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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2070 - um oscar em mãos trocadas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3870 Data: 26 de dezembro de 2011

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SABADOIDO DE NATAL

PARTE II

FALANDO DE INJUSTIÇADOS

Por que não procurei o site IMS – Instituto Moreira Sales – para ouvir a flauta que o Pixinguinha tocava aos17 anos de idade?... Segundo, um flautista da Orquestra Sinfônica Brasileira, parecia que ele passou vinte anos estudando o instrumento, tamanho o prodígio. Eu tinha de xingar a memória de vigarista, como o Nélson Rodrigues. “Não há nada mais relapso do que a memória. Atrevo-me mesmo a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita falsificadora de fatos e figuras.”

As inúmeras mensagens virtuais com que me deparei, quando acessei o meu provedor, induziram-me a esse esquecimento. Tudo bem: haveria outras oportunidades para eu ficar diante do computador do Daniel.

Enquanto isso, Vagner e Luca já tinham chegado, e a sessão do Sabadoido se desenrolava.

“Luca, logo que chegou, se referiu ao Programa de Natal da TV Globo, no dia 23 de dezembro, que juntou Ivete Sangalo, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Eu já preparava os meus ouvidos para as suas críticas, quando, estranhamente, ele se põe a tecer elogios. Ivete Sangalo interpretou “Atrás da Porta” do Chico Buarque com tanta emoção, que todo o mundo chorou. Eu, então, perguntei: “Luca, você não estava assistindo ao velório do ditador da Coreia do Norte?”

O texto aspado acima foi uma narrativa do meu irmão, pois eu ainda me encontrava diante do computador. Depois de escutar o Cláudio, indaguei:

-E o Francis Hime?... Não se falou do autor da música?...

Quando me fiz presente, Luca lia alguns recortes dos jornais da semana. Ocupava-se, agora, das crônicas de 500 palavras do Ruy Castro para a Folha de São Paulo. Aproveitando o gancho, o leilão com lance mínimo de 1 milhão de dólares do Oscar do Cidadão Kane, ele discorreu sobre a relação do Orson Welles com a estatueta de Hollywood.

“Foi o único Oscar que “Kane” recebeu, dos nove a que foi indicado, e o único que Orson levou por um filme...”

-Oscar de melhor roteiro. - esclareceu meu irmão.

Ruy Castro prosseguia a frase com as palavras “... e olhe que dividido com Herman J. Mankiewcz.”; porém o Luca não se arriscou a pronunciar um nome que a Rosa Grieco adjetivaria de sesquipedal.

Luca leu que naquele ano, 1941, John Ford recebeu o prêmio de melhor filme com “Como Era Verde Meu Vale” e Gary Cooper, o de melhor ator com Sargento York. Ruy Castro afirmou que o Oscar, por ser um boneco cego, foi ao cinema e não enxergou nada, mas meu irmão enalteceu o filme de John Ford.

-Tudo bem, Cláudio, o próprio Orson Welles colocava o John Ford em primeiro lugar como diretor, mas o “Cidadão Kane” revolucionou a arte do cinema. - argumentei.

Luca prosseguiu na leitura:

-”O filme seguinte de Orson, “Soberba”, também foi indicado entre os melhores de 1942, mas perdeu para o correto, quadrado e apenas oportuno “Rosa de Esperança”, drama de guerra de William Wyler.”

-Orson Welles deixou “Soberba” nos rolos e viajou para o Brasil para filmar “Tudo é Verdade”. Nesse ínterim, os amigos dele que estavam na direção da RKO perderam os cargos e a nova administração resolveu fazer a montagem da “Soberba”, cortando a duração do filme, estragando, enfim, o que seria uma obra-prima.- manifestei-me.

-Olhem o que Ruy Castro disse aqui. - chamou-nos a atenção o Luca.

-”E mais até do que o magnífico George Sanders em “A Malvada”, era Orson, no papel de Harry Lime, quem merecia ser o melhor ator coadjuvante de 1950, por “O Terceiro Homem”.

Enquanto meu irmão, sob os olhares do Vagner, exaltava a excelência da “A Malvada”, minha mente ia para a fita baseada numa história de Graham Greene. Apesar do talento do escritor inglês, Orson Welles melhorou seu personagem, escrevendo as suas falas, inclusive a da “contribuição” da Suíça para as artes. Criou, assim, um dos personagens mais instigantes da história do cinema, eu, porém, não me entusiasmava muito com Orson Welles como ator.

No filme “A Marca da Maldade”, porém, meu parecer mudou: ele esteve soberbo no papel de um criminoso.

Eis o que Ruy Castro escreveu e o Luca nos transmitiu na sua voz sonora:

-“O caso mais escandaloso, no entanto, foi o de “A Marca da Maldade”, ignorado de alto a baixo em 1958 e pelo qual Welles deveria ter ganhado, no mínimo, os Oscars de melhor filme, diretor e ator – nos quais couberam, respectivamente, ao musical “Gigi”, ao diretor deste, Vincent Minneli e a David Niven por Vidas Separadas”. (*)

“A Marca da Maldade” se inicia com um plano-sequência que até hoje provoca babas de admiração dos espectadores que veem o cinema como uma arte.

Não tive tempo de externalizar as palavras acima, porque o Luca se aproximava do fim da leitura.

-“E por que a estatueta de ator coadjuvante em 1959 coube a Hugh Griffith por “Ben Hur” e não a Orson no papel do advogado em “Estranha Compulsão”, de Richard Fleischer?”

E arrematou Ruy Castro:

“Pensando bem, talvez Us$ 1 milhão seja muito dinheiro por um boneco cego.”

-Certo estava Charles Chaplin que usava o Oscar que ganhou em 1929 para não deixar a porta bater. - comentei.

Como o assunto é premiação, vale narrar um momento ocorrido há dois Sabadoidos, e que não foi registrado no nosso periódico.

