Total de visualizações de página

terça-feira, 27 de junho de 2023

3138 - Parafraseando (R)

        ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 

O BISCOITO MOLHADO

Edição 4090             Data: 14 de dezembro de 2012

      ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 


 FRASES ORIGINAIS  E COMENTÁRIOS


Sobre um lobista que apareceu com um projeto para ser executado pelo governo, Mario Henrique Simonsen, quando ministro do Planejamento do presidente Figueredo, deu a seguinte ordem:

Deem-lhe a comissão e esqueçam o projeto.

Não sei se a frase é exatamente esta, mas o sentido, sim. Duvido também que o lobista tenha saido com os 10% no bolso, mas que o ministro foi espirituoso não resta a menor dívida. 

O Brasil estaria hoje bem melhor se vários projetos não saíssem do papel e apenas fosse paga a comissão. Seria um lucro de 90%. É verdade que há lobista ganancioso, hoje em dia, que pede mais de 10%.

 


Talleyrand foi uma das maiores, se não, a maior raposa da política que já existiu. Sabia como ninguém para onde o vento soprava e, muitas vezes, contribuiu para direcionar o vento. Houve rupturas sangrentas na França, com a Revolução Francesa e suas consequências, mas Talleyrand sempre participava do poder.

Foi nomeado ministro das Relações Exteriores (1797-1799), contribuiu para o Golpe de Estado de 18 Brumário, unindo-se a Napoleão. Tornou-se grão-camarista e príncipe de Benevento por nomeação de Napoleão I.

Com a queda do Imperador, com a qual contribuiu, Talleyrand se tornou chefe do governo provisório até a volta ao poder de Luís XVIII.  Este o nomeou ministro  das Relações Exteriores e plenipotênciário francês no Congresso de Viena, que decidiria o destino dos países da Europa, em 1815. A missão de Talleyrand era dificílima, pois defenderia um país derrotado, que  corria o risco de perder grande parte do seu território. Mas a astúcia do diplomata francês se fez presente e, ele, no Congresso de Viena, dividiu os Aliados, o que permitiu que a França voltasse a ser de novo uma nação soberana.

Sabendo que a volta de Napoleão da ilha de Elba ao poder na França nada mais era que um espasmo  que antecipa o fim, aguardou os acontecimentos e, depois de Waterloo, Talleyrand se tornou outra vez chefe do governo. Com o retorno do rei, retornou ao cargo de grão-camarista e foi nomeado par de França. Ao final da Restauração, passou para a oposição liberal e foi um dos autores do estabelecimento da Monarquia de Julho. Luís Felipe o nomeou embaixador em Londres (1830 a 1834).

Terminada essa resenha biográfica, passemos para uma das suas muitas frases, mas, antes, uma explicação: 

Corria pela França que Talleyrand aceitava propinas nos cargos que exercia e que, certa vez, pediram-lhe um favor, com a oferta de “x”, em dinheiro e a garantia de sigilo absoluto. Disse Talleyrand:

Dê-me o dobro e pode contar para todo o mundo.



A frase que se segue é praticamente uma anedota, e  portuguesa; os brasileiros não são as vítimas, não é uma reação às nossas piadas. Eu a ouvi no canal estatal de lá, e ironizava as constantes viagens de Mário Soares, que liderou Portugal por um bom tempo.

Deus está em todos os lugares, e Mário Soares já esteve.


 

O mineiro só é solidário no câncer.

Há quem afirme que essa frase é do Nélson Rodrigues e que ele, maliciosamente, a atribuiu ao Otto Lara Resende. O meu pensamento também foi esse, porém, depois de ler trechos da biografia do grande intelectual mineiro, não tive dúvidas que a frase era mesmo dele, pois sofreu com as reações intempestivas dos religiosos moralistas da sua terra natal. Nélson Rodrigues a repetiu obsessivamente na sua obra “Bonitinha, mas ordinária”; de tão citada, a peça de teatro recebeu o título: “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária.”

