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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

2251 - RADIO BISCOITO TLOCA NOMES

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4051                              Data: 27  de outubro de 2012
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CARTAS DOS LEITORES

-“O redator do Biscoito Molhado acompanha os programas do Sérgio Fortes com a OSB – Orquestra Sinfônica Brasileira?” Lourdes Tocantins.
BM: É evidente; nós acompanhamos o Sérgio Fortes desde o programa com os “loucos líricos” (termo cunhado por Arthur da Távola para os aficionados por óperas). Na ocasião, Sérgio Fortes nos enviou uma mensagem eletrônica em que dizia que faria concorrência com o programa televisivo do Gugu. Depois de o Arthur da Távola ter deixado de ser o secretário das Culturas, e o Lula se tornar presidente, nosso amigo largou o programa. Mais tarde, apresentou “As maiores vozes do Mundo”, na Rádio Roquete Pinto. (*)
Agora, ele retorna à Rádio MEC, no mesmo horário de antes (**), para divulgar as exibições realizadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira. No dia anterior, sábado, na mesma emissora, Arthur Nestrovski, diretor artístico da OSESP, Orquestra Sinfônica de São Paulo, faz o mesmo, enquanto tece comentários abalizados sobre cada compositor e solista da música a ser executada pela orquestra paulista. Com Arthur Nestrovski aprendemos muito, como as inovações criadas por Mozart, aos 21 anos de idade, no concerto nº 9 para piano e orquestra, que seriam utilizadas por Beethoven no seu quarto e penúltimo concerto.
Sérgio Fortes não fica atrás quando leva convidados, como o que comentou a Sinfonia nº 5 de Dimitri Shostakovich
Para o dia 28 de outubro, ele promete um programa menos erudito, mas nem por isso menos atraente, com músicas de filmes compostas por autores judeus. Estaremos perto do rádio.
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-“Ilibado conterrâneo
Saboreando seus biscoitos frescos (no bom sentido) esbarrei na leitura do alfarrábio “O Monge de Cister” de Alexandre Dumas. Não sou erudita e meus esforços não alcançam as fímbrias de suas vestes talares, mas tocou um sino de alarme: não é de Alexandre Herculano, incluído na trinca horripilante com “O Bobo” e “Eurico, o Presbítero”? Este vivia abarracado com a Hermengarda que se tornou rua no Méier.  Não tenho como averiguar e esclarecer minha dúvida, os 26 000 livros do 86 (rua Aristides Caire, 86) estão ornamentando a Universidade na Novacap.
Seu arrazoado sobre pleonasmos me lembrou o papá que vivia apavorado com eles, “à chacun sa verité” (cada um com a sua verdade).
Estou com a pressão brincando de montanha russa, deve ser a chegada da juventude porque a velhice já chegou há muito tempo.
O Wagner, seu amigo, trouxe à baila uma idiossincrasia; tenho um retrato do compositor na cozinha, local onde se faz de tudo menos cozinhar, e é decorado com teias de aracnídeos.
Aquela madame do compositor russo que o visitou (Tchaikovsky) era realmente apreciadora de sustenidos e bemóis, até empregou o Debussy como preceptor dos filhos.
Não me queira mal se extrapolo com os Alexandres, não tive como provar que a Hebe Camargo e o Joe Louis estiveram flertando, “remembre”?
Na minha ignorância despede-se a                           R
BM: Fímbrias de suas vestes talares... Escuto horas e horas os ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, vulgo mensalão, e nenhum deles chega a esse requinte com o vernáculo. Fímbrias de suas vestes talares... Aqui vai a tradução para o português popular, senão eu não prossigo: franjas das vestes que chegam aos calcanhares.
Confesso que, mais uma vez, dou razão à primeira missivista dessa edição, somos amigos há mais de 20 anos e ela logo me apelidou de “Hortelino Troca-Nomes”. Depois de receber a visita do Alexandre Herculano, dia desses, de ter lido “O Monge de Cister” com 17 anos de idade, troco tudo e aparece o Alexandre Dumas?... Só não me arrependo do meu erro porque a Rosa se animou a me remeter mais uma carta sempre estimulante em termos culturais.
Quanto à sua pressão arterial irregular, pare de comer miojo, que é impregnado de sódio. Como você aprendeu no Instituto de Educação e eu no Visconde de Cairu, o sódio é um dos componentes da molécula do sal da cozinha, um veneno para os hipertensos.
Você, Rosa.  coloca o retrato de Wagner na cozinha... Acredito que Rossini seria o compositor mais indicado, data vênia, pois o compositor italiano foi também um gourmet, além de gourmand (glutão), que deu até nome a um prato, Tournedos Rossini.
Sobre o mecenas de Tchaikovsky que Rosa não citou o nome, aqui vai: Nadejda von Meck.  No verão de 1880, a aristocrata russa contratou Debussy como professor de música dos seus filhos. Em 1881, quando se reuniu com a família Von Meck, em Moscou, Debussy conheceu melhor as obras dos russos, como as de Tchaikovsky e Rimsky-Korsakov, mas preferiu Borodin.
 Em seguida, a missivista se reporta a uma dúvida que lancei sobre a sua prodigiosa memória quando escreveu que Joe Louis e Hebe Camargo flertaram. Na ocasião, eu rebati afirmando que Joe Louis nunca estivera no Brasil que, talvez, ele fizesse confusão com outro boxeador negro que também alcançou o título mundial, Archie Moore. Renovo as minhas dívidas, mas de uma coisa tenho certeza depois de ver uma foto da Hebe Camargo trintona em pose de Marlene Dietrich: as suas pernas eram tentadoras. Os homens do mundo do boxe e de outros mundos não resistiriam.
Antes de finalizar, agradeço à Rosa por mais esta carta.