-Claudiomiro, quem, de língua portuguesa, ganhou o primeiro Nobel?

-Eu penso, Luca, que foi o José Saramago.

-E você, Carlinhos?

-Só me ocorre o nome do José Saramago.

Luca sacou, então, um recorte da Folha de São Paulo. Ouvimos, então, um pedaço da biografia de Egas Moniz:

-”Neurocirurgião português, Egas Moniz introduziu a lobotomia pré-frontal, processo cirúrgico para o tratamento da esquizofrenia e da paranoia.”

-Criou zumbis. - critiquei.

-Ganhou o Prêmio Nobel por isso? - espantou-se meu irmão.

-Sim, Claudiomiro, o Nobel de Medicina de 1949.

-O patriarca dos Kennedy, Joseph Kennedy, que tinha ambições políticas para a família, mandou que se lobotomizasse a filha doente, temendo que ela se envolvesse em escândalos, quando os normais da família é que se envolveriam. - comentei.

Não citamos na ocasião – injustiça cometida pelas nossas memórias – o cientista da língua portuguesa, ou brasileira, que merecia o Prêmio Nobel: Carlos Chagas. Além de identificar o agente e o transmissor da doença que leva o seu nome, foi um dos primeiros cientistas a demonstrar a importância da higienização para a saúde, editando o primeiro Código Sanitário do Brasil.

Mas a justiça é cega como a estatueta chamada de Oscar.

(*) sem entrar na incômoda polêmica sobre o mérito do Oscar, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO aproveita a deixa para dizer que Vidas Separadas (Separated Tables) é um ótimo filme e que pouco passa na TV.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

2069 - transações em trânsito

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3869 Data: 26 de dezembro de 2012

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SABADOIDO DE NATAL

-Você sabe se o Luca vem hoje aqui?

-Bem, Claudio, ele me telefonou, nesta semana e me comunicou que viria para o Sabadoido de Natal. Falamos do aniversário dele, dia 21, do Julinho, dia 18 e de uma garrafa de Dimpus, que ele ganhou, mas parece que sua irmã a bebeu toda.

-Já sei: ele falou do Chico Buarque.

-Luca sempre fala do Chico e da Rosa, quando me telefona.

-Carlinhos, esse último disco do Chico não é bom.

-Escuto, às vezes, faixas desse disco no carro do Luca. Mas prefiro quando ele coloca para tocar o “Tango de Nanci”. O próprio Luca reconhece que o Edu Lobo é um músico de maiores recursos.

-O Tom Jobim o considerou seu sucessor. - lembrou meu irmão, que, na verdade, o considerava insubstituível.

-Cláudio, você lembra que o Chico Buarque se afastou do PT quando houve o escândalo do mensalão?

-Ele sempre foi petista.

-Foi, Cláudio, mas o Chico Buarque não se manifestava mais com entusiasmo sobre a política do PT, depois que o mensalão chegou às páginas de jornal.

-Isso é verdade. - reconheceu.

-Veio, então, os 100 anos da Dona Memélia, a mãe do Chico, que nem foi comemorado em Copacabana e sim no apartamento do filho compositor, no Leblon, que era mais espaçoso do que o da aniversariante.

-E o Lula, com a candidata a presidente, Dilma, compareceram. - interrompeu-me.

-Você pensa, Cláudio, que o Lula foi até lá, levando a candidata dele, só para cantar “parabéns pra você, Dona Memélia”?

-Claro que não.

-Lula foi negociar. Desde que se tornou metalúrgico, Lula não fez outra coisa que não fosse negociação. Meteu-se até na crise do Oriente Médio...

-Ele é, de fato, mais negociador do que trabalhador. - concordou.

-No aniversário da Dona Memélia, Lula foi negociar com uma das maiores lideranças do mundo artístico, se não, a maior, o Chico Buarque de Holanda.

-Pouco tempo depois dessa festa de aniversário, houve uma reunião de artistas no Teatro Casa Grande, em outubro de 2010, onde o Chico Buarque discursou em favor da eleição da Dilma Rousseff como presidente da República.

-Em troca, a Dilma Rousseff nomeou a irmã dele, Ana de Holanda, que não possui o menor tino administrativo, Ministra da Educação. - concluí.

-E ele ganhou o Prêmio Burity, sem que o seu livro fosse premiado, e ainda conseguiu que o pai, que nada teve a ver com o petróleo e a Marinha Mercante, desse o nome a um petroleiro. - acrescentou.

-Bem, não sei se isso fazia parte da negociação do aniversário, quanto ao ministério da inexperiente Ana de Holanda, não resta dúvida.

-É por isso que prefiro o Caetano Veloso ao Chico.

-Eles são muito unidos; uma das primeiras medidas da Ana de Holanda era entregar 1,35 milhão de reais em incentivos do Ministério da Cultura à irmã do Caetano Veloso para ela recitar Fernando Pessoa num blog. Se não fosse a gritaria dos contribuintes, a conta bancária da Maria Betânia aumentaria.

-E o Luca, que coloca o Chico Buarque nas alturas?

-O Luca venera o Chico, mas é inteligente; ele votou na Marina Silva, que era a única candidata que apresentava ideias novas para se debater. Eu votei no José Serra, mas me envergonho desse voto, pois ele foi fisiológico: Serra escondia o Fernando Henrique Cardoso e elogiava o Lula, porque este era mais popular, recorrendo, assim, a um pragmatismo de marketing nojento. Precisou a própria Dilma, já presidente, fazer o que o Serra não fez: justiça ao Fernando Henrique Cardoso.

-Você pensa que o Lula precisava dessa negociação?

-A esquerda intelectualizada, com pruridos de honestidade, se bandeava para a Marina Silva. Ela teve 20 milhões de votos e levou a eleição para o terceiro turno.

Nesse instante, chegou o meu sobrinho à cozinha.

