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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

2022 - o Rato que não roe

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3852 Data: 20 de setembro de 2011

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APELIDOS

Se alguém não gostar do tema desta edição do Biscoito Molhado, aviso logo: a culpa é do Ratinho.

- Quem é o Ratinho?- indagarão leitores que não o conhecem.

Bem, há quem diga que ele é uma mescla do Mickey com o Topo Giggio. Não sei...

Os apelidos merecem um livro, eu, que sou pouco pretensioso, tentarei uma crônica.

Não há necessidade de uma observação profunda para se concluir que os apelidos surgem da criatividade do povo. Na música brasileira, por exemplo, isso é demonstrado facilmente. No cancioneiro popular, houve o Cartola, o Jamelão, o Zé da Velha, o Pixinguinha e outros. O apelido do Pixinguinha já foi explicado até em letra de escola de samba: contraiu varíola, quando menino, que também era chamada de bexiga. A avó dele, que nunca frequentou um consultório de uma fonoaudióloga, em vez de Bexinguinha, chamava o neto de Pixinguinha. Há outras versões, mas esperamos que o revisor se controle e não insira nenhuma nesse texto.

E o Zé da Velha?

Confesso que imaginei o pior, quando ouvi esse apelido pela primeira vez. Depois, soube a razão do mesmo. Ele, quando jovem, tirava um som tão aveludado do trombone, além de contracantos admiráveis, que Pixinguinha o convocou muitas vezes para tocar com a velha guarda. Veio, então, o apelido: Zé da Velha.

Até hoje, desconheço o nome do Jamelão e não tenho curiosidade de sabê-lo, de tal maneira o apelido se ajustou à pessoa. Quanto ao Cartola, seu nome é Angenor de Oliveira, mas o apelido nos parece perfeito, se considerarmos essa peça da indumentária como símbolo da aristocracia. Ele foi um lavador de automóveis, que criou os mais elevados versos, ao tomar conhecimento da vida de prostituta da filha, no clássico “A vida é um moinho”. Apenas quem seja um verdadeiro nobre possui tal qualidade.

E os apelidos na denominada música erudita?... Confesso que não me ocorre nenhum. Meu pai me contava que Villa Lobos, ao ensaiar mil estudantes para as representações musicais do Estado Novo, no estádio do Vasco da Gama, reagia com irritação, quando alguém desafinava. Era, por isso, chamado de Vira Lobo à boca pequena. Mas o “Vira Lobo” não passou de uma maledicência, não chegando a se firmar, apesar da semelhança de som.

Vivaldi tinha os cabelos ruivos, algumas pessoas o chamaram de Padre Vermelho, mas se dissermos que “As Quatro Estações” são do Padre Vermelho, pouca gente identificará Vivaldi, por não saber que ele também vestiu a batina. Na época da ditadura, não seria surpresa se o DOPS saísse em busca do Vivaldi para prendê-lo.

Como falamos de padre, continuemos com ele, mas saltando das notas musicais para as palavras. Para quem pretende estudar os fatos ocorridos no Brasil, no corte temporal que vai de 1808 a 1821, é leitura de obrigação as Memórias para servir à história do reino do Brasil (1825), do Padre Perereca.

- Por que Padre Perereca?... Ele era muito magricela? - perguntarão alguns leitores do Biscoito Molhado.

Bem, a alcunha adveio do fato de ele saltitar e arregalar os olhos esbugalhadamente nos seus sermões. Chamava-se, de acordo com sua certidão de nascimento, de 1767, Luís Gonçalves dos Santos. Viveu até 1844. Também escreveu outros livros de grande valor histórico e colaborou, em 1821, no “Revérbero”, uma espécie de Biscoito Molhado da época, que trocava, porém, o estilo humorístico pela abordagem iracunda.

Não, não... Frei Caneca, que participou da Confederação do Equador, não era um cognome, e sim um sobrenome. Faz-se necessário assinalar isto antes que alguém o considere uma personalidade histórica, dado a libações alcoólicas. Chamava-se Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, para desespero dos estudantes, que têm de decorar seu nome para as provas de História do Brasil. Fazendo Justiça a tão encompridado nome, trouxe ao prelo, em 1823, um livro que intitulou: Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e dos deveres de cada cidadão para com a mesma pátria. Acredito que tal obra só exista na biblioteca do José Mindlin.

