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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

3132 - Gafes no Oscar (cont 3130)

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O BISCOITO MOLHADO
   Edição 2243                                        Data: 17 de Janeiro de 2005       
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AS GAFES NO OSCAR
PARTE II

Tantos artistas loucos pelo Oscar e o seu nome nasceu de uma piada... Contam que uma funcionária da livraria da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e eventual diretora-executiva, Margareth Herrick, achou aquela figura dourada de um homem nu de corpo atlético, que representava o troféu, tão parecido com o seu Tio Oscar, que não se conteve:
- “Mas é o Tio Oscar...”
Sidney Skolsky, um jornalista especializado em Hollywood, soube da sugestiva semelhança e, na sua coluna, em 1934, escreveu com intenções maliciosas que o Oscar de melhor atriz foi para Katherine Hepburn, apelidando, assim, a estatueta pela vez primeira. A partir de 1939, a Academia passaria a chamar a estatueta de Oscar, consagrando o apelido.
O prêmio mais famoso do cinema fora criado, no entanto, bem antes; em 1927, e apenas para premiar os principais atores, atrizes e diretores da indústria cinematográfica.
O escolhido para desenhar a estatueta foi o diretor de artes dos estúdios Metro-Goldwin-Mayer, Cedric Gibbons, que sempre negou que o tio da Margareth Herrick lhe servira de modelo.
- “Nem sequer o conheci...” - dizia.
As primeiras versões da estatueta foram de bronze, mas com o esforço de guerra – a Segunda Guerra Mundial, naturalmente – não houve metal para o entretenimento e, por isso, o Oscar passou a ser confeccionado em gesso. 
Ultrapassados os tempos difíceis, o Oscar saiu do gesso, e agora é banhado em ouro e prata nos seus 34 centímetros de altura que perfazem 3,85 quilos. Desde o nascimento do Oscar, ele sofreu apenas uma modificação na sua forma: a inclusão, em 1945, de um pedestal.
Depois de tanta história, e de sabermos que o Oscar é, na acepção da palavra, uma piada, passemos para algumas gafes cometidas por artistas que o ganharam, ou que assim imaginaram.
Eu ainda peguei o tempo do Bob Hope como mestre de cerimônia da entrega da estatueta... Eu, Dieckmann, Causídico Verborrágico... Mas o Will Rogers como mestre de cerimônia, só mesmo o doutor Barreiros viu ...
Will Rogers não foi esquecido em algumas das nossas edições sobre os Roosevelt: animou as convenções do Partido Democrata que indicaram Franklin Delano Roosevelt como adversário do presidente Herbert Hoover. Como humorista, Will Rogers levava a extremos a máxima “o humor nunca é a favor”.  Ele foi, com as suas piadas cáusticas, um sucesso na época da grande depressão. E essa foi a principal razão para animar a noite mais esperada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
O estilo de humor “nunca a favor” do Will Rogers concorreu para que alguns artistas vitimados pelas piadas cometessem sérias gafes. Foi, por exemplo, o caso de Frank Capra, logo ele, o diretor do cinema americano que simbolizava a volta por cima dos menos favorecidos, o otimismo da Era Roosevelt.    
O ano era 1934. Frank Capra era o franco favorito para a estatueta de melhor diretor pelo filme “Dama por um Dia”.  Sabendo  disso, Will Rogers olhou para a   papeleta que indicava o vencedor e, em vez de  anunciar o premiado, fez um chamamento bem coloquial:
- “Venha buscá-lo, Frank”.
Radiante, Frank Capra ergueu-se da sua cadeira e rumou  para o palco. Mas o Frank agraciado como melhor diretor era outro: Frank Lloyd, pelo filme “Cavalgada”. Frank Capra, com os passos vacilantes, acusou o golpe, enquanto voltava para o seu lugar com as mãos vazias.
- “Foi a mais longa, triste e difícil caminhada da minha vida”.- registrou Frank Capra na sua autobiografia. 
Não se dando ainda por satisfeito, Will Rogers, nessa mesma noite de 1934, tentou fazer novas vítimas; chamou simultaneamente May Robinson e Diana Wynyard como ganhadoras do prêmio de melhor atriz. As duas não se mexeram das suas respectivas cadeiras, e aguardaram; foi a melhor coisa que fizeram, caso contrário, repetiriam a dolorosa caminhada de volta ao assento como o Frank Capra. Rindo um riso de sadismo esvaziado, Will Rogers anunciou a vencedora de fato: Katherine Hepburn, pela atuação em “Manhã de Glória”. Foi com esse prêmio – repetimos – que se usou pela primeira vez o apelido Oscar para a estatueta.
Humphrey Bogart, quem diria, engrossou o alentado volume sobre as gafes cometidas na entrega do Oscar. Foi em 1943. Favorito, por sua atuação em Casablanca, ergueu-se da cadeira com a intenção de ir ao palco quando mal abriram a boca para pronunciar a primeira letra do nome do vencedor do Oscar de melhor ator...  Paul Lukas do filme “Horas de Tormenta”. Humphrey Bogart sorriu amarelo, um amarelo Van Gogh, e, para não dar na vista, continuou de pé, aplaudindo.  Mas todos perceberam a gafe, pois ele era o único, entre centenas de pessoas presentes, que aplaudia Paul Lukas de pé.
Poucos anos depois, 1952, Shelley Winters, que disputava o Oscar por “Um Lugar ao Sol”, não pensou duas vezes; ela, aliás, nem pensou, antes mesmo de o apresentador Roger Colman olhar para o papel com o nome da melhor atriz, ela foi para o palco receber a estatueta. Ao ouvir que o nome da agraciada era, na realidade, Vivien Leigh, por “Uma Rua Chamada Pecado”, Vittorio Gasmann, marido da imaginária vencedora, puxou-a pelo braço. Resultado: os dois caíram.
- “Isso é que dá casar com americana pretensiosa”.- pensou, certamente, Vittorio Gasmann, com a bunda no chão. 
Ou, como declarara Napoleão, retirando-se da Rússia:
- “Do sublime ao ridículo a distância é de um passo”.
Em 1964, foi a vez da Rita Hayworth, que nunca disputou um Oscar, deixar a sua gafe na festa de premiação como apresentadora do melhor diretor daquele ano. Embora míope, não quis usar óculos e, assim, chamou um inexistente “Donny” para receber o Oscar. O nome que não conseguira ler era do diretor do filme “As Aventuras de Tom Jones”, Tony Richardson. A mancada da “Gilda” só não foi mais escandalosa porque o  diretor não se achava presente.
Para finalizar a edição de hoje, a gafe do jovem Steve Spielberg, na cerimônia do Oscar de 1976. Tão certo da vitória estava, que contratou uma equipe de filmagens particular para registrar o seu instante de glória. Quando foi anunciado “Um Estranho no Ninho” como vitorioso, e não “Tubarão”, Steve Spielberg nem procurou disfarçar a decepção: segurou a cabeça com ambas as mãos, e soltou um “I don't  believe”. Está tudo registrado pelas TVs e também pela equipe de filmagens contratada pelo diretor derrotado.
Cá, entre nós, o Oscar... ou o Tio Oscar, começou como uma piada, mas “Tubarão” vencer de “Um Estranho no Ninho” seria uma piada que nem o Will Rogers ousaria.

                        


terça-feira, 30 de agosto de 2022

3131 - Oscar Wilde (R)

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O BISCOITO MOLHADO



               Edição 2246                          Data: 20 de Janeiro de 2005      


                                                     

OSCAR WILDE


 Oscar Wilde não surgiu no mundo da cultura por geração espontânea – sua mãe, Jane Francesca Wilde, brilhava nos salões, entre os intelectuais, pelo seu talento na conversação e escrevera versos de irlandesa patriota com o pseudônimo de Speranza. Quanto ao pai, não se dedicara às letras, mas foi cirurgião-oculista (o termo é este) da rainha Vitória e sua carreira foi prejudicada pelos escândalos amorosos em que se envolveu.

O Filme “Wilde” de 1997, com Stephen Fry, homossexual assumido, no papel do escritor, soube dar a justa relevância à mãe do personagem principal, tanto que colocaram a atriz Vanessa Redgrave para viver o papel dela. Não me recordo de alusão alguma à Senhora Francesca Wilde no filme de 1960, que, aliás, perdi no cinema e acabei assistindo na televisão. 