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-“Chovia naquele domingo, acho que a grama estava pesada. Eu disse para a Regina: Vai ganhar o Bowling. Ela: Por quê? Eu: Porque jóquei é o Juvenal e porque o Ricardinho escolheu o Bat Masterson e desprezou o Bowling, que sobrou para o Juvenal e o Bowling vai se vingar dele, Ricardinho, você vai ver. Ela: Mas você é muito bobo e tem muita imaginação. Eu: Você vai ver.
Saiu a corrida. No final da reta oposta, o Bowling vinha em último, o locutor anunciou. Ela olhou para mim com o maior sorriso de desprezo, de “tá vendo, pura invenção sua...”. Eu disse então para ela: Presta atenção, o Juvenal vai fazer o cavalo correr a partir de agora e vai passar devagarzinho pelos outros, vai chegar aqui passando no final o que estiver em primeiro e vai ganhar.
Minha imaginação se transformou em fato, sob os meus olhos e os da Regina, pois foi exatamente isso que eu dissera a ela o que aconteceu, Bowling veio, veio, veio e chegou primeiro.” Elio Fischberg
BM: O nosso amigo Elio Fischberg alude ao BM 2247 em que comentamos as vitórias do Duraque e do Bowling no Grande Prêmio Brasil.
De fato, cometemos uma omissão imperdoável. No nosso texto, lembrado agora pelo Elio: o vencedor tinha sido preterido pelo Jóquei J. Ricardo, que optou por Bat Masterson.
O castigo veio a cavalo. Eu não podia perder a piada, mesmo que infame.

E agora me despeço com as “fímbrias das minhas vestes talares”.

(*) A Radio Roquette Pinto (94.1 FM) produz o programa Radio Memória e o Distribuidor do seu  O BISCOITO MOLHADO, sempre informativo e solícito,  reproduz a sinopse a seguir:
Dom. às 8 da manhã,  o radialista Jonas Vieira e Sérgio Fortes, levam ao ar o Rádio Memória -  programa onde eles conversam e apresentam artistas e obras que marcaram a música brasileira. Confira: Edição 28.10.2012

(**) O redator do seu O BISCOITO MOLHADO pensa que todos os leitores sabem de cor o que seja a radio MEC, ou o Sergio Fortes, não exatamente nesta ordem. O programa da Rádio OSB é radiodifundido às 16 horas de domingo, na MEC FM, 98.9 no seu dial. Curta a programação no link: http://radiomec.com.br/radioosb/



terça-feira, 30 de outubro de 2012

2250 - meus amigos 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4050                              Data: 22  de outubro de 2012
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JOÃO SALDANHA
2ª PARTE

