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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

2553 - Debret esclarece tudo

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4353                           Data: 26 de janeiro  de 2014
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COM DONA LEOPOLDINA
2ª PARTE

-Ela é muito bonita. - disse logo que consegui vislumbrar Dona Leopoldina no meio de tanta pompa e circunstância.
-Mas gordinha. - implicou o Elio.
-Estamos há muitas e muitas décadas do corpo de mulher magricela como padrão de beleza. - argumentei.
No meio de tantos salamaleques, notamos um pintor que registrava aquele momento na sua tela: era Debret.
-O ateliê dele fica no Catumbi. - informou-me o Elio.
A vinda de uma Habsburgo para o Brasil animou muitos imigrantes a se fixarem aqui, como colonos suíços que fundariam Nova Friburgo, além de se espalharem pela terra da futura cidade de Petrópolis.
-Cá está muito tumultuado, Elio; vamos embora.
-Não vai assistir ao primeiro encontro dela com o marido?
Como o meu silêncio, com gestos de contrariedade, significava uma resposta negativa, Elio concordou em sair de lá, consolando-se em dizer que quase não veríamos nada mesmo do lugar em que nos encontrávamos.
O casal se instalou em uma parte da Quinta da Boa Vista, e, passados poucos dias, os dois, montados em cavalos de raça, seguidos por outros cavaleiros, saíram para um evento.
-Para onde vão?- indagou o Elio de um cavalariço.
-Vão caçar nas planícies de Jacarepaguá.
-Pelo porte dela sobre o cavalo, certamente aproveitou bem as aulas de equitação na Áustria. - deduzi.
Quanto a Dom Pedro, foi criado, praticamente, no meio dos cavalos, mas a afinidade do casal, parava nesses animais.
E prosseguiu o Elio:
-Minha mãe me contou que o Chanceler da Áustria, Metternich, soube, por uma carta, que a Corte do Rio é enfadonha e insignificante, que o Príncipe Herdeiro é falho de educação formal, sendo incapaz de coexistir em harmonia.
-Vamos ao Catumbi visitar Debret no seu ateliê. - propus.
Lá, fomos muito bem recebidos pelo grande pintor francês.
-E Dona Leopoldina? - perguntei-lhe.
-É irmã de Maria Luísa, a imperatriz que deu um herdeiro a Napoleão Bonaparte, o que a imperatriz Josefina Bonaparte não conseguiu.
E completou com a expressão desolada:
-De pouco adiantou, pois foi derrotado em Waterloo.
-E o que você pensa de Dona Leopoldina?- mostrei-me curioso.
-Já a conheço, ela evoca a irmã, Maria Luísa, que lhe é muito querida e me encomenda pinturas da flora e fauna brasileiras, principalmente da flora.
-E você?
-Submeto-me a ela, como se o império napoleônico perdurasse, e as ordens partissem da imperatriz Maria Luísa.
 -Dona Leopoldina é muito prendada, conhece profundamente botânica. - interveio o Elio.
-Dona Leopoldina também me falou das rochas. Cá, no Brasil, ela examinou as pedras como Goethe o fizera ao pisar o solo da Itália.
-Ela é também profunda sabedora de mineralogia. - frisou o Elio.
-Debret, você acha que a união dela com Dom Pedro dará certo? - provoquei.
Um esgar sardônico no canto esquerdo da sua boca foi a resposta.
Estávamos, agora, nos conturbados meses de janeiro de 1822. A corte portuguesa, com o rei D. João VI à frente, retornara a Portugal em 25 de abril de 1821, deixando Dom Pedro como regente com poderes contrabalançados por um Conselho de Regência.
A oposição brasileira às tropas portuguesas se acirrou, e o Brasil, dividido, estava à beira do caos.
O ano de 1822 se iniciou com o Dia do Fico, precisamente, no dia 9 de janeiro. Assim, segundo os historiadores, o Brasil escapou de ser desmembrado em vários países, como ocorrera com as colônias espanholas. Com o Fico de Dom Pedro, um novo ministério foi constituído sob a liderança de José Bonifácio.