O filme sobre Oscar Wilde – refiro-me ao mais recente – inicia-se e deixa o espectador mais apressado em dúvida: o escritor viveu na era vitoriana ou no faroeste dos mais rápidos no gatilho? Tal pergunta surge porque logo nos primeiros planos do filme Oscar Wilde/Stephen Fry é visto no meio dos mocinhos e bandidos do bravio estado do Colorado.  O ano era 1882 e Oscar Wilde, que tinha 28 anos, fora aos Estados Unidos, a convite, para proferir uma série de palestras - nelas, contraporia a beleza da arte aos horrores da sociedade industrial, que, aliás, inspirou os melhores romances de Charles Dickens. 

De volta a Londres, contou que, antes de uma das suas palestras, enforcaram dois homens:

- “... Veio, então, a minha palestra. Senti-me a sobremesa, depois que serviram a carne”. - Oscar Wilde não era rápido no gatilho, mas era rápido na língua.

Vai a Paris, fica pouco tempo por lá, o suficiente para esquecer a confrontação entre arte e indústria, e volta para Londres. Casa-se com Constance Lloyd, filha de um advogado de Dublin, mulher inteligente e culta que podia sustentar uma conversação de horas com ele. Em 1885 nasce o primeiro filho do casal, Cyril e, no ano seguinte, nasce o segundo filho, Vyvyan.

Oscar Wilde, que se destacara como latinista e helenista, quando aluno do Trinity College de Dublin, aparece, na pele do ator Stephen Fry, meio perdido: a vida de marido com esposa e filhos num lar vitoriano não o satisfaz. Aproxima-se, então, de rapazes, supostamente de programa, e ao ser abordado por um deles, foge mais por timidez do que por vontade.

As suas tendências homossexuais o acompanhavam desde a época de estudante, mas só na faixa dos trinta anos, depois de casado e com filhos, deixa-se seduzir por Robert Ross, um hóspede canadense. Conhecera o chamado vício grego e não mostra intenção de abandoná-lo.   

Em 1891, lança a sua obra mais famosa, O Retrato de Dorian Gray, ganha muito dinheiro e sempre é visto na companhia de rapazes.

No ano seguinte, é apresentado a Lord Alfred Douglas, um jovem estudante de Oxford, apelidado de Bosie. Mal comparando, ele foi para Oscar Wilde o que Francesca da Rimini foi para Paolo, e vice-versa, ou seja, tal relacionamento acabou no inferno dantesco.

Tanto o filme de 1960 quando o de 1997 mostram um “Bosie” caprichoso ao extremo, choramingas, mas sem os trejeitos de maricas; John Neville é, aliás, muito elogiado neste papel, sempre que o filme, que teve Robert Morley no papel título, é criticado.

Muito mais indignado do que a esposa de Oscar Wilde com o par formado entre o escritor e o seu “pupilo”, ficou o pai do rapaz, o Marquês de Queensberry, que investe, então, contra eles. Num dia de fevereiro de 1895, não encontrando o amante do filho, depois de procurá-lo, faz-lhe chegar à mão um cartão: “A Oscar Wilde, afetado sodomita”.

  Bosie, levado por repentes nervosos, aconselha Oscar Wilde a processar, por calúnia, o seu pai. É um mau conselho e Robert Moss mostra a Oscar Wilde o quanto é temerário levar o homossexualismo aos tribunais. Tais ponderações, que antecederam a decisão de Oscar Wilde de processar o Marquês de Queensberry no cinema, não vieram apenas de Robert Moss. Muitos outros amigos de Oscar Wilde pediram para que ele rasgasse o cartão do “sogro”, e esquecesse o processo. Sabiam eles, mas parece que Oscar Wilde não, que a polícia Londrina vigiava e fichava todos os suspeitos de homossexualismo; nada fazia contra eles que, até então, eram tolerados. Diz-se que, na época, quarenta mil pessoas eram vigiadas, só em Londres, pela Scotland Yard, e a maioria delas era homossexual. Seria arriscado desafiar as convenções da sociedade vitoriana, ainda mais com um processo em cima de um inimigo poderoso.

O próprio Bernard Shaw – fato não muito divulgado – tentou levar Oscar Wilde para o caminho da razão; advertiu-o que a sua derrota no processo também significaria um retrocesso na cena artística: o moralismo vitoriano recrudesceria, a censura se faria presente, sem contar a perda da liberdade relativa em que os homossexuais viviam, até então. 

   Com ouvidos apenas para as palavras do amante, Oscar Wilde foi em frente e processou o Marquês de Queensberry. Nós acreditamos que também o seu amor pelas gambiarras, a sua atração por um público pronto a aplaudir as suas tiradas inteligentes, mesmo sendo um público de tribunal, o levaram a esse princípio do fim.

   Como fora previsto pelos amigos mais lúcidos, Oscar Wilde de acusador passou a réu e os detalhes da sua vida dupla, colhidos pela polícia, apareceram.

Foi condenado por práticas homossexuais a dois anos de cadeia. Seus livros logo desaparecem das livrarias e as suas peças são retiradas de cartaz. Seus bens são leiloados para pagar as custas do processo e seus filhos são tirados da sua tutela. 

O filme, que mostrara até o julgamento as madeixas fartas do ator Stephen Fry, caracterizando como dândi o requintado Oscar Wilde, mostra seus cabelos cortados, talvez por causa dos piolhos, dele já prisioneiro, comendo, então, num prato de metal ordinário. Muitas décadas depois foi reabilitado e um livro escrito por um dos seus dois filhos contribuiu para isso.

Essa fita de 1997 termina com um pensamento do escritor: “Neste mundo há somente duas tragédias; uma é não conseguir o que se quer, a outra é consegui-lo”.

Nós preferimos outro pensamento de Oscar Wilde para encerrar estas páginas:

- “Que sorte tem os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.”


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

3130 - Prêmio de consolação (R)

 

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O BISCOITO MOLHADO



               Edição 2242                          Data: 14 de Janeiro de 2005       

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 AS GAFES NO OSCAR

                         

Depois das gafes dos filmes, propriamente ditas, passemos para as gafes cometidas nas entregas do Oscar. Nós não somos muito inclinados a assistir a essas premiações de Hollywood, por isso a relação da maioria das gafes por nós aqui apontadas foram retiradas de jornais. Vimos alguns Oscar no tempo em que a Bibi Ferreira fazia a tradução simultânea (uma lástima, segundo os caçadores de gafes interlinguístiscas). E depois, paramos de ver a denominada festa máxima do cinema.

Depois de uns anos sem a nossa presença diante da televisão, voltamos a nossa atenção para a entrega das estatuetas, porque a mesma não seria transmitida pela TV Globo, e sim pela TV Record. Era o ano da premiação da Lista de Schindler. Nossa vã esperança de melhora na programação logo se dissipou com os comentários de uma idéia do locutor Boris Casoy:

- “É ótimo que filmes como a ‘Lista de Schindler’ apareçam nesse momento em que os neonazistas colocam a cabeça de fora na Europa”.

Só faltava o “Isso é uma vergonha” para arrematar a fala do locutor. Em determinado momento da festa de Hollywood, surge no palco a Deborah Kerr – estava ela diferente daquela Deborah Kerr que foi beijada pelo Burt Lancaster no filme “A um passo da eternidade” em pelo menos oitenta mil calorias. Foi quando o Boris Casoy resolveu esquecer a “séria ameaça dos neonazistas” na Europa para interromper um comentário do Rubens Ewald Filho:

- “Ela ainda guarda a beleza dos tempos passados”.

- “Bem, Boris, a beleza dela agora...” - não ficava bem para o comentarista de cinema convidado pela TV Record discordar do anfitrião, mas as nuances na voz do Rubens Ewald Filho disseram tudo.

No ano seguinte, as Organizações Globo resolveram pegar de volta a transmissão do Oscar. Bem, sem o Boris Casoy, a transmissão só poderia melhorar e nós insistimos em ver mais uma vez a premiação máxima do cinema.   Era o ano do filme do Walter Moreira Salles, “Central do Brasil”, concorrer como o melhor estrangeiro. Também houve uma espécie de comoção nacional quando indicaram a Fernanda Montenegro para disputar o Oscar de melhor atriz com talentos internacionais, como Meryl Streep e Cate Blanchett.

Bem, não tínhamos Boris Casoy, mas tínhamos Arnaldo Jabor entre a festa em Los Angeles e os espectadores no Brasil. Com o clima de favoritismo criado para o filme italiano “A Vida é Bela”, que se tornou praticamente em vitória certa quando Hollywood convidou a Sofia Loren para entregar o prêmio de melhor filme estrangeiro, Arnaldo Jabor perdeu o senso de medidas. Antes da premiação, já na sua crônica do Globo, arrasou o filme de Roberto Benigni, que transformara, segundo as suas palavras, um campo de concentração nazista em parque temático. Na transmissão, propriamente dita, a bílis do torcedor fanático e frustrado do Central do Brasil, transbordava. Em dado momento da festa, Robin Williams foi focalizado pelas câmaras americanas com um sorriso de satisfação pela vida que Arnaldo Jabor, certamente ofendido com tanta felicidade, retrucou com azedume na voz:

- “Esse aí não passa de um canastrão...”

