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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

3132 - Gafes no Oscar (cont 3130)

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O BISCOITO MOLHADO
   Edição 2243                                        Data: 17 de Janeiro de 2005       
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AS GAFES NO OSCAR
PARTE II

Tantos artistas loucos pelo Oscar e o seu nome nasceu de uma piada... Contam que uma funcionária da livraria da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e eventual diretora-executiva, Margareth Herrick, achou aquela figura dourada de um homem nu de corpo atlético, que representava o troféu, tão parecido com o seu Tio Oscar, que não se conteve:
- “Mas é o Tio Oscar...”
Sidney Skolsky, um jornalista especializado em Hollywood, soube da sugestiva semelhança e, na sua coluna, em 1934, escreveu com intenções maliciosas que o Oscar de melhor atriz foi para Katherine Hepburn, apelidando, assim, a estatueta pela vez primeira. A partir de 1939, a Academia passaria a chamar a estatueta de Oscar, consagrando o apelido.
O prêmio mais famoso do cinema fora criado, no entanto, bem antes; em 1927, e apenas para premiar os principais atores, atrizes e diretores da indústria cinematográfica.
O escolhido para desenhar a estatueta foi o diretor de artes dos estúdios Metro-Goldwin-Mayer, Cedric Gibbons, que sempre negou que o tio da Margareth Herrick lhe servira de modelo.
- “Nem sequer o conheci...” - dizia.
As primeiras versões da estatueta foram de bronze, mas com o esforço de guerra – a Segunda Guerra Mundial, naturalmente – não houve metal para o entretenimento e, por isso, o Oscar passou a ser confeccionado em gesso. 
Ultrapassados os tempos difíceis, o Oscar saiu do gesso, e agora é banhado em ouro e prata nos seus 34 centímetros de altura que perfazem 3,85 quilos. Desde o nascimento do Oscar, ele sofreu apenas uma modificação na sua forma: a inclusão, em 1945, de um pedestal.
Depois de tanta história, e de sabermos que o Oscar é, na acepção da palavra, uma piada, passemos para algumas gafes cometidas por artistas que o ganharam, ou que assim imaginaram.
Eu ainda peguei o tempo do Bob Hope como mestre de cerimônia da entrega da estatueta... Eu, Dieckmann, Causídico Verborrágico... Mas o Will Rogers como mestre de cerimônia, só mesmo o doutor Barreiros viu ...
Will Rogers não foi esquecido em algumas das nossas edições sobre os Roosevelt: animou as convenções do Partido Democrata que indicaram Franklin Delano Roosevelt como adversário do presidente Herbert Hoover. Como humorista, Will Rogers levava a extremos a máxima “o humor nunca é a favor”.  Ele foi, com as suas piadas cáusticas, um sucesso na época da grande depressão. E essa foi a principal razão para animar a noite mais esperada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
O estilo de humor “nunca a favor” do Will Rogers concorreu para que alguns artistas vitimados pelas piadas cometessem sérias gafes. Foi, por exemplo, o caso de Frank Capra, logo ele, o diretor do cinema americano que simbolizava a volta por cima dos menos favorecidos, o otimismo da Era Roosevelt.    
O ano era 1934. Frank Capra era o franco favorito para a estatueta de melhor diretor pelo filme “Dama por um Dia”.  Sabendo  disso, Will Rogers olhou para a   papeleta que indicava o vencedor e, em vez de  anunciar o premiado, fez um chamamento bem coloquial:
- “Venha buscá-lo, Frank”.
Radiante, Frank Capra ergueu-se da sua cadeira e rumou  para o palco. Mas o Frank agraciado como melhor diretor era outro: Frank Lloyd, pelo filme “Cavalgada”. Frank Capra, com os passos vacilantes, acusou o golpe, enquanto voltava para o seu lugar com as mãos vazias.
- “Foi a mais longa, triste e difícil caminhada da minha vida”.- registrou Frank Capra na sua autobiografia. 
Não se dando ainda por satisfeito, Will Rogers, nessa mesma noite de 1934, tentou fazer novas vítimas; chamou simultaneamente May Robinson e Diana Wynyard como ganhadoras do prêmio de melhor atriz. As duas não se mexeram das suas respectivas cadeiras, e aguardaram; foi a melhor coisa que fizeram, caso contrário, repetiriam a dolorosa caminhada de volta ao assento como o Frank Capra. Rindo um riso de sadismo esvaziado, Will Rogers anunciou a vencedora de fato: Katherine Hepburn, pela atuação em “Manhã de Glória”. Foi com esse prêmio – repetimos – que se usou pela primeira vez o apelido Oscar para a estatueta.
Humphrey Bogart, quem diria, engrossou o alentado volume sobre as gafes cometidas na entrega do Oscar. Foi em 1943. Favorito, por sua atuação em Casablanca, ergueu-se da cadeira com a intenção de ir ao palco quando mal abriram a boca para pronunciar a primeira letra do nome do vencedor do Oscar de melhor ator...  Paul Lukas do filme “Horas de Tormenta”. Humphrey Bogart sorriu amarelo, um amarelo Van Gogh, e, para não dar na vista, continuou de pé, aplaudindo.  Mas todos perceberam a gafe, pois ele era o único, entre centenas de pessoas presentes, que aplaudia Paul Lukas de pé.
Poucos anos depois, 1952, Shelley Winters, que disputava o Oscar por “Um Lugar ao Sol”, não pensou duas vezes; ela, aliás, nem pensou, antes mesmo de o apresentador Roger Colman olhar para o papel com o nome da melhor atriz, ela foi para o palco receber a estatueta. Ao ouvir que o nome da agraciada era, na realidade, Vivien Leigh, por “Uma Rua Chamada Pecado”, Vittorio Gasmann, marido da imaginária vencedora, puxou-a pelo braço. Resultado: os dois caíram.
- “Isso é que dá casar com americana pretensiosa”.- pensou, certamente, Vittorio Gasmann, com a bunda no chão. 
Ou, como declarara Napoleão, retirando-se da Rússia:
- “Do sublime ao ridículo a distância é de um passo”.
Em 1964, foi a vez da Rita Hayworth, que nunca disputou um Oscar, deixar a sua gafe na festa de premiação como apresentadora do melhor diretor daquele ano. Embora míope, não quis usar óculos e, assim, chamou um inexistente “Donny” para receber o Oscar. O nome que não conseguira ler era do diretor do filme “As Aventuras de Tom Jones”, Tony Richardson. A mancada da “Gilda” só não foi mais escandalosa porque o  diretor não se achava presente.
Para finalizar a edição de hoje, a gafe do jovem Steve Spielberg, na cerimônia do Oscar de 1976. Tão certo da vitória estava, que contratou uma equipe de filmagens particular para registrar o seu instante de glória. Quando foi anunciado “Um Estranho no Ninho” como vitorioso, e não “Tubarão”, Steve Spielberg nem procurou disfarçar a decepção: segurou a cabeça com ambas as mãos, e soltou um “I don't  believe”. Está tudo registrado pelas TVs e também pela equipe de filmagens contratada pelo diretor derrotado.
Cá, entre nós, o Oscar... ou o Tio Oscar, começou como uma piada, mas “Tubarão” vencer de “Um Estranho no Ninho” seria uma piada que nem o Will Rogers ousaria.