Carlos, José Bonifácio é a única pessoa desta corte que consegue conversar em alemão com Dona Leopoldina sobre matérias que ela domina: botânica, mineralogia, música, história, política, etc. Eu diria que ela se casou, espiritualmente, com José Bonifácio.
-Dona Maria Leopoldina – corrigi – ela acrescentou Maria ao seu nome para se incorporar mais a este país de tantas Marias.
Em agosto de 1822, o príncipe regente teve de viajar a São Paulo, onde os ânimos estavam exaltados. Antes de partir, ele entregou o poder à Dona Leopoldina, nomeando-a chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente interina do Brasil.
Informada, na ausência do marido, que Portugal se preparava para agir contra o Brasil, ela se aconselhou com José Bonifácio e, com o poder que detinha, assinou, no dia 2 de setembro de 1822, o decreto da independência em que declarava o Brasil separado de Portugal. Em seguida, enviou uma carta a Dom Pedro insistindo em que ele proclamasse a Independência do Brasil.
-Elio, espero que a máquina do tempo não nos jogue no Riacho do Ipiranga, pois não houve grito algum por lá e, muito menos, cavalos garbosos. Tudo isso saiu da imaginação do Pedro Américo...
-Também prefiro ficar no Rio de Janeiro.
E ficamos.
No dia 1º de dezembro de 1822, ela foi coroada imperatriz do Brasil, e o marido sagrado Dom Pedro I, mas nós não comparecemos à cerimônia.
E começaram as desditas dessa extraordinária mulher. Maria Leopoldina sempre fechou os olhos para as escapadas do marido, porque eram encontros fortuitos com mulheres de vários tipos, mas, depois que retornou de São Paulo, trouxe de lá uma amante oficial, Dona Domitila de Castro, a quem concederia o título de Marquesa de Santos. E, para humilhar ainda mais a esposa, deu-lhe o cargo de dama de companhia da imperatriz.
Arrasada, na solidão do seu quarto, Maria Leopoldina lamuriava a triste sorte das mulheres que eram uma simples peça do jogo político entre as nações e do destino traiçoeiro. Recordou-se da tia, Maria Antonieta, esposa de Luís XVI da França, que era chamada pelos franceses de L' Autre chienne (outra cadela) num cruel trocadilho com Autrichiene (Austríaca). 
  -Aqui é o contrário: o povo brasileiro a ama muito; ela é bem mais amada do que Dom Pedro I. - frisei para o Elio, enquanto ela desabafava as suas agruras numa carta à irmã Maria Luísa.
Mas o pior estava para vir. Dom Pedro I decidiu que o beija-mão à regente seria realizado com sua presença junto à Marquesa de Santos. A imperatriz se negou a essa humilhação e o imperador, de gênio ruim, a arrastou, grávida, por alguns metros pelo chão e, quando ela caiu, chutou-a indiferente a seus gritos.
-Ela está grávida. - apavorou-se o Elio.
Dias depois, a imperatriz morreria e, com ela, aquele que seria o oitavo filho do casal.
O povo brasileira, que julgava, na sua maioria, que a sua imperatriz fora envenenada pelo médico da amante do imperador, pôs-se a apedrejar a casa da marquesa de Santos em São Cristóvão.
As notícias chegaram à Europa e a má fama do imperador do Brasil  fez com que todos os pais da nobreza recusassem as suas filhas para ser a segunda esposa de tal bárbaro. Mas sempre aparece alguém, de uma família nobre decadente, pronto a sacrificar uma filha, mas não falaremos da segunda imperatriz do Brasil, pois nossa história se encerra aqui.







quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

2552 - o Imperial Biscoito



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4352                       Data: 24 de janeiro  de 2014
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COM DONA LEOPOLDINA