O  poeta Carlos Drummond de Andrade interpretou aquilo tudo como deboche, e insuflou o seu conterrâneo a reagir, e Otto respondeu que, no quinto ato, daria um tiro no Nélson.



Não tem pão, comam brioches.

Eis uma frase atribuída à Rainha Maria Antonieta, que açulou ainda mais a ira dos revoltosos franceses e, que, na verdade, é da autoria do filósofo do iluminismo Jean-Jacques Rousseau. Aqui, imprimiram a lenda. 


Falando nisso, temos de citar a frase do redator do jornal “Shinbone Star“, quando soube pelo senador que não fora este, e sim o pistoleiro Ringo quem matara o facínora, no filme clássico de John Ford:

Aqui é o oeste; quando a lenda supera o fato, imprime-se a lenda.


 

Balzac tem uma obra caudalosa. Já foi dito que tantos foram seus personagens, que rivalizava com o registro público. O pai de realismo, na leitura, não foi um Mozart, pelo contrário, seu talento despontou quase que na idade em que Mozart morreu; com 31 anos, quando criou o romance “A Pele de Onagro”. Faleceu cedo, mal atingindo os 50, criando a sua formidável obra em apenas  vinte anos, e elas chegaram a 95 livros, um espanto até para um escritor macróbio. Ele descreveu a ascensão da burguesia com a perda de poder político e econômico da monarquia. Não foi sem razão que Marx e Engels eram leitores das obras de Balzac e revelaram que nelas aprenderam muito sobre a distribuição do dinheiro,

Disse Balzac:

Oito dias de férias! Poderia ter escrito mais um livro.


 

Balzac colocou numa  frase o método cartesiano da dúvida sistemática, ou seja, não tomar nada como verdade absoluta. O pensamento do grande filósofo e matemático francês  não se encontra só na Filosofia, também  se aplica na Administração de Empresas, quando estudamos essa matéria. A frase que se segue, de Balzac, resume o que escrevemos toscamente, e, acredito, que ao proferi-la ele nem pensava em Descartes.

A chave de todas as ciências é inegavelmente o ponto de interrogação.


 

Balzac não se constrangia nos locais em que estivesse. Conheceu a princesa polonesa Heveline Hanska, que se apaixonara por ele sem vê-lo, mas lendo-o. Trocaram inúmeras cartas até que Balzac realizou uma penosa viagem até a Ucrânia para conhecerem-se; na época, ela ainda era casada. Mais tarde, viúva, os dois  contraíram núpcias.

Disse Balzac:

Esse privilégio de sentir-me em casa em qualquer lugar, pertence apenas aos reis, às prostitutas e aos ladrões.


 

Esta frase de Balzac nos remete a uma personalidade da música que estava, porém mais enamorado de si do que de qualquer outra pessoa, o maestro Hebert von Karajan. Ao pegar um táxi em Londres, onde acabara de chegar, respondeu ao taxista que lhe perguntara para onde iria:

A qualquer lugar, em todos os lugares eu sou esperado.


 


 


terça-feira, 6 de junho de 2023

3137 - Almoços no Jirau (R)

   --------------------------------------------------------------------- 
          O BISCOITO MOLHADO

   Edição 2257                       Data: 04 de Fevereiro de 2005       
---------------------------------------------------------------------------
                                                     
ENTRE  O  PRATO  E  A  BOCA
         

Assim reagiu a Cláudia da ANTAQ, quando soube que, por coincidência, o passageiro ao seu lado, no avião, estudara com o Dieckmann:
“A cantada era típica de ex-aluno do Colégio Militar”.

Por que iniciei a edição de hoje do Biscoito Molhado com esse fato ocorrido em 2002? Não sei; veio à minha mente e aqui está, embora eu pretenda tratar de um acontecimento bem mais recente: o almoço de anteontem, onde, diga-se de passagem, dos quatro comensais, três estudaram no Colégio Militar.