Com a designação do João Saldanha como técnico da seleção brasileira, Ricardo Serran, que comandava a equipe esportiva do jornal o Globo, lhe disse  publicamente:
-Você deixou de ser estilingue para virar vidraça.
Mas, antes, tudo foi festa.
Um participante da Mesa-Redonda de domingo da TV Globo se tornou técnico da seleção brasileira, e, logicamente, um programa foi dedicado a ele, enaltecendo-o de corpo presente.
E nesse programa (não digo que me lembro como se fosse hoje porque a minha memória sobre fatos de ontem é bem mais apurada) apareceu uma personalidade que, até então, eu julgava personagem do Nélson Rodrigues: Salim Simão.  Segundo o cronista tricolor, Salim Simão valia por uma multidão, torcendo pelo Botafogo vibrava mais do que toda a torcida do Flamengo. Agora, na televisão, em carne e osso, Salim Simão não desmentiu aquele que o divulgou; depois de colocar Nélson Rodrigues, como dramaturgo, acima de Tennessee Williams e de demais autores (esqueceu-se de Shakespeare, felizmente) deteve-se no homenageado da noite.
Com a veemência daqueles que se apoderam da verdade, Salim Simão declarou que o João Saldanha se tornava, agora, o homem mais importante do Brasil. O que me assustou foi o silêncio do João Saldanha ao ouvir esse disparate. Ele que, como cronista, sempre colocou o craque acima de tudo e de todos em se tratando de futebol, não retrucou com uma só palavra, como se concordasse que um técnico de futebol estivesse acima dos grandes jogadores e demais personalidades de um país.
Recordo-me que levaram, nesse programa, um filho do João Saldanha, que eu acredito que seja, hoje, o talentoso cenógrafo que, na época, estava com uns 10 anos de idade O menino, torcedor do Botafogo, como o pai, quis saber por que ele não convocara o Cao. Aqui, um parêntese: Cao foi o goleiro que sucedeu o Manga depois daquela tumultuada decisão de 1967 contra o Bangu. Prossigamos.
O técnico respondeu ao filho que ainda faltavam alguns predicados ao goleiro do Botafogo e, para arrematar como um bom pai, disse que já era hora de ele ir para casa dormir.
Na Rádio Mauá, o locutor Orlando Batista, com a sua voz de tuba, segundo o Rui Castro, afirmava que o presidente João Havelange foi maquiavélico; nomeou um jornalista como técnico do escrete brasileiro para calar a oposição da imprensa.
Bem, vieram as eliminatórias para a Copa do Mundo de que o Brasil não participava desde 1957. João Saldanha, ainda assim, não deixou de escrever no Globo. Redigiu um artigo intitulado do “Chuí ao Oiapoque” em que esclarece que, como gaúcho, diferentemente dos outros brasileiros, se refere aos extremos do Brasil começando pelo sul. Gostaria de relê-lo, pois, na ocasião, teci entusiasmados elogios aquele texto tão inspirado.
Nos jogos das eliminatórias, o Brasil não teve contemplação na primeira fase: goleou todos os adversários, inclusive o Paraguai, que recebeu os brasileiros com hostilidade. Os torcedores hiperbólicos, como Nélson Rodrigues, falaram em segunda guerra do Paraguai. Vencemos de 3 a 0 e se consolidou ainda mais a expressão “Feras do Saldanha”.
Vale reproduzir um caso ocorrido numa dessas pelejas pelo craque do meio de campo, Gérson, há uns dois meses. Contou ele que, indignado, com o primeiro tempo sem gol das suas “feras” contra a Venezuela (ou Colômbia), João Saldanha jogou a chave do vestiário fora porque eles, os jogadores, não mereciam tomar banho e relaxar. Tiveram os responsáveis pelo estádio, segundo o Gérson, de ordenar o arrombamento da porta do vestiário.  No segundo tempo, saíram os gols do nosso escrete em número de 4 ou 5.
Gérson não fez essa narrativa com laivos de saudosismo e não criticou o técnico por esse gesto tresloucado. Mas João Saldanha aumentaria o diapasão, era só esperar.
Com o ego hipertrofiado, declarou que Pelé, celebrado como o maior jogador do mundo, tinha problemas de visão. Os jogadores não eram submetidos a oftalmologistas? Sim, mas o nosso técnico se imiscuía em todas as áreas e, o grande drama, sem humildade alguma. Ele entendia de tudo, o que é assustador quando se tem um cargo de comando.
Enquanto isso, Yustrich treinava o Flamengo e conseguia ótimos resultados com uma equipe de jogadores de categoria mediana. Ele considerava que o comandante da seleção deveria ser ele e não um jornalista; concedeu, então, uma entrevista em que ofendeu desenfreadamente aquele que julgava um intruso. Resumindo a ópera de libreto siciliano: João Saldanha invadiu a concentração do Flamengo de revólver em punho para tomar satisfações com o seu desafeto, não o encontrando, deu uma pernada no jovem goleiro Adão e foi embora.
Pelo conjunto da obra, o nosso estimado cronista de outrora tinha de ser demitido do cargo, mas não foi.
Sucederam-se outras rusgas com ele, uma delas com o General Médici que, com veleidades de populista, opinou que o artilheiro Dario deveria ser convocado para o escrete nacional. Saldanha, que capitaneava “feras”, reagiu:
“Ele não me consultou na hora de escolher os ministros.”
A esquerda vibrou, mas ela, sabem os que têm memória, declarou que torceria contra o Brasil na Copa do México.
João Havelange, que afirmara que impediria até fisicamente o “João -sem-medo” de sair do cargo de técnico, depois do caso  Yustrich, demitiu-o. Veio o Zagalo e os tempos de destempero no escrete canarinho passaram; a rivalidade  prosseguiu, pois o bairrismo de cariocas e paulistas era histórico. Vem-me à lembrança comumente uma frase do Nélson Rodrigues (mais uma), quando a equipe de 70 partiu para a campanha do México: “Terminou o exílio da seleção brasileira”.
João Saldanha voltava agora à crônica esportiva e a minha admiração por ele, também.
Quando trabalhei no Jornal do Brasil em 1977, vi-o pessoalmente pela primeira e única vez: alto, barrigudo e o sorriso simpático que lhe iluminava o rosto.
Na Rádio JB, havia umas mesas-redondas sobre os mais diversos assuntos e, às vezes, ele participava e eu ouvia.
Como torcedor, previu, com uma fúria bíblica, devido à incúria dos cartolas, que o Botafogo se tornaria o São Cristóvão da zona sul e, por vinte e um anos, a sua previsão se concretizou.
Comentando as pelejas pelos anos 80, várias vezes era interrompido pela tosse; o enfisema pulmonar estendia os seus domínios.
As crises de tosse aumentavam, durante seus comentários, até que, nas proximidades da Copa de 90, na Itália, ele foi internado. Não era, porém, de perder in locum a maior competição do mundo futebolístico e, de cadeira de rodas, acompanhado por uma enfermeira, partiu para a Itália. Lá, morreu.
João Saldanha foi um bravo, inegavelmente.









segunda-feira, 29 de outubro de 2012

2249 - meus amigos

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4049                              Data: 21  de outubro de 2012
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JOÃO SALDANHA

