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quarta-feira, 31 de julho de 2013

2433 - guilhotina, para que te quero?



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4233                            Data:  19 de  julho de 2013
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CARTAS DOS LEITORES

-Li sobre a visita que Chateaubriand fez ao redator do Biscoito Molhado e fiquei curioso em conhecer o Filé à Chateaubriand. Como esse prato é elaborado? Glutão das Laranjeiras.
BM: Glutão das Laranjeiras, apesar de você não ser um gourmet, e sim um gourmand, vou pedir ao Roberto Dieckmann que envie seu pedido ao filho, Fred Dieckmann, que é um ás da Arte Culinária. É verdade que a sua especialidade é a comida mexicana, um filé à Cantinflas ou algo parecido, mas acreditamos, com faca e garfo nas mãos, que ele faria um suculento Filé à Chateaubriand. 

“A sessão nostalgia matinal me trouxe à combalida memória “Youth”, de Joseph Conrad, nascido na Polônia e endeusado como um dos maiores escribas do idioma britânico. Ele pergunta ao leitor se tudo era realmente melhor antes ou se o resplendor que vivíamos era a nossa Juventude. Li-o muito no 86, esteve em moda com “Heart of Darkness”, que inspirou o filme “Apocalypse Now”, talvez o mais conhecido seja “Lord Jim”. Gostei muito de “Victory”, poderia citar mais uns três ou quatro, mas prefiro não exagerar.”
“Trago à baila o Abbé Sieyès, na época era famoso, mas só é citado na posteridade pela frase: “J' ai vécu”, respondendo à questão “o que fizera durante a Revolução Francesa”, ao pé da letra é “vivi”, mas ele enfatizava que “sobrevivera”. Posso dizer que “j' ai vécu”, me esbaldei no mato e na praia, quebrei cama, aprendi a sobreviver com o rosto paralisado e mesmo rastejando onde rebolava ainda localizo um saldo positivo e não sinto revolta.”
“A respeito das outras damas da família, nada asseguro, fui diferente de todas e espero merecer o que me disse a cunhada Jabor: que sou valente.” Rosa

BM: Muitos foram os filmes baseados em histórias de Joseph Conrad, não vi todos, sendo que, dos citados pela nossa erudita leitora, não assisti a “Youth” e a “Victory”; tenho, porém, a certeza, mesmo assim, que nenhuma dessas adaptações cinematográficas supera “Os Duelistas”.
Aqui vai um breve resumo.
D' Hubert, vivido por Keith Carradine, e Feraud, por Harvey Keitel, são dois oficiais do exército de Napoleão Bonaparte. Por um motivo pouco relevante, Feraud desafia D' Hubert para um duelo, eles lutam, mas um motivo incontornável impede que haja um desfecho. E, durante 16 anos, foi assim; sempre que Hubert topava com o seu rival o obrigava a reiniciar o duelo interrompido. Isso aconteceu até quando os dois se encontravam derrotados na gélida campanha russa, em 1812 e, na parte final, na restauração dos Bourbons, em 1815, quando D' Hubert, depois de um casamento feliz, se ajustou â aristocracia, enquanto o obsessivo Féraud permanecia fiel ao imperador. O último duelo, a pistola, com um número de terminado de balas entre os contendores, de tão imaginoso, merece ser conhecido pela leitura do livro de Joseph Conrad ou pelas cenas filmadas sob a direção de Ridley Scott.
Tomei a instigante história de Joseph Conrad como uma parábola: Féraud seria Napoleão, que sempre obrigava a Europa, D' Hubert, a desensarilhar as armas contra ele. Não li ensaio algum, até hoje, sobre “Os Duelistas”, mas não vislumbro outra interpretação.
A película marcou as estreia de Ridley Scott como diretor, e abiscoitou, com toda a justiça, o prêmio de melhor filme do Festival de Cannes de 1977. É verdade que não vi os outros filmes da disputa, mas isso não importa.
Se existissem filmes de cabeceira, como há livros, “Os Duelistas” seria, para mim, um deles.
Em seguida, a nossa leitora (orgulho que nutrimos, embora ela leia tudo, de Shakespeare à bula de remédio, recua no tempo, salta da Inglaterra para a França, e de Joseph Conrad a Sieyès.
O Departamento de Pesquisas do Biscoito Molhado entrou em campo e nos forneceu os esboços que se seguirão da vida de Emmanuel Joseph Sieyès. Escritor, político e eclesiástico francês, Sieyès foi um dos mais notórios participantes da criação da Assembleia Nacional, advinda com a Revolução Francesa, devido à sua defesa das ideias constitucionalistas que seus pares não colocavam em prática. Teve um desempenho incansável nos Estados Gerais, quando representante da igreja e da aristocracia.
Partícipe do Clube dos Trinta quando a Convenção se reuniu, em 1792, para julgar Luís XVI, votou pela execução do rei.
Descontente, desapareceu da arena política para reaparecer como membro do Comitê da Salvação Pública, que articularia o golpe do partido da Direita, os girondinos, que apearam do Poder Robespierre e Saint-Just, dando fim ao Terror. Tal golpe ficou conhecido como “9 Termidor”, por causa do calendário adotado pela Revolução Francesa, que, no calendário gregoriano,  este logo retornaria à França, a data era 27 de julho de 1794.
Sieyès voltou, então a reivindicar uma Constituição, mas, como no passado recente, não foi exitoso. Frustrado, recusou os cargos públicos que lhe foram oferecidos. Conspirou e, junto com Napoleão Bonaparte, participou do Golpe do 18 de Brumário (9 de novembro de 1799), que tomou o poder e instalou o Consulado. Sieyès foi cônsul com Napoleão Bonaparte e Roger Ducos. Mesmo quando Napoleão se mostrou ambicioso, tornando-se o mandante único, como imperador,  Sieyès esteve ao seu lado, exilando-se, por questões políticas entre os anos de 1816 a 1830.
O seu texto mais emblemático  foi “A Constituinte Burguesa” - “Qu' est-ce que le tiers état?” (O que é o Terceiro Estado?). Nessa obra, Sieyès legitimava a ascensão do povo (o Terceiro Estado) ao poder político, e traçou as linhas mestras da Teoria do Poder Constituinte, matéria relevante no Direito Constitucional.
De Joseph Conrad a Sieyès, que passou por maus momentos, na defesa das suas ideias, principalmente quando o sanguinário Robespierre esteve no poder guilhotinando até os que derrubaram o regime monárquico, de fato sobreviveu, “J' ai vécu”, como citou a Rosa Grieco. Ela atravessou maus momentos, que não narrou na sua carta, talvez porque já o fizera em outras, e que a fez merecer o adjetivo de valente, dado pela sua cunhada e também tia do Arnaldo Jabor. Valente e, acrescentamos nós, fogosa pelas camas quebradas.


