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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

2742 - Bêbados


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4992                                    Data: 24  de  novembro de 2014

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139ª VISITA À MINHA CASA

 

-Sou mais lembrado como uma pessoa que se entregou mais à bebida do que à música. - foram as primeiras palavras de Mussorgsky quando chegou à minha casa.

-Nada disso, mesmo as crianças, desde 1940, ouviram a sua música.

-Se os adultos não a entenderam, imagino as crianças.

-No filme Fantasia, do Walt Disney, a sua obra “Uma Noite no Monte Calvo” é tocada.  Ela é arrepiante, a ambientação exigia isso, mas, em seguida, sem pausa, entra a “Ave Maria”, de Schubert e a petizada sente que valeu a pena ouvir uma música contrastando com a outra, a plateia adulta também.

-Eu tive obras de muito mais fôlego do que esta que feriram os ouvidos. Minhas criações ficaram conhecidas por versões revisadas de outros compositores.

-Recentemente, Mussorgsky, as suas partituras originais estão disponíveis, e os seus trabalhos são executados na sua forma original.

-Morri novo, com 42 anos de idade, mas mesmo que tivesse vivido 100 anos, não veria as minhas músicas chegando às plateias na sua forma original, sem ser... como direi?...

-Pasteurizadas. - completei.

E segui adiante.

-Na sua obra-prima, a ópera “Boris Godunov”, você utilizou o ritmo da fala dos mujiques e não as melodias líricas que enlevam o público ouvinte. As suas harmonias são muito expressivas, é incontestável, mas foram consideradas excêntricas. Estanharam também coros e personagens populares com papéis importantes.

-Comecei a compor “Boris Godunov” com 29 anos de idade.

-Com o transcorrer do tempo, ela se tornou um marco da música russa. - assinalei.

-Que polêmica causou! A versão original, de 1870, foi recusada. Tive de fazer alterações para que ela fosse encenada, Rimsky-Korsakov me ajudou na revisão.

-E conseguiu estreá-la?

-Em 1873, no Teatro Maryinsky, mas o estranhamento continuou, não com a intensidade de 3 anos atrás.

-”Boris Gudonov” foi baseado num poema de Pushkin. Os artistas russos veneravam Pushkin e você Mussorgsky, dessa vez, não fugiu à regra.

-Dostoievsky vestiu luto quando ele morreu num duelo.- lembrou.

-Tchaikovsky, cuja música era mais ocidental, se detinha muito pouco nas raízes do seu país, mas respeitava sobremaneira Pushkin, a ponto de estrear a sua melhor ópera, para mim, “Eugen Onegin”, num conservatório com alunos, porque julgava a música dele aquém dos versos de Pushkin.

-Eu era um ano mais velho do que Tchaikovsky. Ele não era do meu grupo...

-O Grupo dos Cinco. - interrompi.

-Se tive desentendimentos com os componentes do Grupo dos Cinco, imagine com Tchaikovsky, cuja música era oposta à minha.

-Tchaikovsky, numa carta à sua mecenas, Nadezhda von Meck, disse que o seu talento talvez fosse superior ao de todos os membros do Grupo dos Cinco. Um elogio, Mussorgsky, pois eles eram ótimos compositores.

-Balakirev, Borodin, César Cui, Rimsky Korsakov, e eu.

-Prosseguindo na sua carta, ele escreveu que você acreditava cegamente nas teorias ridículas do seu círculo e na própria genialidade. Tchaikovsky disse para ela que você tinha lampejos de talento, mas que era desprovido de originalidade.

-Você pulou os trechos mais ásperos dessa carta.

Era melhor mudar de assunto.

-Mussorgsky, você se dedicou à arte musical desde cedo?

-Aos seis anos de idade, eu recebia aulas de piano da minha mãe.

-Porém, muito jovem, tornou-se cadete no Regimento Preobrazhensky da Guarda Imperial? - intervim.

-Voltando às aulas, aprendi com rapidez. Eu tinha 9 anos, quando toquei um concerto do irlandês que veio para a Rússia, John Field; eu executava também pecas de Liszt para meus parentes e amigos. Com 10 anos, eu e meu irmão fomos levados a São Petersburgo, onde estudaríamos no Colégio São Pedro. Lá, prossegui com a música e, aos 12 anos, compus uma peça para o piano. Como a tradição da minha família era o serviço militar, entrei para a Escola de catete com 13 anos de idade.

-E foi lá, no Regimento Preobrazhensky, que conheceu Balakirev, que lhe ensinou técnica musical?

-Sim, convivi muito com ele. Assisti, em 1859,  a uma ópera de Glinka e fiquei assombrado. Visitei Moscou e passei a amar todas as coisas russas.

-Ainda assim, Mussorgsky, você se inclinou pelos modelos musicais estrangeiros.

-Eu tinha 21 anos, ainda não era impulsionado pelo nacionalismo. Trabalhei na ópera “Édipo em Atenas', dos 19 aos 22 anos de idade, mas a deixei incompleta. Não me sentia bem nessa composição, havia acentuada influência de Balakirev e de estrangeirismos. Eu estava indo pelo caminho errado.

-Nesse período, 1861, precisamente, deu-se a emancipação dos servos, e, com isso, o padrão de vida da sua família caiu.

-Vi-me obrigado a retornar a Karevo, minha terra natal, intentando evitar meu empobrecimento iminente.

-Afastando-se de Balakirev, você se tornou, praticamente, um autodidata?

-Paulatinamente, sim. Trabalhei na ópera “Salambô”, do livro de Flaubert, mas perdi o interesse e a abandonei.

-O alcoolismo passou a fazer parte da sua vida?

-A morte da minha mãe me aniquilou.