-Carlos, estamos numa igreja?- perguntou o Elio ainda perturbado com a viagem pelo tempo.
-As cruzes e as imagens respondem que sim.
-Nada tenho contra os católicos, mas preferia estar numa sinagoga.
-Confesso que me sinto um tanto angustiado nas igrejas.
Por essas palavras, fui admoestado pelo Elio.
-Sua formação é católica, reze como todos os que aqui estão.
-Eles rezam o Credo e foi justamente por não ter decorado essa oração na aula de catecismo que desisti de fazer a primeira comunhão, depois de ser repreendido pela professora. Mas fui crismado porque a minha mãe insistiu.
-E, depois, não memorizou o Credo?
-Elio, eu já gostava de óperas e o Credo que eu memorizei foi do Iago, da ópera de Verdi que, pode-se dizer, é uma oração do diabo.
-Olha, Carlos, aquele padre encapuzado, esgueirando pelos cantos, como um criminoso, que traz pela mão uma freira.
Quando o casal passou por nós, uma lufada de vento, que veio por uma porta escancarada, levantou-lhe o capuz.
-Se estivéssemos no Brasil do tempo de Dom João VI, eu diria que este homem disfarçado de religioso para namorar a freira é Dom Pedro.
Elio me ouviu, afastou-se um pouco, conversou com uma beata e veio de volta agitado.
-Carlos, estamos mesmo no Brasil do tempo de Dom João VI. 
-Não sei se você sabe, Elio, mas Dom Pedro fez filhos até em freiras.
-Claro que sei – indignou-se – minha mãe é professora de História do Brasil.
-Imaginei que Dona Sarita não lhe falasse das peripécias de Dom Pedro, que foi um reprodutor que espalhou bastardos por todo o Brasil.
-Lá em casa não existia censura. - afirmou peremptoriamente.
Saímos da igreja e, pouco depois, fomos nos atualizando paulatinamente: o Brasil já fora elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, estávamos em 1816 e os diplomatas negociavam o casamento do príncipe herdeiro do trono português, Pedro de Alcântara, filho de Dom João VI e Carlota Joaquina.
-Pobre da mulher que casar com esse sátiro selvagem! - exclamei.
-Ela será Dona Leopoldina.
-Eu sei, Elio. Os diplomatas conseguirão um êxito insuperável: ligar os Braganças aos Habsburgos da Áustria, a família mais credenciada da Europa, que impera desde 1273.
-Encabeçou as negociações desse casamento o Marquês de Marialva, que é de uma eficiência incomum nas tarefas que lhe incumbem. (*)
E acrescentou o Elio:
Ele é amigo de grandes sábios da Europa, como Alexander von  Humboldt, que o aconselhou a trazer a Missão Francesa para o Brasil.
-Grandes artistas da França se viram órfãos com a derrocada do império napoleônico. - lembrei.
-Sim; Debret, por exemplo, era primo de David, o pintor oficial, podemos dizer, de Napoleão Bonaparte.
-A capacidade do Marquês da Marialva prejudicará futuramente a nossa imperatriz. - pensei em voz alta.
-Dom João VI tudo fez para que fosse incluída a infanta Dona Isabel Maria nas negociações matrimoniais, mas ela morreria solteira com 75 anos de idade.
-O Marquês de Marialva não poderia fazer milagres. - comentei com um jeito moleque de quem não quer perder a piada.
-Com esse casamento, Portugal não continua tão submetido ao jugo político da Inglaterra, e a Áustria, por sua vez, fica com maior participação no comércio de produtos tropicais.
-Sim, Elio, a família Habsburgo tem possibilidades de executar mil variações no xadrez político, pois eles procriam como coelhos; o imperador Francisco I do Sacro Império Romano e Germânico e a imperatriz Maria Teresa da Áustria tiveram dezesseis filhos; Maria Leopoldina, por sua vez, é a sexta filha de Francisco I da Áustria com Maria Teresa de Boubon-Sicília.  