 

terça-feira, 30 de julho de 2013

2432 - Morte em praça pública



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4232                                   Data:  17 de  julho de 2013
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91ª VISITA À MINHA CASA

O meu visitante não podia ser mais ilustre.
-Sócrates, acomode-se, por favor, numa poltrona.
No entanto, ele permaneceu de pé.
-O que você quer beber? Tenho cerveja, vinho, uísque...
-Tem cicuta? - brincou.
-Sócrates, o homem de caráter e inteligência fora do comum, imbuído de paixão pela honestidade intelectual e de rara integridade moral. - intentei fazer-lhe justiça.
Notei que seus olhos se fixavam nos poucos livros da minha estante.
-Se você tivesse escrito um livro, ele certamente estaria aqui. - garanti.
-Digamos que eu cometesse um erro, e cometi alguns; se eles estivessem escritos, os erros se perpetuariam.
-A transmissão do saber, na sua época, também era feita oralmente, por isso ficamos sem seus livros? - indaguei.
-A escrita encarcera o conhecimento, deixa-o de uma forma acabada, e o autor fica, consequentemente, preso a afirmações cristalizadas.
-Lembro-me de um conhecido que, há uns trinta anos, me pediu, sabendo que eu era frequentador de sebões, que comprasse um livro seu.
-Sócrates gargalhou.
-Só faltou pedir-me também um livro de Jesus Cristo. - acrescentei.
-Ele, como eu, nada escreveu, também? - interessou-se.
-Seus discípulos perpetuaram seus pensamentos.
-Os meus me afirmaram que fariam isso, pois não admitiam que o maior dos tesouros, segundo eles, fosse enterrado comigo.
-Xenofonte fez isso, nos seus diálogos; Aristófanes, nas suas peças; e, principalmente, o fabuloso Platão, com seus diálogos.
-Platão era o mais promissor dos meus discípulos.
-A filosofia é cultivada por uma elite, mas mesmo as pessoas de pouco conhecimento sabem da sua frase “Só sei que nada sei”.
-A sabedoria é limitada pela nossa própria ignorância. Eu nunca me proclamei um sábio.
-Os estudiosos dizem que a sua humildade intelectual extrema era uma abertura a dar passagem à sabedoria universal.
Após uma pausa, prossegui:
-Assim, entre seus pares, ninguém soube mais do que você. E ainda despontou outra frase sua que repercute até hoje, passados mais de 2400 anos, com toda força: “Conheça-te a ti mesmo”.
-O meu propósito era conduzir as pessoas a se deparar com seus desconhecimentos.
-Nada mais ruinoso para o pensamento do que os dogmas e os preconceitos. - manifestei-me.
-Temos de combatê-los com o conhecimento e, quando nos conhecemos a nós mesmos, estamos prontos para isso. - instruiu-me.
-Tive um professor, que orientava com perguntas aos alunos, muitos argumentavam que ele ainda não ensinou a matéria, ele pedia, então, que o aluno falasse o que imaginava o que fosse; feito isto, ele ia conduzindo a questão com outras perguntas até que encontrávamos, todos juntos, uma resposta de consenso. Soube, depois, que era o método socrático de ensino: a maiêutica. - tagarelei.
Ah, sim, um parto de ideias. Eu questionava meus discípulos conduzindo-os às novas reflexões sobre o tema em debate, assim, a ignorância era reconhecida, o que abria caminho a outros pensamentos, mais próximas da verdade.
-Maiêutica, palavra de origem grega, significa dar à luz parto.
E continuei:
-Você usava a sua habilidade para trazer à luz a verdade latente na mente dos outros. Certamente, a filosofia de Platão foi o fruto final e mais completo desse parto. - repeti o que lera nos compêndios.
-Eu me assumia como uma parteira intelectual.
E aproveitei para perguntar sobre a profissão de sua mãe.
-Minha mãe era parteira, e eu a ajudei em um parto. Vendo que minha mãe não iria criar o bebê, apenas ajudá-lo a nascer, mitigando a dor do parto, concluí que, de certa forma, eu era um parteiro.
-Como assim?
-O conhecimento está dentro das pessoas, incapazes de saber por si mesmas; no entanto, eu posso ajudar no nascimento desse conhecimento. Daí, a maiêutica.
-Seu pai era oleiro?
-A minha ajuda ao meu pai eram trapalhadas, eu não sabia trabalhar o mármore. Minha mãe mostrou-me a minha vocação para educador.
-Você foi casado com Xântipe e teve um filho, Lamprocles. Falam que você teve mais filhos com outras mulheres, já que era permitido um homem casado ter filhos com outras mulheres na Atenas do seu tempo.
Como não mostrou entusiasmo em discorrer sobre a sua vida amorosa, atalhei essa parte e esqueci Alcebíades. Falamos, então, da sua vida de militar.
-Sócrates, devido à sua vocação de líder, você foi escolhido como um dos generais atenienses na Guerra do Peloponeso.
-Foi muito doloroso; homens de 15 a 45 anos foram convocados para as sangrentas contendas.
-Você, no final da guerra, procurando salvar os poucos que restavam vivos, ordenou a volta imediata deles para Atenas sem que antes enterrassem os soldados mortos. Contrariou, assim, a lei, o que o levou a ser preso.
-Consegui persuadir os meus acusadores.  Se meus soldados permanecessem mais tempo no campo de batalha, seriam também mortos e, no fim, não haveria mais um sobrevivente para cavar um túmulo.
-Sócrates, ao contrário dos sofistas, você não cobrava pelas suas aulas. Vivia, como disse Platão, na pobreza.
-Eu filosofava em praças públicas e ginásios, principalmente. Dialogava de forma descontraída e descompromissada com todas as pessoas; elas me fascinavam, jovens, mulheres, políticos.
-Sócrates, pregando ideias novas, você contrariou muitos inimigos, além de despertar os invejosos. Acusaram-no de três crimes: não acreditar nos costumes e nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos destruidores de cidades e corromper a juventude com seus pensamentos.
-Havia acusadores cujos filhos eram meus discípulos. - sorriu, apesar de essa constatação aumentar o ódio contra ele.
-Pelas suas ideias inovadoras, o castigo foi a morte.
-Eu poderia ter evitado a morte se desistisse da vida justa, mas eu não faria isso.
-Dizem que, na verdade, eles queriam vê-lo longe de Atenas, pois a execução só ocorreria trinta dias depois da sentença, tempo suficiente para a sua escapada com o auxílio dos seus numerosos amigos.
-Eu me recusei terminantemente a fugir do meu destino.
-Outra semelhança sua com o líder religioso que nasceria mais de quatrocentos anos depois, ele, além de nada escrever, se conformou com o seu destino.
-Bebi a cicuta cercado por amigos.
-Reza a lenda que, antes de tomar o veneno, você lembrou a Críton, seu amigo, que deviam um galo a Asclépio e que ele saldasse a sua parte da dívida.
-Não é uma lenda.
-Fédon, seu discípulo, narrou, num livro a sua morte e o desespero que subjugou a todos que a testemunharam.
-Meu sofrimento, não foi a minha morte e sim o sofrimento que deixei nos meus amigos.
Com essas palavras, partiu.