Se a crítica da Cláudia aos galanteadores do Colégio Militar se fundamentou na conversação de um assunto só, ela não cabe aos colegas do Dieckmann que compareceram ao referido almoço, que falaram de futebol a Direito Administrativo, passando pela amizade entre homem e mulher com fundo freudiano, ou seja, sexual, e com fundo Junguiano, ou seja, com arquétipos do subconsciente coletivo.
Mas tudo começou com o Jeep. 

- “Não confio em jipeiro, mas será uma boa se o Reinaldo aparecer para almoçar com a gente”.
- “A sua cisma com jeep é por que o general Patton morreu, em Manheim, num acidente com esse veículo?”
 Eu ainda cogitava se faria ou não essa pergunta ao Dieckmann, quando ele se ergueu da cadeira.
- “Olha, o jipeiro aí”.

Abraços. Saudações e trações em todos os braços e em todas as rodas. Minutos depois, o assunto virava para futebol. Relembraram-se os dois clássicos-vovôs de 1957: no turno, o Fluminense derrotou o Botafogo por 1 a 0, no returno e final do campeonato, o Botafogo ganhou por 6 a 2.

- “Naquele 1 a 0 do turno, o jogo não terminou empatado porque o Castilho agarrou um pênalti batido por Didi. O meia do Botafogo deu a paradinha que, futuramente, Pelé adotaria, e o Castilho, escarmentado no gol como era, não saiu do lugar. Isso perturbou o Didi por frações de segundo, o que bastou para Castilho antecipar-se e agarrar o pênalti.
Nesse exato momento, chegou o Causídico Verborrágico.

- “Didi?...”- murmurou ele.
Embora o tricolor Causídico não vivera a época em que Didi fora campeão pelo Fluminense, em 1951, seus olhos de garoto deslumbrado ressurgiram:
- “Certa vez, eu, menino, vi o Didi... Que escândalo eu aprontei! Didi....Didi... Mamãe, o Didi...”

Por pouco, o pequeno Causídico não reverenciou o craque como os índios reverenciaram Caramuru depois do primeiro tiro.
Lembrei-me, conseqüentemente, de outro jogador, Fifi. Meio de campo do Atlético Mineiro, foi contratado pelo Botafogo, por volta de 1965, para substituir Didi, que pendurara as chuteiras. Nada modesto, Fifi não só se colocou à altura do bicampeão do mundo, como anunciou um  invento: o chute saca-rolha.  Didi criara a “folha seca”, que representava a bola, em íntima cumplicidade com a lei da gravidade, caindo com balanceios traiçoeiros na direção do gol inimigo. Não teríamos mais o chute da folha seca, mas Fifi nos prometia em seu lugar o chute saca-rolha. Que diabo representaria o “saca-rolha” nas quatro linhas de um campo de futebol?... A resposta veio depois de uma dúzia de jogos do “sucessor do Didi”: nada. Fifi foi, com o seu pífio futebol, para o banco de reservas. Não perdeu, porém, o penacho.  Conta o jornalista botafoguense Sandro Moreira que, certa vez, com o Fifi já na reserva, foi chamado por um amigo, num aeroporto. Fifi, sem perda de tempo, repreendeu severamente esse amigo:
- “Não grita meu nome, senão aglomera”.
Ele delirava, provavelmente, com a existência de torcedores, como o garoto Causídico, a berrar:
- “Fifi... Fifi... Mamãe, o Fifi...”
Essa lembrança me tocava, mas eu não me abstraía da conversação à mesa. Reinaldo, o jipeiro, falava do seu primeiro deslumbramento com o Maracanã, enquanto o seu pai encontrava uma amiga, e o Causídico se referia a outro nome das quatro linhas que vira, também garoto, nas ruas, como um cidadão normal. 
- “Eu me aproximei e, depois de tomar coragem, perguntei se ele não era o técnico Martim Francisco... O sujeito me olhou com uma raiva...”
- “Não era o Martim Francisco, Elio?” - quis saber o Dieckmann.

Elio, o nosso causídico verborrágico, prosseguiu:
- “O sujeito entrou, depois, no carro, e gritou furiosamente para mim: - Sou o Yustrich”.
- “Porra, Elio, logo o Yustigre?!...” 

