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terça-feira, 14 de junho de 2016

3025 - SX Pega na mentira!


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5274SX                           Data: 14 de junho de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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O Anão da Kombi
Dizia minha avó: "Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe!" Demorou, mas pude comprovar, mais uma vez, que Dona Zélia, como sempre, tinha razão.
Aconteceu na casa do Dieckmann, numa reunião do "Clube do Bondinho", encontro de colecionadores de carros antigos promovido nas noites de segunda-feira. Pela enésima vez me fora solicitado contar a história do "Anão da Kombi". Relato inevitável, diante da presença de algum novato, ou visita de um colecionador de fora. Ou repetida simplesmente por estar há muito ausente do "hit parade", ainda que exaustivamente conhecida de todo mundo.
Disciplinadamente, com paciência superior à de Jó, comecei a contar a história. que, imagino, pode ser do interesse dos leitores do seu "O Biscoito Molhado ".
É preciso retroceder muitos anos no tempo. Estava eu com meu fusquinha 68, azul médio, na Rua Bambina, quase esquina de São Clemente, instalando um Motorádio no dito cujo. Havia ali uma quantidade de lojas de auto-peças, hoje desaparecidas. A cada mês o Volkswagen ganhava acessórios que me faziam transbordar de orgulho: botões pretos para o painel, rodas aro 13, volante Fórmula 1...O carro, definitivamente, estava ficando campeão...
Pacientemente, eu acompanhava a instalação de dois alto-falantes embaixo do banco traseiro. Com o que, eu acreditava, meu veículo iria desbancar a mesa de som do "Le Bateau".
De repente, não mais que de repente, a Bambina é tomada por um barulho ensurdecedor. Um fusca "brabo" com descarga aberta ? Quem sabe alguém conhecido...Nada disso. Quem se aproxima em alta velocidade, mas incapaz de andar em linha reta, é uma kombi! Depois de uma freada assustadora, ela sobe, sem cerimônia, a calçada onde estou a paparicar o meu fusca. Estou preparado para conhecer o intrépido piloto da kombi. Alguém que conheço? Frequentador do "Postinho" ? Quem será ? Abre-se a porta do pão de forma e dele desce, com razoável malabarismo, um anão!
Em segundos constatei que o sujeito era super conhecido no pedaço. Dava ordens, sacaneava uns e outros, implicava com a cara de todo mundo...
Eu permanecia encucado. Como é que aquele sujeito, do alto do seu metro e vinte, guiava aquela kombi com tal desenvoltura ? Aproveitei a distração geral para me aproximar do bólido, que ainda tinha a porta entreaberta. Matei a charada: os pedais da kombi estavam calçados com imponentes tocos de madeira. Altos o suficiente para viabilizar o sapateado do intrépido piloto.
Visitei as lojas da Bambina em outras oportunidades, mas nunca mais encontrei o anão da kombi. Em alguma reunião remota do "Clube do Bondinho" tive a má ideia de contar essa história. Fez um sucesso danado mas foi ouvida com evidente desconfiança. Pior de tudo, fui condenado a repeti-la dezenas de vezes nos últimos trinta anos.
E recentemente, para agravar a situação, o Dieckmann, Comodoro do Clube, baixou um regulamento: a partir das dez da noite, os participantes da reunião estavam liberados para mentir à vontade. Pois foi justamente no ano da graça de 2014 que fui salvo pelo gongo. Estava eu a repetir minha narrativa pela centésima vez, quando Carlos Alberto Torres, proprietário de belos automóveis e que não é o capitão da copa, mas um querido amigo de todos nós, deu um pulo interrompendo o meu relato: "É o Djalma! É o Djalma!".
Silêncio absoluto. Como é que pode, o Carlos Alberto, frequentador assíduo e antigo do Clube, nunca ter ouvido a minha história, contada em pelo menos 150 edições ? Carlos Alberto toma a palavra e passa uma hora falando sobre o Djalma, amigo de infância, vizinho de Botafogo e dono da loja da Rua Bambina. Insuperável piloto de kombis...
Fui tomado de um alívio incrível. Estava liberado de repetir a história do anão da kombi até o juízo final...Mas fiquei preocupado logo em seguida. Minha preciosa história caíra na vala comum...
Vou resolver esse problema. Numa próxima reunião do "Bonde" vou contar a história da menininha que instalou um motor de Galaxie numa Leonette.