Passo agora a uma figura que não redigiu nada. Pelo contrário, matou os redatores e entrou na história com um apelido luminoso: Lampião. Na pia batismal, chamaram-no de Virgulino Ferreira da Silva. Com esse nome, imagino que aceitou de bom grado a identificação de Lampião.

Segundo os historiadores, nos confrontos entre seu bando e os policiais, ele se gabava de que sua espingarda nunca deixava de ter clarão, daí o apelido, que ofuscou quase inteiramente Virgulino Ferreira da Silva.

Como os cognomes brotam, praticamente, no meio popular, e neles se solidificam, é no futebol, sem a menor dúvida, onde quase todo mundo é apelidado.

Édson Arantes do Nascimento apareceu, na puberdade, no Santos Futebol Clube, e logo o chamaram de Gasolina. Quando souberam que o nome Pelé já estava firmado na família e soava bem aos ouvidos, além de sua originalidade, ficou “Pelé”, para o mundo todo conhecer. Aliás, essa originalidade foi tão marcante, que me recordo, na escola primária de Del Castilho, quando ele despontou, na Copa do Mundo de 1958, a discussão da garotada na sala de aulas.

-É Telê... Ele se chama Telê.

-Que Telê?!... Esse é do Fluminense. - retrucavam os mais espertos.

Antes de Pelé, houve um jogador que, para os mais velhos, possuiu um talento comparável ao dele: Leônidas da Silva. Era conhecido como o Diamante Negro, um apodo. Dia desses, numa viagem a serviço, referi-me à origem do nome do chocolate Diamante Negro, e ouvi de um colega sua perplexidade. Ele não sabia que o prestígio do jogador chegara a tanto. Sim, chegou, e Leônidas da Silva contribuiu muito para a popularidade de um clube de origem aristocrática, chamado Flamengo.

Creio que foi Jânio Quadros quem disse que a intimidade gera aborrecimentos e filhos. E eu acrescentaria - apelidos. Nas ruas em que morei, nos locais onde exerci meu trabalho, houve toda espécie de apelidos, uns se reportavam a animais (Zé Galinha), outros a vegetais (Caiana), a moradias (Chaminé), a guloseimas (Pirulito), etc. Ainda assim, sou surpreendido por esses pseudônimos.

Há menos de dez dias, deparei-me com um e-mail repassado pelo Dieckmann em que ele, como distribuidor deste periódico, foi destratado por um tal de Gustavo dos Santos. Apesar de o Dieckmann ser conhecido como Troglodieck, pelo uso costumeiro da borduna, saí em sua defesa.

E eis que sou sacudido pela surpresa: Gustavo dos Santos é nada mais, nada menos, do que o Ratinho, aquele que cobriu os dez anos do atentado às torres gêmeas, em Nova York, pelo Biscoito Molhado. Como poderia imaginar que o Ratinho fosse o Gustavo dos Santos, um nome tão católico?

Bem, nessa briga do Dieckmann com Mickey, Topo Giggio, Ratinho ou qualquer outro roedor, não me intrometo.

E, por isso, encerro por aqui.

2021 - Panamá e adjacências

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3151

Data: 19 de setembro de 2011

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CARTAS DOS LEITORES

- Na edição do Biscoito Molhado sobre adivinhações, foi dito que a ópera “Turandot” de Puccini foi inspirada nas “Mil e Uma Noites”. Não entendi, pois a fábula da princesa e o príncipe desconhecido é ambientada na China, enquanto as histórias de Sheherazade são árabes. Nilton Santos

BM: Puccini, na verdade, se inspirou, quando compôs a sua última ópera, na obra do romancista italiano, Carlo Cozzi (1720-1806). Este, por sua vez, realizou uma adaptação de um texto apócrifo das “Mil e Uma Noites.”