-Ela faleceu em 1865, e, dois anos depois, você compôs “Uma Noite no Monte Calvo de que já falamos.

-Balakirev se recusou a regê-la. Mais tarde, chamou-me de idiota. Não guardo saudade alguma daquele “Grupo dos Cinco”.

-No ano seguinte, você mergulhou na elaboração da sua obra magna, a ópera Boris Godunov?

-Para meus desafetos, que eram muitos, eu mergulhei mesmo foi na bebida.

-Mussorgsky,  quem canta no registro de baixo só se torna legendário depois de enfrentar o papel de  Boris Godunov, assim foi com Fiódor Shaliapin, Bóris Cristoff, Cesare Siepi, entre outros.

-É um alento. -limitou-se a dizer.

-”Khovanshchina” é uma ópera composta bem depois?

-Sim; entre 1872 e 1881.

-Mesmo os seus admiradores disseram que a qualidade da sua música decaía, mas ”Khovanshchina” ainda era uma obra inspirada.

-Há nela motivos líricos que foram bem aceitos.

-Apesar dessa suposta decadência, a sua suíte “Quadro de uma Exposição” consta, até hoje, no repertório de todas as orquestras sinfônicas do mundo.

-Como, se compus para piano?

-Ravel, um dos maiores mestres da orquestração de todos os tempos, fez um arranjo para a orquestra e essa sua obra é tão tocada quanto as de Tchaikovsky.

Riu com a comparação.

-O grande escritor russo Ivan Turgenev   conta que o viu tocando no piano as suas peças e que ficou impressionado com o seu nariz vermelho.

-Como a minha cara de bêbado?... Eu me entreguei inteiramente ao vício da bebida. A dispsomania tomou conta de mim.

-Em 1880, você foi demitido do seu posto no serviço governamental?

-E no ano seguinte, internaram-me por causa das minhas carraspanas.

-Dizem que era o seu aniversário, você deu um dinheirinho ao enfermeiro para comprar umas garrafas de vodca, para comemorar e acabou morrendo.

-O meu aniversário foi uma semana antes da minha morte, não fiquei sete dias bebendo. O pessoal exagera. - comentou sorrindo.

Com um adeus, Mussorgky partiu.

 

 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

2741 - Calendário dos bons


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4991                                    Data: 23  de  novembro de 2014

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COUTINHO, SEM PELÉ, NO RÁDIO MEMÓRIA

 

-Sérgio, o que aconteceu no dia 23 de novembro?

Ele reagiu à pergunta do Jonas Vieira impostando a voz:

-Em 1863, as tropas do norte, comandadas pelo General Grant enfrentaram os sulistas na chamada Batalha de Chattanooga. Era a Guerra da Secessão.

-Morreram muitos americanos. - lamentou o titular do programa.

-Economia, Jonas; para o sul, acentuadamente agrícola, os escravos representavam mão de obra barata, para o norte, mais industrializado, os negros libertos engrossariam, com o tempo, o mercado consumidor.

-A economia é a base de tudo, pelo menos era o que o Marx falava, Sérgio. 

-Em 1881, a Primeira Revolta da Armada, liderada pelo almirante Custódio de Melo, ameaça bombardear o Rio de Janeiro e provoca a renúncia do presidente Deodoro da Fonseca.

Jonas Vieira não deixou passar este fato histórico sem um comentário.

-Veja só, Sérgio; saiu o presidente e assumiu o vice, Marechal Floriano Peixoto, que foi um ditador terrível.

-Sei, sei, Jonas. O Ruy Barbosa anunciou que iria ao Supremo Tribunal pedir habeas corpus para os presos políticos e o Marechal Floriano Peixoto perguntou: “Quem vai dar habeas corpus para o Supremo Tribunal?”

-Mas teve um mérito, Sérgio: terminou os quatro anos de mandato, ele se retirou para casa.

-Enquanto isso, há gente que não quer largar o osso de jeito algum.

-O calendário, Sérgio. - interveio.

-Em 1913, é fundada a primeira universidade tecnológica do Brasil, a Universidade Federal de Itajubá.

-O Brasil sempre chegando atrasado... Bolonha, cidade da Itália, tinha universidade em 1088, a primeira do Brasil é de 1909, a Universidade de Manaus.

-Não foi no Rio, nem mesmo em São Paulo. - seguiram-se as palavras do Homem-Calendário às do Jonas Vieira.

-Em 1942, o Marechal Zhukov realiza o cerco aos alemães na cidade de Stalingrado.

  -O Marechal Zhukov, com seus homens, aguardavam a invasão da Rússia pelos japoneses no Pacífico.

-Sei, Sei...

E Jonas Vieira prosseguiu:

-Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, os japoneses se ocuparam em lutar contra os americanos, o que ensejou que as tropas do Marechal Zhikov marchassem para o ocidente, contra os alemães, até chegarem a Berlim.

-Então, os Estados Unidos não só salvaram a Inglaterra como também a Rússia. - concluiu o Sérgio Fortes.

-Os americanos são extraordinários. - aflorou mais uma vez a americanofilia do Jonas Vieira.

-Em 1944, houve o primeiro doutoramento de uma mulher na Universidade do Porto. O nome dela Leopoldina Ferreira Paulo, ela se doutorou em Ciências Biológicas.

-Na semana passada, nós trouxemos aqui, no Rádio Memória, a Orquestra Lunar.  Mostramos que as mulheres estão assumindo um lugar de destaque também no mundo da música. Já temos até mulheres tocando trombone.

-Baixo elétrico também, como a Luciana Requião. - lembrou o Sérgio.

-Daqui a pouco, elas tocarão até tuba. - brincou o Jonas Vieira.