quinta-feira, 14 de abril de 2016

3024 - SX Nas ondas do rádio


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5273SX                           Data: 14 de abril de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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                                   ARQUIVOS DE RÁDIO
Minha "carreira radiofônica" começou em 2001. Eu ocupava uma diretoria da Secretaria de Cultura da Cidade do Rio de Janeiro. O Secretário era o inesquecível Artur da Távola. Um belo dia cruzo com o Artur num corredor da secretaria e sou saudado com um efusivo "Meus Parabéns!". Não era meu aniversário e, ao que me constava, não havia nada a comemorar. Diante disso, devolvi : "Parabéns por que?". Artur foi rápido e incisivo : "Você acaba de ganhar um programa de rádio!".
Próximo de um colapso, recebi as devidas explicações. Meu amigo havia sido indicado para reformular a Rádio MEC, que estava muito caidinha. Recebera carta branca para tomar várias providências, entre as quais criar uma nova programação para a emissora. Faria isso com a ajuda dos seus amigos mais próximos. Tudo já estava delineado em sua privilegiada cabeça. Eu ficaria encarregado de comandar o "Clube da Ópera".
A idéia era excelente. Às 17 horas dos domingos a MEC apresentava a "Ópera Completa", programa que era produzido pelo Zito Batista Filho, se eu não me engano desde os anos 50. O "Clube da Ópera" seria transmitido uma hora antes. Aficionados da arte lírica por mim convidados iriam trocar ideias sobre a ópera que seria apresentada em seguida.
Com as dicas do Artur eu superei a tremedeira inicial e, modéstia à parte, penso que me saí bem. Grandes figuras participaram desses debates. Lembro meu querido amigo Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ. O editor Sebastião Lacerda. A juíza Comba Marques Porto. O meio-soprano Glória Queiroz, entre outros convidados também muito importantes.
Um grande fã do programa era o Carlos Nascimento, nosso inesquecível "Biscoito", que conheci através do Roberto Dieckmann. Frequentemente ele mencionava esses debates no "Biscoito Molhado", o que me deixava feliz da vida.
Minha segunda incursão radiofônica aconteceu anos mais tarde, também por convocação do Artur da Távola. Seu novo projeto era consertar a Rádio Roquete Pinto, devastada pelas administrações da família Garotinho. Passei a comandar "As Melhores Vozes do Mundo", outra "bolação" do Artur da Távola. Esse programa, ouso dizer, também deu muito certo.
Na Roquete conheci Jonas Vieira, outro personagem inesquecível. Quando fiquei impossibilitado de continuar com "As Melhores Vozes", juntei-me ao Jonas para produzir e apresentar o "Rádio Memória", que permanece no "hit parade" até hoje.
Par completar meu "curriculum radiofônico", faltou mencionar a " Rádio OSB ", que concebi quando ocupava o cargo de Diretor Executivo da Orquestra Sinfônica Brasileira. Com essa iniciativa, os concertos da OSB passaram a ser gravados, com excelente qualidade, sendo apresentados pela Rádio MEC nas tardes de domingo.
Meu trabalho radiofônico sempre demandou muita pesquisa e uma montanha de anotações. Não tenho talento para apresentar meus programas de improviso. Dezenas de cadernos atestam a trabalheira que tudo isso me deu.
Empenhado em manter acesa a chama do "Biscoito Molhado", ocorreu-me divulgar esses escritos junto aos nossos leitores. Começo hoje, com os dois textos que seguem:

