partindo, que não notei um guindaste que, balançando, jogou-me ao mar. Fui literalmente pescado e deixei todos boquiabertos porque não larguei, do meu punho cerrado, cinco moedas de um centavo. Era a receita do dia e minha contribuição para o orçamento familiar.

-E a sua mãe?

-A minha mãe, que na América, passou a ser chamada de Lena, trabalhou como parteira; três das minhas irmãs trabalhavam embrulhando charutos, e meu irmão mais velho, numa fábrica de camisa. À noite, encerrado mais um dia de trabalho, nós colocávamos a receita do dia no avental estendido da nossa mãe.

-O historiador de música, Philip Furia escreveu que, com oito anos de idade, “Izzi”...”Izzi”?

-Meu nome é Israel, esqueceu-se?... “Izzi” era uma maneira carinhosa de chamarem os que tinham esse nome.

Depois desse esclarecimento, continuei:

-Plilip Furia escreveu que você, com essa idade, já vendia jornais e escutava com atenção as canções do Bowery, um lugar musical e que se  entretinha com os cantos que vinham através das portas dos bares e restaurantes que se alinhavam nas ruas de nova York.

-É verdade; começou daí a se entranhar em mim o gosto pela música popular. Algumas dessas canções eu cantava enquanto vendia jornais e ganhava dinheiro também por isso. Foram os meus primeiros ganhos com a música.

-Por favor, Irving, conte-nos mais sobre esse período da sua vida.

-Com muitas dificuldades e pouca instrução, eu intuí que não havia possibilidade de eu conseguir um emprego formal, que o jeito era seguir a habilidade que veio do meu pai: cantar. Assim, eu e mais uns garotos fomos para os saloons, no Bowery, e cantamos para os clientes. Havia jovens itinerantes, como eu, pelo Lower East Side que cantavam baladas populares na esperança que alguém lhe jogasse alguns tostões.

-Vocês eram como os garotos dos romances de Charles Dickens, que viviam no meio da sujeira, na mesquinhez, lidando com a insensibilidade de muitos adultos.

-De certo modo sim. Mas como tenho saudade daquele tempo em que eu era artista de rua! Estava cheio de saúde, lutando para ganhar a vida!

-Seus biógrafos disseram que foi nesse ambiente sórdido, que o garoto fugitivo, recebeu sua educação real e duradoura, que você surgiu, culturalmente, do estilo da vida de gueto, da aprendizagem da linguagem da rua.

-Como eu tenho biógrafos! Explica-se: vivi cento e um anos.- brincou.

-A explicação é que você escreveu letra e música de mais de três mil canções, além de compor para 19 shows da Broadway e 18 filmes de Hollywood.

-Não sei se cheguei a três mil canções ou se superei este número.

-Contam que você trabalhava como garçom no Café Pelham, em Chinatown, quando pediu ao dono do local que tivessem também uma música porque a taverna concorrente, ao lado, tinha a sua própria canção.

-É verdade; ele foi receptivo à minha sugestão, e eu escrevi “Mary from Sunny Italy”.

-Maria da Itália Ensolarada. - traduzi.

-O pianista do café, Nick Nicholson, pôs a música nos meus versos. Foi o meu primeiro trabalho como compositor profissional.

-Ganhou quanto, Irving Berlin?

-Trinta e sete centavos de dólar. - respondeu-me com um sorriso generoso.

-Nos seus primeiros passos, como compositor, você era só letrista?

-Sim. Um dia, escrevi a letra de “Dorando” e procurei alguém que a vestisse com uma melodia. Eu até venderia a letra, se fosse o caso, mas não encontrei ninguém. Por que eu mesmo não componho a melodia? – perguntei-me. E compus; assim foi praticamente com todas as minhas canções que vieram depois.

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

2984 - Didi traidor


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5234                                 Data:  18 de novembro  de 2015

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SABADOIDO

 

-Claudio, tem ido ao cinema?

-Carlinhos, o cinema está muito caro. Vou muito raramente.

-Idoso paga mais barato; aproveite. Veja o Xalulu: Vê até cuspe à distância no Engenhão, porque entra sem pagar.

-O Xalulu assistiria, se houvesse no Engenhão, até arremesso de anão. - acrescentei.

-Arremesso de anão eu assistiria também. - disseram a quase uma só voz meu irmão, o Daniel e a Gina.

-Num discurso de paraninfo, o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, disse que os anões se revoltaram contra uma medida que proibia esse “esporte”. Eles se sentiram desprestigiados.

