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sexta-feira, 30 de maio de 2014

2623 - Queimada!



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4873                                        Data:22  de  maio de 2014
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132ª VISITA À MINHA CASA

-Jesus esteja nesta casa. - disse, persignando-se, aquela figura sombria.
-Tomás de Torquemada, o registro da sua voz é ainda mais grave do que a de um baixo profundo, eu diria que é a de um baixo abissal.
-Surpreendido com isso?
 -Não, porque sou um aficionado por óperas. No Dom Carlos de Verdi, a genialidade do compositor nos proporciona um dueto entre Felipe II, de Espanha, e o Grande Inquisidor. Os dois têm de ter o registro de baixo, sendo a voz do Grande Inquisidor ainda mais grave, como a sua.
-E como termina esse dueto? - interessou-se.
-Com o rei lamentando o fato de a coroa ser obrigada a ser curvar diante da igreja.
Torquemada esboçou um sorriso de satisfação arrepiante ao ouvir-me.
-A sua relação com a Igreja não foi tão conflituosa assim?
-Não, porque eu era confessor da Rainha Isabel de Castela.
-Era frade dominicano?
-Frade dominicano como meu tio. Fui eleito prior do Convento de Santa Cruz em 1452, quando estava com 30 anos de idade. Em 1474, a rainha confessava seus pecados para mim.
Que não eram poucos. - pensei sem me manifestar, pois as maldades reais eram ações exemplares para aquela figura execranda.
-A Rainha Isabel de Castela foi uma personalidade admirável.
-Porque financiou a expedição de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo?
Reagiu às minhas palavras, inicialmente, com um gesto de desdém, e disse:
-Ela deu início à Espanha católica, casando-se com o Rei Fernando e unido os reinos de Castela e Aragão.
-Os reis católicos... Aprendi isso na escola quando ainda trajava calças curtas.
-Com essas núpcias, deu-se a unificação progressiva das terras espanholas sob o domínio da cruz.
-E o domínio mouro foi se derretendo. - seguiram-se minhas palavras às dele.
-Graças aos céus. - bradou erguendo as mãos para o alto.
-Durante séculos, a península ibérica viveu sob o jugo muçulmano com liberdade religiosa para todos os credos. - argumentei.
-Havia um imposto especial a ser pago para se obter essa liberdade. - bradou com irritação.
-Não era um valor exorbitante, pois multidões de judeus se refugiaram na península ibérica. - ponderei.
-Judeus... - cuspiu a palavra com asco.
-Houve uma estimulante troca de conhecimentos nessa união de muçulmanos, católicos e judeus.
Não pude acrescentar que a intolerância cristã jogou tudo por água abaixo porque ele vociferou um aparte.
-Os judeus mataram Cristo, são ainda piores do que os muçulmanos.
-O que houve de progresso no reinado dos reis católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, as grandes descobertas marítimas, foi um reflexo dessa mescla de culturas.
-Eles atrasaram a Espanha, isso sim, com crenças heréticas, como a Astrologia. O signo é um só, a cruz, e não escorpião, caranguejo, gêmeos e outras idiotices.
Seria desperdício de energia debater com tal fanático.
-Não só a Espanha, Portugal estava tomado pelos marranos.
-Portugal conseguiu a maior grandeza da sua história proveniente do intercâmbio cultural com os povos que para lá foram e se fixaram. - disse-lhe.