                                 CHIQUINHA GONZAGA
Nem todos reconhecem o nome Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Mas todos conhecem Chiquinha Gonzaga, a compositora e pianista brasileira que foi a primeira chorona, primeira pianista de choro e primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Filha de um general do exército e de mãe humilde, ela era afilhada do Duque de Caxias.
Nasceu no Rio de Janeiro no dia 17 de outubro de 1847. Com dezesseis anos, por imposição da família, casou-se com Jacinto Ribeiro do Amaral, oficial da Marinha Imperial. Logo se separou. A causa? Ela foi proibida de se envolver com música.
Passou a viver como musicista independente, tocando piano em lojas de instrumentos musicais. Também dava aulas de piano, com grande sucesso. Foi aí que começou a compor polcas, valsas, tangos e canções, tendo formado um grupo de músicos para se apresentar em festas.
Chiquinha Gonzaga é considerada a primeira compositora popular do Brasil. Seu primeiro grande sucesso aconteceu em 1877, com uma polca intitulada "Atraente". É dela a marcha "Ô Abre Alas", primeira música escrita para o carnaval de que se tem notícia, e que foi produzida para o cordão "Rosa de Ouro", do Andaraí. Em seguida ela se dedicou ao teatro de revistas e de variedades. Estreou compondo a trilha da opereta "A Corte na Roça", em 1885. Em 1911 estreou seu maior sucesso no teatro, a opereta "Forrobodó", que alcançou 1.500 apresentações, marca até hoje não superada. Outro êxito foi a partitura da opereta "A Jurity", de Viriato Correa. Em 1934, com 87 anos de idade, ainda estava na ativa, preparando a música da opereta "Maria".
No total, Chiquinha Gonzaga escreveu música para 77 peças teatrais, sendo autora de mais de 2.000 composições. Ela participou ativamente da campanha abolicionista e ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.
                           
SOMEWHERE OVER THE RAINBOW
O filme " O Mágico de Oz " é um clássico do cinema norte-americano, tendo concorrido a seis estatuetas da Academia em 1939, inclusive a de melhor filme do ano. Essa produção envolveu algumas curiosidades. Parte do filme foi registrado em preto e branco, notadamente as sequências que se passaram no Estado do Kansas. Para outras sequências foi utilizado um negativo em tom sépia. Finalmente, as cenas de Dorothy e seus amigos no reino de Oz foram filmadas em Technicolor.
Mas o que nos interessa de verdade nesse momento é a canção do filme. "Somewhere over the rainbow" ganhou o Oscar de melhor canção de 1939. Seus autores são Harold Arlen e Edgar Yip Harburg. Registre-se aqui mais uma curiosidade. A canção, que viria a se tornar marca registrada de Judy Garland, nasceu com o título "Over the rainbow". Dele não constava a palavra "somewhere". E um detalhe a mais merece ser mencionado. A música, que vendeu milhões de discos durante décadas, foi gravada em estúdio por Judy Garland em 7 de outubro de 1938. A versão que ela gravou quando da produção do filme guarda diferenças em relação a essa primeira. A segunda não tem introdução e contém alguns versos diferentes. Esta versão, a do filme, só chegaria às lojas de discos em 1956, quando a Metro lançou o disco da trilha sonora, coincidindo com o momento em que o filme começava a ser exibido também nas redes de televisão norte-americanas.


quinta-feira, 24 de março de 2016

3023 - L Vou voltar, sei que ainda vou


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5272L                            Data: 24 de março de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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“QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA”

“A música popular me envolve,na medida
de tensões e emoçõesque me acontecem,
sejamsentimentais, sociais ou mesmo obscuras.
E então canto porque me encanto,
canto em qualquer canto e canto, por enquanto...” ...