- “Caramba, e ainda não anunciaram ‘A Vida é Bela’ como ganhadora do Oscar...” - imaginaram, certamente, o Roberto Machado e o Rubens Ewald Filho, aqueles que se encontravam mais próximos da fera que salivava ódio, nessa reportagem da TV Globo.

Para encurtar essa história que todos se recordam, sem a menor dúvida, no dia seguinte, a atuação do Arnaldo Jabor era mais comentada na cidade do que a dos próprios artistas que receberam o Oscar, ou o perderam injustamente. Ele, o Arnaldo Jabor roubara o espetáculo.

- “Rapaz, você viu ontem, na entrega do Oscar, o Arnaldo Rancor?...” - perguntavam uns.

- “Você viu o Amargo Jabor?...” - perguntavam outros.

- “Amargo Rancor...” - resumiu em duas palavras o irmão de uma colega nossa de trabalho a noite em que se premiou ‘A Vida é Bela’ em vez do ‘Central do Brasil’.

Tudo bem que o Roberto Benigni guarda umas semelhanças com o paspalhão do Didi Mocó, mas “A Vida é Bela” até que é um filme razoável.

O momento da festa de Hollywood em que o Arnaldo Jabor deveria manifestar-se, no nosso entender, ele calou-se para sempre, foi quando a Gwyneth Paltrow no seu discurso de melhor atriz, no filme “Shakespeare Apaixonado”, reverenciou Meryl Streep usando as outras concorrentes para isso:

- “Você, que é a melhor de todas nós...”

Ora, sabia ela por acaso o que já fez a Fernanda Montenegro em matéria de representação?... Bem que o Rubens Ewald  Filho já vinha, com ironia, chamando a Gwyneth Paltrow  de “branquinha aguada...”  

Bem, como diz o ditado popular “Em festa de jacu, inhambu não entra”. O fato de os inhambus brasileiros entrarem na festa do Oscar de 1999, já foi uma façanha; querer, depois de tanto, ainda sair com o prêmio, só na cabeça do Arnaldo Rancor...ou Amargo Jabor...


sábado, 6 de agosto de 2022

3129 - D O Namorado


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 1551                                       Data: 09 de agosto de2022

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O NAMORADO DE JOVANKA


Desses vídeos que circulam na internet pouca coisa se aproveita e a gente respira quando um dos bons aparece. Foi o caso do vídeo do jornalista Boris Feldman, sobre a exposição de automóveis antigos de Araxá, de julho de 2022.

Iam se seguindo automóveis maravilhosos, escolhidos pelo dedo do experiente apresentador e, entre eles, um Cadillac 75 Limousine, daqui do Rio de Janeiro, de 1960, conversível e preparado para desfiles, que foi usado pelo Marechal Tito, presidente-ditador da Iugoslávia.

Era de um tempo em que os presidentes usavam conversíveis enormes, para irem recebendo as saudações do povo e essa moda foi interrompida pelo assassinato de John Kennedy, em 1963. De lá pra cá, os aparatos de segurança prevaleceram sobre os marqueteiros de campanha e a turma só se desloca em carro blindado – ou de motocicleta.

Lembrando do Tito, repassei o vídeo para meu amigo Slobodan Vieira Mithovic, brasileiro, de família sérvia que imigrou para os Estados Unidos em 1947 e de lá para o Brasil, onde Slo, ou Islô, nasceu em 53, ou 54. Eu sabia que um tio de Islô tinha sido partisan iugoslavo, do Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia e tinha combatido os alemães e os croatas, usando armamento fornecido pelos soviéticos que davam suporte ao líder partisan, o futuro Marechal Tito. 

Um pouco da História cai bem para explicar um pouco esta intricada colcha de retalhos existente na região. O Reino, que já se chamava Iugoslávia desde 1918, foi invadido pelos nazistas em abril de 1941, através da Croácia, que fazia fronteira com a Hungria, então aliada dos alemães. Estes imediatamente criaram o Estado Independente da Croácia, um Estado fantoche entregue ao partido nacionalista Ustasha. Uma maneira esperta dos alemães foi darem poder a uma facção minoritária que se opunha à maioria sérvia, controladora dos rumos políticos do reino e, dessa maneira, controlar todo o reino sem usar muito do efetivo de soldados alemães. O Ustasha espalhou o terror pelo país matando indiscriminadamente sérvios, judeus e ciganos. A reação sérvia veio com apoio dos soviéticos e constituiu o partisan iugoslavo, onde o tio de Islô, Stjepan, era um exímio atirador.

Isso tudo seria apenas pano de fundo para a História, se a jovem Jovanka então com 17 anos, não fosse também exímia atiradora e se os partisans não constituíssem a maior resistência efetiva de oposição aos alemães. Muito ao contrário, essa combinação de eficiências e fuzis russos com poderosas miras telescópicas é que nos traz um registro diário do tio de Islô, escrito em servo-croata, porém com trechos traduzidos para o inglês.

Os ventos da tradição sopraram este diário até Islô, visto que o tio não tivera filhos e nós nos reunimos, já incandescentes pela tramoia que se avizinhava, na fazenda de Taubaté onde Islô decidira morar. Era como se o Pica-Pau Amarelo voltasse a bicar... O diário tinha mapas feitos à mão, soltos, uma foto de um rio encachoeirado e muita letrinha, mas Islô sabia que Jovanka era dona de um sorriso cativante e que viria a casar nos anos 50 com o Marechal Tito; além disso, e era o que a gente queria saber, tinha sido amiga, ou mais do que amiga, do tio Stjepan. 

Achamos um mapa com a sinalização de uma ravina com uma estrada estreita e os nomes encurtados para S e J, nas ancas das elevações. De cada um dos nomes partia uma linha reta que se juntava à outra exatamente no centro da estrada, a cerca de 500 metros dos nomes. Mais adiante estava o restante da informação, cada atirador ficava em um dos pontos e ambos atirariam no mesmo alvo e ao mesmo tempo, por exemplo, no lado direito do banco de um carro. Os disparos seriam percebidos e haveria uma busca para o lado de onde se achava que teria vindo o tiro, era essa a rotina do inimigo; em sequência, o atirador deste lado desapareceria da ação e o outro atirador aguardaria o momento adequado para dar início a mais disparos, pois o pessoal da busca estaria de costas para ele. Parece que funcionava bem.

Funcionava sim, porque na conferência de Teerã em 1943, Stalin comprovou a eficiência dessa tropa aguerrida, conhecedora de cada montanha e escarpa; pudera, eram quase 700 mil partisans no final da guerra, um grupo que não podia ser comparado a nenhum movimento de qualquer país que opôs resistência aos nazistas. Que não atravessaram impunemente a Iugoslávia.

Legal, mas não era exatamente isso que nos levava àquelas páginas amareladas, até esverdeadas, bolorentas, funguentas...

Cata daqui e dali aparece uma poesia em servo-croata, aquilo era importante, dez páginas depois, um trecho em inglês, em prosa, mas ficou claro pela pontuação que era a poesia e era a respeito de Jovanka. Falava de seu sorriso (essa era a chave), sorriso quadrado, com mais brancor que a neve de não-sei-onde, de seus perfeitos joelhos ogivais, ahh, dos joelhos ogivais e que ela tinha pernas! Longas pernas, vejam os leitores as fotos na internet, Jovanka era a Cyd Charisse do Leste Europeu! Falava ainda de seu olhar – e que era melhor não enfrentar. Principalmente se você estiver na outra ponta do cano (isso não estava escrito lá, mas acho adequado esclarecer).

As noites repartidas nas camas saco, com as cabeças cobertas, o ar gélido fora, o calor humano dentro; ali chegamos ao ponto, Stjepan e Jovanka eram um casal, ora ressecado pela espera solitária e infinita do combate e ora apaixonado na cama saco atritada, ralada, esquentada. 

Isso era pouco para a minha ebulição, mas como na guerra os tempos de espera são muito maiores que os de ação, tive a certeza de que o amor teve tempo de sobra. E amor com apreensão é aquele que não se desperdiça. Mesmo assim, senti pena que os tiros na ravina tivessem recebido muito mais linhas, palavras e mapas.

