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sábado, 31 de março de 2018

3099 - SX O empardecer



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5359 SX                           Data: 31 de março de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV

PAPEL PARDO

O trajeto é sempre o mesmo. Da filial das Casas Palermo no Largo de São Francisco até o minúsculo apartamento na Viveiros de Castro, em Copacabana. O ônibus está super lotado, faz um calor dos diabos. Muita gente reclama, estou preocupado com outras coisas.

Comenta-se que a Palermo está enfrentando problemas financeiros, está atrasando pagamentos a fornecedores. Crise semelhante estaria também afetando a Cassio Muniz e o Rei da Voz. O que será de mim? Só o que sei fazer é vender vitrolas e televisões. O que faço há exatos trinta anos. Com a morte recente de minha mãe, a pensão de fiscal do IAPC de meu pai sumiu do orçamento. Nada brilhante mas, agora percebo, ajudava um bocado.

Chego suado e deprimido à portaria do prédio, que implora por reformas. Sou saudado pelo Valmir, porteiro que, na minha avaliação, tem o Q. I. de uma almôndega. "Pacote para o senhor!", ele grita. Faço contas para concluir que é o sexto ou sétimo embrulho cuidadosamente produzido em papel pardo que recebo no intervalo de tempo de três meses. Nenhuma etiqueta, nada escrito. Cobro explicações do Valmir, também pela sexta ou sétima vez. Sem resultado. Repete que o sujeito que entrega o pacote está sempre com pressa. Faz questão de entregá-lo em mãos, enfatizando que o destinatário é o Heitor, do 507.

Cansado, não tenho disposição para espinafrar o Valmir por sua incompetência, sua inépcia em identificar o portador dos pacotes. A etapa seguinte é torcer para não ser vitimado mais uma vez pelo carcomido elevador do prédio. Acredito piamente que sua porta pantográfica contém um dispositivo diabólico que me identifica e faz o elevador enguiçar sempre entre terceiro e quarto andares. Não aconteceu dessa vez, estou num dia de sorte.

Entro no apartamento acanhado tomado pela sensação que há meses me acomete. Sem minha mãe o apartamento parece maior. E mais triste. Já era triste com ela, sempre deprimida, impregnada pelo trauma que carregou por toda sua vida. Mais triste, ainda, sem ela.

Uma faca afiada é providenciada para abrir o tal pacote. Igual aos demais que recebi anteriormente. Tem um quê de inexpugnável. O excesso de papel pardo envolve uma caixa pequena e robusta. Dentro, nenhuma surpresa. Dinheiro. Muito dinheiro. Não propriamente uma fortuna. Mas bem mais do que recebo como vendedor da Palermo.

Minha reação é a mesma das vezes anteriores. Paralisado, tento imaginar o que possa estar acontecendo. Os pacotes de dinheiro são apenas parte dessa história. Minha conta no BANERJ também vem sendo agraciada com depósitos inexplicáveis. Cinco ou seis aconteceram desde o recebimento do primeiro pacote. O gerente do banco, feliz com a minha recente proficiência financeira, tomou um susto quando expliquei o que vinha ocorrendo. Mais assustado fiquei eu quando fui alertado para as eventuais implicações legais, especialmente tributárias, de depósitos caídos do céu. Sobre os quais não havia nenhuma pista, eis que procedidos em dinheiro vivo, na boca do caixa.

Noite adentro fiquei pensando no assunto. Descartando hipóteses que estariam longe de explicar o que estava acontecendo. Na vida sem graça que sempre levei, o que poderia justificar aquela imprevista saúde financeira?

Quase desmaiando de sono, lembrei de algo inusitado. Poderia, também, não ter nada a ver com minhas preocupações. Mas fiquei cismado com o que me passou pela cabeça. Tinha a ver com minhas andanças pelo centro da cidade, durante o horário de almoço. Sempre dedicado a uma refeição rápida, visitas a livrarias ou lojas de discos. Em ocasiões recentes chamou minha atenção a coincidência de me deparar, repetidas vezes, com um sujeito alto, bem apessoado e bem vestido, sempre surgido do nada. 

Lembrei-me de ocasião em que, na Polar da Avenida Rio Branco, experimentando um sapato, fiquei com a sensação de que esse indivíduo, postado diante da vitrine da loja, não atentava para os itens ofertados, mas acompanhava meus movimentos no interior da sapataria. Foi a primeira vez em que a presença do sujeito chamou minha atenção. Dias depois, num sebo da Rua da Quitanda, voltei a me deparar com ele, parado exatamente em frente à pilha de livros que eu examinava. Numa loja de CDs da Rua São José, a mesma coisa aconteceu. Encontrá-lo uma semana depois na minha agência do BANERJ, na Nilo Peçanha, até me pareceu uma coisa muito natural.