-Em 1981, o Flamengo conquistava o título de campeão da Taça Libertadores da América.

-Grande data. - regalou-se o Jonas.

-Quem formulou este calendário só pode ser rubro-negro, tenho de procurar um calendarista torcedor do Fluminense. Existe esta palavra calendarista, Jonas?

-O Houaiss está aceitando tudo.

-Mas parece que o Caldas Aulete já aceitava. Numa prova minha de português, no Santo Inácio, tinha, estou em dúvida, calendarista. O Peter está dizendo que existe, então existe.

E foi em frente.

-Um fato triste, Jonas: Freddie Mercury grava uma declaração em seu leito de morte e revela ter AIDS.

-Terrível, terrível... Como Rock Hudson, em 1985, sofreu para admitir que sofria de AIDS e que, consequentemente, era homossexual.

-Ele era o galã que despertava paixões em multidões de mulheres por todo o mundo... nem consigo imaginar a sua situação. - manifestou-se o Sérgio.

“Deem os ossos aos cães” - foram as suas palavras aludindo aos jornalistas que aguardavam ansiosamente que ele admitisse estar com a doença que, na época, era chamada de “peste gay”.

-Em 2003, tivemos a Revolução Rosa...

-Revolução dos Cravos, Revolução Rosa... Nomes poéticos. - interveio o Jonas Vieira.

-Com a Revolução Rosa, o presidente da Geórgia, Eduard Shevardnadze, renunciou ao cargo devido aos protestos contra os resultados das eleições.

-Eduard Shevardnadze. - repetiu.

-Gostou da minha pronúncia russa com sotaque da Geórgia? Aprendi ouvindo as gravações dos discursos de Stalin.

-Prefiro a sua pronúncia polaca.

-Nascimentos.

-Quem nasceu em 23 de novembro, Sérgio?

-Em 1859, Billy the Kid, famoso fora da lei norte-americano.

-O cinema glamourizou muito esses bandidos; os cowboys do século XIX e os gângsteres do século XX. - criticou o titular do programa,

-Mas eles inspiraram muitas obras-primas. - contrapôs o seu companheiro de apresentação do Rádio Memória.

-Isso eu não discuto.

-Em 1887, Boris Karloff, ator britânico.

-Este foi um Frankenstein de meter medo. Na verdade, Sérgio, o médico é que se chama  Frankenstein; a criatura ficou com o nome do criador.

-Há criadores e criaturas que são um terror, mas é melhor, Jonas, passar para outra data.

-Em 1888, nascia Harpo Marx.

-Ele, Groucho, Chico eram (escandiu as sílabas) sen-sa-cio-nais. O que mais, Sérgio?

-Em 1919, Claudio Santoro. Grande compositor e maestro. Morreu quando regia, Jonas.

-Não houve outro maestro que morreu na direção de uma orquestra?

-Giuseppe Sinopoli. - respondeu sem pestanejar.

-Em 1933, nascia Joãozinho Trinta, carnavalesco.

-Fizerem agora um filme sobre ele. - assinalou o Jonas.

-Em 1954, Ross Brawn, chefe da equipe da Mercedes. Tenho de registrar porque é da minha enfermaria, da do Dieckmann também. (*)

-Em 1962 - olha que data pesada, Jonas – nascia Nicolás Maduro.

Será que ele já resolveu o problema de falta de papel higiênico na Venezuela?

-Em 1972, Veronica Avluv. - atriz de filmes pornôs. Conhece, Jonas?

-Eu não, mas o Simon Khoury certamente conhece.

-Tenho aqui no meu registro o falecimento de Fábio Scorpion, ator pornô brasileiro.

-Este, com certeza, o Simon conhece.

-Prosseguindo com os falecimentos; em 1982, Adoniran Barbosa, compositor, cantor, humorista e ator.

-Que perda! - lamentou o Jonas.

-Em 1991, Klaus Kinski, ator alemão. Filmou no Amazonas Fitzcarraldo, um personagem que era fã de Caruso, lembra-se, Jonas?

-Eu me lembro da filha dele, Natassja Kinsky. - assanhou-se.

-Em 2006, Philippe Noiret, grande ator francês.

-Em 2012, Nélson Prudêncio, atleta brasileiro do salto triplo.

-Veja, Sérgio: o Brasil teve três excepcionais atletas do salto triplo: Ademar Ferreira da Silva, Nélson Prudêncio e João do Pulo.

-Ele não ganhou a meda de ouro nas olimpíadas no México, perdeu para o russo Viktor Saneyev, mas quebrou o recorde mundial nove vezes num mesmo dia.

-E não levou a medalha, Sérgio?... É duro.

-Acredita, Jonas, que não existe santo padroeiro no dia 23 de novembro?

-Não?!...- surpreendeu-se.

-A não ser, Jonas, que esse calendarista rubro-negro seja evangélico. - aventou a hipótese.

 

(*) E Liliane Schwob, leitora assídua, que também é da nossa enfermaria, ouviu o Distribuidor de um Roberto Dieckmann, sempre apressado. Talvez quisesse ainda incluir o Sergio Fortes, não deu tempo de perguntar.

 

2740 - Animação


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4990                                    Data: 22  de  novembro de 2014

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195ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Na fila do ponto de táxi do NorteShopping, veio-me à mente os meus primeiros anos de trabalho na Marinha Mercante; áreas marítimas eram cartelizadas pelos armadores das conferências de fretes, os de fora, chamados “outsiders”, podiam atender os usuários do transporte marítimo de carga geral, mas numa proporção bem menor – era estabelecido 20%, num universo de 100%.  Lá, no ponto, a área em frente do Shopping pertencia à COPERNORTE, ao largo, ficavam os táxis de outras cooperativas, os “outsiders”, que, já formavam uma fila maior do que as das pessoas que preferiam o serviço cartelizado.