quinta-feira, 25 de julho de 2013

2425 - vento de proa

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4225                                  Data:  08 de  julho de 2013
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PARA QUE A MEMÓRIA NÃO SE PERCA  DE VEZ

O que testemunhei na Marinha Mercante vou tentar aqui reproduzir  no corte temporal de 1979 a 1993 com o objetivo de espanar a poeira do esquecimento  sobre muitos fatos relevantes para nós que lidamos com a matéria.
Citei 1979 porque, nesse ano, entrei, como estagiário do Bureau de Fretes, da SUNAMAM, cuja atividade principal era reajustar, anualmente, os fretes básicos praticados pelas conferências de fretes e majorar, ou reduzir, as sobretaxas de combustível (bunker surchage) caso elas variassem em mais de 1%, além de manter atualizadas as tarifas de fretes de uma por uma das cargas transportadas pelas conferências, que formavam verdadeiros calhamaços.  O que explica a multitude de páginas dessas tarifas de fretes era o fato de as chamadas cargas nobre serem fragmentadas, na época; assim, o preço era praticado por tonelada, nas mercadorias mais densas e por metro cúbico nas mercadorias mais volumosas (outras bases de cobrança existiam, mas essas predominavam largamente). Houve, por isso, até estatísticas por freighton, que somavam tonelada com metro cúbico. Mais tarde, com o predomínio dos contêineres, o frete da grande maioria dessas cargas passou a ser cobrada por TEU (Twenty Equivalent Unit) ou FEU (Fourty Equivalent Unit). Antes, por exemplo, o frete  incidia até sobre a saca de 60  kgs, como no caso do café.
Em 1979, a carga geral (chamadas de cargas nobres) eram transportadas northbound (exportação) e southbound (importação) através do mercado cartelizado pelas conferências de fretes. Cabendo aos armadores não conferenciados (os outsiders), apenas 20% do comércio marítimo do nosso país. (*)
A primeira conferência de fretes surgiu em 1875 nas rotas entre o Reino Unido e Calcutá. A introdução de velozes navios a vapor havia trazido instabilidade ao mercado devido à concorrência com navios que, até então, operavam. A solução para esses armadores enfrentarem a concorrência foi firmar acordos para limitar a capacidade de transportes e determinar os valores dos fretes. Mais de 100 anos depois, em 1980, havia mais de 300 conferências de fretes no mundo.
No Brasil, as principais eram a CIAF (Conferência Interamericana de Fretes), a BEB (Brasil/Europa/Brasil), a BMB (Brasil/Mediterrâneo/Brasil) e a Far East (Brasil/Extremo Oriente/Brasil). A SUNAMAM era o órgão normativo e o Lloyd Brasileiro era o braço operacional do estado, a única empresa brasileira a  pertencer a todas as conferências de fretes. A partir de 1968, uma empresa privada passou a dividir a parte brasileira com a estatal, Netumar, na CIAF; Aliança, na BEB; CIA Paulista de Navegação, na BMB; Frota Oceânica, na Far East.
Com o primeiro choque do preço do barril do petróleo, em outubro de 1973, que o quadruplicou, e o segundo, em 1979, que mais do que triplicou, as sobretaxas de combustível se tornaram elevadas; para exemplificar, nos fretes básicos das mercadorias transportadas pela CIAF, chegaram a incidir 26% e, para o Extremo Oriente, 33%, consequentemente, os fretes brutos eram altíssimos.
Os exportadores, que arcavam com esses altos custos, se uniram, nos anos 80,  formando a AEB (Associação dos Exportadores Brasileiros) para enfrentar os armadores. O governo brasileiro, com sérios problemas no balanço de pagamentos, lançou o slogan “O que exporta é o que importa”, o que fortaleceu a posição dos exportadores e conteve as majorações dos fretes marítimos. No entanto, as conferências de fretes ainda se mantinham absolutas.
Porém, uma bolha estava prestes a explodir em meados da década de 80. Para entendê-la temos de recuar um pouco no tempo. O governo Geisel, sob a batuta do ministro do Planejamento, Reis Veloso, elucubrou o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) com o objetivo de estimular a produção de bens de capital, energia, etc. No seu bojo, se achava o Segundo Plano Nacional de Construção Naval, que levaria  o Brasil para o segundo lugar no mundo em Construção Naval, mas não era um desenvolvimento sustentado: a bolha se esvaziou, escândalos espocaram e a frota própria brasileira, no tráfego internacional, despencou para 3% do total de embarcações  que singram os oceanos.