Passei boa parte da noite pensando no assunto, até ser vencido pelo cansaço. Desabei no horroroso sofá preto de courvim de minha pobre sala, sem encontrar forças para me dirigir ao quarto de dormir. Não sem antes concluir que certamente eu estava ficando ruim da cabeça e que, definitivamente, uma coisa não tinha nada a ver com a outra.

No dia seguinte fui ao BANERJ da Nilo Peçanha em busca de informações sobre os depósitos efetivados em minha conta. Foram seis no total. Além da Nilo Peçanha, também foram utilizadas as agências da Gonçalves Dias e da Cinelândia. E, para minha surpresa, três depósitos foram efetuados numa agência do BANERJ em Niterói.

Saí do banco com Niterói na cabeça. Aproveitei a meia hora de almoço que ainda me restava para correr até a Rua dos Inválidos, alertado por um amigo sobre uma coleção de discos antigos que havia sido arrematada por um comerciante local. Foi uma boa caminhada, não me sobrou tempo para examinar com cuidado o acervo precioso que já estava colocado à venda. Saí apressado em direção à Palermo. Não deu outra, o tal sujeito estava parado a dez metros da loja. Tomado de um sentimento de "é agora ou nunca" , quase raiva, decidi interpelá-lo. Não foi possível. Ele saiu apressado, em direção oposta ao Largo de São Francisco. Na crise, achei por bem não ultrapassar o horário reservado ao meu almoço. Mas estava convencido de que seria fundamental entrevistar a tal figura, se essa chance voltasse a ocorrer.

Dez dias de calmaria se passaram. Até que um novo pacote foi deixado em minha portaria. O Valmir, é claro, não conseguiu obter nenhuma informação sobre o sujeito. Agarrei-o pelo paletó para que ouvisse com atenção o que eu tinha a dizer. Fui minucioso na composição do personagem. Para o bem ou para o mal, nervoso, Valmir não parava de concordar : "Sim, sim, um pouco mais alto do que o senhor...cabelos bem escuros, penteados para trás...forte, bastante forte, jeitão de atleta..."

Saí dali convencido de que o entregador de pacotes e o sujeito que me seguia eram a mesma pessoa. Sabia, agora, o que deveria ser feito.

Mais uns dias de calmaria. Ou melhor, quase calmaria. Um novo depósito no BANERJ foi feito. Eu começava a me acostumar com a ideia de que ver crescer assustadoramente minha conta bancária era a coisa mais natural do mundo.

Passei a caminhar compulsivamente pela cidade durante o horário de almoço. Parava em vitrines da Rua do Ouvidor, Rosário, Buenos Aires... nada acontecia. Alguns dias se passaram até que voltei a encontrar o sujeito. Em frente ao Palheta, na Avenida Rio Branco. Minha abordagem, reconheço, foi até certo ponto truculenta : "Acho que o senhor quer falar comigo." A resposta inesperada do cidadão foi um "Talvez", o que me deixou ainda mais injuriado. "Se quer falar, é melhor desembuchar. Ou então desapareça da minha vista."

Desembaraçado e com muita calma, disse o sujeito : "Não sou eu, propriamente, que quer falar com o senhor. É outra pessoa. Ele gostaria muito de recebê-lo. Tem dificuldades de locomoção e, por isso, é necessário que o senhor vá ao seu encontro. Ele mora em Niterói." Achei tudo aquilo muito estranho. Manifestei-lhe meu receio de participar daquela empreitada. Poderia, até mesmo, correr perigo... Disse o sujeito:

-Esteja certo de que não é o caso. Como o senhor trabalha no comércio, suponho que  um sábado seja o dia mais conveniente. Peço pressa, pelos motivos que o senhor irá compreender. Posso pegá-lo na Viveiros de Castro no próximo sábado? Nove e meia da manhã?

-Acho que está bom para mim. Mas poderia adiantar o assunto desse encontro?
-Pacotes embrulhados em papel pardo e depósitos no BANERJ.
Ficamos assim combinados.

No sábado, no horário acertado, o sujeito estacionou um belo carro importado na porta do meu prédio. Eu já o aguardava. O genial Valmir não parava de berrar : "É ele! É ele!"

Não trocamos uma palavra durante o trajeto até Niterói. Nosso destino era uma casa deslumbrante na praia de Icaraí. Quando lá chegamos percebi um vai e vem de seguranças, o que me deixou assustado. Meu companheiro de viagem foi recebido com deferência por um séquito de empregados. Subimos ao segundo andar. Num quarto gigantesco, um sujeito muito idoso ocupava uma cama de hospital e era amparado por um médico e um batalhão de enfermeiras.

Meu acompanhante dirigiu-se ao enfermo: "Papai, esse é o Heitor." Com voz fraca, disse o doente : "É muito bom conhecê-lo... Faz tanto tempo... Muitos, muitos anos..."
Havia chegado minha vez de falar : "De onde o senhor me conhece? Como sabe meu nome? Por que estou sendo há meses seguido por seu filho?" Emocionado, o velho reuniu forças para dizer : "Meu propósito é falar sobre seu pai."