-No cinema, mesmo para o idoso pagando menos pela entrada, é caro. - voltou meu irmão ao assunto.

-Em economia, chama-se free rider, aquele que paga menos ou não paga; são os idosos, os estudantes na maioria das vezes. Há muitos idosos e estudantes de famílias abonadas que deveriam pagar tudo. Quem acaba pagando por eles são os outros consumidores que, muitas vezes, têm menos posses.

-Concordo, Carlão, por isso o ingresso do cinema, do futebol é tão caro. - manifestou-se meu sobrinho.

-Quanto ao cinema, eu só assisto aos filmes da televisão; para mim, não faz diferença. - disse a Gina.

-Eu tenho um colega de trabalho, que é xará do atual Ministro da Fazenda, que, quando pega o metrô comigo, não se conforma porque eu pago a passagem.

-Carlão não quer ser idoso.

-Eu não quero ser free rider, Daniel.

-Bobagem sua, porque o metrô embolsa mais dinheiro ainda.

-É verdade. - concordou o Claudio.

-Lembram-se do preço do cinema no passado? - perguntei.

-Eu não me lembro. - pilheriou meu sobrinho.

-Houve, uma vez, no Cine Cachambi, um festival de filmes nacionais, de segunda a domingo um filme diferente e nós assistimos a todos sem exceção, sem problemas de dinheiro, que era escasso lá em casa.

-Problema foi o filme da segunda-feira, “Amei um bicheiro”, que era proibido para menores de 18 anos, mas nos deixaram entrar porque estávamos com a mamãe. - recordou meu irmão.

-O filme de domingo era “Nem Sansão nem Dalila”. Eu estava tão fixado na Fada Santoro, que nem notei que o Oscarito faz um discurso imitando o presidente Getúlio Vargas.

-Ele imita mesmo, Carlão?

-Imita; claro que a criançada da plateia não entendeu essa ironia; eu só soube quando revi o filme na televisão poucos anos antes.

-Eu e minha irmã íamos ao cinema também e, apesar de não sermos de família rica, não havia problemas com o preço das entradas. - disse a Gina.

-Só uma vez houve problema...

-Comigo, não. - cortou-me o Claudio.

-Aconteceu comigo e com a nossa irmã em um filme do Mazzaropi. Era um domingo; e, quando fomos comprar as entradas, a bilheteira nos disse que, para aquela fita, o ingresso era mais caro. O nosso dinheiro não dava.

-Vocês voltaram? - interessou-se a Gina.

-Voltamos e recorremos ao papai.

-O que ele disse, Carlão?

-Papai meteu a mão no bolso esbravejando: “Eles é que têm de pagar para vocês verem os filmes do Mazzaropi”.

-Seu Amaury tinha razão. - disse a Gina com um sorriso.

-Certamente, pois, dos filmes brasileiros daquela época, só não consigo rever os do Mazzaropi. - concordei.

-Os paulistas adoravam. - assinalou meu irmão.

-Se a minha memória não falha, creio que foi, nesse domingo, que encontramos, na volta do cinema, o papai exultante porque o Fluminense, já campeão carioca de 1959, jogou a última partida do campeonato contra o Botafogo e empatou de 3 a 3 depois de estar perdendo de 3 a 1. “Queriam dar baile no campeão e se deram mal” - dizia o papai revoltado com essa “audácia” dos botafoguenses.

-Carlinhos deu sorte de estar no cinema, se não, o papai ia correr atrás dele.

-Carlão, ele fez isso com você?

-Só uma vez, Daniel; em 1958, quando o Botafogo venceu o Fluminense por 2 a 1. Ele correu atrás de mim, subi no muro, daí para o telhado da fábrica EMPER.

-Quem mandou virar casaca? - manifestou-se a tricolor Gina.

-Criança não pode sofrer desilusões muito fortes. No jogo do turno do campeonato de 1957, o Fluminense ganhou de 1 a 0 do Botafogo e eu enlouqueci quando o Castilho agarrou o pênalti batido pelo Didi. Eu dava saltos na cama agarrado a um travesseiro, com se eu fosse o Castilho e o travesseiro, a bola. Quando jogaram decidindo o campeonato, eu estava empolgadíssimo. Aqueles 6 a 2 me deixaram arrasados. - justifiquei-me.

-E por isso, Carlão, vira para o lado do inimigo?