Com a fama de truculento que Yustigre cultivava com berros e catiripapos, Elio era, certamente, um sobrevivente. 

Reinaldo, ao lado do Dieckmann, depois de falar da amiga do pai, reconhecida entre 150 mil torcedores, passou a falar das amizades femininas que cultivou pela vida:
- “Tal pai, tal filho”.

Dieckmann só não recorrera à citação latina “Talis pater, talis filius”, porque implicara com o seu professor de Latim, Vicente, e, por efeito dominó, com todos aqueles que se expressaram nesse idioma, a começar pelo imperador Júlio César, passando por Virgílio.
- “Vamos comer?” - lembrou o Dieckmann.

Na hora de servir-se de comida, Elio lamentou a abstinência do feijão, o que fez lembrar, em parte, uma frase de um ex-ministro dos Transportes, Eliseu Padilha: “....Pelé e asfalto são as duas coisas pretas que o brasileiro gosta.” Esqueceu-se o ex-ministro do feijão preto, que, não por esse esquecimento, viu-se às voltas com os protestos das comunidades negras.
- “Engraçada essa dieta do Causídico, enche o prato de carne, mas não pode comer feijão...” - estranhou o Dieckmann.

A mastigação não impediu que o Reinaldo se reportasse a outra amiga sua, a sexta, se não contabilizarmos a amiga do Maracanã que, na verdade, era amiga do seu pai.
Elio, que soubera, quando chegou ao restaurante, que eu deixara de ser tricolor por causa da acachapante derrota de 6 a 2 para o Botafogo, em 1957, ainda não se conformava:
- “É a primeira decepção minha com o autor do Biscoito Molhado”.
- “Crianças não sabem lidar com tristezas tão profundas”.- argumentei.

A sorte é que eu não me entendia por gente na Copa de 1950, senão, eu poderia ser hoje um ugandês naturalizado, e a  decepção do Elio seria bem maior.
E a conversação reiniciou.
Dos jogadores, passou-se para os juizes de futebol da década de 60 e 70: Antonio Viug, Airton Vieira de Morais, o popular Sansão, Eunápio de Queirós, também chamado de Larápio de Queirós, Alberto da Gama Malcher...
- “Este foi meu vizinho”.- interrompeu o Dieckmann.

Dos juízes de futebol para os juízes de tribunais foi um pulo, ou um sopro de apito.
- “Depois de aposentado, pretendo escrever dois livros: um sobre Direito Administrativo e outro sobre os tribunais”.- revelou o nosso Causídico Verborrágico.

As conversas tomavam vários rumos quando, subitamente, Dieckmann lançou uma pergunta:
- “Quem foi Laurinda Santos Lobo?”
Dentro do contexto do nosso almoço, eu logo imaginei que foi mais uma das amigas do Reinaldo, mas preferi seguir o ensinamento talmúdico de que o silêncio vale ouro. Como todos se calaram, Dieckmann, tornou-se enigmático:
- “Tirem par ou ímpar”.

Reinaldo do jeep e das amigas tirou par ou ímpar com o Causídico, e perdeu:
A final, por conseqüência, ficou entre mim e o Causídico. Entrei em campo já derrotado, pois previra que o meu adversário encontraria brechas na lei para me vencer. Não deu outra. 
Dieckmann puxou, então, o troféu do vencedor: um livro sobre o ministro do governo de Campos Sales, o médico Joaquim Murtinho.
- “Ah, sim: Laurinda Santos Lobo era filha do Joaquim Murtinho”.- precipitei-me.
- “Sobrinha”.- corrigiu o Dieckmann.

Puro ato falho meu, pois era permitido tomar a sobrinha como amante, no início do século, não a filha. 
- “Gente, vamos trabalhar”.- lembrou o Dieckmann.
Olhei para o relógio: passava das duas e meia.

E saímos do restaurante um pouco mais pesados de comida, porém com o espírito bem mais leve.