Para o meu gosto, a situação estava ficando estranha demais. Seria melhor cortar o mal pela raiz, com uma explicação clara : "Senhor, é importante que saiba o seguinte. Meu pai faleceu cinquenta anos atrás. Era fiscal do Instituto dos Comerciários e eventualmente cumpria missões em cidades próximas ao Rio de Janeiro, viajando em seu próprio carro. Em certa ocasião, a caminho de Rio Claro, trafegando pela Via Dutra, seu automóvel saiu da estrada, numa curva fechada da Serra das Araras. O carro desceu um desfiladeiro e foi encontrado muitas horas depois, por moradores da região. Já estava escuro. O carro, completamente destruído. O surpreendente é que meu pai não estava entre as ferragens. E nem próximo ao carro. Toda a região foi vasculhada durante semanas, seu corpo - é claro que ele morreu no acidente - jamais apareceu. O mistério ocupou durante muito tempo o espaço dos jornais. Que fizeram do assunto um verdadeiro carnaval. 'A Noite' chegou a levantar a hipótese de que ele teria sido abduzido por extraterrestres. A 'Gazeta de Notícias' afirmou, com convicção, que o corpo havia sido devorado por animais selvagens da região. O sofrimento da família foi enorme. O fato é que meu pai jamais apareceu. Minha mãe sofreu um bocado. Transformou-se numa morta-viva, perdeu a razão de viver, morreu há poucos meses depois de passar todos esses anos praticamente sem sair de casa. Minha vida, diante disso, também não teve muita graça. No colégio eu era apontado como o menino cujo pai sumiu. Convidado, de tempos em tempos, a conceder entrevistas para comentar o mistério, jamais aceitei. O certo é que, por conta desse episódio, eu e minha mãe tivemos uma vida triste e medíocre." Finalizando, fui incisivo com o velhote : "Respeito sua idade, sua saúde precária, mas peço que me entenda, não tenho planos de conversar sobre meu pai."

Meu relato deixou o sujeito perturbado. Ele voltou a falar, com extrema dificuldade. Algumas frases eram completadas pelo cidadão que apontava como filho. Foi uma surpresa o que dele ouvi: "Seu pai casou com sua mãe por obrigação. Ela engravidou. Seu avô, homem violento, disse que o mataria se ele não assumisse aquela responsabilidade. O problema é que seu pai estava perdidamente apaixonado por uma colega de trabalho. Contou com a ajuda do irmão para forjar o acidente em que seu carro rolou ribanceira abaixo. O irmão chefiava o jogo do bicho em Niterói e várias cidades próximas. Para ele, providenciou documentos com um novo nome e acolheu-o como subchefe da contravenção local. Esse irmão morreu cedo e seu pai ficou à frente do negócio. Como previsível, ficou muito rico. Teve um filho com a mulher por quem era apaixonado. Ela morreu há muitos anos. Hoje, esse rapaz administra os seus negócios".

Interrompi o sujeito para dizer que achava aquela história interessante, mas inverossímil. E como ele sabia aquilo tudo? Num gesto bem coreografado ele recebeu do filho uma pequena pasta de couro, castigada pelo tempo. Que me foi entregue, acompanhada de uma observação : "O que importa você saber está dentro dessa pasta. Dê uma olhada". Foi o que fiz. O primeiro papel que me veio às mãos foi a certidão de nascimento de Júlio Machado Pedrosa, meu pai. Em seguida, uma foto de seu casamento. Numa pequena caixa, uma aliança gravada com o nome de minha mãe. Trêmulo, indaguei : "Mas o que isso significa?" Disse o velho: "Esses são os documentos do Júlio, que morreu no acidente. Fui o Júlio, durante um bom tempo. Depois do acidente virei Adalberto. Pai do Fernando, que agora você conhece. Ele é seu irmão. Eu sou seu pai."

Meu coração disparou. Não sem antes ouvir o velhote completar suas explicações. Ele estava morrendo. Tivera uma vida conturbada, passara temporadas na prisão. Nos últimos tempos voltara-se para a religião. Estava empenhado em alcançar o Reino dos Céus. Para isso, precisava obter perdão para as coisas reprováveis que cometera em vida. A pior delas, certamente, abandonar um filho recém-nascido. Estava ali suplicando o perdão do filho que deixara há cinquenta anos. Que seria, agora, devidamente amparado. Mas que as coisas não se misturassem. Seu propósito não era comprar esse perdão. Na realidade, estava implorando por ele.

"Você me perdoa?" Tenso, Fernando, o filho, acompanhava a cena. Também me olhava, ansioso.

Minha resposta não envolveu sinceridade ou compaixão. Decorreu de uma perturbação extrema, de falta de ar, de um batimento descompassado do coração, do estado de choque em que eu me encontrava. Num fiapo de voz, disse o que me veio à cabeça: "O senhor está perdoado."