Além da força que os exportadores obtinham nas suas reivindicações, através da AEB, medidas internacionais freavam o ímpeto das conferências de Fretes. Citaremos aqui o Consenso de Washington, reunido em novembro de 1989,  um conjunto de medidas formuladas pelo Banco Mundial, o FMI e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que era composto de dez regras básicas para promover o ajustamento macroeconômico  dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades, entre elas a abertura comercial e a privatização das estatais.
Feridas de morte, as conferências de fretes se extinguiram nos primeiros anos da década de 90, a SUNAMAM já fora  extinta pelo Plano Verão de 16 de janeiro de 1989. Quanto ao Lloyd Brasileiro, que chegou a ter 122 embarcações em 1939, morreu com 107 anos de idade, em 1997, num abismo de dívidas que afugentou até as empresas estrangeiras que pensaram em adquiri-lo.
No ano 1993, foi publicado um artigo no Jornal do Brasil que afirmava que os fretes marítimos internacionais praticados no Brasil caíram de 50 a 60% quando comparados com a década passada. Houve dúvidas entre alguns funcionários do Departamento de Marinha Mercante, órgão que abrigou os sobreviventes do naufrágio da SUNAMAM. Essas dúvidas não puderam ser dirimidas porque as supramencionadas tarifas de fretes, aqueles calhamaços, se perderam irremediavelmente com o fim da SUNAMAM e do Lloyd Brasileiro (mais um exemplo do descaso pela nossa memória). Porém, como trabalhei mais de dez anos com esses valores, lembro-me de alguns deles perfeitamente.
Como amostra, aqui vai o frete do café para os Estados Unidos:
Frete básico em 1979: US$ 7,60 por saca de 60 kgs
Sobretaxa de combustível: 26%, o que perfazia um frete bruto de US$ 9,576 por saca. Considerando que num contêiner de 20 pés cabem 300 sacas, o frete por contêiner seria US$ 2873,80.
Tendo em vista que o frete bruto por contêiner do café, em 1993,  era de US$ 1500,00,  havia uma redução de 52%.
E também vai aqui o frete do calçado, exportado  para o mesmo país. Essa carga tinha um frete especial temporário caso o contêiner de  20 pés fosse otimizado com 3,8 ton ou um peso próximo, assim, o valor era US$ 599,00 por tonelada. Logo, tínhamos:
Frete básico: US$ 599,00 por  tonelada.
Sobretaxa de combustível: 26%, o que perfazia um frete bruto de US$ 754,74 por tonelada Considerando as 3,8 ton  que cabiam num contêiner de 20 pés,  o frete bruto por contêiner seria US$  2868,01.
Tendo em vista que o frete bruto por contêiner do calçado era de US$ 1600,00 , em 1993, havia uma redução de 55%.
Na verdade, os fretes caíram, de uma maneira, geral drasticamente. O contraponto foi que, com uma frota própria irrisória, não tínhamos mais condições de comercializar internacionalmente sem que as nossas divisas fossem para o exterior na rubrica frete do balanço de pagamentos. (**)
Bem, esse texto é apenas uma modesta contribuição que almeja que o nosso passado recente não caia em total esquecimento.

(*) O Brasil, sempre inventando a roda e na contramão da História, não gostou de abrir 20%, mas acabou praticando, com a pressão dos países outsiders – Noruega e Grécia, protagonistas – a divisão 40% para cada nação, ou a exportadora, ou a importadora e os 20% restantes para os outsiders. Na época, chamavam os outsiders de piratas, porque prejudicavam as bandeiras nacionais, praticando fretes baixos.
Hoje só há outsider, a navegação é livre em todo o mundo, inclusive no Brasil e, por isso, os preços estão mais baixos. Pode parecer estranho ao leitor, mas navegação é como um caminhão, ou um taxi, você sempre escolhe o de menor custo, E, para botar a cereja no bolo, se os outsiders eram chamados de piratas, o que dizer dos Armadores brasileiros, um bando de bandidos equivalentes a qualquer grupo de usineiros, que não honram empréstimos, especialmente se concedidos pela Viúva.