-Daniel, o Botafogo tinha Garrincha, Nílton Santos, Didi, Paulo Valentim, que fez cinco gols nessa decisão, um deles de bicicleta.

-Naquela época se televisionava todos os jogos do Maracanã – disse meu irmão.

-Eu assisti à decisão na TV da casa da vovó, a mamãe não ficava um domingo sem ir lá. Saímos antes do término da partida. No ônibus, soubemos que o Fluminense marcara um gol, veio uma esperança de reação, mas, em casa, soubemos da derrocada.

-Você virou casaca logo, Carlão?

-Não, talvez uma semana depois.

-O que aconteceu quando você comunicou o divórcio ao seu pai? Porque isso é traumático como um divórcio.

-Talvez ele tenha pensado que era uma reação momentânea. Lembro-me que fui patrulhado até pelo noivo da irmã mais nova da mamãe que era vascaíno; durante um tempo, ele só me chamava de vira-casaca.

-Vou tocar teclado. - soergueu-se meu sobrinho do banco de alvenaria que dividia com a mãe.

-Fique mais um pouco para saber a causa de você ser Fluminense. -disse-lhe.

-Eu já sei; sou Fluminense porque tem as cores mais bonitas, os maiores craques...

-Você é Fluminense porque pertence a uma dinastia: avô paterno...

-Avô materno também. - interrompeu-me a Gina.

-Avôs, pais...

-E o bisavô?

-Claudio, eu acho que o nosso avô gostava mais de turfe do que de futebol.

-Ele também era tricolor, não tão fanático como o filho. - garantiu meu irmão.

-Bem, agora vou para o teclado tocar o hino do Fluminense.

-Se for gravar, Daniel, faça como o pianista Arthur Moreira Lima, que o dedicou ao Ademir, ao Didi e ao Castilho. - aconselhou o Claudio.

-Ao Didi não, que ele participou daqueles 6 a 2 de 1957. É um traidor.

-Nesse dia, depois do jogo, Didi, pagando uma promessa, Didi foi a pé do Maracanã a General Severiano seguido por uma legião de fãs, mas, em respeito ao Fluminense, passou o mais longe possível da Rua Álvaro Chaves. - lembrei.

-Então está perdoado. - disse a Gina, enquanto o Daniel rumava para o teclado.

 

     

 

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

2983 - viagem de táxi ao passado


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5233                               Data:  17 de novembro  de 2015

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213ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Este taxista do ponto da Rua Magalhães Couto eu não conhecia, por isso, mal sentei no banco da frente, disse-lhe que ia para a Rua Modigliani.

-Na Praça Mané?

Por que tiraram o francês do currículo escolar? - pergunto-me sempre que ouço os nomes dos pintores e escultores sendo estropiados. Bem, pelo menos eu não ia para a Rua Rouault, que fica do outro lado de Del Castilho; o estrago seria bem pior.

-A Rua Modigliani não é aquela onde fica uma academia de ginástica da terceira idade?

-Essa mesma; foi colocada lá na campanha eleitoral de 2014.

-A ideia foi da Cristiane Brasil, filha do Roberto Jefferson. - assinalou.

-Sim, mas nem falaram dela; não apareceu um galhardete, um só santinho da Cristiane Brasil. Parecia que a academia estava ali, no conjunto residencial do IAPC de Del Castilho, graças ao Pedro Paulo.

-O queridinho do Eduardo Paes?

-Ou queridão. - acrescentei.

Apesar de nos vermos pela primeira vez, ele mostrou um entusiasmo para a conversação que superava o de muitos taxistas velhos conhecidos meus.

-Se eu morasse por ali, não deixaria de, pelo menos três vezes por semana, de me exercitar naquela academia.

-Eu caminho nos fins de semanas e feriados e dedico as terças, quartas e quintas-feiras aos exercícios em alguns daqueles aparelhos.

-Isso de noite? - interessou-se.

-Não, por volta das 4 horas da tarde, depois que chego do trabalho.

-Pega aquele sol brabo?

-Pegava pensando que fosse benéfico, que o sol me supria de vitamina D, depois do que eu soube, tratei de procurar as sombras.

-Depois do que soube?...

Às palavras dele, vi-me obrigado a me estender sobre o assunto.

-Eu ouvi, no rádio, a entrevista de um oncologista, com especialidade de câncer de pele, aconselhando a nós a usarem protetor solar, que essa cultura do bronzeamento faz um mal terrível aos brasileiros.