De volta ao nosso mundo, meu pensamento focalizou a imagem de Jovanka no Cadillac em 1962, ainda sedutora, atraente e sorridente aos quase 40 anos, uma combatente sem o Stjepan e primeira-dama com o Tito. 

Olhando alfabeticamente, foi uma letra à frente.

quarta-feira, 27 de julho de 2022

3128 - Médicos x Roosevelt e Churchill (Reedição)

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 2227                                       Data: 23 de dezembro de2004

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ROOSEVELT E CHURCHILL DÃO TRABALHO AOS MÉDICOS

                    

Enquanto William Randolph Hearst recorria a todos os meios legais e ilegais para evitar que o filme Cidadão Kane chegasse às telas, pedia auxílio financeiro ao governo Roosevelt para manter o seu império jornalístico, ora combalido. O auxílio foi negado e William Randolph Hearst, que considerava Roosevelt um comunista que acabaria levando os Estados Unidos à guerra contra a Alemanha e não contra a Rússia, ameaçou publicar fotos de aleijado do presidente em todos os seus jornais espalhados pelo país. A recusa foi mantida, quem cuidaria agora das bazófias do magnata decadente seria Orson Welles.

Franklin Delano Roosevelt evitou todas as maneiras possíveis e impossíveis que o povo o visse como inválido. Com o envolvimento dos Estados Unidos na guerra, e a aparição dos primeiros soldados americanos mutilados, o presidente já se deixava fotografar na cadeira de rodas. 

No ano de 1944, a sobrecarga emocional com a guerra trazia-lhe sérios males físicos; tornara-se um hipertenso à beira do derrame cerebral. Outro fator que o aproximava da morte era o fumo, embora os médicos da época, incluindo os seus, não atentassem muito para isso tal era a campanha pró-fumo das grandes empresas tabagistas. Lembramos que, quando fora acometido pela poliomielite aos 39 anos, deitou-se na maca que o levaria ao hospital com o seu cachorro nos braços e uma piteira fumegante na boca.

Em 1944, pouco antes das eleições presidenciais americanas, o médico de Franklin Delano Roosevelt diagnosticara  hipertensão aguda e insuficiência cardíaca congestiva. Ele não resistiria a um quarto mandato, mas Roosevelt recusava-se a deixar o seu posto de comandante em chefe.

No dia 25 de março desse ano, o doutor Bruenn só concebia uma maneira de salvar a vida de Roosevelt: livrá-lo das tensões mentais e das influências emocionais.  O médico esboçou as medidas a serem tomadas, mas logo percebeu que entrara no terreno da ficção.

Enquanto isso, em Londres, o grande aliado de Roosevelt, Winston Churchill, também dava problemas aos médicos. Aproximava-se dos 70 anos e nenhum médico poderia prever que chegaria aos noventa, como chegou. Tinha de cortar os coquetéis de papaia com uísque diluído que bebia “all day long”, porém, diante das recomendações médicas, era rebelde:

- “A bebida é minha criada, não minha senhora”.- retrucava.

Os charutos, mesmo os puríssimos havanas, não possuíam  o encanto hollywoodiano dos cigarros, e por isso foram também vetados pelos médicos de Churchill, que permaneceu rebelde e com o charuto na boca.

Um ano antes, isto é, em 28 de novembro de 1943, depois de reunir-se com Roosevelt e Stalin, em Teerã, pegou pneumonia e ficou entre a vida e a morte. Declarou, depois, que foi salvo pela sulfa e pelo conhaque, mas a história diz que deve a vida ao médico que descobrira a penicilina. Reza a lenda que seria essa a segunda vez que a mesma pessoa o salvava da morte, pois, quando garoto, afundando-se numa piscina, foi socorrido pelo filho do jardineiro, o Alexandre Fleming. Churchill, em “Minha Mocidade”, escreve os acontecimentos de outra maneira. Com dez anos de idade, brincava com outras crianças na propriedade de uma tia, em Bournemouth. Era uma brincadeira de pegar no meio de pinheirais “que desciam por ondulações arenosas terminadas em penhascos, às lisas e duras praias do Canal da Mancha”. Cercado pelos perseguidores, o pequeno Churchill anteviu uma maneira de escapulir. “Meu raciocínio era certo, mas os dados dos problemas estavam errados. Levei três dias sem sentido e fiquei de cama mais de três meses. Caí de 29 pés de altura num terreno duro, embora certamente os galhos atenuassem a minha queda.” Carlos Lacerda, o tradutor da “Minha Mocidade”, escreveu 29 pés; é isso aí: Churchill caiu de uma altura próxima de 9 metros e meio. Além de não cair na piscina, Alexandre Fleming tinha três anos de idade na época.

No início dos anos 30, Churchill seria atropelado por um carro em Nova York, ou seja, sempre deu trabalho aos médicos; em 1944 não era diferente. Vivia irritadíssimo com as bombas V1 que já mataram 3 mil civis ingleses e feriram 8 mil, e brigava com os seus generais que não concordavam com a sua retaliação: lançar gás venenoso contra os civis alemães.

Roosevelt, muitos quilos mais magro, assustou o povo americano pela sua aparência mórbida quando apareceu na televisão para anunciar a sua intenção de candidatar-se ao cargo presidencial pela quarta vez. Não pretendia mesmo deixar os seus soldados no meio da guerra, e não suportava a idéia de imaginar Thomas Dewey, o candidato republicano, no seu lugar.

A campanha eleitoral foi amarga; Thomas Dewey reconheceu a derrota pelo rádio, mas não enviou o telegrama tradicional de felicitações ao adversário vitorioso.

- “Eu sempre o achei um filho da puta”.- reagiu Roosevelt, enquanto empurravam a sua cadeira de rodas para o seu quarto, em Springwood.

Poucos meses antes dessa eleição, mais precisamente 20 de julho de 1944, houvera o atentado contra a vida de Hitler, encabeçado por generais alemães; mas, por ironia, quem mais estivera perto da morte nesse dia foi Franklin Delano Roosevelt. O presidente foi encontrado no chão, em São Diego, pelo filho James, depois de observar um exercício de desembarque de tropas nas praias da Califórnia. Sofrera um acidente vascular cerebral de pequena intensidade. Recuperou-se e ordenou segredo ao filho, nem o seu médico poderia saber do ataque. James Roosevelt disse mais tarde que poderia desobedecer ao pai, mas nunca ao comandante em chefe.

 Hitler, como todos sabemos, sobreviveu ao atentado com mais de cem farpas da madeira de carvalho da mesa e das cadeiras, que foram para os ares, encravadas pelo seu corpo. Os generais envolvidos foram fuzilados, Rommel foi obrigado a cometer suicídio e os demais conspiradores, por ordem de Hitler, foram enforcados com cordas de piano e pendurados em ganchos de açougue. Essas execuções foram filmadas e enviadas a Hitler. Segundo o jornalista Paulo Francis, esses filmes, que de vez em quando Hitler assistia, eram o seu Tom e Jerry.

Roosevelt já perdera a voz enérgica dos discursos no Congresso em que dizia que a guerra era contra bandidos, mas ainda se mantinha no seu posto nos primeiros meses de 1945.


terça-feira, 26 de julho de 2022

3127 - Jogando com Napoleão (reedição)


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 2224                                       Data: 20 de dezembro de2004