-Ainda bem que você não trabalha neste sábado. No sabadoido passado, o Luca trouxe a neta, mas você estava nos Correios.

-Eu soube.

-Ela ficou até meio jururu. Eu disse: “Kiara, em cinco minutos, eu saio do computador.” E a reação dela: “Pode ficar, Carlinhos”. Bem diferente daquela Kiara que não aguentou esperar um minuto, e me despejou: “Carlinhos, o Sabadoido tem um esquema: os mais velhos conversam, e as crianças brincam no computador.”

-A Kiarinha se garantiu no Daniel. - declarou a Gina, que apareceu logo depois do filho.

-Eu uso o computador do Daniel para as mensagens eletrônicas mais complexas que recebo, aquelas que não posso abrir no trabalho, porque estão bloqueadas, e em casa, porque o sinal da internet é precário.

-O computador daqui anda também péssimo. - criticou a Gina.

-Não tenho queixas. Eu estava louco para assistir ao vídeo do Jean Manzon sobre o transporte no Rio de Janeiro no tempo dos bondes, dos lotações e dos trens tomados por pingentes, e só consegui ver no computador do Daniel. Olhe que são dez minutos de filme...

-Eu tenho tido problemas. - insistiu a Gina.

-Eu não me recordava do caos que os lotações provocavam. Nesse documentário, os lotações são chamados, na voz do Luís Jatobá, de parasitas do trânsito.

-Eu me lembro quando o trem pegou o lotação Méier-Penha, na estação de Del Castilho. - interveio o Cláudio.

-Creio que foi em 1962. Nós descemos a Rua São Gabriel e fomos ver os corpos na linha férrea. Graças a Deus que estavam cobertos, alguns por jornais. - falei.

-Se, naquele tempo, você tinha medo de filmes de vampiro, imagino as noites que você ficaria falando dormindo se visse mortos de verdade.

-Eu fui até a tragédia por um impulso de garoto.

-Aquela cancela era uma chatice. Paravam todos os ônibus e lotações para esperar o trem passar. O motorista do Meier-Penha caiu naquele velho engodo: calculou que dava...

-O governador Carlos Lacerda inaugurou o viaduto de Del Castilho e deu um fim àquele perigo. - assinalei.

-Quanto ao meu computador, ele está meio pesado. Eu tenho instalado dois antivírus, e não sei qual deles eu vou tirar.

-Fique com o Avira.

-Também acho o melhor. - corroborei a sugestão da Gina.

-Tiro o outro, então.

-No sábado passado, houve um momento que a Kiara lançou o alarme: tudo se apagara. Disseram, até, que eu preparara uma armadilha quando saí do computador.

-Ela mesma apertou um botão errado; ela se esquecera das instruções do Daniel para o joguinho em que ela brincava.

-Você vai ver seus e-mails? - voltou-se para mim.

-Vou, é pouca coisa, Daniel.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

2068 - velhas manchetes

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3868 Data: 26 de dezembro de 2011

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ALEGRIAS NA REDAÇÃO DO BISCOITO MOLHADO

Apesar de eu esbarrar no dia a dia com os personagens dos primeiros anos do Biscoito Molhado, houve mais alegrias do que sobressaltos. Aqui vão alguns exemplos.

O antecessor do Dieckmann no cargo de coordenador-geral de Transportes Marítimos, Paulo Octávio de Paiva Almeida, era mais conhecido pelo acrônimo do seu nome: POPA, que também que se coadunava com a sua adiposidade. Aqueles que trabalhavam diretamente com o Popa, ou seja, os chefes de divisão e secretárias, eram reclamantes contumazes da sua rispidez. Sabendo disso, eu o chamava, no Biscoito Molhado da época, de “Orca, a baleia assassina”.

Ao cruzar com ele, certa vez, no corredor, fui abordado.

-Liane, a minha mulher tem uma queixa: você nunca mais me chamou de “Orca, a baleia assassina”.

-Ela é leitora também?...

E prometi:

-Vou caprichar.

Em março de 1999, o vice-presidente eleito do Paraguai, Luís Maria Argaña, foi morto a tiros por pistoleiros numa rua de Assunção. Para o infortúnio do nosso coordenador-geral de Transportes Marítimos, ele se encontrava nesse país como partícipe de uma reunião do Mercosul. Logo, o presidente do Paraguai fechou as fronteiras, o que significava que o Paulo Octávio não poderia retornar para o Brasil no tempo previsto.

O Biscoito Molhado estampou, na ocasião, em edição extra, a manchete: “O Resgate do Soldado Popa”.

O Corinthians atuava no Paraguai, quando houve o assassinato, e o governo de lá permitiu a saída do time paulista. Escrevemos em “O Resgate do Soldado Popa” que ele se disfarçou de massagista do Corinthians, tentando escapar, mas foi reconhecido na fronteira por tropas paraguaias. Então, na cúpula do Departamento de Marinha Mercante, foi planejada uma força-tarefa, sob o comando da Tânia, secretária do diretor, para resgatar o Popa.

Resumindo a nossa reportagem: como a Tânia não gostava do Popa, aproveitou o momento e o atingiu com um tiro.

Ora, a mencionada comandante da força-tarefa não cultivava o bom-humor e, por isso, pretendeu empastelar o Biscoito Molhado. Ela subiu até a nossa redação, mas, antes, conversou com o chefe da Divisão de Estudos, o Djalma, que a acalmou. Para não perder a viagem, entregou-me um texto sobre um menino que mexia com pregos e feria corações. Algo, enfim, muito piegas, mas que me inspirou mais uma edição do Biscoito Molhado.

Outro caso muito engraçado, visto com a distância do tempo, e que nos levou a parodiar o nome de um clássico da literatura, ocorreu num pagamento de salários lá pelos meados dos anos 90.

-Cadê o meu salário? - era a pergunta que mais se ouvia dos funcionários que chegavam dos bancos.