Estávamos agora eu e Elio em plena Viena no dia 13 de maio de 1817.
-Elio, temos a oportunidade de ver Beethoven compor. - entusiasmei-me.
-Você enlouqueceu?... Com o mau-humor dele, nos arremessará um urinol de mijo se aparecermos para perturbá-lo no momento do trabalho. Se ele estiver compondo, então, a sua ópera, aquela que, segundo ele, lhe provocou as piores dores que sentiu ao criar, ele nos matará.
Meu entusiasmo, no entanto, não arrefeceu:
-Acredito que o sucesso do Barbeiro de Sevilha, de Rossini, já chegou a Viena, vamos a um teatro assistir a ela.
-Carlos, nós aqui estamos para presenciar o casamento por procuração de Dom Pedro com Dona Leopoldina. - chamou-me à realidade.
E o que eu julgava uma simples assinatura de papel de uma parte e da outra, não o foi. A cerimônia foi celebrada pelo Arcebispo de Viena, na igreja de Santo Agostinho. O arquiduque Carlos Luís representou o filho do rei de Portugal Dom João VI.
Eu e Elio aproveitamos e fomos até o castelo de Schönbrunn, onde vivia a dinastia Habsburgo.
Fiquei embevecido:
-Carlos, a Quinta da Boa Vista comparada com esse palácio é como um quarto de empregada.
-O castelo de Schönbrunn é o Palácio de Versalhes dos austríacos; aqui nasceu e mora nossa futura imperatriz.
-E ainda vai aturar Dom Pedro... - penalizei-me.
-Não caminhamos uma décima parte do castelo e vimos livros, muitos livros, instrumentos musicais, salas que mais pareciam de colégios e não deixavam de sê-lo pelo material para estudos científicos que lá se encontravam.
-Com exceção dos pianos e violinos, acredito que nada disso tenha na Quinta da Boa vista.
-Alguns livros talvez. - contemporizou o Elio.
-Essa perspicácia do Marquês de Marialva... - balancei negativamente a cabeça.
 Menos de três semanas depois das núpcias por assinatura, o Marquês de Marialva deu uma suntuosa recepção, que preparou durante esse tempo todo para exibir o esplendor, a hospitalidade, a exuberância da nação tropical onde a esposa do príncipe herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves moraria.
E duas fragatas austríacas, a Áustria e a Augusta, partiram para o Rio de Janeiro com os móveis e decorações para a recém-instalada embaixada austríaca e com equipamentos para uma expedição científica, além de numerosas mostra de produtos comerciais.
 De volta ao Brasil, eu e Elio, aguardávamos, em dezembro de 1817, a embarcação que trazia da Europa a futura imperatriz do Brasil.
-Carlos, apesar de o casamento já ter sido realizado em maio deste ano, veja o séquito real que prepararam.
-Dona Leopoldina é uma das minhas grandes admirações.
-Há muita pompa e circunstância, mas quando ela conhecer pessoalmente esses nobres, sentirá grande diferença com aqueles com quem se acostumou a lidar na Áustria.
-Sim, Elio, mas temos José Bonifácio, que a fará se sentir em casa pela sua sabedoria e polidez.
-Mas ele não pertence à nobreza. - frisou.
Houve uma agitação popular; a embarcação que vinha da Europa com a futura imperatriz do Brasil fora vista no horizonte.
A Galeota Real, construída há oito anos, uma pequena galé movida a remos, foi até lá para trazer aquela mulher que agitava a imaginação de todos.
Minutos depois, ela pisava o chão do Brasil.