-Os judeus, principalmente, nunca foram confiáveis; mesmos aqueles que se convertiam ao cristianismo tinham de ser vistos com cautela.
-O senhor se tornou inquisidor-geral da Espanha em 1483?
-Fui nomeado pelo Papa Sisto IV.
-E a sua função era erradicar todos os hereges da Espanha?
-Era cristianizar todo o país, ou melhor, torná-lo de ponta a ponta católico.
-Com isso a delação foi estimulada?
-Instruímos os católicos a observar os seus vizinhos e a denunciar as práticas judaicas.
E assim foi.
Chegando ao requinte da ignomínia, a inquisição sob Tomás de Torquemada tornou público um manual:
-Se os seus vizinhos vestem roupas limpas e coloridas no sábado, são judeus;
-Se limpam as casas às sextas-feiras e acendem velas mais cedo nesses dias, são judeus;
-Se recitam preces diante de um muro, inclinando-se para frente e para trás, são judeus;
Se comem pão ázimo e iniciam as refeições com aipo e alface, durante a Semana Santa, são judeus.
 -Com a delação oficializada, escancaram-se as portas para que os pulhas se vinguem dos seus inimigos com inverdades. - aduzi.
-Um católico não presta falso testemunho. - rebateu.
-Qualquer denúncia anônima acabava com a vida de uma pessoa. - rebati.
-A inquisição investigava antes de proferir a sentença. - disse com a empáfia de quem valoriza exageradamente os procedimentos inquisitoriais.
-Aqui, no Brasil, mais de 300 anos depois, indiciaram, por exemplo, um abastado comerciante como judeu, ele perdeu, com isso, todos os bens, e a chácara que possuía em Botafogo, tornou-se propriedade da Rainha Carlota Joaquina. - lembrei.
-Brasil?!... Uma nova terra descoberta nas grandes navegações?... Eu já estava morto, mas alegro-me que a Santa Inquisição tenha sobrevivido.
-O Brasil foi uma colônia de Portugal. - expliquei-lhe.
-Portugal era demasiadamente leniente com os judeus; enquanto nós, espanhóis, obrigávamos os judeus sobreviventes a migrarem para Marrocos, principalmente, os lusitanos agiam como se o gentio ainda reinasse, como se o catolicismo não fosse agora a força maior.
  -Inicialmente, os judeus, perseguidos em  Castela e Aragão, se refugiaram  em Portugal, onde ainda havia uma razoável coexistência judaico-cristã- muçulmana. A intolerância da igreja chegou lá vinda da Espanha, e o jeito foi a conversão, a incrível quantidade de cristãos-novos.
-A cristandade tinha de imperar em toda a Península Ibérica.
Depois desse brado colérico, acrescentou:
-Nos meus últimos anos de vida, já havia bem menos hereges ao redor de nós.
-Com o casamento de Dom Manuel de Portugal com a infanta Isabel de Aragão recrudesceu a perseguição aos hereges. - murmurei.
E lhe disse em voz alta:
-Mas os seus últimos anos de vida não foram assim tão tranquilos?
-Porque até o papa, o Alexandre VI, atrapalhou-me na minha guerra contra essa gente impura.
-Limitou seus poderes como Inquisidor-Geral?
Sem responder-me, prosseguiu:
-Retirei-me para o convento de São Tomás, em Ávila, onde aqueles que me queriam envenenar teriam mais dificuldades em conseguir o seu intento; ainda assim, eu trazia sempre ao meu lado um chifre de unicórnio com um antídoto.
-E não morreu envenenado?
-Não; morri de morte natural.
-Tomás de Torquemada, o senhor acredita que a Terra gira em torno do sol?
-Blasfêmia. - respondeu.
E a energia da natureza, que havia sido sorvida com a sua presença, retornou quando ele se foi para longínquas plagas.