-Já telefonou para Brasília? - era a segunda pergunta mais ouvida, como se o presidente Itamar Franco pudesse fazer alguma coisa.

Depois de muitas corridas sem norte, de muitas cabeças batidas, descobriu-se que erraram as agências do Banco do Brasil. Quem tinha, por exemplo, conta na agência do Banco do Brasil da Cinelândia, descobriu que depositaram os seus proventos na agência Pio X.

O Biscoito Molhado também saiu em edição extra com a manchete: “Em busca do salário perdido.”

O caso que narramos acima sobre a crise política paraguaia representou os estertores daquela administração do Departamento de Marinha Mercante; poucos meses depois, apareceria, no lugar do Popa, o Roberto Dieckmann.

-Todas as segundas-feiras haverá reuniões e quem se atrasar será vaiado. - imprimiu o Dieckmann logo a sua marca ao se apresentar.

Numa dessas reuniões, quando o Dieckmann ainda desconhecia a rivalidade entre seus funcionários, estabeleceu o seguinte: as luzes seriam desligadas por alguns minutos e, nesse tempo, cada um refletiria sobre as melhores medidas para o andamento do trabalho e, em seguida, as expressaria. No meio da penumbra, eu imaginava a próxima manchete do Biscoito Molhado:

“Luzes são acesas e várias gargantas aparecem cortadas.”

Felizmente, tudo acabou bem.

No verão que não choveu, 2000/2001, e que a falta de investimentos em energia transformou o Pedro Parente em Ministro do Apagão, nós tivemos de nos revezar no trabalho: uma vez por semana, pelo menos, tínhamos de sair do trabalho à noite. A coisa estava ficando perigosa, pois ficávamos num trecho da Rua Miguel Couto com a Presidente Vargas que atraía pessoas suspeitas. Reclamaram com o Dieckmann, mas de maneira equivocada:

-É arriscado nós sairmos tarde por causa do apagão, pois há uma loura gostosa, por aqui, assaltando...

Não preciso assinalar que a reclamação partiu de uma mulher, e, como agravante, psicóloga...

Contudo, o momento mais hilariante da gestão do Dieckmann, como coordenador-geral da Marinha Mercante, se deu quando ele assinou a importação de dois navios de 21 anos de idade.

Eu vinha do almoço com uma colega, quando me deparei com um tumulto dos diabos. Um número absurdo de metalúrgicos da Sermetal ocupava a frente do nosso prédio, enquanto saíam de um caminhão de som mil críticas àquele que “quer levar a mais um sucateamento da construção naval brasileira”.

-Vamos em frente, Carlos Eduardo; se houver problema, eu digo que trabalho na casa de massagem do prédio, que nada tenho a ver com a Marinha Mercante. - disse ela.

Enquanto isso, outra colega minha de trabalho, subia no elevador com vários metalúrgicos e ouvia o seguinte comentário:

-Esse boiola do Dieckmann só pode ser vascaíno.

No 21º andar, onde trabalhávamos, só havia um guarda: o Samuel. Ele cerrou a porta de madeira para não permitir a entrada de estranhos, como os operários a forçaram, Samuel os encarou. Mas a resposta do Dieckmann àquela fúria chegou logo: receberia seis representantes dos metalúrgicos com a condição de que não fosse vaiado antes de ser ouvido.

-Ora, Dieckmann apurou, tempos atrás, a respiração diafragmática e a intercostal, que é imprescindível para o canto e oratória, por isso, foi chamado pelo Faustão, quando apareceu no seu programa, de locutor da BBC. Assim, assim que os operários da Sermetal o ouviram, a calma se estabeleceu. Dieckmann lhes explicou que o grande inimigo dos trabalhadores eram as empresas de papel, aquelas que não tinham embarcações próprias, que só operavam com navios afretados (*). Quanto aos navios de 21 anos, poderiam ser reparados nos nossos estaleiros, o que significaria trabalho para eles.(**)

No dia seguinte, eu tinha uma bela manchete para o Biscoito Molhado:

“Vivendo perigosamente.”


(*) o redator foi sucinto. Os operários vieram de todos os estaleiros, com carros de som, faixas com dizerem: ABAIXO O GRINGO DA CONSTRUÇÃO NAVAL, etc. Realmente saíram tranquilos, com a promessa do Ministro dos Transportes de remediar a situação. Ele reverteu realmente a importação, embora ressalvando que estava tudo correto: a empresa desistiu de importar os navios, assinou pedido de financiamento e ficou operando com navios estrangeiros durante uns 10 anos, sem entretanto construir nada. Essa é uma constante no Brasil, tapa-se o sol com peneira o tempo todo.

(**) Foi mesmo uma pena. A empresa poderia ter importado os tais navios, gerando imposto de importação, emprego de marítimos e de operários de construção naval para os reparos que seriam uma decorrência natural - os navios tinham 17 e 19 anos de idade. Como ficou, ninguém ganhou, a não ser o pessoal da Xerox, que tirou milhares de cópias necessárias ao pedido de financiamento. Carga não escolhe bandeira, ou tripulação - ela vai. Pode ser de navio nacional, importado, ou afretado; a nós cabe decidir o que pode gerar mais benefícios e certamente a reação havida foi a pior decisão possível.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

2067 - o barraco do polonês

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3867 Data: 20 de dezembro de 2011

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NA TADEU KOSCIUSKO

Nos primeiros anos da década de 70, havia as peladas das manhãs de sábado. Essas peladas contavam com o Reinaldo. Para os que se esqueceram das edições passadas do Biscoito Molhado, trata-se do cunhado do Luca.

Reinaldo, depois da obsessão pela bola de futebol e pela pipa, na infância e adolescência, deu de trabalhar tanto que o lazer ficou um pouco esquecido, porém as mencionadas peladas eram uma exceção.