Tem dias que a gente sente que alguma coisa precisa ou está para acontecer. Não é pressentimento, é o curso dos fatos; a voz é passiva, desenham nosso destino; é a “Roda Viva”.
Vento do mar no meu rosto vem do lazer gratuito que a Natureza nos proporciona.É tudo o que se tem, sem tributo, sem ônus. A calçada cheia de gente, em um ir e vir, parecendo bailar na “Valsa de uma Cidade”.
Meu coração, não sei porque fica fora do ritmo e não bate feliz. Ressente, e o que nele era poético, passa a ficar turvo. Perde a inspiração e deixa de ser “Carinhoso”.
O homem que diz: - dou, não dá, e todos me disseram isto e aquilo e todos acusaram todos e todos me enganaram. Coitado de mim, que caí no traidor “Canto de Ossanha”.
Os sonhos mais lindos, sonhei. Sonhei que as coisas se arrumariam e que dias melhores viriam. Muitos também sonharam, mas viram seus dias se acabarem. E dou conta de que meus dias, meses e anos também estão indo. E, como bobo, vivo numa eterna “Fascinação”.
Se a gente lembra, só por lembrar, que, nesta terra, tudo o que se planta,dá; que filho teu não foge à luta, pode-se perceber com imensa tristeza, que se trata de pura retórica, pois tudo amarga        Qui nem jiló”.
Por tanto amor, por tanta emoção, me engajei, me filiei, fiz campanha, rompi com teorias caducas, numa esperança sem fim. Hoje me contenho, vivo a um passo do extremo, penso duas vezes e, usando bom senso, sou”Caçador de mim”.
Quem acha, vive se perdendo. É assim que me encontro, nesse desgoverno e nas opções que me oferecem. Então, clamo para que os que estão dentro saiam, e os que estão fora não entrem. Faço isso em “Feitio de oração”.
Vidas que se acabam a sorrir, porque as lágrimas já secaram, no lamentar perdido das ilusões. Sigo em frente, tateando por caminhos escuros, diante de poderosos iluminados por “Luzes da Ribalta”.
Vai, vai, vai começar a brincadeira, há políticos no poder a vida inteira, com discursos demagógicos; há projetos fundamentados em asneiras; há mágicos que somem com tudo. Nas esquinas, o povo faz malabarismos e, no dia a dia, anda na corda bamba. Os dirigentes fazem desse país uma verdadeira gandaia, uma orgia só, uma baderna sem limites, enfim, O Circo.
É pau, é pedra, o que vejo nos embates de rua, numa luta feroz. Os que se antagonizam, empunham mastros sem bandeiras, têm os ideais iguais, as mesmas arrogâncias, iras e inocências. Para esfriar nossos ânimos, que venham logo e que nos lavemos nas Águas de Março”.
Caminhando contra o vento, contra toda adversidade, na surdina ou ao megafone, com punhos erguidos ou algemados, vou à cata de alguma “Alegria, alegria”.
Não me iludo, tudo permanecerá nessa desordem, bem organizada por combinações espúrias, jogando-nos uns contra os outros, num litígio sem fim. Espero que surjam novas formas pacíficas de convivência, transformando e ensinando o que há de melhor. E que apareça um novo “Tempo rei”.
Prepare seu coração pras coisas que se vislumbram para breve. As propostas que se oferecem são amargas como fel e os vírus que pululam, desafiam os pesquisadores, com salários irrisórios, mas por seus bons princípios, não fogem em “Disparada”.
Quando o muro separa, uma ponte une – deve ser este o sentimento a prevalecer. Não se suportam mais a omissão, o descaso, o desrespeito de uma liderança ignóbil, que nos deixam em um eterno “Pesadelo”.
Sou brasileiro, de estatura mediana, mas desde criança padeço com falsas promessas. Vi gente de botas e bombachas e a seguir me serviram um café frio; chegou um doutor com estetoscópio no pescoço e até com vassoura na mão vieram, ele e Eloá; bebendo amargo chimarrão, e dos pampas veio mais um. De um dia para outro, aquartelaram-se muitos, com muitas armas e por muito tempo. Houve quem chegasse cheio de planos e me mandasse fiscalizar; com pose de caçador, o posudo que caçou o que era meu; depois, apareceu outro, por acaso. Agora, imagine um mestre, com porte de príncipe, dizer que o que havia escrito estava completamente errado... E, como desgraça pouca é bobagem, em uma onda de paz e amor, conheci o horror – com enorme decepção vi se desprender do peito uma estrela “de-cadente”. Estou farto de”Lero, lero”.
Podem me prender, não vou parar de cantar. Gritar gol não me alivia, torço contra, porque as vitórias no futebol não mudam meu país. Não tem jeito, de jeito nenhum e eu não mudo de “Opinião”.
Quando eu soltar a minha voz, por favor, me entendam, me escutem, não deixem que me calem. É preciso mudar. É hora de estancar o que ferve em nossos corações, que vivem”Sangrando”.
Ouviram?(...)

