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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

2003 - Teatrinho Trol

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3833 Data: 22 de agosto de 2011

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UM SABADOIDO DE AGOSTO

(comédia em um ato, com um prólogo dramático)

PRÓLOGO

Cena: um quarto à meia luz onde o Carlos se ocupa com um computador: digita, para e olha o monitor de vídeo. Ouvem-se vozes vindas de longe. Agora, uma música de Bach, proveniente do computador, se mistura com as vozes.

Carlos (maravilhado): Bach era mesmo o deus da música. Conseguiu compor um cânon, indo e voltando com as mesmas notas musicais e, depois, mesclando a ida com o retorno delas.

(As vozes ao longe silenciam)

Carlos: Será que lá fora sentiram o impacto de tanta genialidade?...

(Entra a Gina, assustada)

Gina: Eu não consigo me manter imperturbável com as crises do Vagner... O Luca dá umas sacudidelas nele, mas eu fico nervosa.

Carlos: O Vagner apagou?

Gina: Sim.

Carlos: Agora eu entendo o porquê deste silêncio. E o Cláudio, está com ele?

Gina: Está.

Carlos: Vou dar uma olhada.

Cena: garagem da reunião do sabadoido, onde se acha apenas o Cláudio, sentado numa cadeira.

Carlos: E o Vagner?

Cláudio (irritado): Sem me dizer uma palavra, saiu daqui e foi ao banheiro.

Cena: porta do banheiro. Carlos, com a Gina ao lado, força a porta e a encontra fechada.

Carlos: Gina, o Luca, que conhece o Vagner de outros carnavais, alerta para nunca o deixarmos dentro do banheiro com a porta trancada.

Carlos: (chamando em voz alta): Vagner... Vagner... Tudo bem?...

Vagner: Tudo...

Carlos: Deixa a porta aberta... Deixa a porta só encostada, que ninguém vai entrar aí.

Vagner: OK.

Gina: Duvido que ele abra a porta, mas, pelo menos, já voltou a si.

Coro grego: Surpreso, porque manteve o sangue frio diante de uma crise epiléptica do amigo, Carlos volta para o computador, no quarto do sobrinho e, achando-se merecedor de uma recompensa, coloca o filme em que o menino Jonathas, de três anos, rege o quarto movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven.

(as vozes do Cláudio, do Vagner e da Gina ao longe retornam animadamente. O telefone tilinta)

FIM DO PRÓLOGO DRAMÁTICO

1º ATO

Cena: o mesmo quarto à meia luz com o Carlos no computador.

Voz do Cláudio (ao telefone, na cozinha): Luquinha, você não sabe como estão lhe esculhambando... Só eu o defendo. Se você não chegar logo... O que?... Já está aqui perto?... Eu vou abrir o portão para você.

Carlos (à parte): Não vou para a reunião do sabadoido agora, pois tenho de ver os e-mails novos e ficar com a tarde livre para escrever uma edição do Biscoito Molhado.

Cena: na garagem do fusquinha da Gina. Ladeando uma mesinha, com uma estatueta de cavalo sobre ela, estão sentados o Cláudio e o Vagner. À frente deles, estão Gina e Luca, também sentados.)

Luca: Vocês viram o programa sobre o Paulo Francis?

Cláudio: Não.

Luca: Algumas coisas eu não sabia sobre ele. O Paulo Francis bebia e cheirava todas...

Cláudio: Essa de ele cheirar, eu não sabia também.

Luca: Ele morreu por erro médico. Estava enfartando e o médico o tratava como se o seu mal fosse bursite. Ele estava muito estressado depois que o Rennó jogou um processo em cima dele, pedindo uma indenização de cem milhões de dólares...

Cláudio (em tom elevado): Quem entrou com um processo contra o Paulo Francis, na Corte de Nova York, exigindo cem milhões de indenização por danos morais, foi a pessoa jurídica Petrobras.

Luca (em tom elevado): Foi o Joel Rennó.

Cláudio (em tom elevado): Não foi, Luca.

Luca (em tom elevado): No programa Manhattan Connection, o Paulo Francis afirmou que todos os diretores da Petrobras tinham dinheiro em paraísos fiscais, principalmente o presidente da empresa, Joel Rennó.

Cláudio (em tom elevado): E a Petrobras, como pessoa jurídica, entrou com o processo.

Luca: Não importa. O fato é que esse processo arruinaria o Paulo Francis. Pediram que o Fernando Henrique, que era Presidente da República, interviesse no caso... O processo estressou o Paulo Francis, que morreu de enfarte.

Coro grego: Quem matou o Paulo Francis, na verdade, foi sua língua peçonhenta (*). Quando era crítico de teatro, destilou todo o seu veneno contra a atriz Tônia Carrero. Quando era jornalista do Pasquim, escreveu o necrológio do desenhista Vagn, que suicidara poucos dias antes, jogando-lhe palavras como se fossem pedras. E ele agiu assim incontáveis vezes. No dia em que encontrasse adversários cruéis pela frente, provaria do próprio veneno. Encontrou. E do próprio veneno morreu.

Luca: Paulo Francis conhecia ópera profundamente, pelo que disseram.

Luca (olhando marotamente para o Vagner): Adorava Wagner, o compositor alemão, evidentemente... Cantava trechos de ópera no apartamento dele, em Nova York, e não concebia que alguém não gostasse de ópera.

Cláudio: Essa questão de ópera é com o Carlinhos.

Luca: O próprio Carlinhos disse aqui que começou a gostar de óperas porque o pai de vocês as sintonizava no rádio e, assim, desde pequenino, ele se afeiçoou.

Cláudio (em tom de brincadeira): Papai era, na verdade, um operário.

Luca: Seu Amaury sintonizava os programas de ópera no rádio e o Carlinhos tomou gosto, pelo que sei.

Cláudio (sério): Papai gostava mais da Renata Tebaldi do que da Maria Callas, mas muita gente entendida concordaria com ele. Na minha família, há outras pessoas que cultivam o gosto pelas óperas.

Gina: A minha mãe conheceu o seu Tio Lopinho ouvindo e cantando árias de óperas, em São Cristóvão.

Cláudio: A Dona Margarida também conheceu o Tio Antonio, que trabalhava como capoteiro, com o Alfredo Colósimo, grande tenor do Teatro Municipal.

Luca (mudando de assunto): Morreu o Róbson.

Vagner: Durou bastante, pois tomava todas as drogas desde novinho.

Gina: Eu cheguei a pensar que ele tinha a resistência do Keith Richards, dos Rolling Stones.

Vagner (rindo): Keith Richards já era para estar morto há muitos anos.

Cláudio (irônico): Keith Richards tinha de estar morto desde os vinte e sete anos de idade.

Luca: O Róbson começou com a maconha quando era garoto.

Cláudio: No início dos anos sessenta, passou pela Rua Americana, em plena luz do dia, fumando maconha, o que foi um assombro.

Vagner: Depois da maconha, ele passou para a cocaína. Tomava injeção na veia... Ele e o Cosme, que era irmão daquelas três piranhas da Rua Chaves Pinheiro, Teresa, Penha e Dora.

Luca: Róbson vinha, ultimamente, esvaziando garrafas de cachaça.

Faz-se, momentaneamente, escuridão no palco do sabadoido

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO afirma que Paulo Francis soube responder, em sua coluna, com elegância, quando foi corrigido, de maneira igualmente elegante.

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