Há pessoas com quem não convivemos, ou nunca vimos pessoalmente, mas que nos marcam mais do que aquelas do nosso cotidiano. Isso é um truísmo, mas deve ser dito. Uma dessas pessoas, no que diz respeito a mim, foi o João Saldanha.
A primeira vez que ouvi falar no João Saldanha foi como técnico da equipe do Botafogo na decisão do título carioca de 1957. Depois, folheando as páginas esportivas do jornal, as únicas que me interessavam quando eu tinha dez anos de idade, li que ele se afastou desse cargo. Pouco tempo depois, essa pessoa ainda abstrata para mim, se tornou quase visível para mim pela voz: era o comentarista dos jogos de domingo na Rádio Nacional, enquanto a locução cabia ao Jorge Cury.
Em seguida, eu sabia que João Saldanha era alto, magro com um rosto ora alegre, ora crispado, através da televisão. Ele era um dos componentes da Mesa Redonda Facit juntamente com Nélson Rodrigues, Armando Nogueira, Luís Mendes, José Maria Scassa, Mário Vianna e, para que houvesse um vascaíno, havia a presença bissexta do Sérgio Cabral e de outros menos votados, como o correspondente do periódico português “A Bola”, Jaime Luís.
 De todos, João Saldanha era quem detinha o maior conhecimento tático dos jogos, embora o Armando Nogueira, que chegara do Acre em 1948, e por isso se tornou botafoguense, não ficasse muito atrás. João Saldanha, contudo, expunha suas ideias sem rebuscamento, de uma maneira que o público o entendesse, enquanto o Armando Nogueira, que tinha veleidades literárias, não conseguia descer até as massas populares.
Quanto ao Nélson Rodrigues, declarou, em certo domingo, que, em matéria de futebol, João Saldanha era a sua Bíblia. Se o dramaturgo tricolor fazia tal afirmação, eu, que já torcia pelo Botafogo desde a derrota do Fluminense por 6 a 2, em 1957, não podia pensar diferentemente.
Como os cinéfilos brasileiros que não conseguiam emitir uma opinião sobre um filme sem ler antes o Cahier du Cinema, eu tinha de ouvir ou ler o parecer do João Saldanha sobre uma partida para analisá-la, com as minhas próprias palavras evidentemente, na tentativa de escamotear a minha influência.
O momento mais significativo do João Saldanha como comentarista, com outros desdobramentos, se deu na decisão do campeonato carioca de 1967 entre Botafogo e Bangu. O Botafogo fez 1 a 0, com Roberto Miranda e o Bangu empatou com um veterano que jogara no Santos de Pelé, Del Vecchio. A disputa estava acirradíssima quando o Botafogo conseguiu desempatar. A partir de então aquele combate se tornou dramático. O time da Estrala Solitária tinha craques como Leônidas, Gérson, Jairzinho, Roberto, Paulo César, mas o goleiro do Botafogo, Manga, deu de largar todas as bolas que lhe chegavam.
-O que está havendo com o goleiro da Copa do Mundo do ano passado? - perguntei-me, quando o Jorge Cúri narrou, prenhe de emoção, que Manga largara mais uma bola fácil.
Numa delas, Del Vecchio aproveitou o rebote, mas o beque Paulistinha, que se recusara a sair do campo machucado, salvou em cima da linha.
João Saldanha, que como dirigente do Botafogo trouxera o goleiro de Pernambuco para o seu clube de coração, declarou:
-Muito estranha a atuação do Manga.
Depois de muito sofrimento, a peleja terminou com a vitória do Botafogo por 2 a 1.
De noite, na Mesa Redonda, João Saldanha voltou a colocar sob suspeição o comportamento do Manga e afirmou que a derrota do Bangu significava  que os resultados das partidas de futebol não serão afixados  nos postes. Meia hora depois, o bicheiro Castor de Andrade, filho do poderoso contraventor Euzébio de Andrade, apareceu no programa. Apesar de apresentar-se sentado, como os demais, o cheiro de pólvora se fez sentir:
-Eu não pretendia assistir a programa de futebol algum, nesta noite, mas fui alertado por amigos que estava sendo insultado...
João Saldanha o interrompeu de maneira intempestiva. Castor de Andrade gritou que ele, Saldanha, vivia com a cabeça cheia de uca. E o programa saiu do ar.
No dia seguinte, li no jornal que a esposa do Dr. Hilton Gosling, médico da seleção e do Botafogo, desmaiara na plateia. Muitos anos depois, Luís Mendes, que chefiava aquela Mesa Redonda, informava que o revólver sacado pelo Castor era de material riquíssimo, mas que não fez recuar aquele que Nélson Rodrigues chamaria, em 1970, de João Sem Medo.
Se a memória não me falha quanto ao período, uma semana depois houve a festa, no Mourisco, pelo título conquistado. Seria mais uma festa, porém um fato a levou para as manchetes dos jornais: o goleiro Manga ao avistar o comentarista que colocou em dúvida seu caráter, avançou para cima dele com sua imensa envergadura. Mesmo os que não viveram essa época, mas acompanham o futebol, sabem o que aconteceu: João Saldanha sacou o revólver e atirou no chão que o goleiro pisaria caso avançasse, Manga, apavorado, deu meia volta e, segundo testemunhas, saltou, em desabalada carreira, um muro de quase dois metros de altura.
Ele, depois daquela decisão conturbada, jamais vestiu a camisa do Botafogo, enquanto o João Saldanha continuou como benemérito do clube e comentarista das partidas, enquanto a locução cabia ao Jorge Cúri.
Transcorrem dois anos e o mundo esportivo é sacudido por uma notícia: o presidente da CBD, João Havelange convoca o jornalista João Saldanha para ser o técnico da seleção brasileira de 1970, que responde com uma única palavra:
-Topo.
Nem deu tempo para os engraçadinhos fazerem trocadilho de “topo” com “copo”, pois ele, de cara, escalou a seleção brasileira. Aqui, cabe colocar os fatos no seu contexto. Na Copa de 1966, os cartolas da CBD, por interesses políticos, criaram quatro seleções. E o Brasil, bicampeão do mundo, foi eliminado nas oitavas de final sem que se soubesse o time titular, tantas foram as alterações. Agora, a Copa do Mundo do México se aproximava e ainda não se sabia quais eram os jogadores do escrete. Com Saldanha como técnico, conhecemos  na mesma hora o time.
Foi um fato positivo do João sem medo, mas isso bastava?