Adalberto, ou Júlio, meu pai, esboçou um sorriso. E, calmamente, morreu.

quinta-feira, 22 de março de 2018

3098 - FM Os testículos de Milo



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5358 FM                           Data: 22 de Março de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


 MISTÉRIO E LENDAS SOBRE VÊNUS

São várias as Vênus da História, uma delas tão famosa como as outras, pintada por Sandro Botticelli - artista florentino, de talento excepcional, 1445-1510), tornou-se um dos pintores mais disputados do seu tempo. Por volta de 1485, a obra foi realizada, sob encomenda de Lorenzo di Pierfrancesco de Médici. Seu destino, enfeitar sua residência, um belo e imenso palácio, numa sala em que o quadro esteve pendurado numa parede, entre centenas de outros famosos. Teria sido feita em homenagem ao amor de Juliano de Médici por Simoneta Vespúcio. No clássico de quase três metros de comprimento por quase dois metros de altura a Vênus nua emerge das águas do mar numa concha, sendo soprada por Zéfiro), o deus Vento Oeste,  símbolo das paixões espirituais, cujo sopro significaria o início da Primavera (acompanhado pela ninfa Clóris). Alguns especialistas argumentam que a deusa não representaria a paixão terrena, carnal, e sim a paixão espiritual. No quadro aparecem outros deuses menores e  Haras, uma das quatro deusas das estações, que conduz um manto bordado de flores, para cobrir Vênus.              
O efeito causado foi de paganismo, já que foi pintado  numa época em que a maioria da produção artística se atinha a temas católicos. Surpreende que tenha escapado das fogueiras que consumiram muitas outras obras do autor, tidas como de “influências pagãs.” A anatomia da Vênus, em vários detalhes, não revela o estrito realismo clássico da obra de da Vinci ou Rafael. O pescoço é longo demais, os pés, de dedos finos e longos, com o peito volumoso, não muito bem posicionados na concha (na antiguidade, a concha marinha era uma metáfora para a vagina) de onde saíra do mar. Os detalhes, contudo, não tiram o encanto da obra, tida como “licença artística”, sugerindo presságios do vindouro Maneirismo. Essa história medieval está ligada à lenda que diz que Urano, o primeiro deus do Universo, encarnava o impulso fecundante  primário da natureza,  personificava o céu e era, ao mesmo tempo, filho e marido de Geia, deusa nascida imediatamente depois do Caos original.
Dessa união, das gotas de sangue que caíram dos testículos extirpados de Urano, nasceram cerca de 45 deuses e semideuses, entre eles Cronos, os Titãs e Afrodite. Preocupado com tamanha fertilidade, Urano passou a enterrar os filhos recém-nascidos, no corpo de Geia. Esta, inconformada, pediu que os filhos a vingassem, porém somente Cronos a atendeu. Orientado pela mãe, ele surpreendeu o pai e o castrou, no momento em que ele se unia à esposa. Os testículos decepados de Urano foram atirados ao mar, flutuando sobre as ondas que quebravam ,na praia, criando  espumas, que formaram Afrodite (Vênus), a deusa do amor. Urano continuou a deitar-se todas as noites sobre a Terra, sem poder fecunda-la. Encheu-se ele de mágoa pela mutilação sofrida e morreu, sendo substituído por Cronos no governo do mundo. De todas as Vênus da História e da Mitologia, nenhuma outra teve tanta fama como a Vênus de Milo – uma estátua de mármore  branco, sem braços, cuja origem é cheia de mistérios. Foi descoberta em 1820, na ilha de Milo, no mar Egeu. Sobre sua descoberta há controvérsias, dizendo-se ter sido encontrada pelo camponês Yorgos Kentrota, que procurava pedras para construir um muro em torno do seu campo. Removendo entulhos de uma capela soterrada, foram encontradas várias partes da estátua. Pretendia dá-la de presente a um potentado turco. 
Na oportunidade, entrou nas negociações o embaixador francês Charles Riffardeau, que adquiriu a obra, levando-a às escondidas para Constantinopla, de lá para a França e oferecida ao rei Louis XVIII, que a doou ao Museu do Louvre.



segunda-feira, 19 de março de 2018

3097 - FM Sapiens ignorantis



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5357 FM                           Data: 19 de Março de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


