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segunda-feira, 6 de julho de 2020

3110 - Biscoito Sacro-Fundamentado (reedição)

O BISCOITO MOLHADO

Edição 2105                                            Data: 29 de junho de 2004       
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   DO TIO DO ESTÁCIO DE SÁ AOS JUDEUS NO BRASIL

Na Fortaleza de São João, na extremidade do bairro da Urca, foi fundada a cidade do Rio de Janeiro por Estácio de Sá que, pouco depois, morreria aos 24 anos, flechado pelos tamoios que lutavam ao lado dos franceses. Parece que não existia uma estátua para lembrar o fundador da nossa cidade pois, não faz tanto tempo assim, uma música com o refrão “Cadê a estátua do Estácio de Sá?” alcançou um grande sucesso na voz do Miltinho. Hoje, no entanto, vê-se a estátua de Estácio de Sá, trabalhada em  bronze, lá na Urca. 

O barítono Paulo Fortes, com um diafragma infinitamente  mais possante do que o do Miltinho, andou fazendo pergunta quase igual: “Cadê a estátua do Carlos Gomes?”; isso porque ela estava  bem longe da casa da ópera da cidade do Rio de Janeiro. Resolveu, então, contratar uns sujeitos parrudos que trouxeram o Carlos Gomes para o seu local de direito, o Teatro Municipal e enviaram a estátua de Chopin, que ali se encontrava com a sua melancolia de romântico empedernido, para a Praia Vermelha. Dia desses, na Rádio MEC, num programa sobre serestas cantadas por Paulo Fortes, a viúva do barítono, Dona Zilca Fortes, contou como o marido arquitetara o remanejamento das estátuas de Carlos Gomes e de Chopin.

Estátuas têm motivado confusões e, no Don Giovanni de Mozart, a estátua do comendador assassinado resolveu dar um corretivo no seu assassino no fim da ópera, já que os vivos não se mexiam. Mas vamos retornar ao Estácio de Sá, ou melhor, ao seu tio Mem de Sá.

Mem é uma letra hebraica, uma das três letras mães, Aleph, Mem e Schin. Há indícios, portanto, de que o governador-geral do  Brasil, sucessor de Duarte da Costa, tenha sido judeu como, anteriormente a ele, Tomé de Sousa. Contudo, o que aprendemos  nos livros de escola é que os judeus chegaram ao Brasil com as invasões holandesas no Nordeste em busca de liberdade religiosa. Sabemos hoje que o principal estímulo para a colonização sistemática do Brasil, a partir de 1516, foi a cultura da cana de açúcar para cá trazida da Ilha da Madeira por “alguns judeus proscritos de Portugal”, segundo um relato de 1779, redigido pelo membro da Academia Real de História e Letras de Sevilha, Don António Capmany de Montpalau. Também  sabemos hoje que, no grupo de Fernando de Noronha, o cristão-novo que arrendara terras no Brasil, encontravam-se outros cristãos-novos que se tornaram senhores de engenho, mercadores de açúcar, administradores de fazenda, etc. 

Acontecia com o Brasil, no que diz respeito aos judeus, o que acontecera  com Portugal muitos séculos antes.

Nas invasões romanas, às terras que seriam posteriormente Portugal, avultavam muitos povos considerados decisivos na formação étnica dos portugueses: sírios, itálicos e, principalmente, judeus.  Lê-se no Pequeno Dicionário de História de Portugal que inscrições funerárias descobertas no Conselho de Lagos, no século VI e VII, comprovam a existência dos judeus no que viria ser a terra lusitana. 

O leitor do Biscoito Molhado já percebeu, certamente, a nossa intenção: provocar o Causídico Verborrágico, catedrático no assunto, a complementar com palavras e mais palavras esta nossa pequena  resenha. Mas prossigamos na nossa provocação.