                        


terça-feira, 30 de agosto de 2022

3131 - Oscar Wilde (R)

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O BISCOITO MOLHADO



               Edição 2246                          Data: 20 de Janeiro de 2005      


                                                     

OSCAR WILDE


 Oscar Wilde não surgiu no mundo da cultura por geração espontânea – sua mãe, Jane Francesca Wilde, brilhava nos salões, entre os intelectuais, pelo seu talento na conversação e escrevera versos de irlandesa patriota com o pseudônimo de Speranza. Quanto ao pai, não se dedicara às letras, mas foi cirurgião-oculista (o termo é este) da rainha Vitória e sua carreira foi prejudicada pelos escândalos amorosos em que se envolveu.

O Filme “Wilde” de 1997, com Stephen Fry, homossexual assumido, no papel do escritor, soube dar a justa relevância à mãe do personagem principal, tanto que colocaram a atriz Vanessa Redgrave para viver o papel dela. Não me recordo de alusão alguma à Senhora Francesca Wilde no filme de 1960, que, aliás, perdi no cinema e acabei assistindo na televisão. 

O filme sobre Oscar Wilde – refiro-me ao mais recente – inicia-se e deixa o espectador mais apressado em dúvida: o escritor viveu na era vitoriana ou no faroeste dos mais rápidos no gatilho? Tal pergunta surge porque logo nos primeiros planos do filme Oscar Wilde/Stephen Fry é visto no meio dos mocinhos e bandidos do bravio estado do Colorado.  O ano era 1882 e Oscar Wilde, que tinha 28 anos, fora aos Estados Unidos, a convite, para proferir uma série de palestras - nelas, contraporia a beleza da arte aos horrores da sociedade industrial, que, aliás, inspirou os melhores romances de Charles Dickens. 

De volta a Londres, contou que, antes de uma das suas palestras, enforcaram dois homens:

- “... Veio, então, a minha palestra. Senti-me a sobremesa, depois que serviram a carne”. - Oscar Wilde não era rápido no gatilho, mas era rápido na língua.

Vai a Paris, fica pouco tempo por lá, o suficiente para esquecer a confrontação entre arte e indústria, e volta para Londres. Casa-se com Constance Lloyd, filha de um advogado de Dublin, mulher inteligente e culta que podia sustentar uma conversação de horas com ele. Em 1885 nasce o primeiro filho do casal, Cyril e, no ano seguinte, nasce o segundo filho, Vyvyan.

Oscar Wilde, que se destacara como latinista e helenista, quando aluno do Trinity College de Dublin, aparece, na pele do ator Stephen Fry, meio perdido: a vida de marido com esposa e filhos num lar vitoriano não o satisfaz. Aproxima-se, então, de rapazes, supostamente de programa, e ao ser abordado por um deles, foge mais por timidez do que por vontade.

As suas tendências homossexuais o acompanhavam desde a época de estudante, mas só na faixa dos trinta anos, depois de casado e com filhos, deixa-se seduzir por Robert Ross, um hóspede canadense. Conhecera o chamado vício grego e não mostra intenção de abandoná-lo.   

Em 1891, lança a sua obra mais famosa, O Retrato de Dorian Gray, ganha muito dinheiro e sempre é visto na companhia de rapazes.

No ano seguinte, é apresentado a Lord Alfred Douglas, um jovem estudante de Oxford, apelidado de Bosie. Mal comparando, ele foi para Oscar Wilde o que Francesca da Rimini foi para Paolo, e vice-versa, ou seja, tal relacionamento acabou no inferno dantesco.

Tanto o filme de 1960 quando o de 1997 mostram um “Bosie” caprichoso ao extremo, choramingas, mas sem os trejeitos de maricas; John Neville é, aliás, muito elogiado neste papel, sempre que o filme, que teve Robert Morley no papel título, é criticado.

Muito mais indignado do que a esposa de Oscar Wilde com o par formado entre o escritor e o seu “pupilo”, ficou o pai do rapaz, o Marquês de Queensberry, que investe, então, contra eles. Num dia de fevereiro de 1895, não encontrando o amante do filho, depois de procurá-lo, faz-lhe chegar à mão um cartão: “A Oscar Wilde, afetado sodomita”.

  Bosie, levado por repentes nervosos, aconselha Oscar Wilde a processar, por calúnia, o seu pai. É um mau conselho e Robert Moss mostra a Oscar Wilde o quanto é temerário levar o homossexualismo aos tribunais. Tais ponderações, que antecederam a decisão de Oscar Wilde de processar o Marquês de Queensberry no cinema, não vieram apenas de Robert Moss. Muitos outros amigos de Oscar Wilde pediram para que ele rasgasse o cartão do “sogro”, e esquecesse o processo. Sabiam eles, mas parece que Oscar Wilde não, que a polícia Londrina vigiava e fichava todos os suspeitos de homossexualismo; nada fazia contra eles que, até então, eram tolerados. Diz-se que, na época, quarenta mil pessoas eram vigiadas, só em Londres, pela Scotland Yard, e a maioria delas era homossexual. Seria arriscado desafiar as convenções da sociedade vitoriana, ainda mais com um processo em cima de um inimigo poderoso.

O próprio Bernard Shaw – fato não muito divulgado – tentou levar Oscar Wilde para o caminho da razão; advertiu-o que a sua derrota no processo também significaria um retrocesso na cena artística: o moralismo vitoriano recrudesceria, a censura se faria presente, sem contar a perda da liberdade relativa em que os homossexuais viviam, até então. 

   Com ouvidos apenas para as palavras do amante, Oscar Wilde foi em frente e processou o Marquês de Queensberry. Nós acreditamos que também o seu amor pelas gambiarras, a sua atração por um público pronto a aplaudir as suas tiradas inteligentes, mesmo sendo um público de tribunal, o levaram a esse princípio do fim.