(*) Fica-se imaginando se a eficiência do Marquês de Marialva daria jeito na atual Corte brasileira de Sarneys, Calheiros, Dilmas e Lulas.



quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

2554 - queridinhas dos queridinhos



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4354                          Data: 28 de janeiro  de 2014
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AS QUERIDINHAS NO RÁDIO MEMÓRIA

Jonas Vieira deu ao Sérgio Fortes a incumbência de abrir musicalmente o Rádio Memória e ele optou pelo tenor Placido Domingo. Antes de a gravação de “Solamente una vez” (amé en la vida), de Agustin Lara ser tocada, Sérgio Fortes fez algumas considerações sobre  Plácido Domingo. Disse que, sabendo tocar piano e reger uma orquestra sinfônica, resumindo, por conhecer música, ele soube preservar a voz e até hoje canta. Citou Pavarotti que, nos últimos anos de palco, já apresentava deficiências vocais, o mesmo acontecendo com José Carreras. No caso deste último, um devastador câncer no sangue, leucemia, a que sobreviveu, já lhe havia retirado o esmalte da voz, uma das mais belas já ouvidas.
Lembro-me que o Mário Henrique Simonsen, na época, crítico musical e até presidente de júri de concurso de canto, nutria nítida preferência por Plácido Domingo, mas diante da maior popularidade de Luciano Pavarotti, disse, certa vez, na televisão, que as vozes deles eram duas pérolas que não se podia comparar.
Sérgio Fortes insistiu na longevidade vocal do tenor espanhol, que também canta no registro de barítono.  Na época do seu programa “Clube da Ópera”, afirmava-se que o tenor sueco Nicolai Gedda era o detentor do mais vasto repertório do mundo lírico, mas que poderia perder esse galardão. Quando Plácido Domingo cantou, em 2008, no Metropolitan Opera House, uma ópera chinesa (“Tan Tun, the First Emperor”), eu não tive mais dúvidas de que ele superara a todos, inclusive Nicolai Gedda.
Jonas Vieira abriu a sua participação no Rádio Memória com Dolores Duran, ressaltando que ela não era apenas uma inspirada compositora, mas também cantava maravilhosamente e pediu a gravação da Dolores Duran da música da sua autoria “Fim de Caso”.
Embevecido, depois de ouvi-la, Sérgio Fortes, para realçar o acerto do Jonas Vieira, citou a frase de um amigo economista, Roberto Gamboa, que, igual a ela, morreu prematuramente: “Não foi um tiro na mosca, foi um tiro no nariz da mosca”.
-E agora, Sérgio? - cobrou-lhe o titular do programa a próxima atração musical.
-É com Kiri Te Kanawa, a minha queridinha, segundo o Carlos Nascimento do Biscoito Molhado.
Não, Sérgio, a minha mãe, que, indignada por você colocar no ar muitas gravações da soprano neozelandesa e poucas da Mirella Freni, no seu programa “As Melhores do Mundo”, bradou:
-Kiri Te Kanawa é a queridinha dele.
Quanto a mim, fiquei ressabiado quando assisti ao Tributo de Gala aos 100 anos de morte de Tchaikovsky em que o Plácido Domingo regeu a Royal Opera House na “Abertura Festiva 1812” com os demais artistas interpretando criações do grande compositor romântico russo, até que apareceu a Kiri Te Kanawa, sob uma chuva de aplausos, evidentemente, e cantou... “A Valsa da Musetta”, da ópera” La Boheme” de Puccini. Por que não cantou Tchaikovsky?... Não terá ela momentos de pestinha, como a Kathleen Battle?... - pergunto-me agora.
Hoje, no mundo lírico, creio que a queridinha de todos, ou quase todos, é a soprano russo Anna Netrebko.  Quando constatei que ela não era uma baleia com um rouxinol na garganta, pelo contrário, a sua plasticidade física nos magnetizava, além da voz e da simpatia e, mais ainda, ao saber que ela fora faxineira, tornou-se a minha queridinha; a do crítico da Folha de São Paulo, Irineu Franco Perpetuo também; eis o que ele escreveu no dia 6 de janeiro deste ano:
-”A melhor voz de soprano lírico e ligeiro das últimas duas décadas encaminha-se para virar a melhor de soprano dramático das próximas duas. Ao encarnar Leonora na ópera “Il Trovatore”, de Verdi, a russa Anna Netrebko, 42, está dando uma inflexão decisiva a sua carreira”.
No parágrafo seguinte, escreveu:
-”Netrebko estreou no papel no final de novembro, em Berlim, com Plácido Domingo, que será seu parceiro na mesma ópera na edição deste ano do Festival de Salzburgo, entre julho e agosto”.
Com 73 anos de idade, mesmo sendo um fenômeno, Plácido Domingo sabe que ficaria longe das suas atuações pretéritas no papel de Manrico, por isso, canta agora no registro de barítono, encarnando o Conde de Luna.
Prossegue mais adiante o crítico da Folha de São Paulo:
-”Com uma performance incandescente, a soprano mostrou estar com a voz na plenitude: agudos fáceis, região central sólida, ressonância nos graves – qualidades que a credenciam plenamente para as outras incursões dramáticas previstas para a temporada: “Manon Lescaut”, de Puccini (Roma, em fevereiro e março) e “Macbeth”, de Verdi (Munique, em julho).”
-”A tendência, assim, é que saiam gradualmente de seu repertório os papéis leves, cheios de coloratura, que a catapultaram para a fama”.
Voltemos à queridinha do Sérgio Fortes, ele pediu a gravação de “All The Things You are”, de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II.
Jonas Vieira voltou com a inesquecível Dolores Duran, cantando um baião, “A Fia de Chico Brito”, de Chico Anísio. E não se pode falar dela sem a lamentação da sua morte tão prematura.
-Morreu com 29 anos... barbitúricos...
-Sim, Jonas, mas ele tinha sérios problemas de saúde. - acrescentou seu parceiro.
Na vez do Sérgio Fortes, ela prosseguiu com as vozes operísticas e solicitou a interpretação  do barítono galês Bryn Terfel da canção “On The Street Where You Live” do musical “My Fair Lady”, de Frederick Loewe e Alan Jay Lerner.
Veio a “Pausa para Meditação”, crônica do Fernando Milfond que, nesse domingo, foi sobre “A Origem da Roda”. Depois da pausa, vêm as piadas. Sérgio Fortes disse que ouvimos as lembranças de infância do cronista, mas Jonas Vieira, que não estava endiabrado como nos domingos passados, o poupou da sua mordacidade.
Demonstrando a incrível versatilidade da Dolores Duran, Jonas Vieira pediu agora a gravação, de 1958,de My Funny Valentine”, alertando os ouvintes que ela nada fica a dever às melhores cantoras americanas que gravaram essa canção  de Richard Rodgers e Lorenz Hart,
Com o “Momento Cole Porter”, Sérgio Fortes deixou o canto lírico, mas não inteiramente, pois se tratava de Tony Bennett, e ele cantaria “I Concentrate on You”.
-Ao ouvir, no hospital, Frank Sinatra declarar que Tony Bennett era o maior cantor do mundo, a sua mãe ficou boa e foi para casa. - ilustrou a sua escolha com a narrativa desse caso.
Quando parecia que Jonas Vieira iria continuar com a queridinha de todos nós, ele elogiou Paulo Tapajós e a sua composição “Quero Beijar-te Ainda”, na interpretação definitiva de Orlando Silva (da segunda fase).
Em seguida, os dois enviesaram pelas fases do Orlando Silva, afirmando o Sérgio Fortes que gostava de todas.
-Ele só perdeu para si próprio. - atalhou o Jonas Vieira.
Rádio Memória fala também de literatura, e foram indicados dois livros do médico psiquiatra Augusto Cury: “O Código da Inteligência” e “O Segredo do Pai-Nosso”.
Sérgio Fortes não esqueceu a sua queridinha que, agora, cantaria em dueto com o meio-soprano Tatiana Troyanos, “I Have a Love”, do musical West Side Story, de Leonard Bernstein.
Jonas Vieira relembrou Lúcio Alves, que cantou “A Vizinha do Lado”, de Dorival Caymmi, do filme homônimo.
Sérgio Fortes encerrou o Rádio Memória com “Yesterday”, de Jerome Kern, que, para nós, é superior ao “Yesterday”, de Paul McCartney. A cantora? Ah, sim: Kiri Te Kanawa.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