quarta-feira, 28 de maio de 2014

2622 - a saga dos Ferreira da Silva



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4872                                        Data:20  de  maio de 2014
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EU E ELIO NO BANDO DE LAMPIÃO

-Carlos, a água que vemos é o suor. A boca secou sob esse sol escaldante. A poeira rejeita qualquer vida sob ela. Os animais não têm carne sobre a carcaça.
-Elio, não estamos no ambiente das filmagens de Vidas Secas. Deixe de exageros, até mandacaru se vê por aqui. - chamei-o à fria realidade, que não estava assim tão fria.
-Mas que estamos na inóspita caatinga, é uma verdade. - frisou.
-Seus ascendentes viveram no clima frio da Europa, mas logo você se acostumará. - animei-o.
E andamos, andamos, desviando-nos dos espinhos e das queixadas de boi, até que o Elio parou e fez uma observação:
-Se pelo menos a Baleia estivesse conosco para distrair a nossa atenção...
-Baleia?!...  Pensando em mar numa hora dessas?
-É a cadela, Carlos.
De repente, divisamos no horizonte um bando a cavalo que crescia à nossa vista como se o olhássemos com binóculos.
Eram cangaceiros.
-Vocês não são macacos?...
-Eu não, nem acredito no evolucionismo. - garantiu o Elio com a voz titubeante.
-Quando cubro um macaco com a mira do meu rifle, ele morre porque Deus quer; se Ele não quisesse, eu errava o alvo.
Em seguida, percorreu-nos com os olhos dos pés à cabeça e concluiu:
-Bem, vocês não estão vestidos com o uniforme dos macacos.
Virou a cabeça para trás e disse com a determinação de quem não é contrariado.
-Carne Seca, traga dois cavalos, alpercatas e roupa para os dois.
-Vocês não vão se juntar a nós com esses trajes de palhaços. - voltou-se para nós?
-Sim, Seu ...
-Virgulino Ferreira da Silva.
-É o Lampião. - disseram os olhares que eu e Elio trocamos com uma eloquência que a fala não atingiria.
E assim, eu e Elio entramos para o bando de Lampião.
No meio daqueles cangaceiros armados até os dentes, nós dois não trocávamos uma sílaba, mas, quando nos víamos fora do alcance dos ouvidos deles, que eram uns 100, conversávamos.
-Carlos, você reparou como a Maria Bonita é jeitosinha...
-Controle-se, Elio, pense que nem costureira ela é.
-Ela me olhou de uma maneira...
-Desvie o olhar, Elio, desvie o olhar. Você sabe o que aconteceu com o marido dela?...
-Ela era casada antes de conhecer o Lampião?
-Era casada com José Neném, um sapateiro. Lampião a viu, quando ela estava com 19 anos de idade. Maria Neném aceitou ser Maria Bonita, enrolou o seu colchão debaixo do braço e acenou um adeus ao marido abandonado que, ainda assim, levou sete tiros, e um deles o cegou do olho direito.
Eu não estava certo desses sete tiros, mas precisava amainar o fogo do Elio.
-O diabo é que este potente sol inflama o meu instinto reprodutor, mas controlarei o dito cujo.
-Controle, Elio, controle.
Cético, com a promessa do Elio, intentei ser convincente no meu discurso.
-Você sabe por que ele recebeu o codinome de “Rei do Cangaço”?... Pela crueldade com que tratava as pessoas. Lampião mata seus inimigos encravando punhais entre a clavícula e o pescoço. Ataca, com seu bando, fazendas e cidadezinhas, pilhando, queimando, estuprando e até sequestrando crianças. Uma vez, antes de executar um desafeto, obrigou-o a comer 1 quilo de sal, ou seja, se escapasse da peixeira, morreria de derrame cerebral.
-Carlos, um livro que li dizia que Lampião era um Robin Hood, que roubava os comerciantes e fazendeiros abonados para distribuir com os mais pobres.
-Certamente um livro de autor comunista, que romantiza os bandoleiros. - bradei com veemência.
-Uma coisa é certa, ele inferniza o sertão por quase 20 anos; várias volantes já foram enviadas pelo governo e o seu bando derrotou todas.
-Já deteve a sua atenção nas armas deles, Elio?... São espingardas Mauser, pistolas semiautomáticas, rifles Winchester...
