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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

2017 - na era do rádio

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3847 Data: 13 de setembro de 2011

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QUANDO FUI POLITICAMENTE ROMÂNTICO

Na casa do professor que me preparava para o concurso de admissão ao ginásio, na Rua Rocha Pita, colocaram na porta de entrada um cartaz que dizia: Jânio, Milton e Lacerda. Jânio Quadros era candidato à presidência da República, Milton Campos, à vice-presidência e Carlos Lacerda, a governador do Estado da Guanabara.

No fundo da casa, havia um galpão onde estudavam uns dez alunos de manhã e uns quinze de tarde. Seu Alcir, o professor; ele e sua família não tocavam em política conosco, mas a garotada, envolvida pelo clima eleitoral, esquecia, por momentos, a bola, a pipa e os livros, e se enfronhava no assunto de adultos.

Numa aula, a poucos meses das eleições e das provas, um colega de concurso bradou:

-Use o crânio e vote em Jânio.

Fiquei encantado. Era como se essa rima tivesse superado toda a poesia de Castro Alves, Olavo Bilac, Gonçalves Dias que eu havia lido nos estudos da língua portuguesa. Agora, além da vassoura espetada no bolso da camisa, um broche que me deram, eu tinha um verso para difundir o nome do político que iria salvar o Brasil.

Mas não foi numa escola de udenistas que surgiu o meu encanto pelo Jânio Quadros e sim na minha casa de petebistas. Meses antes, houve a convenção da UDN, transmitida pela TV Tupi ou TV Rio, não me recordo bem. A minha atenção se convergia para o meu pai e para o que estava na imagem televisiva. Quando o deputado Carlos Lacerda foi convocado para discursar, meu pai se ajeitou na cadeira para melhor ouvir, enquanto aplausos, seguidos por um silêncio de expectativa, tomaram conta da convenção com a presença do futuro candidato a governador da Guanabara.

Decidia-se ali quem seria o candidato da UDN à sucessão de Juscelino Kubitscheck: Jânio Quadros ou Juracy Magalhães. Carlos Lacerda enalteceu o ex-governador de São Paulo e fez referências a ligações do político baiano com o atual presidente da República, para dividir a oposição. Com uma oratória preciosa - palavras exatas numa voz vibrante e clara – Carlos Lacerda alcançou um triunfo. Não restava mais a menor dúvida que a UDN escolheria o Jânio Quadros como seu candidato.

-Tenho de reconhecer que a inteligência do Carlos Lacerda é impressionante. - disse o meu pai.

Voltando ainda mais no passado, ficou marcada na minha memória de criança a visão do meu pai, colado no rádio, inteiramente entristecido, ouvindo as notícias sobre o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Foi o meu primeiro contato com a política. Depois, escutei por inúmeras vezes ele chamar o Carlos Lacerda de assassino do Getúlio. Meu pai, no entanto, era jornalista, e, embora escondesse (minha mãe revelou seu segredo), nutria um grande orgulho em pertencer ao jornalismo. Assim sendo, Carlos Lacerda, por ser jornalista, não era de todo mal. Digo isso porque ele nunca se opôs à minha admiração explícita pelo primeiro governador da Guanabara. Mas retornemos ao Jânio da Silva Quadros, o homem que iria varrer a sujeira do Brasil.

Aproximavam-se as eleições. Lá, em casa, também se viu pela televisão o discurso apoteótico dos candidatos do PTB. Uma multidão gritava:

-É Lott, é Jango, é Sérgio Magalhães.

Eu já havia assistido partidas de futebol no estádio do Vasco da Gama, mas a paixão dos torcedores lembrava palidamente a daqueles aficionados do PTB; talvez num Vasco e Flamengo no Maracanã houvesse tantos gritos apaixonados. Não sei... percebi que a disputa para a minha trinca, Jânio, Mílton e Lacerda seria acirrada. Enquanto isso, a irmã mais velha da minha mãe, platonicamente apaixonada pelo Marechal Lott, apareceu lá em casa, como cabo eleitoral e distribuiu inúmeras espadas para nós espetarmos na roupa, como broches. Mantive-me fiel à vassoura.

O grande dia chegou, o da votação, 3 de outubro de 1960. Talvez porque me visse tão empolgado com o pleito eleitoral, meu pai resolveu me levar com ele. Creio que do caminho de casa às urnas, ele me ouviu repetir umas dez vezes: “Use o crânio, vote em Jânio”. Não me repreendeu, escutava e sorria. Na fila de votação, eu contive os meus arroubos janistas e me mostrei curioso com a presença de um cidadão jovial que andava de um lado para outro com uma braçadeira da UDN.

-Quem é, pai?

-É fiscal do partido. - respondeu.

De volta para a casa, a minha curiosidade represada se soltou:

-Votou no Jânio?

-Votei no Jango. - foi a resposta que deu para fugir da minha pergunta.

Que ele votaria no João Goulart para vice-presidente era um truísmo, por causa da sua paixão pelo Getúlio Vargas, e para presidente?... Falava-se muito na chapa clandestina Jan-Jan, Jânio e Jango, mas meu pai, como uma esfinge, não declarava o seu voto para a Presidência da República. Viveu mais 38 anos sem revelar a sua escolha, foi um segredo mais bem guardado do que o da receita da Coca-Cola.

Com a apuração das urnas, meu pai se mostrou impressionado com os votos no Jânio:

-Nem Getúlio conseguiu essa votação.

Getúlio Vargas não conseguiu, mas a sua influência, mesmo depois do suicídio, ou por causa disso, ainda era acentuada: João Goulart superou Milton Campos, apesar de todos reconhecerem a retidão de caráter do ex-governador de Minas Gerais.

No dia da posse de Jânio Quadros, eu ainda morava na Rua Cachambi 533 aptº 103. Minha mãe conversava com Dona Maria, a espanhola do 203, quando espocaram foguetes na Rua Chaves Pinheiro. Saudavam o novo presidente do Brasil com a alegria que os torcedores apaixonados festejam um título da seleção brasileira de futebol. Minha mãe levantou a voz sobre aquela barulheira.

-Esse homem vai ser a desgraça do Brasil, Dona Maria.

Ela, que era de Santander e sentiu, desde menininha, os horrores da guerra civil da Espanha, apenas escutou aquelas manifestações.

Na casa do Seu Alcir, o cartaz Jânio, Milton e Lacerda não saiu do lugar. Mas eu partia agora para o Colégio Estadual Visconde de Cairu, que ofereceu 70 vagas para milhares de pretendentes e alargou esse número com a interferência do agora governador Carlos Lacerda.

Em agosto de 1961, umas cinco mães ainda buscavam os seus filhos no colégio e eu, vergonhosamente, era um deles. No dia 25, mal eu saí da sala de aula e pisei o chão da rua, ouvi esta notícia da minha mãe:

-O Jânio renunciou.

Senti o golpe. Mas essa desilusão que me atingiu precocemente foi benéfica, a partir de então nunca mais me envolvi emocionalmente com política.

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