sexta-feira, 26 de outubro de 2012

2248 - retiro do artista


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4048                              Data: 20  de outubro de 2012
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70ª  VISITA  À  MINHA  CASA

-Frederico Figner! - exclamei sem esconder a minha admiração quando ele se materializou diante de mim.
-Você me conhecia?
-Confesso que não, mas um amigo virtual, o Evandro Verde, expôs os seus feitos e eu me envergonhei da minha ignorância.
-Eu não entendi essa adjetivação virtual para amigo, mas se a amizade é preservada, nada tenho a contrapor.
-Como um homem que explorou ao máximo à tecnologia ligada à comunicação, você logo saberia o significado de amigo virtual, que advém dos computadores.
-Morri em 1947, vivi, com intensidade, a época da indústria fonográfica.
-E o ano em que você nasceu, Fred Figner?
-1866, em Milewko, que se localizava na Tcheco-Eslováquia.
-Você era daqueles jovens inquietos, que saía em busca de coisas novas?
-Sim, e por isso, viajei até os Estados Unidos da América.
-E foi lá que tomou ciência dos inventos de Thomas Edison.
-Thomas Edison tinha lançado um aparelho que registrava e reproduzia sons por intermédio de cilindros giratórios.
-Imagino a sua reação no primeiro contato com o fonógrafo.
-Foi uma epifania!... Depois do impacto, quando recobrei a minha consciência intelectual, comprei um aparelho e vários rolos de gravação e embarquei para Belém do Pará, aonde cheguei em 1891.
-Tudo tão depressa?
-O progresso exige rapidez de quem o acompanha. - afirmou.
-Belém do Pará?!... mostrei-me abismado.
-Para Belém do Pará fui sem conhecer uma palavra de português, mas o espírito aventureiro ainda me dominava.
-Estava você em Belém do Pará, com seu espírito renovador e um invento desconhecido. Como foi, Fred Figner?
-Depois da desconfiança, as pessoas reagiam maravilhadas diante do fonógrafo; pagavam para que as suas vozes fossem registradas e, depois, ouvidas.
-Mal comparando, você era como Caramuru disparando sua arma para o alto diante dos índios.
Ele ignorou a minha intervenção, o que fez bem e seguiu adiante:
-Fui a outras cidades para encantar os brasileiros e, não serei hipócrita, ganhar dinheiro. Trabalhei em Manaus, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife Salvador e, finalmente, a capital do país.
-Aqui, no Rio de Janeiro, onde você fixou o seu negócio?
-Num sobrado da Rua Uruguaiana... Lembro-me até do número: 24.
-Ficava perto da Rua da Carioca. - interferi.
-No sobrado nº 24 da Rua Uruguaiana, abri a minha primeira loja. Chamei-a de Casa Edison.
-Fica evidente que você homenageava o inventor americano.
-Lá, na Casa Edison, eu importava e comercializava os primeiros fonógrafos e gramofones surgidos no mundo civilizado.
 -Na cidade do Rio de Janeiro, você não ficou isolado do mundo.
-De modo algum, no mundo da ópera, por exemplo, o Teatro Lírico fluminense encenou muitas óperas na frente do Metropolitan Opera House de Nova York.
-E no mundo tecnológico?
-Soube logo que um judeu, como eu, o cientista Emile Berliner lançou, nos Estados Unidos da América, um equipamento de gravação que utilizava discos revestidos com cera. Tratei de averiguar esse lançamento e não tive dúvida alguma que a qualidade sonora era bem superior ao do aparelho de Thomas Edison.
-A sua natureza não era contemplativa, Fred Figner, ou seja, você não era de ficar parado diante da marcha do progresso.
-Percebi, imediatamente, o potencial da nova invenção e transferi meu estabelecimento da Rua Uruguaiana para a Rua do Ouvidor.
-Você precisava de um lugar para expandir seus negócios.
-Sim; numa loja térrea da Rua do Ouvidor, eu abri o primeiro estúdio de gravação a varejo de discos do Brasil.
-Em que ano foi isso?
-Em 1900. - respondeu prontamente.
-Como eram elaborados esses primeiros discos da indústria fonográfica? - perguntei-lhe.
-Os discos eram fabricados com cera de carnaúba, que vinha do Maranhão. As gravações eram realizadas em apenas uma das faces do disco e tocadas em gramofones movidos a manivelas.
-Recordo-me desses discos de cera de carnaúba, pesados, se comparados com os que vieram décadas depois, que meu pai herdou do meu avô, em 1963. Acredito que colecionadores da música popular brasileira, como José Ramos Tinhorão, tenham esses discos do início do século XX. - tagarelei.
-Não quero me vangloriar, mas a minha iniciativa representou uma verdadeira revolução. Se nos mantivermos na música popular brasileira, os compositores como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré e os demais não precisavam mais comercializar as suas criações por intermédio de partituras impressas.
-Chiquinha Gonzaga, rejeitada pelo pai e separada do marido, tinha de sair às ruas para vender as partituras das suas composições e, assim, ganhar a vida. A sua atuação de grande empresário, Frederico Figner, melhorou a vida dos artistas brasileiros e, evidentemente, do público, que teve acesso a muitas obras que encantavam o público.
-É evidente que eu buscava o lucro financeiro, mas uma multidão de brasileiros ganhou muito com isso.
-O primeiro disco brasileiro foi gravado na Casa Edison, em 1902, pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, mais conhecido por Bahiano. - afirmei.
-Isso mesmo; ele gravou o lundu “Isto é bom”, de autoria do seu conterrâneo Xisto da Bahia. Você sabe por que leu nos livros?
-Não só li, Fred Figner, como ouvi a gravação que se encontra eternizada no youtube, que é um dos registros em computador.
-E como esta lá? - demonstrou curiosidade.
-Bahiano anuncia “Casas Edison, Rua do Ouvidor 107”, e põe-se a cantar o lundu.
E entoei um trecho:
-”O inverno é rigoroso,
Quem disse foi minha avó.
Quem dorme junto tem frio,
Que dirá quem dorme só.
Isto é bom. Isto é bom que dói.”
O rosto de Frederico Figner se iluminou com a lembrança.
-Muitas músicas que meu pai cantava, quando eu era garoto, eu só vim a conhecer, gravadas, pelo Bahiano da Casa Edison. - prossegui.
-A partir de então, muitos artistas passaram a gravar suas composições em disco e eu tive de abrir uma filial da Casa Edison em São Paulo.
-E como você fez com a demanda cada vez maior pelos discos?
-Instalei, em 1913, uma indústria fonográfica de grande porte na Avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, surgiu, então, o selo Odeon.
-E a sua residência era como a dos grandes empresários americanos do seu tempo?
Mandei construir uma mansão na Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, mas a utilizei parte dela como hospital quando a Gripe Espanhola veio matar também no Brasil.
-A sua mansão abriga, hoje, o Centro Cultural Arte-SESC e o restaurante Bistrô do Senac. - informei-lhe.
-Tenho de ir.
-Antes, tenho de assinalar que você, como o grande compositor Verdi que, consternado com a penúria dos artistas, com a chegada da velhice, amparou-os, criando a Casa di Riposi pei Musicistti, doou o terreno para a instalação do Retiro dos Artistas.
Enquanto eu falava, o grande empresário se desmaterializava diante de mim.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