-Em um desses BM, foi dito que Édipo matou o pai, Laios, numa briga de trânsito. Já existia isso em 400 a.C? Manuel

BM: Édipo voltava para Tebas, sem saber que nascera lá, quando, na estrada, se deparou com um carro maior em direção contrária. Tentou desviar, mas os carros acabaram chocando-se de raspão. O cocheiro do outro carro xingou Édipo que, tendo pavio curto, o matou. O patrão do morto, Laios, investiu sobre ele e foi morto, igualmente.

Para que toda essa história seja melhor entendida, vamos voltar no tempo.

Laios se casou com Jocasta, eles reinavam sobre Tebas, mas não tinham filhos, o que os entristecia. Consultaram, então, o Oráculo de Delfos, e a pitonisa lhes revelou que teriam um filho que estava destinado a matar o pai e a casar com a mãe. Os anos se passaram e o casal teve, finalmente, um filho. Laios se lembrou da profecia e ordenou que seus servos matassem esse filho. O bebê foi levado, então, para uma floresta onde furaram os seus pés e o amarraram numa árvore de cabeça para baixo para ser devorado pelos animais. Pastores que passavam, viram o bebê abandonado e o levaram para Corinto. Lá, entregaram-no ao rei e a rainha, que o adotaram porque não tinham filhos. O casal que reinava sobre Corinto lhe deu o nome de Édipo, que significa “pés furados” e não revelou a sua origem.

Sentido-se diferente dos demais, com o passar do tempo, Édipo resolveu consultar o Oráculo de Delfos, que disse que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. Horrorizado, porque queria o melhor para os seus pais, tratou de se afastar de Corinto. Pegou o seu carro, de tração animal, evidentemente, e rumou para Tebas. Começa, então, a se realizar a profecia.

-No BM 2014, fala-se com ironia de um Seminário sobre os 140 anos da Comuna de Paris, mas há uma ressalva sobre algumas medidas que representaram um avanço. É isso mesmo: as 8 horas diárias de trabalho vieram com a Comuna de Paris? Valdir

BM: Durante a guerra franco-prussiana, as províncias francesas elegeram uma maioria de deputados monarquistas para a Assembleia Nacional que eram favoráveis à capitulação diante da Prússia. A população de Paris se opôs a essa política e, com o apoio da Guarda Nacional, derrotou as forças legalistas e instalaram a Comuna de Paris, em 18 de março de 1871, considerada a primeira república proletária da história, porque adotou os princípios da Primeira Internacional.

Esse governo revolucionário foi formado por uma federação de representantes de bairro (a Guarda Nacional e uma milícia composta por cidadãos comuns). Apesar de durar cerca de 40 dias, a Comuna de Paris tomou medidas como as que seguem: abolição do trabalho noturno; residências vazias foram desapropriadas e ocupadas; os descontos em salários foram abolidos; a jornada de trabalho foi reduzida e se propôs 8 horas diárias; os sindicatos foram legalizados; foi instituída a igualdade entre os sexos; o casamento se tornou gratuito e simplificado; a pena de morte foi abolida; a educação se tornou gratuita, secular e compulsória; escolas noturnas foram criadas e as turmas passaram a ser de sexo misto; o salário dos professores foi duplicado; os artistas passaram a gerir teatros e editoras; etc.

O governo oficial instalado em Versalhes, sob o comando de Thiers, assinou a paz com a Prússia para convergir sua atenção na derrota dos insurretos de Paris. Como ficou acordado com a Prússia, prisioneiros de guerra franceses foram libertados para voltar ao Exército que lutaria contra a Comuna. Eram 100 mil soldados sob o comando de Versalhes contra pouco mais de 15 mil milicianos. Depois de sangrentas lutas, a Comuna de Paris foi esmagada.