Vi, ao me aproximar, umas seis pessoas na fila e apenas dois táxis da COOPERNORTE, como eu demorara pouco na dentista, eu tinha todo o tempo do mundo para esperar. Ocorreu-me, então, essa reminiscência e, em seguida, as reservas que eu nutria contra monopólios, ou coisa parecida, gigantescos ou diminutos.

Chamou-me a atenção na fila dos que não tinham aquela reserva de mercado, um táxista que me olhava fixamente, há algum tempo, creio. Quando conseguiu fazer contato visual comigo, fez gestos com a cabeça, levantar de sobrancelhas para eu entrar no seu táxi. Eu não tinha pressa, repito, além disso, o carro dele era o último da fila, se eu sucumbisse à sua proposta, desdenharia o serviço regular da COOPNORTE, até aí nada demais, e os taxistas “outsiders” que chegaram à frente dele, uns oito.

Aguardei o serviço cartelizado e não esperei dez minutos para entrar num táxi guiado por um cidadão de uns trinta anos de idade.

Foi ele quem puxou conversa.

-Os preços estão lá em cima. A vida está dura.

-Não estão achando, pois reelegeram a presidente; pediram bis. - limitei-me a dizer.

-Eu não votei nela. - crispou-se ao volante.

-O que ela disse que os seus adversários, Aécio e Marina Silva fariam, ela está fazendo. O marqueteiro dela armou a mais escandalosa propaganda enganosa. O público alvo era a massa de ignorantes e desinformados, a maioria esmagadora do eleitorado brasileiro. - comentei.

-As passeatas contra este governo pipocam pelo Brasil, daqui a pouco, serão em maior número. - animou-se.

-Os reacionários já portam faixas pedindo a volta dos militares.

-Você viu a votação do Jair Bolsonaro?... Não seria ruim se os militares voltarem.

-Não diga isto. - reagi.

-Eles puseram ordem na casa, e é disso que precisamos. - afirmou.

-Numa ditadura militar, o direito ao habeas corpus é suspenso; alguém, mesmo com um fiapo de poder, pode lhe prender e sumir com o seu corpo. Isso aconteceu no Brasil e muito mais ainda no Chile e na Argentina nos chamados Anos de Chumbo.

-O senhor, então, é completamente contrário a essas faixas nas passeatas.

-Não sou contrário – respondi-lhe – é bom que este governo se assuste com o fantasma da ditadura militar para não cometer os descalabros que vêm cometendo.

Como ele era novo, não vivenciou o tempo em que o regime militar se impôs no Brasil, talvez, retransmitisse os pensamentos dos seus pais ou de pessoas a quem respeitava, pois insistia na “ordem na casa”.

-Essa ordem lembra os dizeres da bandeira brasileira e se explica, pois a república surgiu de um golpe militar que deu por encerrada a monarquia. - disse-lhe.

-Não pode continuar essa lambança toda que estão fazendo, tem-se de dar um basta. - falou, enquanto aguardávamos que o demorado sinal verde da Rua Pedras Altas com a Avenida Hélder Câmera se iluminasse.

-Muitos disseram que lutaram contra a ditadura quando, na verdade, pretendiam trocar a ditadura da direita pela da esquerda; uns eram maoístas, outros trotskistas, stalinistas, gramscistas, de todos os matizes do vermelho, que são incontáveis.

-Os petistas. - aparteou-me.

-Eles chegaram ao poder e constataram que dinheiro é bem melhor do que ideologia.

-E isso tem de acabar. - indignou-se.

-A Constituição de 1988 dá autonomia à Polícia Federal e ao Ministério Público para investigar a corrupção, porém, na hora da justiça se impor... Os corruptos do mensalão só foram para a cadeia porque um juiz, o Joaquim Barbosa, não é palaciano e lutou para que a lei se impusesse. Ele desagradou a muitos e teve, praticamente, de antecipar a sua aposentadoria.

-É assim que está o Brasil.- acrescentou às minhas palavras.

Depois, fez-me uma pergunta adicionada de comentários:

-Você leu que vão mudar o nome da ponte Rio-Niterói de Costa e Silva para Betinho? Nada contra o Betinho, que foi uma grande figura humana, mas essa mudança é o fim da picada.

-O governo petista, há doze anos no poder, não realizou uma só obra de vulto; eles querem, agora, roubar uma do governo militar. O presidente Lula, aliás, não fez outra coisa: roubava as realizações do Fernando Henrique Cardoso, mudava os nomes e dizia que eram dele. Enganou os trouxas. - disse-lhe.

Quando ele falou das faixas de passeata pedindo o impeachment da presidente reeleita, seu táxi já subia a Rua Renoir e se aproximava da Praça Manet.

-Se tirarem a Dilma do poder, quem assume é o vice, o Michel Temer. A alternativa é tão ruim que não valerá a pena parar o país, diferentemente do que aconteceu com o Fernando Collor. - lembrei-lhe.

-Mas não há uma possibilidade de tirarem os dois numa só tacada? - quis saber.

-Se ficar comprovado que os dois receberam dinheiro ilícito para a campanha eleitoral, caem os dois.

 -E receberam, é que não interessa aos políticos e empresários afastarem os dois, como interessou no caso do Collor.

Concordei com ele e memorei o golpe que destituiu o Getúlio Vargas do poder.

-Vivia-se, em 1945, o Estado Novo, não havia vice-presidente e o Congresso estava fechado. Sem vice-presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado, assumiu o poder José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal.

-E aqui se tirarem a Dilma e o Michel Temer.

-O primeiro na hierarquia para assumir é o deputado Henrique Alves.