2247 - tornado jóquei

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4047                              Data: 19  de outubro de 2012
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CARTAS DOS LEITORES

“Consegui achar uma foto da capa da revista Amiga com o Toni Tornado. Seria o Tio Rei lá no fundo, ao lado de um sujeito com barba estilo Fidel Castro?” Tereza Luz.
BM: Tereza Luz, filha da irmã mais velha do Luca, é correspondente do Biscoito Molhado na cidade de Ourinhos. Nesta carta, ela se reporta ao exemplar intitulado “De Mangaratiba para o Sabadoido” em que o Luca declara que o seu tio Reinaldo (Rei) saiu na capa da citada revista com o Toni Tornado na ocasião em que ele venceu a fase brasileira do V Festival da Canção com BR-3.
Tereza Luz desencavou a capa da edição da “Amiga” de 3 de novembro de 1970, em que aparecem o performático intérprete (cantou e dançou como o James Brown) com um punhado de pessoas no palco e, em seguida, a escaneou no seu computador.
Na carta, transparece a dúvida, que foi reforçada pelo Luca, comigo ao telefone: “Sei não, Carlinhos, aquelas crianças junto com o Toni Tornado...”
Acionado o Reinaldo, em pleno trabalho na Petrobras (isso aconteceu na manhã de segunda-feira), as dúvidas persistiram.
Nesse mesmo dia, meu irmão Lopo apareceu e eu tratei de explorar a sua memória.
-Lopo, você esteve com o Reinaldo no Festival em que o Toni Tornado ganhou com BR-3?
-Claro que estive. Apesar de não ser o Festival Universitário de Música Brasileira, transmitida pela TV Tupi, o Reinaldo tinha um crachá do MAU – Movimento Artístico Universitário – que lhe dava livre trânsito pelos bastidores do Maracanãzinho. Eu estava com ele, que me disse que iria tentar me colocar lá dentro. Demos sorte, pois ele achou um crachá do MAU perdido e passou para mim, que tratei de o pendurar no pescoço.
-Vocês circularam, então, entre os artistas?
-Não só circulamos, como participamos do coquetel.
Meu irmão falou muitas vezes desse coquetel porque se deparou com o Peixoto, conhecido como prefeito da rua Americana, no início dos anos 60, trabalhando como garçom. Ele, Peixoto, ganhou esse apelido porque não podia ver uma obra na rua sem abordar os trabalhadores com sua opinião, e também pelo fato de levar candidatos a cargos eletivos para discursar, transformando a  frente da sua casa em palanque.
-Quando eu vi o Peixoto com uma bandeja de salgadinhos, aproximei-me, percebi o impacto que ele sentiu ao se deparar comigo, e, depois de pegar um salgadinho, eu lhe disse: obrigado. - não perdeu a oportunidade de narrar mais uma vez o caso.
-Lopo, o Luca ficou em dúvida por causa daquelas crianças juntas ao Toni Tornado.
-É o Trio Esperança. - afirmou com veemência.
E apontou uma menina que afirmou ser a Evinha, intérprete celebrada pela canção “Casaco Marrom”.
-Eu vou pôr o zoom nessa foto escaneada pela Tereza...
Enquanto a imagem crescia, meu irmão se fixava na pessoa que estava ao lado de alguém que a Tereza comparou a aparência com a do Fidel Castro.
-É o Reinaldo, sem a menor dúvida.
E acrescentou:
-Eu estava um pouco à direita dele.
-Essa história de ele abraçar o Toni Tornado?...
-Exageros, Carlinhos, mas o resto é verdade.
Acreditamos que depois desse depoimento de uma testemunha ocular, o caso está esclarecido. Obrigado, Tereza, que nem nascida era, nessa época, pela ajuda prestada.