Leiam, a seguir, os autores acima citados:



AUTORES CITADOS

RODA VIVA - CHICO BUARQUE
VALSA DE UMA CIDADE - ANTONIO MARIA
CARINHOSO -PIXINGUINHA / JOÃO DE BARRO
CANTO DE OSSANHA -BADEN POWELL / VINICIUS DE MORAES
FASCINAÇÃO- F. D. MARCHETT I/ M.D.FERAUDY / versão: ARMANDO LOUZADA
QUI NEM JILÓ - LUIZ GONZAGA / HUMBERTO TEIXEIRA
CAÇADOR DE MIM - MILTON NASCIMENTO
FEITIO DE ORAÇÃO - VADICO / NOEL ROSA
LUZES DA RIBALTA - CHARLES CHAPLIN / versão: FRANCISCO PETRÔNIO
O CIRCO - SIDNEY MILLER
ÁGUAS DE MARÇO – TOM JOBIM
ALEGRIA, ALEGRIA - CAETANO VELOSO
TEMPO REI - GILBERTO GIL
DISPARADA - THEO DE BARROS / GERALDO VANDRÉ
PESADELO - MAURICIO TAPAJÓS / PAULO CESAR PINHEIRO
LERO – LERO - EDU LOBO
OPINIÃO - ZÉ KETI

SANGRANDO - GONZAGUINHA

terça-feira, 15 de março de 2016

3022 - SX o filho fura a fila


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5271SX                               Data: 16 de março de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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Finalmente Florença!

Muitos anos se passaram até que eu refizesse o roteiro que meu pai, o barítono Paulo Fortes, cumpriu em 1954. Em 2013, eu e Beth visitamos, enfim, a Florença sempre mencionada em suas conversas.


O relógio marcava 6 horas da manhã quando nosso trem parou na plataforma da estação de Florença. Doze horas de viagem, desde Viena.  Cansativa e desconfortável, por nossa culpa, devo dizer. Beth e eu conseguimos transformar uma cabine ampla (e caríssima!) , planejada para propiciar aos seus ocupantes uma noite de sono repousante, num mafuá de malas e sacolas de compras. Lembro a expressão do oficial encarregado do nosso vagão, quando se prontificou a montar a cama gigante que ocupava nosso latifúndio. "Impossibile!" foi a primeira palavra que proferi na língua italiana. Nossa bagagem ocupava toda a cabine. Permanecemos a noite inteira sentados, lamentando os exageros que havíamos cometido em Londres, Berlim, Praga, Salzburgo e Viena.
A tarefa, agora, era conseguir um táxi. Tentando disfarçar que o certo, mesmo, seria contratar um caminhão. Nossa vítima não demorou a aparecer:
" Hotel Paris ! Via dei Banchi 2 ! ". Bingo ! eu havia
proferido minha segunda expressão em italiano. O motorista não disfarçou achar uma idiotice eu fornecer o endereço do hotel. Até porque a distância percorrida entre a estação ferroviária e a portaria do mesmo não passava de uns cinco quarteirões. Isso, com juros e correção monetária. Nas andanças dos dias posteriores descobrimos que, descontada a sagacidade do motorista, essa distância era ainda menor.


Seis e meia da manhã do dia 10 de maio de 2013. Atrapalhamos o sono do recepcionista do Hotel Paris, que se vingou informando que, por uma deferência muito especial, poderíamos ter acesso ao nosso apartamento a partir das 10 horas.
Muito antigo o tal Hotel Paris. Para chegar ao nosso quarto a prescrição era tomar o elevador, apertar o quarto andar e descer meio lance de escadas. Para chegar ao café da manhã, pressionar o térreo e subir outro meio lance de escadas. Leonardo da Vinci não participou daquele projeto.


O recepcionista ficou de saco cheio de ver aquele casal de brasileiros ocupando a recepção do hotel e decidiu liberar nosso quarto às 9:30.
Quarto antiguinho, meio barro, meio tijolo. Muito grande, o que causava um tremendo problema. Para se assistir sua mínima televisão, instalada numa das extremidades do recinto, impunha-se ficar de pé diante dela. Era o que eu fazia. Uma profusão de importantes jogos decisivos de vários torneios europeus, sempre transmitidos à noite, levavam a Beth ao desespero.