-No questionário da loura burra, assunto de um BM, não foi dito onde é fabricado o Chapéu Panamá. Será que as louras estão certas: a fabricação ocorre mesmo no Panamá? Edvaldo

BM: Para responder essa pergunta do questionário da loura burra, temos de consultar os livros de história. Século XVI; quando os conquistadores espanhóis chegaram ao litoral equatoriano, registraram que os índios usavam chapéus de palha que cobriam suas orelhas e pescoços. Esses chapéus se pareciam com as “Tocas” usadas por freiras e viúvas da Europa. Eles, então, os chamaram de “toquillas”, e o material usado para fazê-los de “palhas de toquillas”. Logo, os espanhóis o usavam com o nome “chapéu de palha de toquilla”.

Em 1836, após a independência do Equador, um empresário chamado Manuel Alfaro se estabeleceu em Montecristi e produziu esses chapéus utilizando as suas plantações e contratando tecelões habilidosos. O negócio prosperou e o Panamá se tornou grande importador, o que levou o empresário a abrir lojas nesse país. Os muitos clientes internacionais passaram, por isso, a associar o chapéu ao Panamá; mas o Chapéu Panamá é, na verdade, equatoriano.

No Biscoito Molhado sobre o passatempo da rainha, há muitas adivinhações que não foram citadas, como a do livro “O Senhor dos Anéis”. Édson.

BM: Se fôssemos relacionar as adivinhações, não faríamos outra coisa. Até mesmo no Sabadoido, há adivinhações camufladas em sabatinas, muitas são musicais, ou seja, com disco tocando.

Não lemos o livro citado. Mas sabemos que há nele um capítulo chamado “Riddles in the Dark” (Adivinhações no Escuro), que trata de um duelo entre o herói e o vilão. Uma das questãos é esta: “Uma caixa sem dobradiças, chave ou tampa, mas que possui um tesouro dourado no interior.” Parece que o autor do livro J.R. Tolkin está em dia com as novidades científicas, pois a resposta é ovo, alimento que havia caído em desgraça sob a falsa acusação de encher as artérias de colesterol.

E é só, por hoje.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

2020 - solução do passatempo

QUESTÕES


1- Orixá que é filho de Iemanjá e irmão de Exu, com o qual de assemelha em agressividade e beligerância. Saravá!

OGUM

2- Alojamento que se destinava à moradia dos escravos dos engenhos ou das fazendas.

SENZALA

3- País insular do Oceano Índico.

MADAGASCAR

4- Palavra de origem tupi-guarani que significa pedra cor de rosa. Mudada uma letra, é o palácio que foi construído de 1851 a 1855 por um discípulo do arquiteto francês Auguste Grandjean de Montigny. Com a morte do seu proprietário, foi fechado para ser aberto para o festejo da vitória do Brasil na Guerra do Paraguai, em 1870. Adquirido no governo provisório de Deodoro da Fonseca, tornou-se sede do Ministério das Relações Exteriores.

ITAMARATI

5- Flagelo que atingiu o nordeste mais duramente em 1875/1877, e levou o imperador D. Pedro II a incentivar a migração de cearenses para a Amazônia, o que provocou o primeiro Ciclo da Borracha.

SECA

6- Doença causada por vermes parasitas muito comum no Brasil.

ESQUISTOSSOMOSE

7- Família de banqueiros de origem alemã e israelita que se estabeleceu em Frankfurt, Londres e Paris, principalmente, e participou da Restauração e da Santa Aliança.

ROTHSCHILD

8- Quadro de Tarsila do Amaral cujo nome indígena significa “antropofagia”, que foi o movimento esteticamente mais radical do modernismo brasileiro.

ABAPORU

9- Peça de Nélson Rodrigues que, encenada em 1943, deu início ao processo de modernização do teatro brasileiro.

VESTIDO DE NOIVA

10- A rainha nobre da Bíblia. Casou com o rei Assuero que não sabia que ela era judia. Inspirou um filme de Hollywood com Joan Collins e Richard Egan.

ESTHER

11- Capital do Paquistão

ISLAMABAD

12 Arquipélago da Oceania, na Polinésia, ao sul do Equador.

SAMOA

Com a letra inicial de cada resposta correta, obtém-se o nome de um clássico da literatura universal que foi escrito no século XIX, e tornou-se, no fim do século XX, um famoso musical cuja montagem inspirou uma escola de samba do primeiro grupo do Rio de Janeiro, causando um grande impacto no carnaval. OS MISERÁVEIS

Com a última letra de cada resposta correta, tem-se o nome de uma destacada personagem de um romance de Eça de Queirós. MARIA EDUARDA (Os Maias)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

2020 - Édipo matou a Esfinge

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3850 Data: 17 de setembro de 2011

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PASSATEMPO DA RAINHA

As adivinhações acompanham o homem desde remotas épocas.