O SENTIDO DAS FRASES


Tenho lido por aí o que dizem certos filósofos (ou não filósofos), frases que exigem reflexão, diante do mundo conturbado em que vivemos. Se alguém me perguntar o que está havendo, não sei responder, não sou crente nem descrente, não sou filósofo, não consigo explicar, mesmo porque não posso entender por que as pessoas estão vivendo em exaltação, excitação, confusão e em grande perplexidade. Até parece que a Terra vai desaparecer, vai explodir, seus mais de sete bilhões de seres pensantes dão a impressão  que  estamos vivendo os momentos finais de uma era. O ser humano está num dilema, debatendo-se sem encontrar uma solução, pois  ainda não entendeu que somente o homem pode salvar o homem, precisa encontrar um meio que possa evitar um desastre final. Não ficará ninguém para contar a história. E um dos motivos é que falta entendimento. É chegado o momento de crer, antes que se dê conta de ter havido um fracasso geral, que todos caminham de olhos vendados, caminha-se para o precipício, estamos dominados pela violência. O crime ultrapassou o limite da racionalidade. Mata-se por nada, mata-se por insanidade.
Os termos ética e moral estão perdendo sentido. Convém explicar, moral relaciona-se com as ações, ou seja, com a conduta real, enquanto a ética estabelece os princípios ou juízos que dão origem a essas ações. A ética e a moral, afirmam os filósofos, são como a teoria e a prática – a ética é a teoria da moral.
Todos têm uma moral, pois praticam o que pode ser examinado eticamente. Mas nem todos levam em consideração as ações que são certas e quais as que sejam  inaceitáveis.
Aqui, entra um pensamento de Kant: “A moral é a consciência humana.”
Para Aristóteles, sua ética tem como objetivo uma busca da felicidade, consiste na realização humana e no sucesso daquilo que o homem pretende obter ou fazer. O meio termo, ou equilíbrio, é o que caracteriza a ação ética, do que se conclui que o prazer, quando buscado em razão de outro modo (pela Justiça, como forma de estabelecer o equilíbrio  entre as partes, inclusive pela aplicação de penas), confirmando a ideia de que só o bem pode ser acrescido pelo bem. A felicidade é alcançada por atos nobres e virtuosos, que devem ser aprazíveis em si mesmos.
Está no Gênese bíblico (1;28): “E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa  semelhança.”
E Nietzsche, em uma de suas máximas, afirmou: ”E o homem, em seu orgulho, criou Deus à sua imagem e semelhança.”  Depois, criou o super-homem, para explicar porque disse a frase mais contundente da filosofia moderna: “Deus está morto!” E foi adiante: “Mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por muitos milênios deverão existir grutas em que se mostrará a sua sombra.”
Para aliviar as tensões, mais aforismos do filosofo alemão: “Encontra-se sempre, aqui e ali, algum semideus que consegue viver em condições terríveis e ser vencedor. Quereis ouvir os seus cantos solitários? Escutai a música de Beethoven.”
E mais disse: “Sem a música, a vida seria um erro. A música oferece às paixões o meio de obter prazer delas; sem a música a vida não faria sentido.”
E eis Thomas de Aquino:
“Harmonizar a razão e a fé, mantendo a precisa distinção entre ambas, pois a razão ajuda a descobrir a existência de Deus, mas é insuficiente como guia para as ações humanas alcançadas pela fé, que é necessária para a descoberta de verdades mais elevadas, reveladas pelo conhecimento divino.”
De graça, uma sugestão: Poetas, artistas, filósofos, doutores da lei, ecologistas, cientistas, bispos e cardeais, pastores de almas e pastores de ovelhas, donos do saber, todos os que acharem que ainda pode haver salvação, é tempo de pensar, tempo de ver que logo ali, diante dos nossos olhos, há uma linha imaginária, com um aviso:  “...Para que tudo  não se transforme em pó.”
 Termina-se com um pouco mais de Nietzsche: “A vida mais doce é não pensar em nada.” 
“Carpe diem!  



quinta-feira, 15 de março de 2018

3096 - FM Mitologia antinupcial



O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5356 FM                           Data: 15 de Março de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