Certa vez, com emprego na Caixa Econômica Federal, programou um jogo de futebol de salão noturno entre a sua turma da Rua Chaves Pinheiro e os seus colegas de serviço, numa quadra próxima do Centro. Recordo-me que eu marcava um senhor que me assustava não pelo toque de bola, mas pela respiração arfante, pré-agônica.

-Se ele enfarta e cai sobre mim, talvez eu não sobreviva. - temia, olhando para os seus mais de noventa quilos mal distribuídos por uma estatura elevada. E os outros “atletas” não fugiam desse biótipo.

-Trazem garotos para jogar contra a gente. - reclamou um deles, suando em bicas, depois do apito final.

Se Reinaldo escutou, fez ouvidos de mercador; espertamente, jogou pelo time da sua rua.

Sei que ele não abria mão das peladas matutinas de sábado, apesar de a oposição (quem conseguiu a unanimidade?), garantir que era um mão fechada. Quem merecia ser adjetivado como sovina era o Tonico, português da Chaves Pinheiro que, por amor a esses jogos na Quinta da Boa Vista, levava uns quatro peladeiros num dos seus táxis sem cobrar a corrida.

Quanto ao Reinaldo, mesmo chegando à casa, de madrugada, e sem tempo para o café matutino, rumava às sete horas da manhã, sete e meia, o mais tardar, para a antiga residência dos fugitivos de Napoleão Bonaparte. Certa vez, estava tão faminto que, na entrada da Quinta da Boa Vista, comprou de um ambulante um bolo mata-fome e um refrigerante. Esse bolo, confeccionado com farinha de milho, deixava-nos embuchado por umas duas horas. O refrigerante se fazia necessário para o dito cujo conseguir passar pela garganta e atingir o estômago.

Como eu definiria essas peladas? Eram uma manifestação de lazer?... Às vezes sim, às vezes não; a turma do deixa disso já teve de agir quando, por exemplo, o Damião e o Reco, um morador da Vila da Eva (era apenas uma vizinha), se estranharam. Eram catárticas?... Creio que não, podia se sair delas fisicamente mais leve, com o suor escorrido, mas espiritualmente, não. Um ou outro peladeiro evoluiu tecnicamente, pois o já citado Tonico, pelo modo estabanado de disputar a bola, era uma ótima cobaia para aqueles que queriam aperfeiçoar determinados dribles.

Costumavam jogar, além dos já citados Reinaldo, Damião, Reco e Tonico, Cosme, Maninho, eu, Cláudio, Lopo, Reginaldo, Rogério e Augustinho.

Lá por 1973, 1974, veio a notícia: Reinaldo teria de trocar os desfiles da Portela pelo bloco Pacotão. Explico: ele foi transferido para a Caixa Econômica de Brasília.

Com essa mudança, trocávamos correspondência e eu o mantinha inteirado dos acontecimentos das peladas da Quinta da Boa Vista. Ele, por sua vez, contava como foi a sua formatura na Universidade de Brasília, para onde se transferiu: apareceram formandos que ele nunca viu na sala de aula.

Sempre vinha correndo para o Rio de Janeiro, quando surgia, uma oportunidade, e, certa vez, trouxe-me o LP “O Milagre dos Peixes” do Milton Nascimento.

A Quinta da Boa Vista, nesse ínterim, tinha sido relegada para o segundo plano por nós, pois surgiram os jogos de futebol de salão na quadra do Lar de Júlia, que arregimentou um número enorme de praticantes, mesmo aqueles que julgávamos que já tinham pendurado as chuteiras como o Luca, o Tião, o Vicente, o Paulinho do Seu Moura, o Mazola, etc, etc.

Assim, numa folga de fim de ano, Reinaldo apareceu para jogar no Lar de Júlia, e trouxe para a plateia a Fátima, com quem se casara recentemente.

-Vicente, a bola está ali!... Vá nela!... - reclamou o seu time.

-É a mulher do Reinaldo... Parece uma índia. - murmurou encantado.

Em Brasília, Reinaldo participou do concurso da Petrobras e foi aprovado. Conseguiu um feito e tanto; as mães casamenteiras da Rua Chaves Pinheiro, que lembravam marcantemente as personagens de Jane Austen à cata de um bom partido para as filhas, tiveram de se conformar, pois ele já estava com a aliança no dedo.

-Casou com uma mulher bela como Iracema – diria o Vicente, que também lia os romances de José de Alencar.

A notícia que o Reinaldo retornaria de vez para o Rio de Janeiro, como funcionário da Petrobras, se espalhou. Num sábado, o Luca, no seu indefectível fusquinha de chapa SW 3200, me chamou, com outros amigos, para vermos a mudança do Reinaldo para a Rua Tadeu Kosciusko, no bairro de Fátima.

Tadeu Kosciusko, soube depois, foi um líder polonês que lutou contra o império russo, em 1794, com tanto heroísmo, que foi homenageado em vários países como nome de montanha, de ruas, etc.

O dono do apartamento, sem a companhia da mulher, deixou todos nós à vontade. Cosme, que tinha um reconhecido talento para imitar o locutor esportivo Doalcei Camargo, atendeu aos pedidos de tricolores, vascaínos e botafoguenses narrando gols desses clubes e, claro, do seu amado Flamengo:

-”Defende Félix...

Meu relógio Technos marca: 38 minutos do primeiro tempo.

Bola com Toninho, que passa para Assis, que dá para Marco Antônio. Marco Antônio segue com a pelota e entrega a Pintinho. Pintinho dribla um, dois, lança para Gil. Búfalo Gil deixa Alex batido... Vai marcar... Chuta... Gooooooooollllll do Fluminense. Fluminense 1, América 0.

Meu relógio Technos marca: 39 minutos.”

-Agora, Cosme, narra o gol do Vasco...

Meu irmão, Lopo, imitou, por sua vez, Roberval Taylor, um dos mais engraçados personagens do Chico Anísio, e recitou “Das pombas”.

-”Vai-se a primeira pomba despertada...”