Na Grécia antiga, as adivinhações a que foi submetido Édipo talvez sejam as mais conhecidas. Sem conhecer a sua origem, Édipo vai a Tebas, onde nasceu e encontra a cidade em rebuliço: o rei Laios fora morto e um monstro, a Esfinge, se estabelecera, com um enigma a ser decifrado. Como todos os que se submetiam à prova eram devorados, a rainha viúva, Jocasta, prometeu se casar com quem livrasse a cidade daquele monstro.

Édipo resolveu enfrentar a Esfinge, uma estranha criatura com corpo de leão, patas de boi, asas de águia e rosto humano. O enigma era este:

-“O que tem quatro patas de manhã, dois ao meio dia e três à tarde?”

Édipo acertou as adivinhações, casou com Jocasta, que era sua mãe; antes, a caminho de Tebas, matara o pai, Laios, numa briga de trânsito, isto é, depois de um desentendimento num esbarrão de carros movidos por animais.

Num sábado, na casa do meu irmão (ainda não se pensava na existência do Sabadoido), eu formulei a adivinhação da Esfinge, mas de uma maneira mais simples:

-O que tem quatro patas quando nasce, duas, quando entra na idade adulta, e três quando se torna velho?

Meu sobrinho Daniel, que estava com uns 10 anos de idade, não pensou muito para responder:

-O homem.

-Esse menino já tem complexo de Édipo. - não perdi a piada.

Para ele não foi difícil acertar a parte das três pernas porque o seu avô andava de bengala desde que quebrara a perna numa queda.

Cultivam-se também muitas adivinhações no mundo oriental.

Nos textos apócrifos das “Mil e Uma Noites”, está a fábula de Turandot, que o compositor Giacomo Puccini imortalizou na sua última ópera.

A princesa Turandot, para se vingar do mal que uma antepassada sua sofrera, submetia todos os seus pretendentes a três perguntas que, caso não respondidas corretamente, significavam a morte. Mal comparando, ela era insaciável como a Esfinge de Tebas. Eis as perguntas de Turandot, que foram respondidas corretamente pelo Príncipe Desconhecido.

-O que nasce toda noite e morre a cada amanhecer?

-O que treme vermelho e quente como uma chama, mas não é fogo?

-O que é como gelo, mas arde?

As respostas são pela ordem: esperança, sangue e Turandot.

O Príncipe Desconhecido já tinha vencido, mas para não levar apenas uma princesa de gelo, propôs um enigma a ela:

-Qual é o meu nome?

Para que a sua identificação fosse descoberta, a princesa obrigou que ninguém dormisse em Pequim até que se descobrisse o verdadeiro nome do Príncipe Desconhecido.

Puccini compôs, então, “Nessun Dorma” - Ninguém durma”, que Pavarotti cantou mais de mil vezes sem superar a interpretação do tenor Jussi Bjorling.

Quando ele revela que se chama Calaf, Turandot já ardia e tudo termina bem para os dois.

O filósofo grego Aristóteles, mestre de Alexandre da Macedônia, atribuiu o fascínio exercido pelas adivinhações ao uso inteligente da metáfora nas perguntas e, também, à surpresa experimentada pelo desafiado quando lhe é revelada a resposta.

A pergunta se baseia nas semelhanças entre coisas, descrevendo um objeto como se fosse outro; a descrição de um objeto como se fosse uma pessoa é um recurso muito usado, também. Eis um bom exemplo:

-“Eu tenho um menino com um casaco branco; quanto maior ele é, menos ele cresce.”

No Hamlet de Shakespeare, há uma adivinhação:

-“Quem é que constrói mais solidamente do que o pedreiro, o carpinteiro e o construtor de navios?”