                OS 12 TRABALHOS DE HÉRCULES

Eis uma série de episódios antigos ligados entre si por uma narrativa contínua, relativa a uma penitência que teria sido cumprida por um dos maiores heróis gregos, Héracles, mais conhecido pela romanização como Hércules. Seria um ciclo fixo de 12 trabalhos, constantes de um poema épico, perdido no tempo, que teria ocorrido no ano 600 a.C. Não são trabalhos contados em um único lugar, foram reunidos de modo a que seis deles se passaram no Peloponeso e terminaram com a consagração de Olímpia. Os outros seis seguiram o mesmo modelo: Hércules era enviado para matar, subjugar ou buscar uma planta ou animal mágico, para Euristeus, representante de Hera. Foram tarefas que só podiam ser executadas por alguém com força sobre-humana.
Hércules era filho de uma mortal com Zeus, o mais importante dos deuses do Olimpo. Seu nascimento provocou a ira de Hera, esposa oficial de Zeus. Por vingança, Hera mandou duas serpentes matarem o recém-nascido que, sem grande esforço, matou as duas serpentes, revelando ter uma força descomunal. Hércules cresceu, mas Hera continuou a persegui-lo, usando seus poderes para leva-lo a um estado de loucura, que o fez matar a esposa Megara, filha de Creonte, e os três filhos .Quando se deu conta do que havia feito, isolou-se fugindo para o campo, tendo sido encontrado por seu primo Teseu, que o convenceu, já com a  razão recuperada,   procurasse  o Oráculo  de Delfos – o mais famoso templo de consulta às divindades gregas, para obter orientação sobre como enfrentar a tragédia. O Oráculo mandou-o entregar-se por 12 anos como servo de Euristeus, rei da cidade de Micenas, o homem que ele mais odiava, por haver herdado o direito de nascença. Zeus, que havia engravidado Alcmene, proclamou que o próximo filho a nascer, da casa de Perseu, seria coroado rei de Micenas. Hera, ao descobrir o caso, fez com que Euristeus nascesse prematuro, de sete meses, antes do nascimento do filho de Hércules com Alcmene. O rei ordenou-lhe o cumprimento de 12 tarefas, para que Hércules se redimisse das mortes cometidas e, também, para elevá-lo à condição divina, tornando-se imortal ao fim da jornada.
Em seu trabalho, Hércules teve a companhia de um jovem sobrinho, que o ajudou. Os trabalhos, pela ordem estabelecida foram:
1 -  No Peloponeso, Hércules  estrangulou o Leão de Nemeia, o maior do mundo, filho dos monstros Ortros e Equidana, que os habitantes do lugar não conseguiram executar, que seria furar o couro do animal, com suas próprias garras. Hércules usou o couro como vestimenta, convertendo-se na Constelação do Leão.
2- Matou a Hidra de Lerna, monstruosa filha de duas grotescas criaturas:. Uma serpente com corpo de dragão de nove cabeças, uma delas imortal e parcialmente de ouro, que se regeneravam. Logo que cortadas, emitiam um vapor que matava quem estivesse por perto. O sobrinho de Hércules queimava as cabeças para evitar sua reprodução. A deusa Hera enviou ajuda à serpente – um enorme caranguejo, que foi esmagado por Hércules, convertendo-o na Constelação de Câncer. Depois, banhou suas flechas com o sangue da serpente, para que ficassem envenenadas.
3 – Alcançou, correndo, a Corça de Cerineia, um animal lendário com chifres de ouro e pés de bronze. Era Taigete, ninfa que, para fugir da perseguição de Zeus, foi transformada por Ártemis no animal. Hércules perseguiu a corça durante um ano até que exausta, foi atingida por uma flecha. Ferida, foi levada nos ombros do herói até o reino de Euristeus.
4 – Capturar vivo o javali de Erimanto, que devastava os arredores. Ao ver o animal nas costas de Hércules, Euristeus teve medo, escondendo-se dentro de um caldeirão. As presas do animal foram mostradas no templo de Apolo, em Cumas.
5 – Em apenas um dia, Hércules limpou os currais do rei Áugias, que cercava três mil bois e, durante 30 anos, jamais haviam sido limpos. O odor era insuportável,  devido  a um gás mortal que exalavam. Para o trabalho, Hércules teve  que desviar dois rios.
6 – Com suas flechas envenenadas, matou no lago Estínfale alguns monstros, cujas asas, cabeças e bicos eram de ferro. Pelos seus gigantescos tamanhos, interceptavam, em seus voos, a passagem dos raios do Sol. Outros monstros foram expulsos para outras terras distantes.
7 -A tarefa era Hércules levar o touro de Creta, vivo, até Euristeus, que, por sua vez, o entregaria a Hera. O touro era enraivecido e aterrorizava o povo da ilha de Creta, pois Poseidon, o deus dos mares, o havia oferecido em sacrifício ao rei Minos, que não teve coragem de matar o animal bonito e forte. Hércules capturou-o e seguiu montado no animal.
8 – Castigou Diômedes, rei da Trácia, filho de Ares, possuidor de cavalos que vomitavam fogo, e a que ele dava a comer os estrangeiros que eram levados pelas tempestades. Hércules entregou Diômedes à voracidade de seus próprios animais.
9 –Hipólita, rainha das amazonas, tribo de mulheres guerreira que viviam perto do Mar Negro, tinha um belo cinto que era desejado pelas filhas de Euristeus. Héercules foi incumbido de conseguir o cinto. Hera incitou as amazonas à resistência, porém elas foram abatidas por Hércules, que se apossou do objeto desejado.
   10 – Matou o gigante Genão, monstro de três corpos, seis braços e seis asas, tomou-lhe os bois que estavam guardados por um cão de duas cabeças e por um dragão de sete.
   11 – O penúltimo trabalho de Hércules foi colher os pomos de ouro do jardim das Hespérides, após matar o dragão de 100 cabeças, que os guardavam. O dragão foi abatido por Átila, a seu pedido. Durante o trabalho, ele sustentou  o céu nos ombros, no lugar do Titã.
  12 – O último trabalho consistiu em trazer do mundo dos mortos o seu guardião, o cão Cérbero. Hades o autorizou a levar o animal de três cabeças  e cauda em forma de serpente para o cimo da Terra, sob a condição de domá-lo sem usar armas. Hércules lutou com o cão usando apenas a força dos braços, quase o sufocou, ao dominá-lo. Levou-o a Euristeus que, com medo, ordenou-lhe que devolvesse o animal ao inferno.
Após o último trabalho, Hércules casou-se com Djanira. Numa viagem o centauro Néssus tentou violentá-la, mas foi morto por Hércules. Entretanto, antes de morrer e disposto a se vingar, disse a Djanira que seu sangue era um elixir do amor, aconselhando-a guardar um pouco, caso o marido deixasse de amá-la. Quando Hércules se apaixonou por outra mulher, a esposa mandou-lhe um manto com gotas do sangue,  que iria matá-lo. Seu corpo foi queimado numa pira, porém sua essência elevou-se ao Olimpo, a morada dos deuses.