Houve um momento em que o Luca me mostrou a cama de casal, com a sua estrutura de ferro e mostrou um conhecimento teórico que, até então, eu desconhecia. Depois, aproximei-me da janela, e notei que o supermercado ficava perto; mais um ponto positivo.

Política?...não, ninguém tratou de política. Aquele sábado (como posso falar sem cair no clichê?) não foi de se esquecer.


RESPOSTA DO REINALDO

“Vou compartilhar essa ultima edição com a Fatima, personagem desse seu BM.
O jogo com o pessoal da Caixa foi dentro do antigo prédio da Loteria, na Rua do Riachuelo, pertinho da Tadeu Kosciusko, onde fui morar depois que voltei de Brasília casado. De dia era garagem, mas a noite virava uma quadra rala-côco. Nem lembrava mais desse episódio que você resgatou, mas o time da Caixa era bem pior que o nosso. Graças a esse jogo, fui convidado depois pra jogar no time deles, cujo maior feito foi um jogo amistoso no campo do Flamengo que acabou meio na escuridão, quando fiz 2 gols e entrou pro meu currículo de jogador-morcego.
(*) O melhor da Tadeu era a madrugada de sexta pra sábado, quando ocorria uma feira-livre. Era lindo chegar amanhecendo e ver aqueles legumes e frutas arrumadinhos, fresquinhos nas barracas, esperando os fregueses além do ambiente festivo e contagiante daquela hora da madrugada, que os feirantes faziam entre sí, sacaneando uns aos outros ao arrumar suas barracas de feira....

Aquelas peladas na Quinta até hoje é um espanto a nossa motivação pra acordar cedo e ir pra lá de ônibus jogar pelada entre nós mesmos, naqueles espaços que nem baliza tinha!?!

As nossas correspondências naquela época tiveram um importância enorme pra mim. Ficava ansioso em recebê-las. Você sempre foi muito detalhista, excelente memória e me mantinha sempre ligado aos últimos acontecimentos do Cachamba.

Essa cama de ferro era uma antiga cama grande, de hospital, de mola e toda de ferro. Me amarrava nela, mas tomava quase todo o quarto. Mas a Lapa entrou na modo de novo. Uma amiga minha da Petrobras trocou o Meier pela Lapa e pagou espantosos R$ 750 mil por um 3Q no Cores da Lapa, que vendeu tudo no 1º dia de lançamento”


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

2066 - Foi o Pinóquio ou o Geppetto?

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3866 Data: 18 de dezembro de 2011

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PERSEGUIDO POR UMA CANÇÃO

Como eu estava de férias, resolvi almoçar no Shopping. Preferiria almoçar no Jockey, como os peralvilhos dos romances do século XIX, mas como esse costume très chic, conforme atestariam o janota Dâmaso Salcede, dos Maias, e a erudita Rosa, do 86, saiu de moda, como a língua francesa, fui para o Shopping.

Pretendia aparecer lá às 10h, em ponto, hora da abertura das portas e, como o tráfego de veículos fluía, além de a distância ser pequena, cheguei no tempo certo.

Atravessei a porta principal e uma melodiosa canção entoada em inglês inundou os amplos espaços do NorteShopping.

-Que música é essa? - sacrifiquei a minha memória.

-Parece a canção do desenho Pinóquio de Walt Disney...

Apesar do ar condicionado em ação, eu estava ficando quente, mas precisava lembrar o nome da canção para me dar por satisfeito. As minhas vistas pousavam nas vitrines das lojas, mas a minha cabeça se achava na busca do nome da música-tema do filme Pinóquio.

-Quando você faz um desejo a uma estrela... Isto! When you wish upon a star. - reconheci.

Sentindo-me vitorioso, entrei na Livraria Siciliano para xeretar os livros. Na linha de frente, estavam as memórias e autobiografias. Houve uma época, anos 70, em que eu lia tanto esse gênero literário, que um amigo, o Doutor Pirulito, dizia que eu adorava saber da vida dos outros.

Lá estavam as memórias do Ricardo Amaral, do Bôni, as biografias do Glauber Rocha, da Dilma Rousseff, do Winston Churchill, do Charles Chaplin, do Steve Job... No meu trabalho, aliás, há um funcionário de nome Jorge, que se atrapalha tanto com a linguagem do computador, que ganhou o apelido de Steve Jorge.

Rumei para a seção de revistas e me deparei com um tesouro: as tiras do Charlie Brown publicadas nos jornais, encadernadas por ano, de 1951 em diante. Olhei as tiras mais antigas e vi que os traços dos personagens, como o passar do tempo, se tornaram mais requintados. Sempre gostei da criação de Charles Schulz e introduzi meu sobrinho, quando pequeno, nesse belíssimo universo, dando-lhe filmes e revistas, e até hoje ele acompanha Charlie Brown, seu cachorro e sua turma.

Procuro, depois, a seção das gravações em busca da ópera “Fausto” de Gounod para dar de presente de Natal à minha mãe. A fita em VHS já descoloriu e a nitidez da imagem já se perdeu. A alta tecnologia criou uma tal rotatividade que os arquivos se perdem em poucos anos. Humberto Eco já escreveu sobre as vantagens da folha de papel de algodão que preservou livros por mais de 500 anos no artigo que intitulou “A transitoriedade dos periféricos”.

Não encontrei o DVD do “Fausto” e resolvi sair. Atravessei a porta da livraria, e o alto falante tocava ... When you wish upon a star.

-Não é, que eu saiba, uma música natalina.- pensei, enquanto via algumas guirlandas de Natal penduradas no teto.

Depois, atentei para a voz o cantor; era bom, mas não tinha uma voz formidável. Compositores para trabalhar nos estúdios da Disney tinham de ler partitura. Segundo o José Ramos Tinhorão, o Ary Barroso voltou dos Estados Unidos para o Brasil porque não tinha o Radamés Gnatalli, o autor do arranjo da Aquarela do Brasil, ao lado, para socorrê-lo musicalmente. Quem compôs esta música do Pinóquio, lia partituras e escreveu notas difíceis de serem entoadas. Eu pensava nisso tudo depois de ouvir o cantor recorrer a um falsete.