Chegamos ao tal quarto mortos de cansaço, merecedores de um sono reconfortante. Mas eu levara décadas para conhecer, finalmente, a Florença que tanto encantava meu pai. Não havia um minuto a perder, até porque eu estava informado de que nosso hotel estava "colado" a grandes atrações do centro histórico de Florença.
Dito e feito. Uma caminhada de não mais do que três quarteirões e estamos diante do "Duomo". Da "Porta do Paraíso". Do "Campanille de Geotto". Lembrei-me das cartas de meu pai, que guardo há quarenta anos, onde ele descrevia essas maravilhas.
A praça fervilhava de gente. Os bares e restaurantes estavam super-lotados. De repente, num bar muito simpático, fica vaga uma mesa bem em frente ao "Duomo". Poucas vezes tomei uma cerveja com tamanha sensação de merecê-la até a última gota.


Dia 11 de maio de 2013. Chegamos ao ponto culminante de nossa viagem. Dia em que eu e Beth combinamos refazer os roteiros de Paulo Fortes. Em especial conhecer a " Pensione Argentina ", onde ele se hospedou durante todo o período em que cantou em Florença. E conhecer o Teatro Comunale, palco de suas apresentações na cidade.
Consultamos o mapa. A conclusão foi a de que a "Pensione" não ficava muito perto. Decidimos ir a pé. Tomando como referência o rio Arno.
Foi, realmente, uma boa caminhada. Deixamos para trás a agitação do centro histórico e, à medida em que caminhávamos, encontramos uma cidade progressivamente mais calma, mais deserta. Pergunta daqui, pergunta dali, chegamos finalmente à Via Curtatone 12.
A "Pensione Argentina" havia sido promovida a Hotel Argentina". Dos papéis amarelados das cartas de Paulo Fortes consta o telefone 25-408. Não me animei a fazer essa ligação.
O prédio, externamente, até que é bacana, imponente. No interior o que se vê é um hotel simples, aparentemente decorado com objetos comprados na feira de antiguidades da Praça XV. A promoção de "Pensione" a "Hotel", tudo indica, não resultou em "up grade" nas instalações do estabelecimento. Olhando em volta, descubro uma placa que atesta ser o Hotel Argentina um três estrelas. Mesma pontuação do nosso  Hotel Paris. Fica claro que rola um "pixuleco" na Secretaria de Turismo de Florença.
O recepcionista do hotel tinha alguma coisa a ver com o Jim Carey. Pareceu-me tão aloprado quanto. No meu italiano de quinta categoria tentei explicar o motivo de minha visita: "Meu pai, um barítono brasiliano, cantou várias óperas em Florença, no século passado. Durante esse período, aqui permaneceu hospedado...". Jim Carey, aflito, explicou que o hotel havia mudado de dono, cerca de oito anos atrás, Achei que seria didático mostrar para o sujeito algumas cartas de meu pai, em papel timbrado da "Pensione". Junto a esse dossiê, uma foto de Paulo Fortes, com a vestimenta de "Il Cadi Inganato", de Gluck, distribuída em 1954 pelo Teatro Comunale. Jim Carey examinou a foto com atenção e comentou: "Esse senhor não tem aparecido por aqui ultimamente...
Beth não gostou do que eu disse para o sujeito:
"Graças a Deus..."


Cumprida a etapa de conhecer a "Pensione Argentina", nosso destino seguinte era o Teatro Comunale de Florença. Sua inauguração aconteceu em 17 de maio de 1862. Era conhecido como Politeama Fiorentino Vittorio Emanuele. Nele se acomodavam 6 mil pessoas sentadas (!). O teatro pegou fogo, tendo sido reaberto em 1864. Ganhou um teto em 1882. Em 1911 nele foram instalados aquecimento e eletricidade. Em 1930 foi estatizado e passou a se chamar " Comunale ". Nos dias de hoje é mais conhecido como "Teatro del Maggio Musicale Fiorentino". Esse festival confere ao Comunale posição de destaque entre os palcos mundiais da música clássica.