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ENXADRISTA

Eis uma coisa que eu não sabia: máquinas já tinham fama de enxadristas desde o final do século XVIII. Soube através do documentário que o canal de TV, HBO, apresenta, neste mês de Natal, sobre as célebres partidas disputadas entre o campeão mundial, Garry Kasparov, e Deep Blue, o supercomputador projetado pela IBM que possuía a capacidade de analisar 200 milhões de posições por segundo. Logo nas cenas iniciais desse documentário, é citado com imagens “o Turco”, uma máquina de jogar xadrez, e é citado também Napoleão Bonaparte, o adversário do Turco numa célebre partida. 
O Departamento de Pesquisas do nosso periódico foi imediatamente acionado e colhemos alguns dados sobre o Turco, sobre o Francês que nasceu na Córsega e até sobre Che Guevara, o argentino que foi ministro da Fazenda em Cuba e morreu como guerrilheiro na Bolívia.
Com a efervescência da Revolução Industrial no final do século XVIII, um engenheiro austríaco, Wolfgang von Kempelen, apresentou ao público a sua invenção: uma máquina que jogava xadrez. Era essa máquina revestida de madeira, onde se destacava um boneco sentado diante de um tabuleiro de xadrez, trajando vestimentas turcas. Três portinholas, quando abertas na máquina de Kempelen, proporcionavam aos curiosos a visão dos intricados mecanismos do seu interior onde, diziam, não havia espaço para um ser humano esconder-se e ajudar o boneco turco.
As apresentações públicas do Turco, como apelidaram a máquina de jogar xadrez, tornaram-se um acontecimento na sociedade vienense já nos anos 70 do século XVIII.  Diga-se, de passagem, que a Turquia era moda em Viena, nessa época: Mozart compusera a Marcha Turca, e lançara a ópera o “Rapto no Serrralho”, com motivos da Turquia.
Com o sucesso, o Turco passou a viajar pela Europa, apresentando-se nas mais diferentes capitais. O procedimento básico a ser respeitado pelos interessados nas apresentações do Turco era escolher como seu adversário um integrante da platéia que mostrasse conhecimentos do jogo de xadrez. Realizava-se, então, a partida sob mil olhares incrédulos. No momento de o turco jogar o seu lance, ouvia-se do interior da máquina os giros das rodas dentadas para, em seguida, dar-se a cena miraculosa: o boneco pegava uma peça do tabuleiro com a mão esquerda, erguia-a, e executava o seu lance. Para muitos da platéia, isso nada tinha de tecnológico e sim de sobrenatural, alguns até faziam o sinal da cruz.
A grande maioria dos jogos era vencida pela máquina. Mas as disputas com exímios enxadristas, como a com Philidor, em Paris, considerado o melhor enxadrista da época, redundaram em derrotas para o Turco.
Morreu, anos depois, o criador da máquina, mas não a sua criatura, que ainda gozava de sucesso junto ao público. O filho de Kempelen, sem a paciência do pai, vendeu, então, o Turco, por uma dinheirama para o artista mecânico Johann Nepomuk Maelzel, que sabia muito bem a preciosidade que tinha em mãos. 
Napoleão Bonaparte, que nesse tempo costumava ir à Áustria para aplicar homéricas sovas nos austríacos, revelou, como aficionado do xadrez que era, o seu desejo de jogar uma partida contra a máquina. Agendaram, então, uma partida entre os dois para o dia 9 de outubro de 1809, em Viena. A partida aconteceu e terminou com a derrota “acachapante”, como diriam os locutores de futebol de hoje, do poderoso Imperador da França.
Contam que Napoleão, em dado momento do jogo, executou propositalmente um lance errado; foi, então, corrigido pela máquina. Repetiu o erro e foi de novo corrigido. No terceiro erro, Napoleão foi surpreendido por uma crise de nervos do Turco, que lançou o tabuleiro pelos ares.  Saiu, em seguida, de dentro da máquina Johann Allgaier, um gênio do xadrez.  Como o Biscoito Molhado não é o jornal da cidade de Shinbone de “O Homem Que Matou o Facínora”, não sairá impressa aqui a lenda. É verdade que enxadristas geniais tem chiliques de vez em quando, mas diante de Napoleão Bonaparte, depois de vencer os austríacos, nem o Turco, nem a Turquia inteira se atreveria... Prossigamos.
Décadas depois do jogo com Napoleão, o Turco ainda jogava (é claro, ficou bem mais famoso). Em 1837, no entanto, um enxadrista francês, Jacques François Mouret, procurou a imprensa, e fez revelações escandalosas: um homem poderia enfiar-se no meio dos mecanismos da máquina, seguir o andamento das partidas e mover a mão esquerda do boneco turco.  Só não mostrou na prática como isso acontecia porque o Turco fora vendido para os americanos, há algum tempo.
Nos Estados Unidos, o Turco reviveu o sucesso da Europa, mas as suspeitas de fraude começaram a agitar alguns espíritos. O grande escritor Edgard Allan Poe, percebendo espertezas no ar, redigiu um artigo denunciando a fraude. Paulatinamente, a fascinação que aquela máquina de jogar xadrez exercia sobre a platéia arrefeceu até o Turco virar curiosidade de um museu da Filadélfia, que o recebera como doação. Em 1854, esse museu era completamente destruído por um incêndio, nem o Turco que derrotara Napoleão, nos áureos tempos dos dois, escapou.
O imperador francês era fortemente atraído pelo jogo de xadrez que, na realidade, representa uma guerra, onde os peões vão na frente e o objetivo é matar o rei (xeque mate, Shah mat, no idioma persa significa o rei está morto). Mas trata-se de uma guerra asséptica, sem o troar dos canhões, o levantar da poeira pelos cavalos, os gritos e o sangue, talvez por isso Napoleão Bonaparte, embora aficionado, fosse um enxadrista limitado. Registram os historiadores que o adversário enxadrístico mais constante do Imperador foi o Marechal Ney, que quase sempre o vencia. Preso na Ilha de Santa Helena, Napoleão se distraía com o tabuleiro e as suas trinta e duas peças e sessenta e quatro casas. Talvez por serem raras as vitórias napoleônicas nesse tipo de guerra, há o registro de uma partida sua contra o General Bertrand, em 1818. Napoleão, com as brancas, sai com o cavalo na terceira casa do bispo do rei e no décimo oitavo lance, vence a partida. 
O espirituoso comentarista do jogo de xadrez e escritor, Tartakower, dividiu os jogadores em quatro grupos:
Jogadores fracos que não sabem que são fracos; são ignorantes - evite-os.
Jogadores fracos que sabem que são fracos; são inteligentes – ajude-os.
Jogadores fortes que não sabem que são fortes; são modestos – respeite-os.
Jogadores fortes que sabem que são fortes; são sábios – siga-os.
Napoleão foi um jogador fraco, mas inteligente como era, certamente tinha consciência da sua fraqueza.
Quanto a Che Guevara, de quem prometemos falar, foi um respeitado enxadrista, apesar de amador. Em 1962, em Havana, jogando com as peças pretas, empatou com o grande mestre internacional, argentino como ele, Miguel Najdorf, que enriquecera o universo do xadrez com a criação da “variante Najdorf”. Essa partida foi também registrada pelos historiadores. 
Pretendíamos dizer, no início desta edição, que o documentário do HBO levado às telas da televisão estabelecia um paralelo entre o jogo de Kasparov contra o supercomputador Deep Blue com o jogo entre Napoleão Bonaparte contra o Turco, mas deixamos o documentário de lado logo em seguida. Bem, dia desses retornaremos a ele.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

3126 - D Doze é bom, treze é demais

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 1551D                                       Data: 23 de julho de 2022

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O DÉCIMO-TERCEIRO TRABALHO


Era Éracles sem agá e era a antítese do nome; preguiçoso, temeroso e nada aventureiro. Pudera, a começar por seu batismo, nem podia ostentar o H, de Héracles, ou de Hércules, por conta do famigerado Formulário Ortográfico de 1943, que baniu daqui do Brasil as elegantes letras W, Y e K do alfabeto universal e impediu o uso do H em nomes próprios, ficando esta pobre letra aprisionada apenas nos dígrafos como NH, LH ou CH. Somente os Paulinhos e Carlinhos podiam ter H, Éracles foi batizado com E.

Esse Formulário de 1943 foi acordado dentro da Academia Brasileira de Letras e, a bem da verdade, houve muito debate sobre o tema. O doublé de tabelião e poeta Zeca Portugal, polemista irascível, cometia seus dodecassílabos furiosos contra a ceifação preconizada no Formulário, mas acabou prevalecendo, aqui, na nossa cidade e no Brasil, a simplificação ortográfica e vimos aparecer a Ditadura dos Escrivães, que estendeu os rigores do Formulário aos novos batizados. Sem agá, sem choro e sem vela.

O poeta Portugal era um caso à parte. Primeiro, ele se dizia tabelião imperial, pois nascera no Segundo Império, com D. Pedro II dando as cartas e depois, porque ostentava um bigode lustroso e perfumado, obtido da cera Mustachinna, que era produzida em Volta Redonda e servia para enegrecer pelos e cabelos. Seu zelo era tanto, que nem café tomava, para não manchar a bigodeira. Uma peruca negra cobria-lhe a calva e, assim paramentado, participava das discussões intermináveis na ABL, cioso do valor do alfabeto de 26 letras. Foi perdedor, mas deixou-nos seu legado:

"Dizem-me velho, quem reclama é o alfabeto,
Cortam-me  letras, são três que aqui me podam,"

E por aí seguia o velho Portugal troçando alfabeto, desafeto, concreto e outras rimas menores. 

É esquisito o Brasil, burocrático, emperrado, justiça lenta e obsoleta, mas é aqui que aparece, no fim de uma semana, um Collor que tira o dinheiro de todos e uma ABL, que atazanou a vida dos brasileiros durante uns vinte anos, sem direito a veto ou voto. 