(**) Esta é uma questão interessante, que envolve balanço de pagamento e noções de soberania. Alguns países sustentam uma frota própria, subsidiando a operação dos armadores nacionais. O Brasil já subsidiou, em parte devido aos nossos tributos e carga trabalhista, depois desistiu da brincadeira e hoje temos frota própria apenas na cabotagem. A Navegação Brasileira continua sendo um setor fortemente regulamentado e burocratizado e o armador não pode competir de igual para igual com o competidor estrangeiro. Não pode vender o navio que não lhe é adequado e não pode comprar um usado de segunda mão. Em suma, o que vale para o caminhão e avião não tem paralelo na navegação.
Depois nego reclama que o transporte aqui é excessivamente rodoviarista.





quarta-feira, 24 de julho de 2013

2431 - clima afetivo, biscoito molhado



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4231                                   Data:  16 de  julho de 2013
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INVERTERAM-SE OS PAPÉIS NO SABADOIDO
PARTE II

Recebi o Luca, enquanto o Claudio dava cabo da laranja que descascara sobre o prato.
-E o Elio, Luca, que sumiu?
-Pois é, Carlinhos, eu já me preocupo. Estará doente? Viajou?...
-Ele faz falta, tem um olho de lince para descobrir erros do Biscoito Molhado.
-E o Dieckmann não revisa?
-Só quando ele é protagonista. (*) Escrevi que os meus pais, casados, só assistiram ao filme “Uma Noite Sonhamos”, pulei “pais”, na redação e ele divulgou assim mesmo. Ora, quando nós escrevemos, o nosso cérebro já processa palavras que ainda não digitamos, ele vai à frente. O Elio é ótimo para pegar esses deslizes.
-Por que você não telefona para ele? - sugeriu.
-Enviei um e-mail para o Dieckmann que, por sua vez, repassou para o webboteco (a rede de amigos), mas as respostas não foram esclarecedoras, só galhofeiras.
Nesse instante, meu irmão apareceu. Julguei que fosse falar do fusquinha que pretende comprar, haja vista que o Luca completou bodas de prata com um, de chapa SW 3200, até trocá-lo por um mais novinho, e pelo fato de os dois já terem conversado sobre o sonho de consumo do meu irmão, mas não, o assunto foi jogo de bicho.
-Claudiomiro, meu pai, se vivo fosse, faria 104 anos.
Embora eu não faça minha “fézinha”, sei que, para um jogador, não estão envolvidos apenas os três algarismos citados, como data de nascimento e outras, por isso, o Luca inverteu no milhar, além da centena.
-Ganhou? - teve curiosidade meu irmão, além de mim.
Luca disse o valor que abiscoitou, não tal elevado quanto a data do aniversário do Chico Buarque, mas compensador.
Depois, passou a falar do jogo de pingue-pongue.
-Você vem jogando com fratura por estresse na perna?- abismei-me.
-Estou jogando, Carlinhos.
Será que os seus críticos, que dizem que ele olha para os seus incômodos físicos com os olhos no telescópio Hubble estão certos? - perguntei-me.
-O Carlinhos ainda escreveu que, se você não destrói aquilo que ama, aquilo que ama o destruirá. - lembrou.
-Sim, o Cassius Clay obtivera o que todos julgavam impossível: derrotar o George Foreman no Zaire. Por amar o boxe, continuou no ringue, mesmo sentindo o peso da idade, foi espancado até pelo ex-sparring dele, o Larry Holmes, e isso contribuiu com a doença dele.
-O Éder Jofre parece que está com o Mal de Alzheimer. Muito soco na cabeça. - acrescentou meu irmão.
-Soubemos depois que a morte da sua mulher, há dois meses, Maria Aparecida, o fez baixar a guarda, segundo o filho dos dois.
E o tema mudou:
-Essa ECAD, que não recolhe como devia os direitos... - comentou o luca meio reticente, reportando-se talvez a um e-mail que eu lhe repassei que chamava me múmias artistas, como Caetano Veloso e Roberto Carlos, que se deixaram fotografar ao lado da presidente da República e da ministra da Cultura, “em busca de migalhas do banquete da corruptíssima ECAD.”
-Você leu, Luca, que, na Câmara dos Deputados, o Caetano Veloso reclamou porque nenhum político prestava atenção no  orador e a promotora cultural Paula Lavigne o chamou à realidade:  “Caetano, aqui não há plateia, todos são artistas”?
Luca sorriu, enquanto eu pensava que não era só na Câmara dos Deputados.
Passamos para outra leitura do jornal, dessa vez a página inteira do segundo caderno do Globo, do dia anterior, dedicada à Ingrid Bergman.
-É um livro de fotografias dela. - interveio a Gina, que retornara da sua rápida saída à rua.
-Numa das fotografias mostradas no Globo, ela ainda adolescente. Lindíssima.
-Meu comentário contagiou o Luca.
-Ela está deslumbrante no “Casablanca”, não havia mulher mais bela no cinema.
O espírito polemista do meu irmão logo aflorou:
-Espera lá, Luca: houve atrizes tão bonitas quanto ela, Grace Kelly, Kim Novak.
Luca voltou-se para mim em dúvida:
-Kim Novak atuava em 1942?
As duas atrizes citadas pelo Claudio eram de uma geração posterior à musa sueca, mas meu irmão tinha na memória uma galeria de beldades do cinema e citou a primeira:
-Paulette Goddard.
-Eu pensei na Hedy Lamarr, que me visitara recentemente, mas sem me manifestar, pois considero discussões sobre a beleza uma espécie de enxugamento de gelo.
Felizmente, a polêmica não rendeu porque a Gina se reportou a uma reportagem que versava a saúde, especificamente em chegar aos 100 anos com qualidade de vida.
-Eu não acredito em nada disso. - atalhou ela.
-Eles falam que uma coisa faz bem hoje, amanhã dizem que faz mal. - disse o Luca.
-O ovo era o vilão do colesterol, agora foi reabilitado.  - exemplificou a Gina.
Pensei no Brito, um corpulento jogador de futebol, que foi considerado o mais saudável da Copa do Mundo de 70, que declarava que comia dez ovos por dia, desprezando os conselhos do médico Lídio Toledo, que lhe falava, apreensivo, dos malefícios desse alimento.
-Algumas coisas nós sabemos que faz mal, como o cigarro. - declarou o Luca.
Novamente aflorou o espírito polemista do meu irmão.
-O Zanela, que trabalhou com o Augustinho (seu sogro) bebia muito e fumava como uma chaminé, no entanto, passou dos 90 anos com saúde.
-Claudio, isso é exceção que confirma a regra. - contemporizei.
-Deixei de fumar, depois de 38 anos de tabagismo, por medo, porque apareceram problemas na minha garganta, mas sinto saudades. Certa vez, no avião, pedi para ficar na ala dos fumantes para sentir o cheiro.
-O cigarro só faz mal.- bradou a Gina, a única do quarteto que sempre foi avessa a cigarro.
E prosseguiu:
-Trabalhei na Sousa Cruz e via aquelas máquinas com os resíduos da nicotina, era uma cena de filme de terror.
-Eu confesso que comecei a fumar com 13 anos de idade por causa do cinema.
-Vendo as tragadas do Humphrey Bogart, Carlinhos. - permeou com risos suas palavras o Luca.
-Parei de fumar, depois de tantos anos, embora o cigarro não me fizesse mal.
Chamei meu irmão à realidade:
-Você parou de fumar depois de um acesso de soluço que durou todo um dia.
-Esses soluços nada tinham a ver com os cigarros.
-Há estudiosos que garantem que o Saci-Pererê não tem uma perna por causa do cachimbo que fuma. - argumentei.
Com a chegada do Daniel, o clima do Sabadoido ficou descontraído e, assim, foi até o seu final.