Como a pergunta ocorre na Cena I do Ato V e se dá entre dois coveiros, não é difícil decifrar. A questão anterior, a do menino do casaco branco, sim, é difícil: vela acesa é a resposta exata.

Mas escrevi os parágrafos acima para me reportar a umas edições do Biscoito Molhado de quatro, cinco anos atrás sobre o passatempo da rainha.

Tratava-se da Rainha Vitória, que gostava de decifrar enigmas e até mesmo de formulá-los. Tudo – é bom que se alerte os apressados – da maneira menos perigosa possível. Um dos passatempos que ela mais apreciava se constituía de indagações que, acertadas, formavam dois acrósticos que, por sua vez, solucionavam dois problemas. Parecia difícil, mas era bem fácil.

Na época, elaboramos alguns desses passatempos da rainha, e hoje resolvemos criar mais um.

QUESTÕES

1- Orixá que é filho de Iemanjá e irmão de Exu, com o qual de assemelha em agressividade e beligerância. Saravá!

2- Alojamento que se destinava à moradia dos escravos dos engenhos ou das fazendas.

3- País insular do Oceano Índico.

4- Palavra de origem tupi-guarani que significa pedra cor de rosa. Mudada uma letra, é o palácio que foi construído de 1851 a 1855 por um discípulo do arquiteto francês Auguste Grandjean de Montigny. Com a morte do seu proprietário, foi fechado para ser aberto para o festejo da vitória do Brasil na Guerra do Paraguai, em 1870. Adquirido no governo provisório de Deodoro da Fonseca, tornou-se sede do Ministério das Relações Exteriores.

5- Flagelo que atingiu o nordeste mais duramente em 1875/1877, e levou o imperador D. Pedro II a incentivar a migração de cearenses para a Amazônia, o que provocou o primeiro Ciclo da Borracha.

6- Doença causada por vermes parasitas muito comum no Brasil.

7- Família de banqueiros de origem alemã e israelita que se estabeleceu em Frankfurt, Londres e Paris, principalmente, e participou da Restauração e da Santa Aliança.

8- Quadro de Tarsila do Amaral cujo nome indígena significa “antropofagia”, que foi o movimento esteticamente mais radical do modernismo brasileiro.

9- Peça de Nélson Rodrigues que, encenada em 1943, deu início ao processo de modernização do teatro brasileiro.

10- A rainha nobre da Bíblia. Casou com o rei Assuero que não sabia que ela era hebreia. Inspirou um filme de Hollywood com Joan Collins e Richard Egan.

11- Capital do Paquistão

12- Arquipélago da Oceania, na Polinésia, ao sul do Equador.

Com a letra inicial de cada resposta correta, obtém-se o nome de um clássico da literatura universal que foi escrito no século XIX, e tornou-se, no fim do século XX, um famoso musical cuja montagem inspirou uma escola de samba do primeiro grupo do Rio de Janeiro, causando um grande impacto no carnaval.

Com a última letra de cada resposta correta, tem-se o nome de uma destacada personagem de um romance de Eça de Queirós.

2019 - orgulho e sensibilidade

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3849 Data: 15 de setembro de 2011

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63ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Jane Austen, a sua presença na minha casa muito me honra.

-Obrigada.

-Muitos disseram que a grande revolução do século XX foi a soviética, mas os analistas mais lúcidos garantiram que não, a revolução mais significativa foi a da mulher, que saiu do papel submisso. Você, por antecipar esse tempo, tornou-se a autora inglesa mais influente nos dias de hoje, depois de Shakespeare.

-Você não está exagerando?

As leitoras mais educadas do Biscoito Molhado me chamam de misógino e as mais destemperadas de porco chauvinista, porque não coloquei mulher alguma na minha lista dos dez brasileiros mais destacados e porque só baixam homens na minha sessão espírita.

-Pois agora baixou uma mulher. - disse com um sorriso generoso.

-E uma mulher tão inteligente quanto bonita. - frisei.