-Mais às brasileiras, que vivem de bunda para cima tomando sol, e não é só nas praias, não.

A palavra voltou para mim.

-Quando a entrevistadora perguntou ao médico sobre a vitamina D, que tem o sol como a sua maior fonte, ele disse que, quando se é muito jovem, o organismo metaboliza bem a vitamina D proveniente do sol, depois, não, que é mais seguro se proteger. Concluiu dizendo que, nos países onde o sol pouco aparece, como na Inglaterra, todos sofreriam de carência de vitamina D e isso só não acontece porque eles se alimentam bem.

-Olhe a academia lá. - disse, quando chegamos à Rua Modigliani.

-Daqui a uns 15 minutos, estarei lá. - disse-lhe.

-Vai levar o protetor solar?

-Nunca usei isso na vida, bastam-me as sombras.

No dia seguinte, eu não peguei o táxi para Del Castilho e sim para o Engenho Novo; ia, precisamente à casa da minha sobrinha que aniversariava. A cooperativa era outra e o taxista me era também desconhecido.

-Eu morei nesta parte da Rua São Gabriel; há muito tempo que não passo por aqui.- disse-lhe.

-Da Rua Cachambi até cá é uma subida, mas dá para enfrentar a pé.- observou.

-Eu era tão jovem, na época em que aqui morei, que podia subir isso tudo que a minha respiração não se alterava. Meus pais não se queixavam também, a única reclamação do meu pai era com a falta d' água, dizia ele que a subida dificultava a chegada da água às nossas bicas. Mas isso foi no início dos anos 60, depois o governador Carlos Lacerda, excelente administrador, fez obras no Guandu que, praticamente, resolveram esse problema de séculos.

-Esse Eduardo Paes só faz obras de fachada. - criticou.

-Olha a Rede Economia – vibrei logo depois que o táxi dobrou a São Gabriel e entrou na Rua Cachambi.

E prossegui:

-Era a terceira opção de compras da minha mãe: Walmart, Carrefour e Rede Economia.

-O que aconteceu, ontem, na Rede Economia...

Com a interrupção da fala no meio, ele conseguiu o que desejava: deixar-me curioso.

-O que aconteceu?

-Surgiu lá uma senhora, carregando uma panela com um frango cozido que ela dizia estar estragado. Veio o gerente, e ela esbravejou que o frango era de lá. Ele cheirou a panela e disse que não havia nada de estragado. Sabe o que ela fez?  Jogou a panela com o frango no chão; quase pegou nos meus pés. Ficou aquela porcaria toda bem na entrada do supermercado.

-O povo anda revoltado. - generalizei.

-Dia desses comprei um presunto – prosseguiu. Ao chegar em casa, minha mulher achou que ele estava com a cor suspeita.

-Voltou para trocar?

-Não havia certeza de estar estragado ou não, por isso eu e minha mulher resolvemos comer, mas nosso filho ficou de fora.

-Uma intoxicação com presunto é bem pior do que com frango. - observei.

-Não há a menor dúvida. - concordou.

Essa parte do diálogo se deu na subida da Rua Coração de Maria.  Quando passamos pela Arquias Cordeiro, esquina com a Rua Padre André Moreira, disse-lhe que o Visconde de Cairu foi um ótimo colégio na época em que lá estudei.

-O ensino caiu muito em escola pública. - concordou.

-Como é mesmo o nome da rua que pegaremos para ir ao Buraco do Padre? - indaguei.

-Sousa Barros.

-Essa mesmo, ela emenda com a Arquias Cordeiro.

-Passam anos, décadas mesmo, e isto aqui continua a mesma coisa. - observou.

Enquanto ele falava, vinha-me à mente o Foto Quesada, onde posei para muitas fotografias 3 por 4. Recordei-me também da gozação que um colega da Rua Chaves Pinheiro sofreu, porque dissera que entrou com o carro na “reta” do Quesada. Nem o Fangio, que vencia corridas de Fórmula 1, porque acelerava nas curvas como se elas fossem retas.

-Há alguns lugares no Rio de Janeiro que não mudam, as casas não recebem uma pintura, é a mesma penúria do passado, as mesmas rachaduras com capim nas casas. - disse ele.

Enquanto passávamos pelo Buraco do Padre para chegar ao outro lado da linha férrea, na Rua Vinte e Quatro de Maio, ele citava alguns desses lugares, que não eram poucos.

E assim, nessa corrida que foi meio saudosista, cheguei à casa da minha sobrinha aniversariante.