domingo, 4 de março de 2018

3095 - SX Pinóquio esteve aqui

O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5355 SX                           Data: 4 de março de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV


O PAÍS DOS MENTIROSOS

O título da crônica é " O País dos Mentirosos ". Isso está decidido. Dele não arredo o pé. Mas previno os leitores de que até chegar lá vou dar umas voltas.

Que começam nos anos 50 e 60, quando Paulo Fortes apresentava, dirigia e redigia uma variedade de programas apresentados na antiga TV-Rio. Era uma delícia acompanhá-lo nas suas idas à emissora, onde ensaiava o "Carroussel Tonelux", "Folias Philips" e mais uma série de programas que faziam muito sucesso, sendo transmitidos ao vivo, já que não existia, ainda, o chamado "vídeo tape".

"Carroussel Tonelux" apresentava grandes atrações. Integravam seu elenco os cantores Lucio Alves, Ernani Filho, Fernando Barreto, Luciene Franco e Lueli Figueiró. O programa era enfeitado, ainda, por duas figuras femininas às quais eu dedicava especial atenção: Norma Bengell e Elizabeth Gasper.

Detalhista, perfeccionista, o barítono visitava a TV-Rio com frequência. Disso eu me aproveitava para assistir ao vivo, no auditório da emissora, grandes atrações. Lembro bem de um domingo em que meu pai me "rebocou" para assistir ao "Calouros em Desfile", programa de Ari Barroso. O responsável pelo "gongo", artefato utilizado para eliminar candidatos com desempenho abaixo da crítica, era o Tião Macalé. Alguns anos depois eu me postaria no calçadão de Copacabana para assistir aos jogos do Dínamo, time de futebol de praia por ele dirigido.

Nesse dia especial, os calouros que participavam do programa eram muito ruins. Eu e meu pai sentados na primeira fila do auditório. A cada escorregadela, desafinação de um candidato, Ari Barroso fazia um sinal para seu amigo Paulo Fortes, revelando seu inconformismo. Terminado o programa, fez um pronunciamento breve: "E assim, Senhoras e Senhores, chegamos ao final de mais um Calouros em Desfile. Programa que tem por objetivo revelar novos valores para o panorama musical brasileiro. E que desta feita, como em outras oportunidades, não revelou ninguém".

Da passagem de meu pai pela TV-Rio lembro também de outro episódio singular. Ele tinha um primo, de nome Plínio, que tinha, percebia-se, um parafuso a menos na cabeça. Pouco havia estudado e, próximo dos quarenta anos, nunca havia trabalhado. Diante de sua insistência, Paulo Fortes, penalizado, conseguiu para o primo um emprego na emissora. À altura de suas limitações e quase nenhuma instrução. Plínio cuidaria do belíssimo saguão de entrada da TV-Rio, todo revestido em mármore, concebido originalmente para abrigar o Cassino Atlântico. A essa tarefa ele se dedicou com sofreguidão. Era o que se convencionou denominar "Funcionário Padrão". Com a compulsão própria dos perturbados, mantinha impecável o espaço que estava sob sua responsabilidade. Trabalhava doze, quatorze horas por dia. Tudo brilhava, tudo permanecia absolutamente limpo. Até que, um dia, deu-se a tragédia. João Baptista do Amaral, o dono da TV-Rio, que por lá pouco aparecia, adentrou o recinto apressado, acompanhado por um séquito de assessores. Fumando, para desespero de Plínio. A horas tantas, jogou ao chão a cinza do cigarro. Plínio partiu para cima dele. O certo é que o sujeito nunca apanhou tanto na vida.

Com a interferência de São Judas Tadeu, o padroeiro das causas perdidas, o episódio pôde ser contornado. A trajetória de sucesso de Paulo Fortes na TV-Rio ainda se estenderia por muitos e muitos anos.