“Duas vezes acertei no Grande Prêmio Brasil, sem ter apostado nada em ambos. Nas vitórias de Duraque, com Antonio Ricardo e de Bowling, com Juvenal Machado da Silva.” - Elio Fischberg.
BM: Com 15 anos de idade eu já não frequentava bookmaker e, consequentemente não apostava mais nos cavalos, mas a vitória do Duraque no Grande Prêmio Brasil de 1967 foi inesquecível para mim, não pelo cavalo em si, mas pelo jóquei que o conduziu, Antônio Ricardo.
Luís Rigoni e Francisco Irigoyen gozavam da fama de mestres entre os jóqueis, mas dizia-se que Antônio Ricardo só nos os superava porque usava, vez ou outra, de meios ilícitos, como “puxar o cavalo”. De tão bom que era, não conseguiam provar nada contra ele. - afirmavam muitos turfistas.
Nesse Grande Brasil de 1967, o favorito era o argentino Tagliamento, que venceu o Grande Prêmio São Paulo, para nós, cariocas,  uma prévia da corrida do primeiro domingo de agosto, no Hipódromo da Gávea, para os paulistas, o verdadeiro Grande Prêmio Brasil.
Duraque, até então, não se mostrava um craque, seu retrospecto na pista de grama, também de areia, tinha sido modesta.  Assim sendo, era um azarão.
Dada a largada, o que se viu foi a maestria do jóquei Antônio Ricardo tirando forças insuspeitadas do seu cavalo. Muitos se esqueceram que apostaram no Tagliamento, e vibraram com o primeiro lugar da criação nacional.
O ceticismo tinha sido tão grande que Duraque pagou, na ponta, 367 cruzeiros para quem apostou 10, e 170 no placê.
No dia seguinte, li na coluna do Zózimo que a Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, havia acertado no cavalo.
Logo depois, o dono do cavalo anunciou que o vencedor do Grande Prêmio Brasil participaria da maior prova do turfe argentino, o Grande Prêmio Carlo Peregrino. Lá, Duraque se excitou, derrubou Antônio Ricardo e disparou pela pista, saltando a cerca e alcançando as ruas próximas ao hipódromo. Uma lástima.
Dez anos depois, 1977, quando eu fazia estágio no Jornal do Brasil, o chefe da seção de pesquisa de mercado de rádio e televisão, fanático por turfe, reportou-se a essa corrida:
-”Antônio Ricardo sabia que não teria a menor chance com o cavalo, para não desvalorizá-lo, engendrou todo aquele drama de o cavalo o atirar ao chão e disparar sem rumo.”
Terá sido Antônio Ricardo tão diabólico assim? O que é certo é que seu filho, J. Ricardo, tornar-se-ia o maior recordista de vitórias do turfe nacional e da América do Sul; ainda assim, adepto algum dos puros-sangues afirmará que ele foi tão bom quanto o pai.
Quanto à vitória de Bowling, também prevista pelo Elio Fischberg, garantem as testemunhas que veio numa atropelada avassaladora anunciada pela metralhadora vocal do locutor Ernani Pires Ferreira, quando disparou o bordão; “Lá vem o Juvenal.” E Bowling, montado por Juvenal Machado da Silva passou Brown Tiger de Gabriel Menezes, Bat Masterson de J. Ricardo, Grimaldi de I.Quintana e, finalmente, Larabee do Goncinha, para vencer por um corpo de vantagem.
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E as outras cartas ficam para outra edição.





terça-feira, 23 de outubro de 2012

2246 - tarados nas redondezas

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4046                              Data: 17  de outubro de 2012
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MANINHO