A distância que separa a "Pensione Argentina" do Teatro Comunale me fez entender a opção de meu pai por um hotel meia-bomba. Dois quarteirões, se tanto. Esperto esse tal de Paulo Fortes... Sempre lembrando, além disso, que ele não cogitava gastar sua escassa verba de viagem com luxos ou futilidades.
Chegamos ao Comunale pela porta dos fundos. E nos deparamos com uma tremenda agitação. Dezenas de pessoas empunhavam faixas e cartazes, protestando contra a administração do teatro. Reclamavam da falta de verbas para a cultura, dos baixos salários, da programação incipiente do teatro. Nada diferente do que sempre ouvi meu pai comentar a respeito do Municipal do Rio, ao longo de meio século de carreira. Tracei imediatamente um paralelo entre aquela agitação e as mazelas da Orquestra Sinfônica Brasileira. Eu estava completando quatro anos na Direção Executiva da Orquestra. repletos de tensões e grandes aborrecimentos.
Rapidamente cheguei à conclusão de que em Florença ou em Pindorama tudo deve ser muito parecido. Aqui é grande a quantidade de empresários, financistas, gente ligada a governos ou coisa que o valha, dispostos a assumir cargos em instituições culturais. dispostos a salvá-las da morte certa. Do caos administrativo. Da bancarrota inexorável. Farão isso concedendo-lhes minutos do seu preciosíssimo tempo. Prontos a contribuir com sugestões geniais que, no dia a dia do mundo dos negócios, são avaliadas a peso de ouro.  
Seu desprendimento é comovente. Agarram-se a esses cargos durante anos a fio. Não entendem de arte, muito menos de música ou de músicos. Mas querem colaborar com essas causas nobres a custo zero. Comove poder contar com tanta sabedoria, com tanta proficiência.
Injusto lembrar sua capacidade de cometer as maiores lambanças, arrumar terríveis confusões. Tudo em nome da cultura. Em nome da arte.


Contornamos o grupo de manifestantes à procura de uma porta que desse acesso ao Comunale. A portinha dos fundos, a entrada dos artistas, que deve existir em todos os teatros do mundo. Seja no Colon de Buenos Aires, no Metropolitan de Nova Iorque, no Comunale... Certamente, todas são muito parecidas. Pela do Municipal do Rio devo ter passado mais de mil vezes...
Na recepção do Comunale está sentado um cidadão que não é exatamente um campeão de simpatia. Conto minha historinha, no meu italiano impublicável: "Mio padre... un barítono brasiliano... ha cantato in questo teatro..."
Com falta de saco total, o tal sujeito pelo menos me deixou falar. Mas deu a conversa por encerrada com a informação : "daqui a pouco vai começar o ensaio geral da orquestra. A entrada não é permitida. Impossível visitar o teatro nesse momento "
Saímos desanimados cruzando com nossos manifestantes. Decidi tentar uma última cartada. Dirigi-me a um grupo que me pareceu simpático, indagando se haveria uma hora própria para visitar o teatro. Afinal, "Mio padre... Barítono brasiliano..." Deu certo! Meus agitadores eram músicos da orquestra do Teatro Comunale. Braziliani? Estivemos no Rio de Janeiro no ano passado e tocamos naquele belíssimo teatro que fica perto do mar...Teatro Municipal? ... É esse mesmo!..." "Seu pai cantou aqui no Comunale? Ele era do coro?"
Eu havia chegado perto do gol. E o goleiro saíra para lanchar. "Meu pai cantou primeiros papéis! Cantou óperas muito especiais, entre as quais tal, tal e tal... Foi regido pelos Maestros Franco Ghione, Bruno Bartoletti, Vittorio Gui... Finalmente, corri para a torcida sacando do meu envelope as fotos publicitárias do Comunale, com Paolo Fortes (das fotos consta Paolo, e não Paulo) devidamente paramentado para cantar "Il Conte Ory", "La Fata Malerba", "La Granceola" e por aí vai.
Gelo quebrado, os músicos indagam: "Mas o que vocês querem ? Conhecer o teatro ? Isso não é problema. É só entrar com a gente. Daqui a minutos temos ensaio com o Maestro Zubin Mehta para o concerto de domingo. Vamos abrir um camarote para vocês.”
O antipático da portaria viu-se na contingência de fornecer ao grupo a chave do camarote. Assistimos, emocionados, o grande Zubin Mehta ensaiar a orquestra do Comunale na "Sagração da Primavera". Cinquenta e nove anos depois da estreia de meu pai em Florença, eu conhecia o teatro em que ele alcançara marcos importantes de sua trajetória artística.



