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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3833 Data: 22 de agosto de 2011
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UM SABADOIDO DE AGOSTO
(comédia em um ato, com um prólogo dramático)
PRÓLOGO
Cena: um quarto à meia luz onde o Carlos se ocupa com um computador: digita, para e olha o monitor de vídeo. Ouvem-se vozes vindas de longe. Agora, uma música de Bach, proveniente do computador, se mistura com as vozes.
Carlos (maravilhado): Bach era mesmo o deus da música. Conseguiu compor um cânon, indo e voltando com as mesmas notas musicais e, depois, mesclando a ida com o retorno delas.
(As vozes ao longe silenciam)
Carlos: Será que lá fora sentiram o impacto de tanta genialidade?...
(Entra a Gina, assustada)
Gina: Eu não consigo me manter imperturbável com as crises do Vagner... O Luca dá umas sacudidelas nele, mas eu fico nervosa.
Carlos: O Vagner apagou?
Gina: Sim.
Carlos: Agora eu entendo o porquê deste silêncio. E o Cláudio, está com ele?
Gina: Está.
Carlos: Vou dar uma olhada.
Cena: garagem da reunião do sabadoido, onde se acha apenas o Cláudio, sentado numa cadeira.
Carlos: E o Vagner?
Cláudio (irritado): Sem me dizer uma palavra, saiu daqui e foi ao banheiro.
Cena: porta do banheiro. Carlos, com a Gina ao lado, força a porta e a encontra fechada.
Carlos: Gina, o Luca, que conhece o Vagner de outros carnavais, alerta para nunca o deixarmos dentro do banheiro com a porta trancada.
Carlos: (chamando em voz alta): Vagner... Vagner... Tudo bem?...
Vagner: Tudo...
Carlos: Deixa a porta aberta... Deixa a porta só encostada, que ninguém vai entrar aí.
Vagner: OK.
Gina: Duvido que ele abra a porta, mas, pelo menos, já voltou a si.
Coro grego: Surpreso, porque manteve o sangue frio diante de uma crise epiléptica do amigo, Carlos volta para o computador, no quarto do sobrinho e, achando-se merecedor de uma recompensa, coloca o filme em que o menino Jonathas, de três anos, rege o quarto movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.
(as vozes do Cláudio, do Vagner e da Gina ao longe retornam animadamente. O telefone tilinta)
FIM DO PRÓLOGO DRAMÁTICO
1º ATO
Cena: o mesmo quarto à meia luz com o Carlos no computador.
Voz do Cláudio (ao telefone, na cozinha): Luquinha, você não sabe como estão lhe esculhambando... Só eu o defendo. Se você não chegar logo... O que?... Já está aqui perto?... Eu vou abrir o portão para você.
Carlos (à parte): Não vou para a reunião do sabadoido agora, pois tenho de ver os e-mails novos e ficar com a tarde livre para escrever uma edição do Biscoito Molhado.
Cena: na garagem do fusquinha da Gina. Ladeando uma mesinha, com uma estatueta de cavalo sobre ela, estão sentados o Cláudio e o Vagner. À frente deles, estão Gina e Luca, também sentados.)
Luca: Vocês viram o programa sobre o Paulo Francis?
Cláudio: Não.
Luca: Algumas coisas eu não sabia sobre ele. O Paulo Francis bebia e cheirava todas...
Cláudio: Essa de ele cheirar, eu não sabia também.
Luca: Ele morreu por erro médico. Estava enfartando e o médico o tratava como se o seu mal fosse bursite. Ele estava muito estressado depois que o Rennó jogou um processo em cima dele, pedindo uma indenização de cem milhões de dólares...
Cláudio (em tom elevado): Quem entrou com um processo contra o Paulo Francis, na Corte de Nova York, exigindo cem milhões de indenização por danos morais, foi a pessoa jurídica Petrobras.
Luca (em tom elevado): Foi o Joel Rennó.
Cláudio (em tom elevado): Não foi, Luca.
Luca (em tom elevado): No programa Manhattan Connection, o Paulo Francis afirmou que todos os diretores da Petrobras tinham dinheiro em paraísos fiscais, principalmente o presidente da empresa, Joel Rennó.
Cláudio (em tom elevado): E a Petrobras, como pessoa jurídica, entrou com o processo.
Luca: Não importa. O fato é que esse processo arruinaria o Paulo Francis. Pediram que o Fernando Henrique, que era Presidente da República, interviesse no caso... O processo estressou o Paulo Francis, que morreu de enfarte.
Coro grego: Quem matou o Paulo Francis, na verdade, foi sua língua peçonhenta (*). Quando era crítico de teatro, destilou todo o seu veneno contra a atriz Tônia Carrero. Quando era jornalista do Pasquim, escreveu o necrológio do desenhista Vagn, que suicidara poucos dias antes, jogando-lhe palavras como se fossem pedras. E ele agiu assim incontáveis vezes. No dia em que encontrasse adversários cruéis pela frente, provaria do próprio veneno. Encontrou. E do próprio veneno morreu.
Luca: Paulo Francis conhecia ópera profundamente, pelo que disseram.
Luca (olhando marotamente para o Vagner): Adorava Wagner, o compositor alemão, evidentemente... Cantava trechos de ópera no apartamento dele,
Cláudio: Essa questão de ópera é com o Carlinhos.
Luca: O próprio Carlinhos disse aqui que começou a gostar de óperas porque o pai de vocês as sintonizava no rádio e, assim, desde pequenino, ele se afeiçoou.
Cláudio (em tom de brincadeira): Papai era, na verdade, um operário.
Luca: Seu Amaury sintonizava os programas de ópera no rádio e o Carlinhos tomou gosto, pelo que sei.
Cláudio (sério): Papai gostava mais da Renata Tebaldi do que da Maria Callas, mas muita gente entendida concordaria com ele. Na minha família, há outras pessoas que cultivam o gosto pelas óperas.
Gina: A minha mãe conheceu o seu Tio Lopinho ouvindo e cantando árias de óperas,
Cláudio: A Dona Margarida também conheceu o Tio Antonio, que trabalhava como capoteiro, com o Alfredo Colósimo, grande tenor do Teatro Municipal.
Luca (mudando de assunto): Morreu o Róbson.
Vagner: Durou bastante, pois tomava todas as drogas desde novinho.
Gina: Eu cheguei a pensar que ele tinha a resistência do Keith Richards, dos Rolling Stones.
Vagner (rindo): Keith Richards já era para estar morto há muitos anos.
Cláudio (irônico): Keith Richards tinha de estar morto desde os vinte e sete anos de idade.
Luca: O Róbson começou com a maconha quando era garoto.
Cláudio: No início dos anos sessenta, passou pela Rua Americana, em plena luz do dia, fumando maconha, o que foi um assombro.
Vagner: Depois da maconha, ele passou para a cocaína. Tomava injeção na veia... Ele e o Cosme, que era irmão daquelas três piranhas da Rua Chaves Pinheiro, Teresa, Penha e Dora.
Luca: Róbson vinha, ultimamente, esvaziando garrafas de cachaça.
Faz-se, momentaneamente, escuridão no palco do sabadoido
(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO afirma que Paulo Francis soube responder, em sua coluna, com elegância, quando foi corrigido, de maneira igualmente elegante.
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