Fez uma expressão de asco.

-Depois dele, o senador Renan Calheiros.

-Pior ainda.

-Em seguida, a poder iria para o Ricardo Lewandowski.

-Nossa! - persignou-se como se estivesse diante de um vampiro.

Na Rua Modigliani, a nossa conversa animada, ora desanimada, se encerrou.

 

 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

2739 - o sexo frágil no Rádio Memória 2


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4989                                    Data: 20  de  novembro de 2014

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MULHERES NO RÁDIO MEMÓRIA

PARTE III

 

Eram os três agora que desancavam a ignorância reinante no Brasil.

-Estamos vivendo um festival de besteiras. - rezingou o Jonas Vieira.

-Se o Sérgio Porto estivesse vivo, o FEBEAPÁ estaria no número 15. - foi a vez do Sérgio Fortes.

-Você tem de pagar uma televisão a cabo para ter uma programação melhor.

Sérgio discordou, em parte, da sua convidada, porém o Jonas Vieira citou o Arte 1, o canal 53, que tem uma programação qualificada, embora repetitiva. Depois, foi lembrada a TV Cultura. Quanto a este canal, não há o que reclamar; todos os sábados coloca em cena as apresentações da OSESP e, horas antes, 21h 30 min, precisamente, apresenta o programa “Clássicos”, que já mostrou até a ópera “Sonhos de Uma Noite de Verão”, de Benjamin Britten, récita no parque Lage com a OSB Ópera e Repertório.

Jonas Vieira queria mais música interpretada pelas mulheres. Luciana Requião o atendeu logo.

-O terceiro seminário, em 2011, homenageou a mulher instrumentista na figura da Rosinha de Valença, grande violonista. Eu trouxe Maria Aron, professora da Unirio que gravou um disco maravilhoso de outro compositor pouco conhecido, Nicanor Teixeira. Ela toca com outra violonista sensacional, Vera de Andrade, “Fina Flor”.

-Manuel Bandeira.

A arte do duo violonístico ativou a memória do Jonas Vieira, lembrou-se não só do seu poeta preferido, como ainda citou outro grande da poesia do século XX, Jorge de Lima.

Sérgio Fortes tirou o foco do violão para o piano e aludiu ao século XIX, no Rio de Janeiro, em que as moças tinham de tocar piano.

-Fazia parte da educação da mulher costurar, tocar piano...

-Tocar piano para casar. - arrematou o Jonas Vieira as palavras da artista.

-Tocavam piano justamente para encantar (um futuro marido).- disse ela.

-Se fizessem uma reunião familiar para você tocar baixo elétrico?... - elucubrou o Sérgio Fortes.

-Seria complicado. - reagiu.

-Seria deserdada. - imaginou o Jonas.

A crônica do Fernando Milfont sobre a República foi uma espécie de “intermezzo” do Rádio Memória.

O programa retornou com uma dúvida do Sérgio Fortes; na lista das aptidões da Luciana Requião está “editoração de partituras”, cujo significado desconhecia. Ela explicou que, através de um software, especializou-se em passar partituras para o computador, o que facilitava substantivamente a vida dos músicos e, por isso, deu aulas a figuras ilustres, como o violoncelista Jaques Morelenbaum.

Sérgio Fortes, em seguida, se referiu aos subterrâneos de uma orquestra sinfônica para realizar um concerto, a revolução para se conseguir partituras que, eventualmente, são importadas. A editoração de partituras, pelo visto, simplificaria as coisas.

Esse assunto rendeu a ponto de o Sérgio Fortes imaginar como seria fascinante corrigir as partituras de Villa-Lobos, que compunha rapidamente e com crianças por perto. Dizem – adicionamos nós – que, além da petizada ao redor dele, o seu rádio ficava ligado nas novelas do “Anjo” e do “Jerônimo, Herói do Sertão”, da Rádio Nacional.

-”Meu filho, o ouvido de fora nada tem a ver com o ouvido de dentro”. - disse Villa-Lobos ao Tom Jobim, que estranhara tanta bagunça ao redor do mestre.

-Neste caso (corrigir Villa-Lobos) já é um trabalho de especialista da obra, pois decisões são tomadas. - explicou ela.

O jornalista Jonas Vieira fez comparações com o copydesk, e recordou que, trabalhando ao lado do Nélson Rodrigues, dava “uma espiadinha nas suas crônicas” a pedido dele para corrigir eventuais erros.

De Villa-Lobos passou-se a falar do maior dramaturgo brasileiro.

-Nélson Rodrigues - disse o Sérgio Fortes, enxergava muito pouco.

Em seguida, narrou um causo proveniente da sua visão deficiente. Ela era sequela da tuberculose que quase o matou e, por isso, mal enxergava os jogadores no campo de futebol. Mário Neto, seu sobrinho, conta que, numa partida entre o Fluminense e Madureira, a que assistiu com ele, no meio do jogo, o tio exaltou o “banho de bola” que o Fluminense estava dando no Madureira, quando ocorria justamente o contrário, Nélson Rodrigues confundia o tricolor das Laranjeiras com o tricolor suburbano.

Chegou o momento de mais música.

-Seguindo o roteiro, o seminário de 2012 foi sobre as mulheres negras. A grande homenageada foi Clementina de Jesus. Eu trouxe aqui Ana Costa, cantora, também violonista de uma geração mais recente. Ela toca e canta uma música sua: “Felicidade”.

A felicidade, que foi ouvida musicalmente, desapareceu quando o titular  do programa passou a falar de um fato que mostra a situação  em que o Brasil se encontra,  ultrapassando as imaginações mais delirantes.