3021 - L pau que bate em Pedro Penha, Maria Paulo


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5270L                                Data: 15 de março de 2016

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIII

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 “ DURA LEX SED LEX “ (quisera fosse...)

Das leis, tanto já ouvi, que falar de todas, em especial das bizarras, iria ocupar muitas laudas. Vigentes, são mais de cem mil, no Brasil. Vou me ater a algumas, que são usadas e que levam o nome de seus autores.
E também para encontrar correlação com o Barão Montesquieu, que, talvez para que ficassem melhores seus pensamentos, desfez-se do título.
Montesquieu viveu lá pelos idos de 1700. Teve um profícuo relacionamento com as leis. Melhor seria eu continuar com essa eminente celebridade, mas os fatos atropelam a ordem do texto.
Sobre a “Lei Pelé”, que normatiza e organiza o Desporto, dizem ser idêntica à “Lei Zico”, só muda a forma redacional. Distintos aí, só o Zico, a Norma e o Pelé.
Volto a Montesquieu, que escreveu um livro que se tornou referência mundial na área do Direito, servindo de forma abrangente a advogados, magistrados, cientistas sociais, legisladores e, por mero diletantismo, a esse intruso escrevinhador.
Dando asas à desordem das ideias, lembro que, por causa do Decreto Nº 5.213, de 21/01/1943, de Getúlio Vargas, fundamentado pelo famosíssimo jurista Nelson Hungria, decreto esse que ficou conhecido como “Lei Teresoca”, Vargas, ditador e Hungria, Juiz de Direito à época, promulgaram esta norma, no interesse exclusivo do jornalista Assis Chateaubriand, dando-lhe direito de posse, guarda e responsabilidade sobre uma filha, vinda de relacionamento extraconjugal e a quem ele se recusara a lhe dar o próprio nome.
A mãe da menina, uma jovem de apenas quinze anos, desinteressou-se do velho Assis e ele recorreu àqueles amigos ilustres, deixando a moça ainda ligada a ele.
Montesquieu neles!
“ A lei deriva da natureza das coisas e não da vontade ou do arbítrio de qualquer um”. Bonito, não ?
A Lei Afonso Arinos, cujo autor, felizmente, não tem nada a ver com arianos, foi criada para coibir o preconceito racial, já passa de sessenta anos de vigência e é descumprida até hoje. Apesar de o IBGE já divulgar que existem mais negros e pardos do que brancos, lamentavelmente, o preconceito continua. Feio, não ?
Há mais de duzentos e cinquenta anos, Montesquieu cunhou essa: “Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa”. Perfeito, não?
Como já disse, leis que levam nomes próprios, pontificam nesta crônica; então, vamos para uma das leis mais recorrentes atualmente: a “Lei Maria da Penha”, denominação popular da Lei Nº 11.340, criada para impor mais rigor penal, aumentando a punição sobre os crimes de violência doméstica. É normalmente aplicada a homens que agridem mulheres, física e psicologicamente.
Procurei em Montesquieu algum pensamento que se aplicasse a esse tão corriqueiro e grave delito e encontrei esse: “A liberdade é um bem tão apreciado, que queremos ser donos até da alheia”. Acertou na mosca, não?
Daqui a pouco, vão criar a “Lei Pedro Paulo”, que, combinada com a “Lei Maria da Penha”, se desdobrará nas Leis Pedro Penha e Paulo Maria, e que, quando for necessário, custe o que custar e doa em quem tiver doído, tudo apagarão, mesmo as marcas deixadas, até então indeléveis. Quanto a isso, não encontrei nada em Montesquieu que aludisse a tal despautério.
O livro a que me referi no início e que até hoje dá norte a quem entende e concorda com Montesquieu, quando disse que “Liberdade é fazer tudo o que a lei permite”, chama-se “O ESPÍRITO DAS LEIS”, obra que inspirou a ”Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na Revolução Francesa”.
A quem se interessar, são só vinte e sete volumes. E boa leitura  !...