Em 1147, Dom Afonso Henrique, ao tomar Santarém dos mouros, encontrou populosas e proeminentes colônias judaicas. Os judeus gozaram, na verdade, de certa paz na terra lusa, sobretudo do século VIII ao século XI e de 1450 a 1480, quando alcançaram grande prosperidade. Porém, já começaram a aparecer na Espanha as  perseguições ferozes aos judeus: Toledo, em 1355, com a estimativa de 12 mil mortos, Palma de Mallorca e Sevilha, em 1391, com 50 mil mortos. Em 1478, com a instituição da  Inquisição, muitos milhares de espanhóis buscaram refúgio em Portugal. 

Em 1492, foi declarada a expulsão de 90 a 130 mil judeus da Espanha que, então, se transferiram para  Portugal. Entre esses judeus, encontrava-se Isaac Abravanel, ascendente do Sílvio Santos Vem Aí, e que fora ministro da rainha Isabel I. Também se achava nessa leva o importante astrônomo Abraão Zacuto. Historiadores calculavam que a população judaica acrescida dos judeus expulsos da Espanha atingia a um quarto de toda população portuguesa. 

Em 1495, Dom Manuel, o Venturoso,  subindo ao trono e, vendo nos judeus, homens do comércio e da ciência que possibilitariam o crescimento de Portugal, concedeu liberdade aos judeus castelhanos que tinham sido escravizados. 

Depois, pretendendo casar com a filha dos reis católicos, Fernão de Aragão e Isabel de Castella, deparou-se com uma cláusula no contrato de casamento que lhe exigia  a expulsão dos hereges de Portugal, ou seja, os mouros e os judeus. Sem conseguir convencer os reis católicos da Espanha do desastre econômico que tal medida acarretaria, Dom Manuel I assinou, em 5 de dezembro de 1496  o decreto da expulsão dos hereges, com o  prazo limitado até 31 de outubro de 1497. 

Aos judeus, sob a punição de  confisco de bens e morte, foi dada a opção do desterro ou da conversão pelo batismo. Surgiram, assim, no Brasil, os desterrados e  os cristãos novos  de que já falamos de passagem nesta edição. E com  os batizados dos cristãos novos, surgiram os Coelhos, os Baratas, os Aranhas, os Nogueira, os Pereira, os Carvalho como eu, etc, etc. 

Dia desses do mês de abril, no programa do Rodolfo Botino, na TV Educativo, ele entrevistou o professor de Arquitetura e Urbanismo, Nireu Oliveira Cavalcanti, que publicara um livro sobre crônicas da História do Brasil que redigira anos antes no Jornal do Brasil. 

O professor lembrou o fato de o tribunal da Inquisição de Portugal enviar um inquisidor às colônias para se enfronhar das denúncias de práticas judaicas de cristãos novos. E por causa de uma dessas denúncias, a família Paredes, de senhores de engenho, que celebrara um casamento em Jacarepaguá, com rituais estranhos ao catolicismo, segundo uma delatora, foi presa e destituída dos seus bens (parte dos bens confiscados passava para o delator - o que incentivava o dedurismo). 

Essa mesma delatora, segundo o entrevistado do Rodolfo Botino, apontara o cristão novo João Ximenes como praticante de ritos judaicos, e a sua chácara, no Largo do Machado,  depois de confiscada, passou para a Carlota Joaquina.  

Entre os rituais judaicos no casamento dos Paredes denunciado estava o fato de  os homens ficarem num compartimento da casa e as mulheres noutro. 

Ainda dentro da prática dos rituais judaicos, depois da chegada dos judeus ao Nordeste com a invasão dos holandeses, passaram ser observados, com suspeição, os seguintes hábitos: pintar a casa no final do ano, arrumá-la às sextas-feiras, comprar mercadorias à porta de casa, etc. 

Hoje, falamos do fundamentalismo islâmico, mas também foi terrível o fundamentalismo católico que, entre outras coisas, levou Dom Sebastião a lutar contra os mouros em Marrocos e Felipe II a querer destituir a igreja anglicana com a Invencível Armada.