Entrei no caixa eletrônico do Banco do Brasil para pegar dinheiro. Estranhei o tamanho comprido da fila até notar que o mês de dezembro se iniciava: muita gente recebera o salário. A vantagem que a fila era única; desde que automatizaram muitos serviços bancários, acabaram as numerosas filas, tempo em se impunha uma das mais famosas leis de Murphy: “Sempre que você sai de uma fila que não anda, para outra, que anda, a fila que não andava passa a andar e a fila que andava passa a não andar.

Com o dinheiro na carteira, rumei para a “Lidador”. Acompanhava-me o som do When you wish upon a star. Será que o Anthony Bennett, o Frank Sinatra gravaram esta composição?... Talvez não, mas certamente, muitos artistas, aproveitando o grande sucesso do filme dos Estúdios Walt Disney, a gravaram. E me perguntei: já que a direção do Norte Shopping pretende celebrar o período natalino com When you wish upon a star, porque não coloca os discos de outros cantores?...

Recordei-me, então, de um programa vespertino da Rádio MEC, de uma hora de duração, quando foi tocado apenas Stardust. O locutor anunciou que esta composição criada, em 1927, por Carmichael, recebeu letra de Mitchel Parish dois anos depois, isto é, em 1929. O sucesso ganhou tamanha proporção, que foram feitas 1300 versões, sendo Stardust a canção mais gravada na primeira metade do século XX e quiçá da segunda metade, também.

Assim, uma única composição musical encantou os ouvintes durante 60 minutos. Lá estavam famosas interpretações de Stardust como aquela do Frank Sinatra, em 1961, em que ele canta apenas a introdução. Contudo, ninguém superou Nat King Cole, na minha apreciação.

Eu não pretendia o impossível, que a administração do NorteShoping realizasse a mesma coisa com When you wish upon a star, mas que, pelo menos, variasse um pouco os intérpretes.

Encomendei duas garrafas de vinho na “Lidador”, prometendo buscá-las por volta do meio-dia e fui para as “Lojas Americanas”. Lá, não sei explicar o porquê, recordei-me do ex-prefeito César Maia que, num açougue, pediu um sorvete. A oposição o chamou de doido, mas era aquela loucura Hamletiana: tinha o seu método. Ele aparecia na mídia e tocava num ponto: as casas comerciais negociam praticamente tudo. Ali, nas “Lojas Americanas”, havia seções de livros e discos, como se fosse uma “Livraria Siciliano” em tamanho menor.

Examinei os livros infantis, e me deparei com “As Aventuras de Pinóquo”. Como todos sabem, trata-se de um clássico da literatura infantil, publicada em 1883, pelo escritor italiano, Carlo Collodi. Pinóquio, um boneco, foi esculpido a partir de um tronco de madeira pelo entalhador Geppetto, numa vila da Itália e desejava ser um menino. (*)

When you wish upon a star escutei do percurso que fiz das “Lojas Americanas” a “Casa & Vídeo”. Pretendia comprar um radio para enganchar na minha bermuda, enquanto fizesse minhas caminhadas nas madrugadas de verão, sem camisa. Depois de muita procura, a fome aumentou e fui para a Praça de Alimentação.

Servi-me do que me pareceu mais saudável, evitando os agrotóxicos dos pimentões e dos pepinos, o colesterol dos camarões, ou seja, seguindo o conselho dos gregos antigos, pois os modernos estão falidos: “Faça do seu alimento o seu remédio”.

Comi ouvindo a música do Pinóquio com aquele falsete que me desagradava cada vez mais.

Meia hora depois, carregando uma sacola com duas garrafas de vinho, dirigi-me para a saída do Shopping perseguido pela canção cujo nome não preciso mais dizer.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO tem impressão diferente, embora embotada pelo tempo: era Geppetto quem desejava ardentemente ter um filho e fez Pinóquio com esta intenção. A Wikipédia, entretanto traz a opinião do redator. Boa questão para movimentar o blog.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

2065 - Os favoritos do Biscoito

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3865 Data: 17 de dezembro de 2011

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MANIFESTAÇÕES INTERNÉTICAS

Os leitores que não leem as edições do Biscoito Molhado distribuídas pelo Dieckmann desconhecem os seus asteriscos, que são comentários sobre algum trecho do mencionado periódico. Nunca houve problemas entre os leitores e não-leitores desses asteriscos, com uma única exceção: ao saber que o nosso distribuidor manifestara desdém pelos não lidam com a informática, Rosa Grieco reagiu com alguma agressividade confundindo, porém, o Dieckmann com o Fischberg. Serenados os ânimos, tudo acabou bem, e o cachimbo da paz, o único que não faz mal a saúde, foi fumado por todos.

Mas não é sempre que o nosso amigo de descendência nórdica insere asteriscos neste periódico; mais de dez edições seguidas já se passaram sem que ele digitasse uma só vírgula. Quando isso acontece, eu publico um Biscoito Molhado sobre o tempo em que o Dieckmann era chefe no Departamento de Marinha Mercante.

-Carlos, ele vai encher o Biscoito de Molhado de asteriscos. - previa, então, o Elio Fischberg quando o jornalzinho passava pela revisão.

Quando eu aludi à reunião em que o Dieckmann ensinou os seus funcionários a respirar pelo diafragma, antecipando-se às cenas do Filme “O Discurso do Rei”, choveram asteriscos.

Nos últimos meses parece que os dito cujos passavam por um período de entressafra, mas aumentaram com a mudança do nosso amigo para o Caju, onde foi supervisionar, pela Petrobras, um estaleiro.

