O BISCOITO MOLHADO
Edição 5317 LZ Data: 29 de julho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO ANO XXXIV
A RUA DO CAPETA
Não sei se a rivalidade que sempre existiu entre Rio de
Janeiro e São Paulo pode ser comparada com as pendengas que envolvem
brasileiros e argentinos. Acho até que a coisa está amainando. Muito por conta
da decadência que atinge o Rio de Janeiro. Fica difícil exercitar com
competência nossa implicância se nossos filhos estão se mudando para São Paulo,
em busca de oportunidades, empregos melhor remunerados e um pouco mais de
segurança.
Vinícius definia São Paulo como o túmulo do samba. Não sou
tão implicante como o poeta. Mas jamais qualifiquei como “um programaço”
visitar a Terra da Garoa. Lá compareço, quando necessário. Foi o que aconteceu
na semana passada. Uma visita que eu e minha mulher fizemos a uma amiga
adoentada.
Cumprido esse ritual, ocorreu-nos conhecer a famosa Rua 25
de março. Ela equivale à nossa Saara. Para quem não sabe, a sigla significa
“Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega”. Foi nessa rua que se
implantou um imenso shopping a céu aberto, que acabou por se espalhar pelas
ruas próximas, todas fechadas ao tráfego de veículos.
Nada a ver com a tal da 25 de março. Aquela foi, realmente,
uma terrível experiência!
Bairrismo à parte, defino aquilo como uma sucursal do
inferno (que me perdoe o Capeta). Uma gritaria enlouquecedora, excesso de
gente, preços altos e, como se não bastassem todos esses horrores, a rua é
aberta ao trânsito! A todo momento os carros só faltam empurrar as pessoas que
lá passeiam, olhando as lojas. Na rua os camelôs trabalham em pé, sem mesinhas,
atordoando os passantes com ofertas proferidas aos berros. Marisa e eu fugimos
apavorados. Mas sem correr. Quem poderia, naquele Maracanã lotado?
Fomos em direção ao Mercado Municipal, ali perto. Que me
perdoem os paulistanos, o tal mercadão só é bonito nos powerpoints bairristas
por lá produzidos. Trata-se de outro antro super povoado, barulhento e caro.
Pastéis a partir de 20 reais! Conseguimos, apesar do tumulto, uma mesa vazia
num bar (tremenda sorte, ela vagou quando estávamos por perto...). Sentamos,
chamei uma moça, vestida com o uniforme do estabelecimento. Foi logo informando
que ali não se fazia atendimento nas mesas. Era preciso ir ao caixa, pedir o
que desejássemos e depois, no balcão, pagar o que havia sido escolhido. Marisa
ficou me aguardando enquanto eu saía à cata do caixa, distante do local das
mesas. Olhei na direção do guichê e observei uma fila maior que a anaconda do
filme. E tão feroz quanto. Voltei e expliquei à minha mulher a inviabilidade do
nosso projeto.
Decepcionados, retornamos à estação do metrô, três
quarteirões adiante. Tivemos que passar de novo pelo tumulto da já temida 25 de
março. Foi quando Marisa proferiu uma verdade absoluta: “No Rio, somos felizes
e não sabemos!” Fácil explicar: 13 milhões de habitantes, na nossa região
metropolitana, provocam um caos menor do que os 20 milhões que atormentam a
Terra da Garoa (os ladrões engravatados do Rio de Janeiro deixam de ser
contabilizados no fechamento dessa conta...).
Vamos considerar, também, que nossa Saara é toda destinada
aos pedestres. E sempre teremos Copacabana! Eu sabia que um dia, de alguma
forma, ainda iria parafrasear Casablanca!
Mas, sendo justos, é preciso fazer alguns comentários
favoráveis à São Paulo em relação a fatos que lá observamos. O policiamento é
ostensivo e numeroso. Bem diferente do Rio de Janeiro. Duplas de policiais a
cada meio quarteirão, não só na 25 de março, como nas transversais e dentro do
mercadão. A um deles fomos pedir uma informação que nos foi dada com rapidez,
conhecimento e cortesia. Outra coisa importante: como funciona bem o serviço de
Uber por lá! Carros novos e limpos, motoristas pontuais e gentilíssimos.
Preços, além de muito inferiores ao dos táxis, como também no Rio, sempre
arredondados para baixo. Nós sempre os aproximávamos para cima. Afinal, eles
mereciam. Outro aspecto importante: como os uberistas pareciam felizes de estar
transportando cariocas! Tudo era motivo para elogiar o Rio, nossa descontração
e bom humor! Alguns deles conheciam um ou outro ponto do Rio e mencionavam isso
com verdadeiro orgulho. Um deles, certamente exagerado, chegou a nos dizer que
ganhava o dia quando um carioca entrava no seu carro.
Por algum motivo o metrô, quando saímos do tumulto da 25, já
estava mais cheio do que quando viemos. Foi meio difícil entrar, mas
conseguimos. A mim, graças à minha calvície e remanescentes fiapos brancos,
gentilmente foi oferecido um assento. Que eu sempre aceito por causa do meu
menisco rompido. Voltamos, então, para a estação próxima do hotel. Fica dentro
do Shopping Santa Cruz. Em sua praça de alimentação come-se com conforto e
preços módicos. Daí, sensatamente, fomos relaxar no excelente quarto do Hotel
Planalto, na Rua Afonso Celso, Vila Mariana. Seu dono, Sr. Manoel, merece
também um comentário: português dos sapatos aos cabelos pintados de preto,
aparentando estar na faixa dos 60, ao lhe escutar o sotaque, perguntei de que
região ele era. “Nasci aqui na capital mesmo, fui criança para Portugal e
retornei ao Brasil já adulto.” Espantoso! E o homem era de uma simpatia total.
Grande empreendedor, é proprietário de três hotéis e de um restaurante. Muito
simples, ele rega o jardim do hotel sem tirar o paletó! “Faço isto porque
gosto, tenho quem o faça, mas eu faço melhor,” e sorriu.
À noite chamamos um Uber que nos levou a uma “trattoria,” no Bexiga, chamada “Belvedere”. Lá, em ambiente tranquilo e
simpático, fomos atendidos por um garçom idem e, com música ao vivo que
compreendia Roberto Carlos, além das manjadíssimas, mas sempre agradáveis,
“Volare”, “Champagne” e “Roberta”. Pedimos uma massa de que nunca havíamos
ouvido falar: “mezzalona”. Muito massuda, mas o molho e o parmesão, a bem da
verdade, estavam maravilhosos. Na saída, fui falar com o dono, Signor Sesto, em
italiano, naturalmente. Um cidadão idoso e irradiando amabilidade, ele encheu meu
ego perguntando se eu era italiano. Respondi que era filho de pai italiano e
que falava sua língua desde criança, por isso, sem o sotaque brasileiro.
Brincando com ele, disse que só tinha o sotaque de brasileiro quando falava português.
Não sei se ele entendeu..
.
Na próxima ida à São Paulo, pretendo mostrar à Marisa a
elegância e as delícias da chiquérrima Rua Avanhandava.
(*) Luciano Zanelli estreou hoje no seu O BISCOITO MOLHADO e nos enche de preocupação. Além de perdermos eventuais leitores paulistas, percebemos que dos seis leitores reconhecidos, cinco já são redatores. Só falta a Elvira.