-Contrabandeadas não foram, pois os meliantes do cangaço ainda não tinham chegado a esse nível de crime como nos Estados Unidos da Lei Seca.
-Essas armas são despojos das volantes e grupos paramilitares que eles derrotam pelo caminho. - disse-lhe.
-Todos concordavam numa coisa, Carlos: Lampião era um arguto estrategista.
-E conhecia bem o terreno; foi almocreve antes de passar para a sobressaltada vida de criminoso. - acrescentei.
A máquina do tempo nos fez recuar 10 anos, conduzindo-nos a 1926, mas sem nos arrancar daquele lugar espinhoso e de vegetação rala. Continuávamos no bando de Lampião.
A aproximação de um cangaceiro de maus bofes interrompeu uma conversação entre mim e o Elio.
-O chefe quer falar com vocês dois.
E, enquanto estremecíamos com o inesperado, o sujeito bradou:
-O que estão esperando?... Vamos lá.
Se fosse alguma coisa terrível para nós, seríamos arrastados até ele, e não convocados, embora de maneira ríspida. Tínhamos de manter a tranquilidade.
Diante de Lampião, nesse momento, por estranho sortilégio da mente, vieram-me as incontáveis histórias que li e ouvi sobre ele, os muitos filmes, e nenhum deles terminou bem.
Recebeu-nos com uma carta na mão e ajeitando os óculos no nariz.
-Chamei vocês dois porque quero ouvir a opinião de quem é de fora.
Era algo sério, pois o seu rosto, envolto pelos cabelos espicaçados, estava mais crispados do que o costumeiro.
-O governo federal pediu a nossa ajuda para combater a Coluna Prestes. Vocês, que me parecem bonitinhos das cidades do sul, sabem o que é isso?... Essa Coluna?...
-É uma marcha que reúne militares rebelados, principalmente tenentes. - antecipei-me
-A importância da Coluna Prestes foi tamanha que inspirou Mao Tse Tung na Grande Marcha, na China, o que consolidaria a sua vitória sobre Chiang Kai-shek.
Ouvi e cutuquei o Elio, que saíra do contexto.
-Esses tenentes são rebeldes como nós?!... Ainda assim, penso em combatê-los, pois nos oferecem fuzis automáticos. O diabo é eles quererem que usemos as suas fardas; nenhum dos meus homens quer vesti-las, muito menos eu. Prefiro usar as roupas com que vocês chegaram aqui.
Enfim, jogou fora a sua hesitação:
-Aceitarei a proposta do governo pelos fuzis automáticos.
Dispensados, eu e Elio cochichamos.
-A que ponto caiu o governo Artur Bernardes, pedir ajuda a cangaceiros criminosos.
-E o Prestes não era ainda comunista, Carlos, nessa época.
Avançamos 12 anos no tempo, estávamos em 1938, numa fazenda, cujo nome nós não sabíamos, no Sergipe. Adormeci lendo as notícias sobre as ações autoritárias do Estado Novo de Getúlio Vargas num jornal datado de 27 de julho de 1938.
Amanhecia. Uma voz chegou-me aos ouvidos: “Acorda, Maria Bonita. Levanta, vá fazer o café.”
Alguns do bando ainda dormiam, outros estremunhavam. De repente, espocaram tiros de todos os lados. Aquele terrível despertador colocou todos de pé. Uns se levantavam para retornar ao chão, esvaindo-se em sangue.
-Malditos macacos! Caímos numa emboscada!
O som de armas, que não perdia o fôlego, colocava todos de cabelo em pé; eram as metralhadoras Hotchkiss, em número de quatro, que tornavam a luta desigual.
-Carlos, agora, sei o nome desta fazenda: Angicos. - sacudiu-me o Elio.
Lampião já estava morto, Maria Bonita, ao seu lado, agonizava. Os policiais, que vinham de Alagoas, não temendo mais as balas inimigas, vieram empunhando facões terminar o serviço.
Deu-se início à degola dos derrotados.
-Carlos, vão cortar a cabeça da Maria Bonita, que ainda vive. - disse o Elio tomado pelo horror.
Vislumbrei que um cangaceiro sobrevivera e dava início a sua fuga.
-Elio, vamos atrás dele para escapar desta carnificina.
E assim o fizemos. Depois de horas de cavalgada, soubemos o seu nome: Corisco.
-Elio, começamos esta história na “Vidas Secas” e vamos terminar no  “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