Não sei se a carga de trabalho diminuiu, ou se a proximidade de mortos criativos o inspirou, mas Dieckmann me surpreendeu com um inspirado asterisco sobre um tema inesperado: a barriga das pipas. Onde os leitores poderiam ver com malícia a frase que escrevi, ele viu com os olhos da ciência.

Vale a transcrição para aqueles que recebem diretamente este jornalzinho.

Biscoito Molhado:

Cordonnet, apesar de mais resistente, aumentava a barriga na proporção que a pipa subia”.

Asterisco do Dieckmann:

“O nome correto para barriga de linha é catenária.

Em matemática, a catenária (negrito dele) descreve uma família de curvas planas semelhante às que seriam geradas por uma corda suspensa pelas suas extremidades e sujeitas à ação da gravidade. A equação da forma catenária é dada pela função hiperbólica e a sua função equivalente exponencial.”

Em seguida, Dieckmann envereda pela história da barriga da pipa... digo, da catenária.

“O problema de descrever matematicamente a forma da curva formada por um fio suspenso entre dois pontos e sob a ação exclusiva da gravidade foi proposto por Galileu Galilei, que propôs a conjectura de que a curva fosse uma parábola. Aos 17 anos de idade, Huygens mostrou, em 1646, que a conjectura era falsa. Em 1690, Johann Bernoulli relançou o problema à comunidade científica. A resolução do problema foi publicada independentemente, em 1691, por John Bernoulli, Leibniz e Huygens.”

Para finalizar o asterisco, Dieckmann fala da aplicação prática da catenária:

“Uma força aplicada em um ponto qualquer da curva a divide igualmente por todo material. Por isso, é usada para a fabricação de materiais como o fundo das latas de refrigerante, iglus e túneis.”

E eu que pensava que o ato de empinar pipa só foi útil para a ciência quando Benjamin Franklin amarrou uma chave numa linha de metal, num dia de nuvens carregadas...

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Sensibilizado com a extraordinária figura humana que foi Anton Tchekhov, que recentemente me visitou, Elio Fischberg me pediu para publicar dados sobre o sucesso das encenações desse grande autor, no Teatro Tablado e no Oficina, nas décadas de 60 e 70. Se ele pudesse recorrer aos asteriscos, poderia se incumbir melhor dessa tarefa, pois assistiu a esses eventos.

Sei, por leitura de jornal, que Ivan Albuquerque, em 1968, explorando as novas perspectivas no caminho da investigação da linguagem, com O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov, recebeu o Prêmio Molière de melhor ator.

Quanto ao grande dramaturgo russo, mexeu nos princípios da tragédia instituídos por Aristóteles. O grande filósofo grego estabeleceu que personagens “elevados” - reis, príncipes, deuses, heróis – encontrariam a morte ao desafiar o destino, mas Tchekhov criou personagens comuns, em contraponto aos “elevados”, cujas misérias são retratadas de forma “antidramática”, assim é mostrado mais o universo interior das suas personagens do que suas ações.

Em 2010, o mundo teatral festejou os 150 anos de nascimento do inspirado autor. No Brasil, artistas que se envolveram com obras suas, num prazo recente, palestraram sobre as mesmas. Diogo Vilela tratou de Tio Vânia; Enrique Diaz, de A Gaivota; Renato Borghi, de O Jardim das Cerejeiras; e Eduardo Coutinho, de As Três Irmãs.

Vi As Três Irmãs, sob forma de filme, com Laurence Olivier que, na época, já passara dos 70 anos. O próprio Eduardo Coutinho fala desse drama como filme. Assistira ao espetáculo, no teatro, quando jovem e jamais o esqueceu. Décadas depois, montou o filme.

Dessas obras, eu gostaria de ver Tio Vânia. O homem na fase outonal que percebe o quanto desperdiçou da sua vida no momento em que se apaixona por Helena, a mulher do seu ex-cunhado. Este é um falso intelectual, como muitos, por quem se sacrificou ao sustentar sua carreira. Sendo um homem de qualidade, Vânia poderia progredir e ganhar o mundo, mas desperdiçou juventude, ambições intelectuais e pessoais, trabalhando em vão. Embora se dê conta do que perdeu, não consegue alterar os rumos do destino. Ao saber que o ex-cunhado pretende despejá-lo das suas terras, vendendo-as, Tio Vânia tenta matá-lo, mas erra o alvo.

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Nos últimos anos, tenho ouvido muito o Rafael Rabelo, o que não é pouca coisa, pelo contrário, é muita, além de ser um privilégio. Sua irmã, Luciana Rabelo, apesar de não alcançar o mesmo patamar artístico, eu vejo de vez em quando, inclusive num Festival de Choro que aconteceu na Sala Cecília Meireles. O diabo é que o grande instrumentista partiu muito cedo.

Semana passada, enviaram-me um vídeo, pela internet, com a participação dele no programa do Jô Soares. Barbudo, sem deixar de ser jovem; de pouco risos, sem deixar de ser simpático.

Falou que o violão se desenvolveu à margem da elite, que não é um instrumento para solos e sim para acompanhamento, daí, a grande dificuldade em se executar uma peça musical com ele apenas. Alia-se a isso o fato de ser relativamente novo, disse ele.

Perguntado pelo Jô Soares sobre os mestres com quem conviveu, o jovem Rafael Rabelo citou o decano Radamés Gnatalli, autor de quatro belos concertos para violão solo e orquestra.

Rafael Rabelo sofrera, poucos meses antes dessa entrevista, uma fratura no braço, provocada por um taxista, que requereu nove parafusos. O médico previu um ano de recuperação, mas ele voltou ao instrumento em quatro meses, afinal, seu violão era um presente do Paulinho da Viola, um Ramirez, o mais talentoso construtor de violões flamencos do século XX.

Para brindar a plateia, tocou uma composição de Tom Jobim.

Guardei o vídeo no arquivo “meus favoritos”.