   Como fora previsto pelos amigos mais lúcidos, Oscar Wilde de acusador passou a réu e os detalhes da sua vida dupla, colhidos pela polícia, apareceram.

Foi condenado por práticas homossexuais a dois anos de cadeia. Seus livros logo desaparecem das livrarias e as suas peças são retiradas de cartaz. Seus bens são leiloados para pagar as custas do processo e seus filhos são tirados da sua tutela. 

O filme, que mostrara até o julgamento as madeixas fartas do ator Stephen Fry, caracterizando como dândi o requintado Oscar Wilde, mostra seus cabelos cortados, talvez por causa dos piolhos, dele já prisioneiro, comendo, então, num prato de metal ordinário. Muitas décadas depois foi reabilitado e um livro escrito por um dos seus dois filhos contribuiu para isso.

Essa fita de 1997 termina com um pensamento do escritor: “Neste mundo há somente duas tragédias; uma é não conseguir o que se quer, a outra é consegui-lo”.

Nós preferimos outro pensamento de Oscar Wilde para encerrar estas páginas:

- “Que sorte tem os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.”


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

3130 - Prêmio de consolação (R)

 

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O BISCOITO MOLHADO



               Edição 2242                          Data: 14 de Janeiro de 2005       

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 AS GAFES NO OSCAR

                         

Depois das gafes dos filmes, propriamente ditas, passemos para as gafes cometidas nas entregas do Oscar. Nós não somos muito inclinados a assistir a essas premiações de Hollywood, por isso a relação da maioria das gafes por nós aqui apontadas foram retiradas de jornais. Vimos alguns Oscar no tempo em que a Bibi Ferreira fazia a tradução simultânea (uma lástima, segundo os caçadores de gafes interlinguístiscas). E depois, paramos de ver a denominada festa máxima do cinema.

Depois de uns anos sem a nossa presença diante da televisão, voltamos a nossa atenção para a entrega das estatuetas, porque a mesma não seria transmitida pela TV Globo, e sim pela TV Record. Era o ano da premiação da Lista de Schindler. Nossa vã esperança de melhora na programação logo se dissipou com os comentários de uma idéia do locutor Boris Casoy:

- “É ótimo que filmes como a ‘Lista de Schindler’ apareçam nesse momento em que os neonazistas colocam a cabeça de fora na Europa”.

Só faltava o “Isso é uma vergonha” para arrematar a fala do locutor. Em determinado momento da festa de Hollywood, surge no palco a Deborah Kerr – estava ela diferente daquela Deborah Kerr que foi beijada pelo Burt Lancaster no filme “A um passo da eternidade” em pelo menos oitenta mil calorias. Foi quando o Boris Casoy resolveu esquecer a “séria ameaça dos neonazistas” na Europa para interromper um comentário do Rubens Ewald Filho:

- “Ela ainda guarda a beleza dos tempos passados”.

- “Bem, Boris, a beleza dela agora...” - não ficava bem para o comentarista de cinema convidado pela TV Record discordar do anfitrião, mas as nuances na voz do Rubens Ewald Filho disseram tudo.

No ano seguinte, as Organizações Globo resolveram pegar de volta a transmissão do Oscar. Bem, sem o Boris Casoy, a transmissão só poderia melhorar e nós insistimos em ver mais uma vez a premiação máxima do cinema.   Era o ano do filme do Walter Moreira Salles, “Central do Brasil”, concorrer como o melhor estrangeiro. Também houve uma espécie de comoção nacional quando indicaram a Fernanda Montenegro para disputar o Oscar de melhor atriz com talentos internacionais, como Meryl Streep e Cate Blanchett.

Bem, não tínhamos Boris Casoy, mas tínhamos Arnaldo Jabor entre a festa em Los Angeles e os espectadores no Brasil. Com o clima de favoritismo criado para o filme italiano “A Vida é Bela”, que se tornou praticamente em vitória certa quando Hollywood convidou a Sofia Loren para entregar o prêmio de melhor filme estrangeiro, Arnaldo Jabor perdeu o senso de medidas. Antes da premiação, já na sua crônica do Globo, arrasou o filme de Roberto Benigni, que transformara, segundo as suas palavras, um campo de concentração nazista em parque temático. Na transmissão, propriamente dita, a bílis do torcedor fanático e frustrado do Central do Brasil, transbordava. Em dado momento da festa, Robin Williams foi focalizado pelas câmaras americanas com um sorriso de satisfação pela vida que Arnaldo Jabor, certamente ofendido com tanta felicidade, retrucou com azedume na voz:

- “Esse aí não passa de um canastrão...”