(*) O olho de lince fêmea do Elio é inigualável. O Dieckmann exerce a condição de revisor depois que o Windows aponta, aqui e ali, incorreções. Dificilmente detecta erros que passam pelo corretor, seja ou não, protagonista. - Em relação, entretanto, às baboseiras que o redator do seu O BISCOITO MOLHADO escreve a meu respeito, ressalva Dieckmann, aí presto atenção para não deixar o passado como o redator quer e sim como foi. Dito isso, pediu ao Distribuidor que prestasse mais atenção ao texto, para não deixar o leitor na mão.  

terça-feira, 23 de julho de 2013

2427 - o arraial de Roland Garros



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4227                                    Data:  10 de  julho de 2013
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O SABADOIDO E O ARRAIAL DA DONA ZITA
2ª PARTE

Quando tomei o meu lugar na sessão do Sabadoido, havia quorum, não houve necessidade de o cavalo, que fica perto do Claudio, representar algum ausente.
Luca se manifestava sobre a tradicional festa junina da Dona Zita falando da sua mulher.
-Glória anotou cinquenta ausências.
E prosseguiu:
-Ela tem uma memória invejável para isso: anota os presentes e os ausentes.
Será que ela notou minha ausência?... A última vez que fui à sua festa o cachorro era o Leão, que sucedeu o Chéri (assassinado) e agora é a Pelinha. - enquanto eu pensava nisso, sem me manifestar, falava-se das proezas da comilona Pelinha no meio dos convidados.
-A festa estava boa. -comentou minha cunhada.
-Ano passado até fila para ir ao banheiro havia, por isso não fui este ano. - disse o meu irmão.
-O Vagner sempre vai. - frisou o Luca.
-É claro. - afirmou o Vagner com um sorriso.
-A dança da quadrilha foi muito divertida. - comentou a Gina.
-A graça é que tudo é improvisado, não existe ensaio. Com os erros, fica mais interessante. - disse o Luca.
-Com menos gente, houve espaço para as brincadeiras e ficou melhor. - imaginei.
-A Glória, como foi professora, já tem cancha e paciência para elaborar aquelas tabelas com jogos. - assinalou o Luca.
Claudio interrompeu para perguntar ao Luca se ia tomar Ypióca, que agora tem o John Travolta como garoto propaganda, ele confirmou com a cabeça e o Claudio foi à cozinha pegar a bebida. Gina ainda proseou com o Vagner e o Luca sobre aquela noite festiva e, depois que o seu marido retornou com dois copos, foi a vez de ela fazer o mesmo caminho que fora feito minutos antes pelo marido.
E o tema da conversa mudou drasticamente para a incursão da polícia na favela da Maré.
-Você sabe, Claudiomiro, como essa gente foi morta pela polícia?
-A facada.
-Isso; a polícia pegava os suspeitos e torturava com furos de faca.
E, com gestos truculentos, Luca intentou reproduzir a ação dos policias, gesticulando com uma imaginária faca que ia e vinha.
-”Vai falar? Não vai falar, não?...”
E prosseguiu na sua narrativa:
-Morria um e passavam a esfaquear outro. Assim, vários foram mortos a facada, inclusive inocentes.
-É uma barbárie. - comentei.
-E o pessoal que não sai da frente da casa do Cabral. - disse o Vagner.
-A polícia dele jogou todo o estoque de gás em cima dos manifestantes. - disseram.
-Os vizinhos não querem o governador morando lá. - repercutiu o Luca uma notícia que estava na mídia.
-Li que o General Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército, no governo Sarney, que é vizinho do Cabral, disse que não se opõe aos manifestantes, apenas lamenta a dificuldade que tem para transitar por aquele trecho da Delfim Moreira.
Às minhas palavras, Cláudio afirmou que, de Sérgio Cabral, só tinha consideração pelo pai.
Todos nós concordamos com ele.
-Quando eu levo o Carlinhos para casa, o rádio do meu carro está sintonizado na Roquette Pinto no programa dele sobre música popular brasileira. - disse o Luca.