Lembro Ari Barroso por conta de uma gravação do YouTube que acessei recentemente. No Royal Albert Hall, em Londres, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida por Marin Alsop, interpreta "Aquarela do Brasil". Um arranjo extraordinário da música desse gênio brasileiro levou milhares de pessoas ao delírio.

Começo, finalmente, a tangenciar o problema da mentira, que é, afinal, o tema desta crônica. Meu contraponto é uma notícia que tive a oportunidade de ler na edição de 24 de fevereiro de O Globo. Um tresloucado jornalista declara : "Depois de encarnar 'A Mulher do Fim Do Mundo', nome do álbum de 2015 que rendeu prêmios e uma turnê pelo Brasil e pelo mundo com shows arrebatadores, Elza Soares renasce como deusa, anunciando não o fim, mas um começo, pós-apocalipse." Inverossímil, tresloucada, a notícia vem reforçar o que todo mundo já sabe. O Brasil é o país dos mentirosos.

Prolixo que sou, não resisto a mais um adendo. Uma das últimas operetas produzidas pelo extraordinário compositor húngaro Franz Lehár foi "O País dos Sorrisos". Esse país é a China. Na avaliação do compositor, os chineses, com seus olhos rasgados e lábios muito finos, aparentavam estar sempre sorrindo.

A opereta fez muito sucesso. Não tanto em sua primeira versão, que estreou em Viena em 1923. Sucesso para valer aconteceu a partir da apresentação da versão reformulada do trabalho, dada a conhecer em Berlim no ano de 1929.

Como de costume, o compositor incluiu nessa produção uma canção belíssima, para fazer estrondoso sucesso na voz privilegiada do grande tenor Richard Tauber. "Dein ist mein ganzes Herz" passou a constar, desde então, no repertório de dezenas de grandes cantores, à frente possivelmente Placido Domingo, recordista mundial dessa cantoria.

Franz Lehár morreu em 1948. Não teve tempo - já que inspiração não lhe faltaria - para escrever uma opereta sobre o Brasil. Seu título seria "O País dos Mentirosos".

O leitor já percebeu que chegamos lá. Mente-se muito no Brasil. Torna-se difícil avaliar o que é pior: a mentira, em si, ou um povo auto-indulgente, que acredita em tudo, tudo releva e convive com todo tipo de barbaridades.

Na arte de mentir ninguém supera políticos e governantes. O Prefeito-viajante Marcelo Crivella finge que administra a cidade do Rio de Janeiro. Passeando na Europa, não tomou conhecimento de uma chuva monumental que quase fez a cidade submergir. Tampouco que uma multidão de vândalos invadiu a praia de Copacabana, depois de depredar o Metrô. Essa corja integrava o chamado "Bloco da Favorita". Que tinha até madrinha, a "atriz" e "namorada do Neymar" Bruna Marquezine.

Em outra oportunidade, também carnavalesca, a "atriz", "cantora", "promoter" e "ativista" Preta Gil mobilizou milhares de foliões num desfile promovido no centro da cidade. Consta que patrocinado por uma cervejaria. A nós, idiotas, compete pagar os impostos que vão financiar centenas de banheiros químicos necessários para -quem sabe?- dar vazão à metade do xixi produzido pela rapaziada.

Mas tudo se justifica. Repete-se à larga que somos um povo extraordinariamente alegre. O que pode ser mais divertido do que invadir o Aeroporto Santos Dumont? Prejudicando o embarque e o desembarque de centenas de passageiros? Divertidíssimo.

Existe, também, o consenso de que somos um povo muito bonito. Possivelmente a amostra dessa beleza foi colhida num domingo de sol, no Posto 9 da praia de Ipanema. 

E pode haver povo mais gentil, de melhor índole? Caminhões assaltados na Avenida Brasil são esvaziados em questão de minutos nas ruas paralelas, pela vizinhança que acorre ao local. Gente da melhor qualidade. Faz algum tempo os telejornais noticiaram um acidente terrível na Via Dutra, envolvendo um caminhão carregado com engradados de cerveja. Seu motorista, morto, permanecia na cabine, preso às ferragens. Ainda assim a carga do caminhão foi saqueada, por uma multidão que não disfarçava sua incontida alegria.

No país dos mentirosos, as escolas não ensinam e, via Internet, milhares de analfabetos obtêm diploma de curso superior. Cantores não sabem cantar, uma nova geração de atores surge sem saber representar e comediantes não fazem rir. Salários malucos ornamentam o currículo de técnicos e jogadores de futebol completamente idiotas.

No país dos mentirosos, acredita-se em almoço grátis, redução de tarifas de energia em plena crise hídrica e palestras proferidas por um líder mal e porcamente alfabetizado. Uma recessão monumental e índices tenebrosos de desemprego são provocados por uma gerente inteiramente desprovida de miolos, eleita depois de mentir muito para milhões de mentirosos que com ela se solidarizaram.

Agradeço a paciência dos leitores. Somos, ou não, "O País dos Mentirosos"?