- “Caramba, e ainda não anunciaram ‘A Vida é Bela’ como ganhadora do Oscar...” - imaginaram, certamente, o Roberto Machado e o Rubens Ewald Filho, aqueles que se encontravam mais próximos da fera que salivava ódio, nessa reportagem da TV Globo.

Para encurtar essa história que todos se recordam, sem a menor dúvida, no dia seguinte, a atuação do Arnaldo Jabor era mais comentada na cidade do que a dos próprios artistas que receberam o Oscar, ou o perderam injustamente. Ele, o Arnaldo Jabor roubara o espetáculo.

- “Rapaz, você viu ontem, na entrega do Oscar, o Arnaldo Rancor?...” - perguntavam uns.

- “Você viu o Amargo Jabor?...” - perguntavam outros.

- “Amargo Rancor...” - resumiu em duas palavras o irmão de uma colega nossa de trabalho a noite em que se premiou ‘A Vida é Bela’ em vez do ‘Central do Brasil’.

Tudo bem que o Roberto Benigni guarda umas semelhanças com o paspalhão do Didi Mocó, mas “A Vida é Bela” até que é um filme razoável.

O momento da festa de Hollywood em que o Arnaldo Jabor deveria manifestar-se, no nosso entender, ele calou-se para sempre, foi quando a Gwyneth Paltrow no seu discurso de melhor atriz, no filme “Shakespeare Apaixonado”, reverenciou Meryl Streep usando as outras concorrentes para isso:

- “Você, que é a melhor de todas nós...”

Ora, sabia ela por acaso o que já fez a Fernanda Montenegro em matéria de representação?... Bem que o Rubens Ewald  Filho já vinha, com ironia, chamando a Gwyneth Paltrow  de “branquinha aguada...”  

Bem, como diz o ditado popular “Em festa de jacu, inhambu não entra”. O fato de os inhambus brasileiros entrarem na festa do Oscar de 1999, já foi uma façanha; querer, depois de tanto, ainda sair com o prêmio, só na cabeça do Arnaldo Rancor...ou Amargo Jabor...


sábado, 6 de agosto de 2022

3129 - D O Namorado


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 1551                                       Data: 09 de agosto de2022

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O NAMORADO DE JOVANKA


Desses vídeos que circulam na internet pouca coisa se aproveita e a gente respira quando um dos bons aparece. Foi o caso do vídeo do jornalista Boris Feldman, sobre a exposição de automóveis antigos de Araxá, de julho de 2022.

Iam se seguindo automóveis maravilhosos, escolhidos pelo dedo do experiente apresentador e, entre eles, um Cadillac 75 Limousine, daqui do Rio de Janeiro, de 1960, conversível e preparado para desfiles, que foi usado pelo Marechal Tito, presidente-ditador da Iugoslávia.

Era de um tempo em que os presidentes usavam conversíveis enormes, para irem recebendo as saudações do povo e essa moda foi interrompida pelo assassinato de John Kennedy, em 1963. De lá pra cá, os aparatos de segurança prevaleceram sobre os marqueteiros de campanha e a turma só se desloca em carro blindado – ou de motocicleta.

Lembrando do Tito, repassei o vídeo para meu amigo Slobodan Vieira Mithovic, brasileiro, de família sérvia que imigrou para os Estados Unidos em 1947 e de lá para o Brasil, onde Slo, ou Islô, nasceu em 53, ou 54. Eu sabia que um tio de Islô tinha sido partisan iugoslavo, do Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia e tinha combatido os alemães e os croatas, usando armamento fornecido pelos soviéticos que davam suporte ao líder partisan, o futuro Marechal Tito. 

Um pouco da História cai bem para explicar um pouco esta intricada colcha de retalhos existente na região. O Reino, que já se chamava Iugoslávia desde 1918, foi invadido pelos nazistas em abril de 1941, através da Croácia, que fazia fronteira com a Hungria, então aliada dos alemães. Estes imediatamente criaram o Estado Independente da Croácia, um Estado fantoche entregue ao partido nacionalista Ustasha. Uma maneira esperta dos alemães foi darem poder a uma facção minoritária que se opunha à maioria sérvia, controladora dos rumos políticos do reino e, dessa maneira, controlar todo o reino sem usar muito do efetivo de soldados alemães. O Ustasha espalhou o terror pelo país matando indiscriminadamente sérvios, judeus e ciganos. A reação sérvia veio com apoio dos soviéticos e constituiu o partisan iugoslavo, onde o tio de Islô, Stjepan, era um exímio atirador.