Uma agente de trânsito, cumprindo a lei, recebe uma carteirada de um juiz que a descumprira, e, por isso, é vítima do corporativismo do judiciário, que a obriga a indenizar o juiz infrator em 5 mil reais.

-É uma vergonha! Um país onde acontece uma coisa dessas não tem futuro. - tornava-se o Jonas Vieira porta-voz de todos os cidadãos respeitáveis.

E, há pouco, Sérgio Fortes dizia que 15 de novembro era o Dia da Tolerância...

Uma fúria de Zola no caso do Capitão Dreyfus – citação recorrente do Nélson Rodrigues - ainda movia o Jonas Vieira.

-O Brasil é assim; você quer fazer a coisa certa, os outros não deixam. Isso é um absurdo! Vêm outros juízes absolvem o infrator e a moça que cumpriu com a sua obrigação é punida, é multada.

E concluiu:

-Se ele quiser me processar, processe; vai receber a multa na próxima encarnação.

-O Marco Riba paga a sua multa, ele está ganhando uma grana no Teatro Café Pequeno, no Leblon. - descontraiu o Sérgio Fortes o clima de indignação.

Hora da música.

-Luciana, qual é o próximo seminário?

-É de 2003 em que homenageamos as educadoras, no caso, Cecília Conde, com uma fala muito bonita da Adriana Dedier, que tratou da trajetória dela. A faixa que escolhi é com a Vika Barcelos, uma cantora de Porto Alegre, professora da rede municipal, mais a Orquestra Lunar. O arranjo é meu de uma música de Marina Lima.

-As mulheres tomaram o poder. - constatou o Sérgio Fortes.

-A música que ouvimos?...

-”Grávida.” - respondeu ela.

-Quais são as instrumentistas da Orquestra Lunar, Luciana? - indagou o Sérgio Fortes.

-Somos dez neste CD; a Samanta Rennó na percussão, Geórgia Câmara na bateria, Sheila Zagury no teclado, eu, Luciana Requião no baixo elétrico, Manoela Marinho no cavaquinho, Mônica Ávila no sax-alto, Sueli Faria no sax-alto, Kátia Preta no trombone e vozes de Áurea Martins e Vika Barcelos.

-Se precisarem de alguém que toque campainha... - brincou o Jonas Vieira.

-Se puser uma sainha... - entrou ela no espírito da coisa.

Luciana Requião aludiu ao último seminário, o de 2014, realizado em homenagem às compositoras. E foi ao ar “Broto”, de Lisa K. sob a direção de Vera Andrade, em que a convidada do Rádio Memória se disse prazerosa em ter tocado baixo elétrico na gravação.

O programa terminou, musicalmente, com Áurea Martins cantando “No Rastro”, da Daniela Spielman, destacada saxofonista, e Décio Carvalho.

Chiquinha Gonzaga aplaudiria essas mulheres.

 

 

 

 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

2738 - o sexo frágil no Rádio Memória


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4988                                    Data: 20  de  novembro de 2014

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MULHERES NO RÁDIO MEMÓRIA

PARTE II

 

-Como é o nome dela?

-Luciana Requião.

Era a convidada desse domingo, que abriu musicalmente o programa com o “Corta Jaca” de Chiquinha Gonzaga.

-Você é altamente qualificada, participa efetivamente de uma orquestra, a que tocou agora.

-A Orquestra Lunar. - completou ela as palavras do titular do programa.

-A Luciana é mais difícil de dizer o que ela não faz; instrumentista, arranjadora, professora... participou de  seis seminários “A Mulher na Música”.

Sérgio Fortes foi aparteado pelo galanteador Jonas Vieira.

-A mulher é a própria música.

Sérgio Fortes quis saber da convidada se a participação da mulher no mundo da música era crescente;  ela respondeu que sim, citou o instrumento em que é versada, o baixo elétrico  que, anos atrás, era praticamente do domínio masculino. Mas fez algumas ressalvas:

-Ainda encontro dificuldades quando procuro uma substituta para mim no baixo elétrico. Também é meio complicado quando se procura uma mulher que toque bateria, trombone...

Sérgio Fortes aludiu à época em que Paulo Fortes atuava no Teatro Municipal; acompanhando o pai, olhava para as orquestras e quase não via mulheres. A Filarmônica de Berlim, que surgiu em 1842, só aceitaria a primeira mulher em 1997, a harpista Anna Lelkes; Sérgio, porém, se limitou somente à discriminação no Brasil.

Em seguida, perguntou a ela sobre o começo do projeto “Mulheres na Música”. Luciana Requião respondeu que a ideia envolvia sindicatos, principalmente o canadense, que acabou se desenvolvendo em vários lugares.

-Você acha que há diferença entre o sentimento masculino e feminino? - aflorou a curiosidade do Jonas Vieira.

-Acho que não, acho que o sentimento é o mesmo. - respondeu ela.

-Não acha que a mulher é mais profunda? - insistiu o Jonas.

-Nem sempre,

-Pelo menos na música popular, na clássica também, mas, principalmente na popular, as músicas dos homens são dedicadas às mulheres. - disse o Jonas Vieira.

-Acho que a mulher é um tema comercial.

Jonas Vieira, sem perder um segundo, contestou:

-É tema sentimental mesmo. A favor ou contra, fala mal ou fala bem.

Ainda ressoava a observação dele quando recebeu o Monarco como convidado do Rádio Memória.

-As suas letras são todas mandando bala nas mulheres.

 Ela argumentou que, agora, que as mulheres entraram na composição com a força dos homens, que, numa pesquisa, talvez se encontre muitas compositoras falando bem ou mal dos homens.

Um parêntese: forçosamente a “anima” do Chico Buarque de Holanda deveria entrar na relação dessa estatística das compositoras. 