E o assunto passou abruptamente para o Torneio de Wimbledon.
-Sem poder jogar pingue-pongue, ligo a televisão e assisto ao tênis. Vi as quatro horas e pouco do jogo do Djokovik contra o Del Potro.
-Vi pouco mais de uma hora desse jogo. - disse o Claudio.
-Que canseira que o argentino deu no “Djoko”, Claudiomiro! - exclamou.
-De todos os tenistas de hoje, da Argentina, ele é o melhor. - afirmou meu irmão.
-Ele até venceu o Roger Federer, numa final do US Open, mas depois ficou com o joelho avariado.- interferi na conversa apesar de nada ter visto desse torneio de 2013.
Luca, que colocou o tênis entre seus esportes prediletos, fez avaliações técnicas.
-Carlinhos a quadra de grama é lenta, por isso, Juan Martin Del Potro, que tem 1,98m de altura, muitas vezes tem de se abaixar para rebater as bolas o que força o seu joelho problemático. Por outro lado, com esse tamanho, ele tem mais facilidade para sacar.
-O Andy Murray não tem bola para ganhar do Djokovic, não. - previu o Claudio a decisão masculina de Wimbledon.
-Não ganha do Djoko, não. - concordou o Luca.
E passaram para as tenistas.
-A alemãzinha está jogando muito; venceu a Serena Williams, o que ninguém esperava.
-Ela é uma surpresa e vai ganhar esse torneio. - ativou meu irmão de novo a sua bola de cristal.
-A alemãzinha, como veio de baixo, só pegou fera. - frisou o Luca.
-O Guga, quando se tornou campeão de Roland Garros, pela primeira vez, veio, desde o início, derrotando os melhores do ranking. - intervim.
-Também acho, Claudiomiro, que ela será campeã.
Dizendo isso, pegou o celular e telefonou para a Glória para saber como estava o andamento da final feminina, transmitida pela Sport TV. Fizemos silêncio e aguardamos as informações:
-Xi, Claudiomiro, a Bartoli está ganhando por um set a zero.
-A alemã ainda pode virar o jogo sobre a francesa. - mostraram-se os dois otimistas.
-Se a Monica Seles não tivesse sido esfaqueada por um maluco, seria a melhor tenista do mundo. - reportou-se meu irmão ao tênis dos anos 90.
-Ela era de onde, Claudiomiro?
-Da Sérvia. - respondeu com uma precisão metronômica.
-E como foi a Maria Sharapova em Wimbledon? - atualizei as informações sobre esse esporte com essa pergunta.
-Ela joga muito, mas não ganha uma da Serena Williams. - respondeu-me o Luca.
-Maria Sharapova é um exemplo de vida. Iniciou-se no tênis desde novinha, na Rússia, e seus pais a levaram para desenvolver seu potencial nos Estados Unidos. Como eram pobres, o pai dela até trabalhou como faxineiro. - retransmiti a informação que ouvira de um comentarista da ESPN dada enquanto ela atuava em mais uma partida.
Esgotado o assunto tênis, o Luca se reportou a uma entrevista do Sílvio Santos.
-Ele não gosta de dar entrevistas.
-Pois é, Claudiomiro, mas ele deu. Perguntou aos repórteres por que eles não entrevistavam um cientista, alguém de importância. Quando lhe perguntaram o que ele era, respondeu que sempre foi um vendedor, desde que trabalhava na sua banquinha de camelô até hoje, quando vende os produtos Jequiti.
-E no mundo todo. - frisou o Vagner.
-Sobre o Banco Pan Americano, disse que pulou fora antes do tempo.
E, num clima de descontração, o Sabadoido chegou ao seu final, mas, antes, o Luca me entregou mais um presente da Rosa Grieco: um livro do zoólogo Desmond Morris, “A Fauna Humana”. (*)

(*) Qualquer dia, o redator escreverá a paródia “A Flora Humana”, com um capítulo especial sobre a farinha e seus benefícios literários.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

2426 - Mineirinho foi pra Maputo



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4226                                   Data:  09 de  julho de 2013
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O SABADOIDO E O ARRAIAL DA DONA ZITA