Isso tudo seria apenas pano de fundo para a História, se a jovem Jovanka então com 17 anos, não fosse também exímia atiradora e se os partisans não constituíssem a maior resistência efetiva de oposição aos alemães. Muito ao contrário, essa combinação de eficiências e fuzis russos com poderosas miras telescópicas é que nos traz um registro diário do tio de Islô, escrito em servo-croata, porém com trechos traduzidos para o inglês.

Os ventos da tradição sopraram este diário até Islô, visto que o tio não tivera filhos e nós nos reunimos, já incandescentes pela tramoia que se avizinhava, na fazenda de Taubaté onde Islô decidira morar. Era como se o Pica-Pau Amarelo voltasse a bicar... O diário tinha mapas feitos à mão, soltos, uma foto de um rio encachoeirado e muita letrinha, mas Islô sabia que Jovanka era dona de um sorriso cativante e que viria a casar nos anos 50 com o Marechal Tito; além disso, e era o que a gente queria saber, tinha sido amiga, ou mais do que amiga, do tio Stjepan. 

Achamos um mapa com a sinalização de uma ravina com uma estrada estreita e os nomes encurtados para S e J, nas ancas das elevações. De cada um dos nomes partia uma linha reta que se juntava à outra exatamente no centro da estrada, a cerca de 500 metros dos nomes. Mais adiante estava o restante da informação, cada atirador ficava em um dos pontos e ambos atirariam no mesmo alvo e ao mesmo tempo, por exemplo, no lado direito do banco de um carro. Os disparos seriam percebidos e haveria uma busca para o lado de onde se achava que teria vindo o tiro, era essa a rotina do inimigo; em sequência, o atirador deste lado desapareceria da ação e o outro atirador aguardaria o momento adequado para dar início a mais disparos, pois o pessoal da busca estaria de costas para ele. Parece que funcionava bem.

Funcionava sim, porque na conferência de Teerã em 1943, Stalin comprovou a eficiência dessa tropa aguerrida, conhecedora de cada montanha e escarpa; pudera, eram quase 700 mil partisans no final da guerra, um grupo que não podia ser comparado a nenhum movimento de qualquer país que opôs resistência aos nazistas. Que não atravessaram impunemente a Iugoslávia.

Legal, mas não era exatamente isso que nos levava àquelas páginas amareladas, até esverdeadas, bolorentas, funguentas...

Cata daqui e dali aparece uma poesia em servo-croata, aquilo era importante, dez páginas depois, um trecho em inglês, em prosa, mas ficou claro pela pontuação que era a poesia e era a respeito de Jovanka. Falava de seu sorriso (essa era a chave), sorriso quadrado, com mais brancor que a neve de não-sei-onde, de seus perfeitos joelhos ogivais, ahh, dos joelhos ogivais e que ela tinha pernas! Longas pernas, vejam os leitores as fotos na internet, Jovanka era a Cyd Charisse do Leste Europeu! Falava ainda de seu olhar – e que era melhor não enfrentar. Principalmente se você estiver na outra ponta do cano (isso não estava escrito lá, mas acho adequado esclarecer).

As noites repartidas nas camas saco, com as cabeças cobertas, o ar gélido fora, o calor humano dentro; ali chegamos ao ponto, Stjepan e Jovanka eram um casal, ora ressecado pela espera solitária e infinita do combate e ora apaixonado na cama saco atritada, ralada, esquentada. 

Isso era pouco para a minha ebulição, mas como na guerra os tempos de espera são muito maiores que os de ação, tive a certeza de que o amor teve tempo de sobra. E amor com apreensão é aquele que não se desperdiça. Mesmo assim, senti pena que os tiros na ravina tivessem recebido muito mais linhas, palavras e mapas.

De volta ao nosso mundo, meu pensamento focalizou a imagem de Jovanka no Cadillac em 1962, ainda sedutora, atraente e sorridente aos quase 40 anos, uma combatente sem o Stjepan e primeira-dama com o Tito. 

Olhando alfabeticamente, foi uma letra à frente.