-E qual é a segunda música, Luciana?

A música inicial que escolhi foi de Chiquinha Gonzaga que tem tudo a ver com o primeiro seminário dedicado a ela. O segundo seminário homenageou Áurea Martins. Eu trouxe um CD com as faixas “Pressentimento” e “Mas Quem Disse Que Te Esqueço”.

-É a Orquestra Lunar?

-Não, é solo dela.

Depois, ela nomeou os compositores; “Pressentimento”, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, e “Mas Quem Disse Que Te Esqueço”, de Ivone Lara e Hermínio Belo de Carvalho. E acrescentou que as letras de todas as faixas desse CD são de Hermínio Bello de Carvalho.

-Ele é ligado aos grandes nomes da música popular brasileira: Cartola, Paulinho da Viola... É uma das pessoas que mais admiro. - exultou o Jonas Vieira.

Lembramos que Hermínio Bello de Carvalho recomendou ao adolescente Turíbio Santos anotar meticulosamente tudo que o Villa-Lobos dissesse numa conferência, em 1958, o que redundou no livro “Villa-Lobos e o Violão”.

-Luciana, uma curiosidade: Chiquinha Gonzaga é um ícone; é o marco zero da participação feminina na música popular brasileira, ou há algum registro anterior? - quebrou o Sérgio Fortes o seu silêncio de alguns minutos.

-Se olharmos a história, é ela. Deve haver outras Chiquinhas por aí que não tiveram oportunidade de vir para a história. - foi a resposta.

Jonas Vieira interveio incisivamente:

-Chiquinha Gonzaga é o marco zero.

Breque.

Chiquinha Gonzaga, como mulher, é um caso único na música popular de todo o mundo. Para citar uma das suas mil realizações, criou um gênero musical: a marchinha carnavalesca. Na biografia escrita pela sua neta, Dalva Lazaroni, que acabamos de ler, recentemente, a magnitude dessa extraordinária mulher é evidenciada; não havia necessidade de exageros, como dizer que Machado de Assis a procurou para aprender francês. Menos, Dalva Lazaroni, menos, Prossigamos com o Rádio Memória.

Sérgio Fortes insistiu com outra pergunta:

-Na fase áurea da música popular brasileira, décadas de 30 e 40, você encontra uma compositora, ou era um tabu?

-Havia a Marília Batista. - antecipou-se o Jonas Vieira.

-Depois, tivemos a Dolores Duran. - disse ela.

-Dolores Duran é década de 50. - acrescentou o titular do Rádio Memória.

-Nós temos no nosso CD “Quem Sou Eu Pra Perdoar” da Carolina Cardoso de Menezes.

-Esta, sim, é compositora da década de 30. Foi importantíssima. - ressaltou o Jonas Vieira.

-O grande público, até mesmo as novas musicistas desconhecem a Carolina Cardoso de Menezes. - constatou a convidada do Rádio Memória.

Mais um breque.

Carolina Cardoso de Menezes, também inspirada pianista, que compôs sambas e choros com  ousados arranjos seus, morreu em 1999, com 83 anos de idade, no Méier, decepcionada por não ter sido convidada para participar da minissérie “Chiquinha Gonzaga”, da TV Globo. Um esquecimento lamentável, pois foi sucessora dela.

Indignado, Jonas Vieira investiu contra a ignorância que grassa neste país.

-Nós não temos uma divulgação adequada; isto em todos os sentidos. A música popular não é conhecida, infelizmente. Pergunte sobre futebol, e todos saberão responder. A massa pensa que Villa-Lobos é um beque do Olaria. 

Por isso, é massa de manobra de políticos e marqueteiros. - assinalamos.

E continuou:

-Eu vou dar um exemplo claro de alguém que contribuiu para este país e é desconhecido; morreu, recentemente, o poeta Manoel de Barros; era gênio, gênio, uma figura extraordinária que se casa com a natureza; o poeta da natureza, sendo profundo é de uma grande simplicidade.

E escandiu bem as sílabas:

-Ninguém conhecia.

Concluiu:

-Manoel de Barros é um dos quatro grandes poetas da minha predileção; ele, Drummond, é claro, Fernando Pessoa, que era fantástico... O outro era de Pernambuco, o meu favorito... Qual é mesmo o nome dele?...

A traiçoeira memória pregava uma peça no Jonas Vieira.

 

 

 

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

2737 - Tolerância Zero


           

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 4987                                    Data: 18  de  novembro de 2014

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MULHERES NO RÁDIO MEMÓRIA

 

“Raridades. Curiosidades. Humor e Entrevistas. Programa jornalístico-musical que destaca acontecimentos históricos e músicas que marcaram época no Brasil e no mundo. Apresentação: Jonas Vieira e Sérgio Fortes.”

Há mais de um ano que escrevo resenhas do Rádio Memória e nunca registrei a abertura do programa, aqui vai ela.

-Sérgio, que dia é hoje?

Foi o sinal verde para o Homem-Calendário entrar em ação.

-16 de novembro. Acredita, Jonas, que não aconteceu nada de importante no dia 16 de novembro?

-Não?!...

-Dizer que um rei em mil e alguma coisa fez isso ou aquilo, não é da nossa enfermaria.

O leitor, que voltou as vistas para a síntese do programa, acima, deve ter se perguntado: Nenhum acontecimento histórico?...

-Do nosso interesse, nada. - ratificou o Sérgio Fortes.

E adicionou:

-Mas nasceu gente importante.

-Vamos lá, Sérgio.

-Em 1892, nasceu Tazio Nuvolari, importantíssimo piloto dos anos 30. Já é da minha enfermaria. - insistiu na metáfora médico-hospitalar.

Jonas Vieira desdenhou:

-Não conheço.