Como o leitor do Biscoito Molhado há de lembrar, o Chico, lá do Ceará, participou, por telefone, da última sessão do Sabadoido e me propôs alguns motes a serem desenvolvidos neste periódico: Leopoldo Sapateiro, Carlinhos Chamicha, Maninho e outras figuras do Cachambi. Quanto ao Maninho, Chico, pela sua pouca idade (encontra-se longe dos 60 anos), se referia, com toda certeza, a um morador da Chaves Pinheiro que babava pela Leila Diniz. Um dia dedicarei uma página a ele, mas sem o clima épico de outros moradores do bairro que fizeram por onde merecê-lo.
Mas o cognome Maninho, pronunciado naquele sábado espremido entre Nossa Senhora da Aparecida e o Dia do Professor, despertou reminiscências minhas que já dormiam sob as cinzas, embora o nosso amigo, ora no Ceará, nem suspeite disso.
A história começa no início dos anos 60. A minha turma se encontrava na Rua Americana, mas eu e meu irmão Claudio também fazíamos algumas incursões pelo bookmaker do Maurício, localizado na Rua São Gabriel a uns 30 metros da Rua Cachambi e a uns 25 da banca de jornal do Russo, a mais tradicional do bairro.
Lá, no bookmaker, éramos eu e Claudio alertados pelos amigos mais velhos da pedofilia do Dunga, um bicheiro que carregava poules de apostas e gaiolas de passarinho.
Por ignorância, ninguém usava o termo pedofilia, mas se falava veladamente de homens feitos que se sentiam atraídos sexualmente pelos garotos  e o Dunga era um deles.
Lá, em casa, meu pai cantava muito uma antiga marchinha de carnaval, mas ele expressava apenas o seu espírito folgazão:
“Eu fui no mato,crioula,
cortar cipó, crioula,
eu vi um bicho, crioula,
de um olho só.
Não era bicho,
não era nada,
Era o Febrônio,
com a garotada.”
Décadas depois, eu soube que o Febrôno era um tarado que enforcou uma das suas vítimas, um garoto, com um cipó. Como o carioca ajusta até as tragédias ao carnaval, a coisa virou uma marchinha de sucesso inquestionável. O tarado também inspirou uma ameaça à meninada usada por brincalhões e mal- humorados: “Cuidado que o Febrônio vem te pegar.”
Dunga conversava e conversava com a petizada, não tinha nada de truculento. Falava dos passarinhos e não sei mais do quê, pois, nós, já prevenidos, não lhe dedicávamos muita atenção. Não sei se ele escrevia jogo do bicho, pois eu só descia da Rua Americana até o bookmaker aos sábados e domingos e, esporadicamente, nas noites de quinta-feira, dia em que o hipódromo realizava corridas de cavalo. Houve, cabe assinalar, páreos na quarta-feira à tarde, quando inauguraram o Hipódromo Guanabara, em 1961, que, no entanto, não durou muito.
Cabe assinalar que eu e meu irmão pouco apostávamos nas patas dos cavalos, geralmente nossa função era levar as apostas e o dinheiro de conhecidos mais velhos, vizinhos, alguns deles.
A tranquilidade dos apostadores era perturbada pelas batidas policiais. Não sei se meu irmão correu de algumas delas, eu corri.
“Atenção, atenção.” - era fatídica palavra, com uma repetição, dita pelo olheiro, que colocava o bookmaker em polvorosa.
Certa vez, uma tarde domingo, nem deu tempo para a terceira sílaba do “atenção,atenção”, os policiais, vindo pela rua Honório e pela São Gabriel, cercaram os bicheiros enquanto eu, que fui fazer um jogo para o Seu Dilmar, o vizinho da casa 23 da vila onde morávamos, misturei-me  à meninada que saltava pipa.
Esses sustos não me impediam de ir até lá e, quando possível, apostar. Joguei 10 cruzeiros na acumulada Kubelik e Dark Oriente, ganhei 49 cruzeiros e o Cláudio jogou 10 no azarão Zaraza e embolsou 410 reais, o que levou o bicheiro a conferir a cópia da aposta do papel carbono.
Resumindo: tudo corria bem, com todos esses sobressaltos de batidas policiais, até que o Durval, um bicheiro gorducho informou:
-O Maninho vai ser solto a qualquer momento.
Quem será esse Maninho? - perguntava-me.
Dunga, enquanto isso, falava para um menino de um curió de um canto vencedor nas feiras nordestinas, mas que só cantava na casa dele.
Os dias transcorreram até que um dia um dos bicheiros comentou com outro:
-Maninho vem mesmo para cá.
Soubemos pelos apostadores mais antigos daquele bookmaker que se tratava de um criminoso, passou uma temporada na cadeia e agora estava de novo livre, e pior: diferentemente do Dunga, estuprava os guris. Todos aqueles que se encontravam na fase da vida chamada de infanto-juvenil entraram em pânico.
Um dia, ele reapareceu no seu antigo posto. Era um mulato baixo e atarracado. Nos sábados e domingos, quando eram muitos os apostadores acompanhando as transmissões dos páreos pelo locutor Oscar Vareda, eu e meu irmão ainda ousávamos ir ao bookmaker, mas sempre guardando distância daquele tarado.
Maninho ficava desde cedo nas proximidades da entrada do bookmaker, era uma espécie de vigia.
Eu que, naquela época, 1962 e 1963, tinha a minha primeira aula no Visconde de Cairu às 7h da manhã, descia a Rua São Gabriel, uma hora antes, rumo ao ponto do bonde Cachambi em frente da padaria. Porque gostava de caminhar e também para evitar aquele sujeito, alterei meu itinerário: descia a Rua Americana, dobrava à direita na Basílio de Brito, pegava a Rua Cachambi e ia até a Coração de Maria. Seguia por toda essa longa rua e chegava ao Méier, na Aristides Caire, perto da Arquias Cordeiro. Daí para o meu colégio, andava com todo o fôlego do mundo, apesar de dois cigarros Continental fumados, mais 15 minutos.
Um dia, com vários colegas da Rua Americana, no Cinema Cachambi, aconteceu o que nunca imaginamos. Sílvio, um magricela alto, que além de vizinho era meu colega do 2º ano ginasial, mudou de lugar, no meio do escuro e cochichou apavorado: “Sabe quem estava sentado ao meu lado? O Maninho.”
Primeiramente, o temor tomou conta de nós, depois, passado o perigo, vieram as gozações.  Sílvio sofreu com as piadas de todas as turmas da rua, a dos pirralhos e a dos adultos.
Estávamos na proximidade da Semana Santa. No Judas de sábado de aleluia da Americana, um dos cartazes era da minha autoria: MANINHO ANDA DE OLHO NUM GAROTO DA CHAVES PINHEIRO, CUIDADO: PODE SER VOCÊ.
Por coincidência, quando saía com a minha mãe até a farmácia para comprar Dermobenzol  para as manchas brancas que eu tinha pelo corpo, vi os bicheiros, junto a um carro, lendo os dizeres do nosso Judas.  Um deles comentou, quando voltaram para o carro:
-Muito engraçado, só não ficou legal para o Maninho.
Não passaram dois meses e o Maninho sumiu. Ficou esquecido até que uns 10 anos depois, numa pelada no campo Cachambi, Carlinhos Chamicha disse para o Godi, um rapaz de 17 anos, que possuía pernas de vedete:
-Vou levar o retrato falado das suas pernas para o Maninho na cadeia.