O aquecimento para o Sabadoido não foi o futebol.
-Vai assistir à luta do Anderson Silva, Carlão?
-Ele não disse que perderia essa luta, Daniel?
-Isso ele disse isso há uns quinze dias, porque agora ele garante que vai esquartejar o americano, que na hora da luta vai estar endiabrado. - imitou o Luca.
-A declaração dele... Sei não, esse MMA envolve muito dinheiro, e onde há muitos dólares a máfia fica  por perto.
-Você não gosta dessas lutas, Carlinhos?- entrou a Gina na conversa.
-Na extinta TV Continental, nós víamos, lá em casa, luta livre americana.
-O João Alberto da academia Gracie quebrou o braço do Hélio Vinagre porque ele não deu os três tapinhas, que significavam pedir penico. - reportou-se o Claudio também àquela época em que nos juntávamos ao nosso pai diante da televisão.
-A mamãe dizia que era muita brutalidade, e era mesmo. Com o passar dos anos, só a luta de boxe desperta a minha atenção. - declarei.
-A luta de boxe é ainda mais violenta, que causa até mortes, que não foram poucas. - retorquiu meu irmão.
-Concordo, o boxe é uma violência mais limpa, mais asséptica, porém avassaladora. No entanto, o lutador cai, e o adversário tem de ir logo para o seu corner, nessas lutas não; o sujeito vai ao chão e o rival parte como um animal para socar a cara do adversário caído. 
-Eu também não gosto disso. - concordou comigo a Gina.
-E as fotos da festa junina do Arraial da Dona Zita? - passei para um assunto mais ameno.
-Há fotos no facebook?... - surpreendeu-se a minha cunhada.
-A Candinha, que estudou comigo no curso primário, é, agora, minha amiga virtual e postou algumas fotos da festa.
-Eu não vi. - lamentou.
-Eu apareci?
-Você esteve lá, Daniel?
Tomou a minha pergunta como uma piada e desfilou um rosário de brincadeiras.
-Daqui, só o Claudio não foi. - trouxe a Gina a seriedade ao diálogo.
-Com o fim da festa no Lar de Júlia, só restou a da Dona Zita, na Chaves Pinheiro, porém, no ano passado, o espírito junino da festa se perdeu com tantos convidados.
-Mas foi achado neste ano. - rebateu a Gina as palavras do meu irmão.
Saiu, em seguida, para nutrir as rolinhas de alpiste e ficamos nós três na cozinha proseando.
-Vão exumar o corpo do João Goulart para saber se ele foi assassinado. - disse a Gina.
-Por que não fazem isso com o Napoleão Bonaparte que, garantem, foi envenenado homeopaticamente pelos ingleses? - manifestei-me.
-Carlão, nada mais resta do Napoleão. - interveio o Daniel.
-Até rimou. - notou a Gina.
-Uns dizem que é rima, mas os gramáticos exigentes afirmam que é eco, que deve ser evitado nas redações de textos.
-Se for assim, as letras das músicas estão repletas de eco.
-É verdade, Daniel, mas são reforços fonéticos; ao escrever, devemos evitar palavras muito próximas uma da outra porque fere o bom estilo. Letra de música é outra coisa.
-Você acha que o João Goulart foi envenenado, Carlinhos?
-A princípio, não. Recordo-me que li, quando ele se encontrava no exílio, que um médico lhe dissera que, se ele não parasse de fumar, morreria e João Goulart continuou tabagista.
-E a morte do Juscelino Kubitschek não foi estranha? - insistiu ela.
-Eu penso que mais estranho ainda foi ele, que adorava viajar de avião, ter ido do Rio a São Paulo, de carro, para se encontrar com a amante.
-Carlão, como você lança uma calúnia dessas. - pilheriou meu sobrinho.
-Há até livro que diz que as mortes do João Goulart, do Juscelino Kubitschek e do Carlos Lacerda, quase ao mesmo tempo, antes da anistia, foram planejadas pelos militares.
-Sei que o Carlos Heitor Cony foi um dos autores desse livro. Eu posso estar enganado, mas essa teoria da conspiração é fruto de uma imaginação fértil. Por que não mataram o Brizola?... Houve político mais odiado pela ditadura militar do que o Brizola?... Ele foi o único exilado a causar problemas ao governo militar com criação de grupos de resistência, tanto que, por exigência do Brasil, ele foi expulso do Uruguai e se asilou nos Estados Unidos.
-Nos Estados Unidos? - gargalhou o Daniel.
-Bem, dessa Comissão da Verdade da Dona Dilma não vai sair nada mesmo. - demonstrou o seu ceticismo a Gina.
-Algumas coisinhas apareceram. Você leu, Gina, que o diretor do Visconde de Cairu dedurou professores?...
-O Pena Firme?
-Não, o Eneias Martins Barros; quando você entrou para o Cairu, ele estava saindo da diretoria.
-Mas ainda conheci o Eneias. O que houve com ele?
-Ele alcaguetou professores que simpatizavam com a ideologia da esquerda. A reportagem que li no Globo, há uns três meses, traz o depoimento da família de um professor de geografia que teve a carreira prejudicada pela delação do Eneias. Delator e delatados estão, hoje, todos mortos.
-Lembro-me que ele era um lacerdista fedorento. - criticou a Gina.
-Poucos dos meus professores faziam catequese política no Visconde de Cairu. Um deles falou dos cangaceiros como rivais da concentração de riquezas.  Uma professora de História falava do Mineirinho como se ele fosse um líder revolucionário sem consciência dessa missão.
-Mineirinho, o refrigerante? - não perdeu o Daniel a oportunidade para mais uma pilhéria.
-Mineirinho, o bandido. Essa professora, que era botafoguense, dizia que, pelo fato de ele também torcer pelo Botafogo (*), admirava ainda mais o meliante.
-E o Eneias entregou o nome dessa professora aos militares? - interveio a Gina.
-Se entregou, parece que a Comissão da Verdade não descobriu até agora.
Com a menção do Botafogo, meu sobrinho passou a prosear sobre futebol.
-A Nigéria até que não foi mal na Copa das Confederações.
-Eles são muito vigorosos, mas ainda tratam a bola com cerimônia. - manifestei-me.
-Não há outros países, na África, melhores do que a Nigéria?
À pergunta da Gina, vários países africanos foram mencionados e, assim, passamos para a geografia.
-O problema de lá é que os nomes mudam.
-Sim, Gina, a Rodésia, por exemplo, hoje é Botswana.
-E Zâmbia, Carlão? - acrescentou o Daniel.
-Zaire já teve outro nome e a capital de Moçambique, que era Lourenço Marques, hoje é Maputo.
-Carlão, aqui é uma casa de família. - repreendeu-me meu sobrinho.
-Luca e Vagner estão chegando. - anunciou o Claudio adentrando a cozinha.
(*) e ainda dizem que time de bandido é o Flamengo. O Mineirinho e a Professora; isso dá filme erótico, com bandeiras e uma Kombi para levar os torcedores.