terça-feira, 27 de maio de 2014

2626 - você já foi a Dunquerque? 2



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4876                                    Data:26  de  maio de 2014
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RÁDIO MEMÓRIA NO DIA DA TOALHA
2ª PARTE

Jonas ainda não aplacou a sua indignação contra o vandalismo boçal que grassa nas principais cidades do Brasil.
-Queimar ônibus!... É de uma imbecilidade!... O empresário até ri porque está tudo no seguro. O prejudicado é o próprio povo, que anda de ônibus, e não os donos.
-Os donos andam de helicóptero. - aparteou o Sérgio Fortes.
-É de uma burrice!... Não sabem nem brigar.
Depois desse desabafo, pediu ao seu parceiro uma música.
-Agora, o conjunto “Rabo de Lagartixa”.
E citou os componentes do grupo de choro criado em 1990, alguns deles da Orquestra Sinfônica Brasileira: Daniela Spielman (sax-soprano e alto), Alessandro Valente (cavaquinho), Jayme Vignoli (cavaquinho), Marcelo Gonçalves (violão de sete cordas), Alexandre Brasil (contrabaixo acústico e elétrico) e Beto Cazes (percussão).
A gravação escolhida foi “Quebra-Queixo”, em que salientou a participação do violonista Caio César.
Empolgado, depois de ouvir a buliçosa música, exclamou sem pensar em lagartixa:
-Que rabo!
Depois desse momento de Simon Khoury, Jonas Vieira anunciou a sua opção musical:
-Uma música da dupla Rodgers e Hammerstein.
Tratava-se de uma canção do musical Oklahoma, de 1943, que seria transformado em fotogramas impressos em fitas de celuloide 12 anos depois: “The Surrey With The Fringe On Top”. Em seguida, para não perder a sua embocadura de professor de inglês, fez a tradução: “Enfeite Para o Topo da Carruagem”. Antes, com mais ênfase ainda, disse o nome do cantor dessa gravação, que também era ator; porém, como não traduziu o nome desse artista, nós, na redação do Biscoito Molhado, o perdemos no momento em que foi citado.
Talvez, um leitor mais exigente deste periódico pergunte se há necessidade de tradução de nomes de artistas para serem por nós entendidos e registrados. Bem, caro leitor, certa vez, o maestro Júlio Medaglia, num programa radiofônico da Rádio Cultura, informou que a próxima composição a ser ouvida era do João Sebastião Ribeiro. Imediatamente, imaginei que tal nome fosse de um dono de padaria, de botequim, ou mesmo de um empresário de ônibus, não de um compositor; então, o maestro fez a tradução para o alemão: Johann Sebastian Bach.
Intentamos mostrar, com esse exemplo, a importância da tradução dos nomes, para serem entendidos por todos os pavilhões auriculares, mesmo que essa tradução seja para o alemão.
Ah, sim a música que o maestro Júlio Medaglia colocou para tocar: “Chaconne da Partita nº 2 para Violino Solo”, de Ribeiro.
Rádio Memória que segue, ou melhor, que faz uma pausa, e essa pausa era para meditação. O tema da crônica do Fernando Milfond foi “Ser Crítico”.
Nós, do Biscoito Molhado, gostamos de confetes (quem não gosta?), mas não repudiamos a crítica a algum trabalho nosso; isso, sem chegarmos ao exagero do Padre Antônio Vieira, que disse preferir os que o criticavam, porque o corrigiam, aos que o elogiavam, porque o corrompiam.
Se nem Shakespeare escapou da crítica – Voltaire escreveu, quando as suas peças chegaram aos teatros franceses, que se tratava de obras de um selvagem bêbado – por que ficaremos enfurecidos contra nossos críticos?
Fernando Milfond não se mostrou muito compreensivo com os críticos, ou seja, não gostava de criticar, por isso, quando se encerrou a “Pausa para Meditação” e a palavra retornou ao Jonas Vieira, este criticou o cronista:
-Discordo de você, Fernando Milfond. Eu sou crítico de tudo e me orgulho disso.
-O que dizer do que vemos hoje em dia no Brasil?... - mostrou-se o Sérgio Fortes afinado com o seu parceiro.
É verdade que não passavam na cabeça de ninguém, naquela hora, críticas favoráveis.
Vieram, então, os reclames comerciais (uma chatice, que merece críticas tão contundentes quanto as da Bárbara Heliodora) até que se iniciou, finalmente, a segunda parte do Rádio Memória.
-E aí, Sérgio?
-De novo, a Fernanda Canaud. Agora, com uma música que eu adoro, “Lua Branca”, de Chiquinha Gonzaga.
Os toques nas teclas dados na medida exata pela conceituada pianista, trouxeram ao estúdio da Rádio Roquette Pinto e das casas dos ouvintes uma suave atmosfera contemplativa.
Jonas Vieira trouxe de volta a música popular norte-americana ao programa.
-Trata-se de um cantor muito popular nos Estados Unidos nos anos 30, 40 e 50, e, infelizmente, desconhecido no Brasil: Herbert Jeffries. Seu nome, na verdade, é Umberto Alexander Valentino; um cantor negro, que nasceu em 1913 e ainda está vivo.
Sérgio Fortes expressou a sua admiração com a idade do Matusalém cantante, 101 anos, enquanto Jonas Vieira informava que ele cantaria “Maria Helena”, canção que conhecíamos pela voz do Altemar Dutra que, infelizmente, não viveu tanto quanto o macróbio americano.
-Que cantor! - aprovou o Sérgio Fortes depois de ouvi-lo.
E cabia a ele mesmo a próxima gravação. Informou, então, que repetiria o espetacular grupo de choro “Rabo de Lagartixa”, com uma criação de Baden Powell e Vinícius de Moraes, “Formosa”.
E, surpreendendo a todos, mais ainda ao Sérgio, imagino, quando as primeiras notas soaram, destacou-se sobre todos os instrumentistas a cantora Elza Soares.  Após a audição, ele pediu desculpas por não ter indicado o nome da Elza Soares.
Também o Sérgio Fortes tem o seu momento de Dieckmann. - murmurei enquanto me vinha à mente a música instrumental do Dick Farney cantada de dois domingos atrás.
-A rainha do ritmo. - elogiou a Elza Soares o titular do programa.
Para encerrar o Rádio Memória do dia 25 de maio de 2014, Jonas Vieira afirmou que daria um presente a si mesmo. Para tanto, a orquestra era a sua predileta, a de Andre Kostelanetz, e não era uma só canção, e sim um “medley” delas, compostas por Jerome Kern (a música) em que despontavam “Smoke Gets In Your Eyes”, “Yesterdays”, “Why Do I Love You?”, “You Are Love” e “Ol' Man River”.
Constatamos, mais uma vez, que “Yesterdays”, de Jerome Kern, aqui entre nós, é superior ao “Yesterday”, de Paul McCartney, embora esta seja considerada por algumas fontes a música mais tocada da história.
O “demorado abraço”, que parecia ensaiado pela dupla de apresentadores, fechou o programa.