Este tormento acabou por si só, no tempo ventilado da bossa nova, em uma rebelião natural, uma desobediência civil generalizada que permitiu o batizado, com nomes esdrúxulos, de muitos futuros jogadores de futebol. O que seria de nós sem tal providência?

O tempo voa e Éracles já estava nos 40 anos, era casado com a argentina Myrna, esta com invejável direito a Y no nome e, com eles, seus quatro filhos. Como a corda era uma só, a caçamba sempre andava lotada, ou andava todo mundo, ou ninguém se mexia.

Aos sábados, a caçamba era freguesa da feijoada dos amigos em um belo sítio de Campo Grande, com seus componentes mais tradicionais, torresmo, cerveja, caipirinha e uísque, consta até que alguns comiam feijão; laranja tinha, mas era só pra quem pedia. Todos iam com as famílias, propiciando um ambiente entrosado entre as crianças e de maldosas fofocas entre as patroas. Myrna, por seu sotaque portenho, era meio que posta de lado e compensava o silêncio indesejado com caipirinhas em sequência, sempre alternando cachaça com vodca, certa de que o álcool da cana não se somaria ao de cereal, um teorema presumivelmente argentino que não acabaria em tango.

Naquele fim de tarde, Myrna despertou da soneca muito torta. Todos embarcados no galaxie, ela determinou:
" - Sem curvas, Éracles, sem curvas!" 

Éracles ponderou que a descida do estacionamento obrigaria a uma série de obstáculos verticais e horizontais e, para surpresa geral, seus argumentos geológicos foram bem aceitos. Myrna desceu a pé a escadaria e esperou no portão. Mas, ao reentrar no carro, repetiu a ladainha sobre a inexistência das curvas.

Dirigida tão suavemente quanto possível e contando com a boa sorte do povo, a viagem seguiu, lenta e cautelosa, pelas estradinhas que eram felizmente bastante retas, pois não havia de verdade qualquer curva que fosse digna do nome. Em poucos quilômetros, nossa Myrna adormeceu sentadinha no banco macio e, poderia se dizer, o sucesso era silencioso e total.

Porém, quando chegaram perto de casa, na Glória, ela despertou. Justamente quando era necessário dobrar na Praça Paris para pegar a Augusto Severo, fazendo duas curvas seguidas de 90 graus, aparecia essa geometria capaz de transtornar um ser delicado, de estômago sensível. 

Na segunda curva, veio o comando: "Pare que não vai dar..."

Éracles encostou no meio-fio, a porta abriu-se num instante e foi realizada a temível operação noves fora zero, sem respingos; cena feia, mas sem nenhuma consequência para os demais ocupantes, não estivesse um dos travestis, habituais ali, vendo tudo.

Pele tostada de sol, tomara-que-caia branco realçando o contraste com a tez  mourisca, com o decote firme nos peitos extensamente siliconados, a peça veio se aproximando, nem depressa demais que pudesse ofender e nem devagar demais, pois poderia perder o desfecho. Quando chegou perto do carro o suficiente, Éracles era um heroi petrificado, imóvel, as crianças apenas olhando, atentas e a combalida Myrna ainda debruçada no banco, inerte em seus finalmentes, ouviu-se do rebolante transexual sua bem proferida recomendação:

"- Viu no que dá sair com mulé?""

As crianças podem não ter entendido o sentido da coisa, mas Zeus, o pai mitológico, entendeu e lançou dois raios não letais que nem chamuscaram o vestido, mas foram suficientes para o traveco evaporar das vistas. 

Myrna foi afastada com o devido cuidado de seus caldos, mais ou menos perfeitamente e este décimo terceiro trabalho acabou nos duzentos metros finais que faltavam.


terça-feira, 19 de julho de 2022

3125 - Matarazzo (Reedição)

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 360                                       Data: 12 de dezembro de 2004

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OS MATARAZZO E ASSIS CHATEAUBRIAND

                     

A comparação entre o maior empresário do Segundo Império, Barão de Mauá, e o maior da República Velha, Francesco Matarazzo, era inevitável. Em dado momento, o entrevistador não se conteve, interrompeu o entrevistado e fez a comparação. Ronaldo Costa Couto concordou inteiramente.

- “O Barão de Mauá é agora mais reconhecido pelo excelente livro do Jorge Caldeira, mas o Conde Francesco Matarazzo está mais esquecido ainda...”.

A força empreendedora dos dois empresários era inigualável ou só comparável entre si, mas há diferenças entre os gigantes: o Barão de Mauá era bem mais aristocrático do que o Conde Francesco Matarazzo. O conde, no início da construção do seu império, sacrificou porcos com facão, derreteu banhas e foi açougueiro do açougue em que era dono. Teve o cérebro do empresário, sem perder os músculos do operário. Chegava às sete horas no escritório e só não chegava às cinco horas da manhã, porque a esposa, Filomena, protestava com a gesticulação própria das italianas. Não podemos afirmar com certeza absoluta que os treze filhos do casal sejam provas do poder de convencimento da Filomena... Desses treze filhos, nove nasceram no Brasil, e quatro na Itália.

Ronaldo Costa Couto, comentando a intervenção do Roberto D' Ávila com o Barão de Mauá, inseriu a figura do Assis Chateaubriand, que também o impressionava:

- “... Décimo segundo filho de um casal de Umbuzeiro, interior da Paraíba, que construiu um império jornalístico, Roberto. Impressionante também”.

Em 1920, Assis Chateaubriand, escrevendo no Jornal do Brasil, ainda sonhava com o seu primeiro jornal. Morre Ermelino Matarazzo e Assis Chateaubriand capricha tanto no obituário que redigiu, que o telefone da redação do Jornal do Brasil toca: era o Conde Francesco Matarazzo, que pretendia conhecê-lo. Um encontro entre os dois é então marcado. Conhecem-se, Chateaubriand o saúda, e recebe, em seguida, os agradecimentos pelas palavras elogiosas que dedicara ao seu filho morto. Na despedida, o Conde Matarazzo lhe estende a ponta do paletó e pede que Assis Chateaubriand raspe os dedos nessa ponta de paletó. Diante do espanto do jornalista paraibano, o Conde Matarazzo lhe explica que se trata de uma tradição da Calábria:

- “Fazendo isto, a minha sorte passará para você”.

Não sabemos se o Ronaldo Costa Couto narra esta passagem na sua obra sobre os Matarazzo, mas Fernando Morais a narrou no “Chatô, o Rei do Brasil”.

Os modos aristocráticos, diríamos mais, e o refinamento, chegam aos Matarazzo do Brasil com o sobrinho do conde, o Ciccilo. Ele, como já foi assinalado, tinha uma inclinação irresistível pelas artes e a cultivou sem esmorecimento enquanto viveu.

- “Baby Pignatari, o Francesco Matarazzo Pignatari, foi o maior amigo de Assis Chateaubriand, mas Ciccilo também foi seu grande amigo”.- enfatizou o Ronaldo Costa Couto na entrevista.

A sorte do paletó do Conde passara para Chateaubriand e este já era o proprietário da mais poderosa rede de comunicações da América Latina quando criou, em 1947, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), associado ao galerista italiano Pietro Maria Bardi. No ano seguinte, o Museu de Arte Moderna era criado por Francisco Matarazzo Sobrinho e, ao contrário do MASP, contou desde o início com a representação de todas as áreas das artes e da cultura, que traçaram o perfil e a política de aquisição e de formação do seu acervo. Ciccilo Matarazzo financiou de seu próprio bolso a compra das obras para a coleção do Museu e fomentou seu posterior crescimento com o “Prêmio Aquisição” promovido pelas futuras bienais. Os estatutos do Museu previam a criação de comissões de cinema, arquitetura, folclore, fotografia, gráfica, música, pintura e escultura. Sua sede foi instalada numa sede do edifício dos Diários Associados, na rua 7 de abril, cedida por Assis  Chateaubriand. 

O endereço do MASP prova que o historiador não exagerou, na entrevista, sobre a amizade entre Ciccilo e Chatô. Outra prova dessa amizade foi a Esplanada do Trianon – o espaço cedido por Assis Chateaubriand para a I Bienal promovida por Ciccilo Matarazzo. 

É a autora do livro “Bienal, 50 Anos”, Rosa Artigas que conta:

- “O êxito da I Bienal, apesar de toda a improvisação, mostrou a capacidade de realização de Ciccilo e da equipe do MAM. Ainda sob o impacto do sucesso, já se programava a II Bienal, que viria acontecer no final de 1953, abrindo as comemorações do IV Centenário de São Paulo, sob o comando de Ciccilo Matarazzo, como presidente da Comissão organizadora dos festejos. O local escolhido foi a área do Ibirapuera, na época uma várzea distante e sem nenhuma infra-estrutura urbana”.