2551 - a casadinha da Pavuna



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4351                             Data: 22 de janeiro  de 2014
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CARTAS DOS LEITORES

-Quando ouvi, no Rádio Memória, o Almirante cantando “Pelo Telefone”, logo me recordei do “Na Pavuna” e, em seguida, da “Noivinha da Pavuna”, que respondia a perguntas com um prêmio em dinheiro como nos canais de televisão americanos. Eu não deixava de ver os programas do J.Silvestre na TV e, depois, na TV Tupi. Dieckmann.
BM:  Dieckmann, a “Noivinha da Pavuna” emocionou todo o país porque os patrocinadores do programa souberam, com muito brilhantismo, criar todo um clima de identificação popular com a humilde moradora da Pavuna que, noiva, necessitava do prêmio para casar e adquirir a sua casa. Isso tocou muito emocionalmente mais o povo brasileiro do que o programa da casa própria do BNH no governo Castelo Branco. 
Ela respondia sobre o poeta Guerra Junqueiro e, ao ser anunciada pelo J.Silvestre, soava a voz do Almirante cantando com a sua voz possante o samba “Na Pavuna”.
Ela respondia as questões apresentadas satisfatoriamente, programa a programa, aproximando o seu sonho cada vez mais da realidade, até que, quando só faltava praticamente o telhado da casa, ela errou. O choro da “Noivinha da Pavuna” e, certamente da maioria dos espectadores, além do constrangimento do J. Silvestre, comoveu o Brasil do Oiapoque ao Chuí. Como você, Dieckmann, já confessou por diversas vezes que derramou lágrimas copiosas com a morte da mãe do Bambi, creio que lágrimas correram pela sua face diante da televisão, quando a noivinha errou a resposta.
O presidente dos Estados Unidos, Calvin Coolidge, disse, na década de 20, que o negócio dos Estados Unidos são os negócios, também o negócio do Brasil são os negócios e o patrocinador do programa J. Silvestre, as Casas Sendas, calcularam que perderiam um imenso público de consumidores, digo, espectadores, se a “Noivinha da Pavuna” não mais aparecesse; então, como se diz na gíria esportiva, viraram a mesa. Na semana seguinte à catástrofe, a “Noivinha” reapareceu e J. Silvestre, para a alegria geral, anunciou que ela continuaria a responder sobre o poeta e que o sonho não acabara.
Voltamos a ouvir o Almirante a cantar o samba em que só dá gente “reúna” (Rosa Grieco diria gregária, mesmo sem rimar com Pavuna).
O final não poderia ser mais feliz: a “Noivinha da Pavuna” casou no próprio programa. Hollywood não faria melhor.