-Este você conhece, Jonas: nasceu em 1884, o Marechal Henrique Teixeira Lott. Ele foi importante.

Embora o Marechal Lott tivesse dado um contragolpe, ou seja, evitado que um golpe impedisse a posse do presidente eleito Juscelino Kubitscheck, Jonas Vieira não se deu por satisfeito:

-Foi mais ou menos importante.

A reação do titular do programa me lembrou do Coronel, que assim era chamado porque entrou para a reserva, no Exército, com essa patente. Num dia do ano 1982, na corretora Caravello, sabendo que ele era udenista, lhe perguntei o que achava do Marechal  Lott. A sua resposta foi mais ou menos igual a do Jonas Vieira.

-Voltando para a música – impostou a voz o Homem-Calendário -, em 1885, nascia Paul Hindemith.

-Esse sim. - aprovou o Jonas Vieira.

-Em 1920, José Lewgoy; morreria em 2003.

Os dois não se detiveram no grande ator, mas se lá estivesse o Simon Khoury, certamente contaria alguns causos com ele. O canal de televisão Arte 1 repete, pelo menos quinzenalmente, a cinebiografia sobre ele dirigida por Claudio Kahns. Nela, através de depoimentos, ficamos sabendo da robusta erudição do José Lewgoy, para alguns o mais culto deles todos, conhecedor, até,  das obras de Béla Bartók e de outros mestres da música.

Quanto a nós, do Biscoito Molhado, o vimos, nos anos 80, num cinema da Tijuca, de bengala, na primeira fila, quando se acenderam as luzes. Tratava-se de um filme japonês com legendas, mas era como se não tivesse, pois não entendemos nada. Mas sigamos com o calendário.

-Em 1922, José Saramago.

Houve, na Roquette Pinto, uma unanimidade sobre o escritor. Para que ninguém cite a frase do Nélson Rodrigues sobre a burrice da unanimidade, registraremos, aqui, a opinião da Rosa Grieco sobre José Saramago: “Um chato de tamancos.”

-Falecimentos. - soou alegre a voz do Sérgio Fortes como se ouvisse uma piada de necrotério.

-Em 1934, morria Alice Liddell, a menina que inspirou “Alice no País das Maravilhas”.

-Não se fala em outra coisa no mundo. - interveio o Jonas Vieira com um  humor cortante.

-Em 1960, Clark Gable.

-Importante. - assinalou o Jonas.

-Boa pinta. - acrescentou o Sérgio.

Cabe um parêntese no meio de tantos elogios ao sedutor protagonista de “E o Vento Levou”. Quando Clark Gable apareceu pela primeira vez no mundo do cinema, um dos magnatas da indústria cinematográfica notou logo a sua semelhança com Dumbo e lhe disse para procurar outra profissão. “Com essas orelhas, esqueça”. Isto registraram seus biógrafos. Estava inteiramente enganado. Não é só dos carecas que as mulheres gostam mais, dos orelhudos também.

Das telas para as quadras de samba.

-Em 1978, falecia Candeia.

-Esse foi genial. - animou-se o Jonas Vieira.

-Em 1983, Janete Clair.

Janete Clair, o paradigma de todos os novelistas, era apaixonada pelas criações de Debussy, e demonstrou essa paixão colhendo o “Clair” de “Clair de Lune” para o seu pseudônimo. A sua última novela na Rádio Nacional, depois ela se destacaria na TV Globo, tinha como música-tema a valsa de Debussy “La Plus que Lente”.

O primeiro capítulo de “Pecado Capital”, novela de 1975, deixou o Artur da Távola, que escrevia sobre televisão no Globo, embasbacado; ele admitiu que nenhum outro autor de novelas conseguia colocar logo no capítulo inicial tantos acontecimentos dramáticos.

 Sigamos com o calendário do Sérgio Fortes.

-Em 2006, morria um cara que fica cada vez mais importante: Milton Friedman, economista ganhador do Prêmio Nobel de 1976.

Falar em Milton Friedman sem citar a sua frase “Não existe almoço grátis” é uma façanha, mas Sérgio Fortes resistiu a esse clichê. Passou para os santos do dia:

-Santo Elpídio.

-Quando olho para o céu, só penso em Santo Elpídio.

Ou seja, Jonas Vieira não tem olhado para o céu, pelo menos entre às 8 e 9 da manhã, de domingo, pois não pensa em Elpídio algum, nem mesmo no Elpídio Furquim, um jóquei que montava “Lo Schiavo”, o maior matungo que já apareceu no hipódromo da Gávea.

 -Dia da protetora do maestro Marku Ribas: Santa Gertrudes. - assinalou o Sérgio Fortes.

-Também, dia de São Rufino.

-No Vaticano, não se fala em outra coisa. - voltou o humor cortante do Jonas Vieira.

Sérgio Fortes não ficou atrás:

-É um dia que eu não suporto, é o Dia da Tolerância.

-Eu bem que tento, mas há certas pessoas que não me deixam ser tolerante.

Concordamos com o Jonas Vieira, por mais que procuramos ser tolerantes, são incontáveis o número de pessoas que frustram a nossa pretensão.

Que o dia 16 de novembro seja o dia da Tolerância Zero.  - fica a nossa sugestão.

Agora, o Sérgio Fortes se manifestava animadamente:

-Jonas, nós temos hoje uma convidada...

Se Simon Khoury lá estivesse, já teria dito o nome dela, pois não há segredo que dure mais de um segundo com ele, o exterminador de segredos.

-Vamos começar pela música. - propôs o titular do programa.

E reinou, então, soberana uma orquestra tocando o Corta-Jaca.

-Será a Chiquinha Gonzaga a convidada?!...