“Oscar Niemeyer foi convidado a projetar o conjunto de edificações. Considerando suas dimensões, o Parque, seus edifícios e os jardins de Burle Marx foram construídos em tempo recorde. Dos sete prédios – entre pavilhões e centros de cultura propostos – foram edificados o Pavilhão das Indústrias dos estados e o Pavilhão das Nações, ligados por uma elegante marquise”.

“Considerada uma das mais importantes Bienais, esta 2ª edição reuniu obras dos mais importantes artistas modernos e, como destaque maior, 51 telas, de todas as fases de Picasso, entre as quais Guernica, que, por vontade do pintor, tinha o MoMA como depositário enquanto a Espanha estivesse sob a ditadura franquista. Até então, a grande tela nunca havia deixado Nova York.”

“Em novembro de 1953, a II Bienal começou a ser montada ocupando o Pavilhão das Nações, onde ficaram expostas as representações dos países da Europa e do Oriente, e o Pavilhão dos Estados que recebeu a Mostra Internacional de Agricultura. Eram, no conjunto, 24 000 m2 de exposição. Em 12 de dezembro a mostra foi inaugurada com a representação de 33 países e 3 374 obras”.

“Em 1957, a IV Bienal de São Paulo passou a ocupar definitivamente sua atual sede no Parque Ibirapuera, o Pavilhão Ciccilo Matarazzo”.

Se Ciccilo Matarazzo era um mecenas, era o maior do Brasil, sem a menor dúvida. Assis Chateaubriand, para muitos autores, era um mecenas entre aspas. Esperto, sempre, percebeu, com o fim da Segunda Grande Guerra, o momento de adquirir grandes pinturas de empresários europeus empobrecidos. Adquiriu-as, então, de todo jeito, principalmente com o dinheiro alheio. Resumia a sua filosofia numa frase:

- “Crédito é melhor do que dinheiro; dinheiro acaba, mas crédito a gente sempre estica”.

Assis Chateaubriand foi amigo de Ciccilo, repetimos, mas Chiquinho Matarazzo, que substituíra o grande Francesco à frente do império, o odiava.

- “Na briga entre os dois, a terra tremeu”.- afirmou Ronaldo Costa Couto, enquanto Roberto D' Ávila sorria.



quinta-feira, 14 de julho de 2022

3124 - Molas Garfield (Reedição)


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 346                                        Data: 12 de dezembro de 2004

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JAMES GARFIELD


- “Nossa! Vêm por aí mais vinte edições para falar de outro presidente dos Estados Unidos!” - já imagino alguns assinantes exclamando de mãos na cabeça.

Acontece que chegou uma carta no Departamento de Divulgação do Biscoito Molhado indagando se é mesmo verdade que as molas de um colchão contribuíram para morte de um presidente dos Estados Unidos.

Prometemos tirar essa dúvida com apenas esta edição. Dito isto, vamos em frente.

Tudo começou em 2 de julho de 1881, numa estação da estrada de ferro de Washington, quando o presidente eleito pelo Partido Republicano, James Garfield, foi alvejado pelo disparo do revólver de um advogado. Esse advogado, chamado Charles Guiteau, alegou a promessa de um emprego específico feita pelo presidente e não cumprida, como o motivo do seu gesto tresloucado. Verdade ou não, os estudiosos afirmam que esse atentado contribuiu para a aprovação, dois anos depois, da primeira lei abrangente do serviço civil, a Lei Pendleton.  

Concluirá, talvez, um ou outro leitor:

- “Nos Estados Unidos tudo é motivo para se matar o presidente; até não entrar pela janela no serviço público”.

O presidente não morreu no dia em que recebeu esse tiro, nem nesse mês, nem no mês seguinte. James Garfield possuía a pele escarmentada de quem lutara na Guerra da Secessão e de quem exercera sucessivos postos militares na Brigada de Middle Creek. Antes, graduara-se no Williams College de Massachusetts para se tornar professor de línguas clássicas no Eclectic Institute, em Ohio. Lá, conheceu a sua futura esposa, a estudante Lucretia Rudolph, com quem teve sete filhos mesmo com uma Guerra Civil no meio do casamento.

Depois da guerra, James Garfield seguiu a carreia política, elegendo-se senador por Ohio. Indicado pelo seu partido nas eleições presidenciais de 1880 derrotou por uma quantidade mínima de votos o canditado democrata, General Winfield Scott Hancock. Empossado em 1881, a sua popularidade cresceu, pois atacou de imediato a corrupção política. E, como vimos, com pouco mais de sete meses no cargo, recebeu um tiro disparado por um advogado. 

A bala se alojara no tórax, mas não se sabia o local com precisão. Se penetrara em algum órgão, fazia-se necessária a cirurgia, se não, podia-se aguardar a recuperação do paciente. A localização exata da bala era, portanto, fundamental. Nessa época, recorria-se à sondagem manual no corpo, o que contribuiu para inúmeras mortes por infecção de pessoas baleadas. O Raio-X só seria descoberto quatorze anos depois do atentado à vida do presidente James Garfield. Cabem aqui algumas palavras sobre a descoberta, por acaso, dessa preciosidade para a vida humana.

Na tarde de 8 de novembro de 1895, o físico Wilhelm Conrad Roentgen, reitor da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, fazia pesquisas no laboratório da sua casa com o tubo de raios catódicos inventado pelo inglês William Crookes, quando reparou num brilho muito estranho. Enfurnou-se durante seis semanas no seu laboratório para estudar esse brilho estranho, que era uma radiação, que atravessava livros, folhas de alumínio e outras barreiras que ele interpunha entre o tubo e uma placa de material fluorescente. Finalmente, no dia 22 de dezembro, chamou a sua esposa e cobaia, Bertha. Chamou-a e fez, durante 15 minutos, a radiação atravessar a sua mão atingindo, do outro lado, uma chapa fotográfica. Revelada a chapa, viu as sombras dos ossos da mão da sua mulher – era a primeira radiografia da história. Via-se o invisível. Fascinado, mas ainda confuso, Roentgen chamou os raios da sua descoberta de “X”, que é o símbolo da ciência para designar o desconhecido.

Seis dias depois de radiografar a mão da esposa, Roentgen apresentou o seu achado na Universidade de Wurzburg. O fato chegou à imprensa e ver o próprio esqueleto passou a ser o sonho de consumo de todos os alemães. Já no ano seguinte, 1896, os médicos adotavam o Raio-X.

Porém em 1902, nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova Jersey, um grupo de deputados, defensores da moralidade e dos bons costumes, tentou proibir o Raio-X sob a alegação de que essa radiação permitia a qualquer um ver os corpos nus de quem passasse pelas ruas.

Mas é hora de voltarmos ao agonizante presidente James Garfield. 

Existisse o Raio-X já em 1881 e o projétil no tórax do presidente seria visto, apesar dos moralistas americanos; como não existia, o drama se intensificava.

Nos dois meses de padecimento do presidente James Garfield– de 2 de julho a 19 de setembro de 1881, quando faleceu – a cobertura jornalística foi considerada impressionante e selvagem. Curandeiros, pajés, charlatões, rezadores, inventores, ficcionistas, médicos e aproveitadores em geral apresentaram mil palpites para salvar a vida do presidente. As redações dos jornais recebiam um volume inacreditável de cartas dessa gente; e muitas delas eram publicadas.  No meio de todo o corre-corre para salvar o presidente, um cidadão de Baltimore, chamado Simon Newcomb, declarou ao jornal Washington National Intelligencer, que fazia experiência de eletricidade em bobinas. Ressaltou que um desses solenóides, conduzindo corrente, quando próximo a um pedaço de metal, produzia um zumbido tênue, quase inaudível, e que, afastando a bobina do metal, o zumbido sumia.  Em Boston, Graham Bell lera a matéria, e concluiu que o telefone, seu recente invento, poderia ampliar esse zumbido e localizar com precisão a bala no tórax do presidente. Telegrafou então, para Newcomb e, em seguida, partiu para Baltimore. 

Deram os dois então início aos trabalhos: montaram um aparelho que consistia de duas bobinas de fio encapado, uma bateria, um interruptor e o telefone. Uma das bobinas ficava na ponta de uma varinha, que agia como detector. Quando aproximavam um diminuto metal do implemento, o telefone de Graham Bell acusava logo com um claríssimo zunido. Constataram também a sensibilidade do detector: 12 centímetros. Não tinha erro.