-Foi mesmo João da Baiana quem introduziu o pandeiro no samba? Jackson.
BM: Apesar de o pandeiro ser utilizado na ópera Carmen, em composições de Manuel de Falla, como “El Amor Brujo”, concertos de Prokofiev, era visto como um instrumento musical de vagabundos, no Brasil, como o violão, nas primeiras décadas do século XX.
Em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, João da Baiana afirmou que sempre se dedicou ao pandeiro porque tinha amor ao ritmo, que os garotos formavam roda de samba, e era ele quem melhor tocava esse instrumento.
Em 1908, quando se apresentava na Festa da Penha, o seu pandeiro foi apreendido pela polícia, e isso o impediu de participar das reuniões de instrumentistas populares no “palácio” do senador Pinheiro Machado no Morro da Graça. Ao saber do que acontecera, o senador deu-lhe um pandeiro de presente com a inscrição “Com a minha admiração ao João da Baiana – Pinheiro Machado”. Era um salvo-conduto que permitia ao músico se apresentar onde quisesse, pois Pinheiro Machado era conhecido como o “fazedor de presidentes do Brasil”, e, na época, a expressão “turma da chaleira”, com o significado de puxa-sacos, surgiu por causa das pessoas que abasteciam de água quente o seu chimarrão.
O maior adversário político do senador Pinheiro Machado foi Ruy Barbosa, que não gostava das manifestações artísticas populares, haja vista a sua reação ao sarau da Chiquinha Gonzaga no Palácio do Catete, mas isto é outra história.

-O que o Biscoito Molhado tem a dizer da declaração pública do Sérgio Fortes de atirar o sapato na televisão indignado com a estupidez das programações? Elio
BM: Sérgio Fortes não seria o primeiro a recorrer ao sapato como forma de protesto. Em 1960, numa sessão da ONU, o Premier da União Soviética, Nikita Krushchev, indignado com o discurso do delegado das Filipinas, descalçou os sapatos e bateu com ele sistematicamente na mesa como se fosse um martelo. A sessão se transformou numa balbúrdia incontrolável, e o presidente da Assembleia teve de dar a sessão por encerrada.
Recentemente, Muntadhar al-Zeidi, jornalista iraquiano, arremessou dois sapatos  na direção do presidente Bush, filho durante a sua quarta e última visita surpresa ao Iraque em guerra.
No momento em que ele cumprimentava o Premier do Iraque, no escritório do líder desse país, na protegida zona verde de Bagdá, durante uma entrevista coletiva, os dois sapatos voaram, mas o presidente dos Estados Unidos demonstrou que tinha talento para ser esquivar; pelo menos, encontramos um talento nele.
Sérgio não foi o primeiro e nem será último a protestar com o sapato, embora, hoje em dia, quase todo o mundo use tênis.

-Eu li em um Biscoito Molhado sobre a maneira descontraída com que o apresentador do programa Concertos OSESP, da Rádio Cultura, anuncia as atividades da orquestra. O que foi mesmo que ele disse quando foi anunciada a “Sinfonia Doméstica, de Richard Strauss? CAT
BM: Eu contei uma parte, mas aqui vai toda ela, pois esse programa foi reprisado pela Rádio MEC. E parece que, dessa vez, escreverei corretamente o nome do descontraído apresentador: Carlos Heid.
Ele disse que Richard Strauss, não contente em ter composto anteriormente “Vida de Herói”, em que ele é o herói que luta contra os filisteus, ou seja, os inimigos da sua música, lançou a “Sinfonia Doméstica”.
-“A maior declaração de autoconfiança musical que eu conheço.” - disse Carlos Heid.
E prossegue:
-”Coloca 110 músicos, incluindo 8 trompas e 5 saxofones para mostrar as 24 horas da vida mundana de um gênio, ele, mais a mulher, a geniosa soprano Pauline, e o filho Franz apelidado de Bubby.”
 E informou que, na estreia vienense, Gustavo Mahler, que regeria a peça, ficou fulo da vida, quando soube do programa da “Sinfonia Doméstica.”
E acrescentou que o maestro Karl Richter declarou que a descrição musical do banho do “bebê bávaro” Bubby faz mais barulho do que todo o cataclisma da queda dos deuses do Walhala.
Depois de o bebê dormir, Richard Strauss passa para a cena de sexo; o motivo de Pauline fica em cima do seu motivo.
-”Há um clima de diferentes tons para caracterizar o orgasmo masculino e feminino.”
Caramba, se não fosse o descontraído apresentador dos Concertos OSESP, eu não saberia de tanto cabotinismo musical.