Testaram o aparelho com balas deflagradas e não deflagradas escondidas na boca, nas axilas e nas virilhas deles mesmos, e tudo deu certo. Foram, em seguida, para um hospital de veteranos da Guerra Civil, onde muitos tinham balas encravadas em diferentes partes do corpo, e novo sucesso. Aprovado o invento, a missão agora era salvar o presidente. 

No dia 20 de julho, dezoito dias depois do atentado, portanto, Graham Bell, seu assistente e Newcomb se encontravam junto ao leito de James Garfield. O enfermo, já vulnerável, com a expressão assustada, temia ser eletrocutado pelo invento, enquanto acompanhava com os olhos esbugalhados o percurso da varinha milagrosa. Algo, no entanto, dava errado: o zumbido no telefone se avolumava independente da parte do corpo do presidente próxima ao detector. Tentaram eles outras vezes mais, até a exaustão, e sempre dava errado.  Foram, então, convidados a retirarem-se do quarto do presidente.

Os invejosos aproveitaram para tachar Graham Bell de incompetente, de um charlatão em busca de publicidade. Recusando-se a aceitar aquele aparelho como uma geringonça, Graham Bell o desmontou todo, para depois remontá-lo, certificando-se de qualquer mau-contacto. Voltou às experiências com veteranos de guerra com balas pelo corpo e novo sucesso. 

Depois de muitas dificuldades, conseguiu convencer as autoridades da Casa Branca a deixá-lo tentar novamente. No dia 31 de julho, Graham Bell, Tainer, seu assistente, e Newcomb estavam de novo próximo ao leito do presidente que, de novo, temia que a sua morte fosse antecipada por um choque elétrico. Novo fracasso. Bastava aproximar a varinha do presidente e o aparelho zumbia loucamente. Foram os cientistas quase que expulsos da Casa Branca. O fracasso agora era definitivo. Cinqüenta dias depois dessa tentativa, terminava o sofrimento do presidente James Garfield. Morria no dia 19 de setembro.

Muito tempo se passou até que alguém se desse conta do motivo de o aparelho de Graham Bell e Simon Newcomb só desatinar com o presidente dos Estados Unidos: a Casa Branca fora um dos primeiros lugares do mundo a usar um produto novíssimo para o conforto das pessoas: o colchão de mola.


segunda-feira, 11 de julho de 2022

3123 - Objetos Bizarros (Reedição)


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 285                                        Data: 14 de setembro de 2004

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MUSEU DE OBJETOS BIZARROS


Foi notícia nos jornais ingleses e aqui no Brasil chegou através da internet: o Museu de Ciências de Londres exibe aquela que é considerada uma das mais bizarras coleções científicas do mundo. São 170 mil objetos espalhados por seis andares de um prédio vitoriano. 

Lá se encontram inúmeros telescópios, incluindo aquele em que o Capitão Cook descobriu a Austrália, e avistou, certamente, o primeiro canguru.  Entre tantos objetos não poderiam faltar as antigas cadeiras de dentista. Quem costumava ver os filmes mudos do Carlitos, recorda-se naturalmente que a cadeira de dentista era uma geringonça tão estranha, naquele tempo que em uma extração de dente exigia anestesia geral, que o artista descobriu comicidade no que para muitos seria uma cadeira de torturas. Não só Charles Chaplin descobriu comicidade, também W.C. Fields, aquele que bebia tanto que atuava com um copo na mão, e disse que encontraram hemácias no seu exame de uísque. Pois W.C. Fields teve de largar o copo para segurar um boticão na cena de um filme em que arrancava o dente de uma paciente de maneira meio desajeitada, meio safada, que quase transforma a cadeira de dentista em cama. No Museu de Ciências de Londres, as cadeiras de dentistas são, pelo que se deduz, anteriores aos avôs de Charles Chaplin e W.C. Fields, e devem guardar semelhanças assustadoras com as cadeiras da Inquisição.

Elas estão na seção de equipamentos médicos do Museu, e lá também se acham as furadeiras usadas para fazer buraco no crânio das pessoas a fim de deixar saírem os demônios. Parece incrível, mas não é. Eis um uso que permanece atualíssimo: fazer buracos nos crânios alheios para saírem os demônios que, certamente, não precisam de chifres, de pata e de cheiro de enxofre, pois eles são vistos sob os mais diversos disfarces pelos fazedores de buracos, que são muçulmanos, cristãos, judeus, etc. As furadeiras foram para os museus pela pouca eficiência em comparação com armas bem mais sofisticadas para esburacar crânios, não resta dúvida.

O Museu de Ciências de Londres se situa no bairro de Kensington, oeste de Londres – informa o texto da internet já prevendo o número de turistas curiosos de verem tantos objetos que, bem ou mal, contam a história da humanidade através de um largo tempo. Não sei se algum leitor do Biscoito Molhado se aventuraria por Londres com a finalidade de visitar tal exposição, já que a nossa moeda perdeu a antiga força. Na Copa do Mundo de 1998 na França, um grupo de brasileiros batucou pagodes e comeu churrasco à beira do Sena – graças ao real, todos se recordam – mas poucos meses depois das eleições de outubro desse mesmo ano, quando a banda cambial deu lugar ao câmbio flutuante, ficou praticamente impossível para a turma da farofa viajar e fazer também uma churrascada com pagode à beira do Tâmisa. Evidentemente que essa não seria a motivação para os leitores do Biscoito Molhado irem a Londres além da visita ao Museu; eles, como nós, são simpatizantes das manifestações populares, mas não praticantes.  

Com os recursos escassos que temos, seríamos nós capazes de realizar uma exposição de objetos curiosos que contasse pelo menos a história dos últimos dez anos que envolveram as autoridades da marinha mercante brasileira? Eis uma idéia maluca que me ocorreu, e que só dá mesmo para desenvolver nestes meus dias ociosos de férias. Alguns desses objetos bizarros até seriam facilmente localizados para uma exposição nos moldes do Museu de Ciências de Londres:

1- Faixa de Miss Conteudoless. 
Dieckmann recebeu a citada faixa dos seus antigos colegas do Colégio Militar e a deixou exposta na sua sala, enquanto se comemorava o seu aniversário.
2- Flecha de Cupido
Todas as flechas que Cupido desferiu no coração do Diretor-Geral atingiram o alvo, com exceção de uma, que foi recolhida  pelo Djalma, que já se prontificou a cedê-la a nós para a referida mostra. Aqui, uma explicação: Cupido só errou uma flecha, porque o Cupido da Amazônia tem uma mira muito mais eficiente do que o da Grécia.
3- Flanela de apagar quadro negro.
Na época em que o Dieckmann, como coordenador-geral de Transportes Marítimos, promovia palestras, tivemos uma sobre a qualidade ISO. O palestrante, ao tomar conhecimento da falta de um apagador, solicitou uma flanela e uma garrafa de álcool. Depois de embeber a flanela com álcool e por-se a apagar o giz do quadro negro, ainda ouviu piadas que o comparavam a rebolativa Alcione Mazzeo da Escolinha do Professor Raimundo. Essa flanela ainda apagou quadros de muitas outras palestras e é fácil recuperá-la, mas a garrafa de álcool, não poderemos pegar para a nossa exposição, porque logo sumiu: um conhecido borracho da Coordenadoria de Arrecadação já bebeu tudo - dizem.    
5- Fronha Molhada
A fronha molhada apareceu no meio do Curso de Regulação Econômica, quando ele se pôs a imitar Keynes com trejeitos e voz fina:
- “Com gente aqui que morde a fronha, e o professor agindo desse jeito... sexualmente incorreto”.- comentou-se.
Bem, não será difícil nós conseguirmos aqui mesmo, seja com funcionário estatutário ou terceirizado, uma fronha molhada para a nossa exposição.
6- Latinha da cerveja Xingu bebida pelo Zé Maria
Os professores do curso acima citado, não deixavam de citar a distribuição de cerveja como o exemplo mais à mão de “dificuldade à entrada no mercado”, no caso, mercado de bebidas. Isso estimulava a sede da Luiza, que bradava no meio das aulas:
- “Professor, o senhor já tomou Xingu?... É cerveja pra macho”.
E, assim, Luiza levou um dia uma latinha para o Zé Maria, o professor que confessara nunca ter bebido “cerveja pra macho” até aquele dia.

Bem, nós poderíamos listar inúmeros objetos que contam a história das autoridades marítimas brasileiras, como as sapatilhas com que o doutor Barreiros dançou no nosso happy-hour em dezembro de 1999, mas cansaríamos os nossos leitores. Encerramos, então, por aqui, com a certeza, agora, de que essa exposição  seria factível.