-Espalharam diferentes retratos meus por aí, mas o autêntico se encontra na National Gallery de Londres, uma pintura já da Era Vitoriana que foi baseada num desenho da minha irmã, Cassandra.

-Há uma miríade de retratos de Shakespeare, vê-se até o bardo de Stratford-on-Avon cabeludo.

-Mas eu sou séculos mais nova do que ele, não é para as pessoas errarem quanto a minha verdadeira fisionomia.

-E não podem errar também quanto a sua verdadeira literatura. As análises perfunctórias realçam apenas as personagens casadouras dos seus livros.

-Mas escrevi muito sobre elas.

-Eu, quando vejo os concursos de miss difundidos por quase todo o mundo há décadas, digo comigo mesmo que isso é puro Jane Austen: mulheres em busca de um casamento rentável.

-Concordo com a busca de um casamento rentável.

-Você era de uma família numerosa?

-Éramos oito irmãos, de mulheres, só eu e Cassandra, a mais velha. Meu pai, George Austen, era o páraco anglicano de Steventon, em Hampshire, e minha mãe também se chamava Cassandra. Mas não éramos apenas nós que ocupávamos a casa, pois meu pai suplementava os ganhos familiares dando aulas e os alunos moravam conosco. Ele era uma espécie de tutor.

-Entendo.

-Com oito anos de idade, fui com Cassandra para a casa de uma senhora, em Southampton, para prosseguir com a minha educação, mas retornamos porque uma epidemia grassava por lá.

-Isso, em 1783.

-Sim; de 1785 a 1786, eu e a minha irmã fomos alunas de um internato, o que me inspirou na descrição do internato da Srª Goddard no meu romance Emma.

-Foram dois anos fora de casa, Jane Austen.

-Mas a educação que recebi lá foi a única que me foi ministrada fora do âmbito familiar.

-Seu pai, o reverendo Austen, pelo visto, possuía uma boa didática.

-Meu pai possuía uma formidável biblioteca e, como registrei em cartas, tanto eu como minha família, éramos leitores ávidos de romances, principalmente, os ingleses.

-O nosso maior escritor, Machado de Assis, recebeu uma forte influência da literatura inglesa. - intervim.

-Li Henry Fielding e a sua As aventuras de Tom Jones, li Richardson. O título Orgulho e Preconceito, eu pincei de uma frase do romance Cecília da escritora Frances Burney.

-Se fizermos uma comparação com a música, foi como Beethoven, que pegou um tema de Diabelli, um compositor menor e compôs um monumento musical que são “As Variações Diabelli”.

Sem atentar para as minhas palavras, prosseguiu:

-Dos 20 aos 24 anos de idade, escrevi muito. Esbocei Razão e Sensibilidade, Orgulho e Procenceito e Northanger Abbey. Também é desse período Lady Susan.

-Não foi nada seu publicado nessa época?

-Meu pai quis publicar, em 1797, Orgulho e Preconceito, mas o editor recusou.

Ri da ignorância do editor, enquanto ela continuava:

-Consegui vender, em 1803, Northanger Abbey, por 10 libras, embora o romance só chegasse ao prelo 14 anos depois. Em janeiro de 1805, morreu meu pai, deixando as mulheres da família em situação economicamente ruim, ou seja, eu, minha mãe e minha irmã. Passamos a depender dos nossos irmãos e da pequena quantia que Cassandra recebeu de um prometido.

-Sua irmã Cassandra tinha um prometido?

-Cassandra tinha um compromisso com Thomas Fowle, que não estava em condições financeiras de se casar. Passaram três anos e ele, que se tornara militar, partiu para o Caribe para conseguir o tão necessário dinheiro para o casamento. Lá, contraiu febre amarela e morreu, Cassandra herdou o pouco que ele lhe deixou e faleceu solteira.

-E os seus pretentendes, Jane Austen, sendo você tão bonita e inteligente?

-Nutri uma paixão de mocinha por Thomas Lefroy, um irlandês parente de uma amiga. Numa carta à minha irmã, escrevi que não podíamos seguir adiante porque ele tinha problemas econômico-financeiros. A tia dele tentou, então, me aproximar do reverendo Samuel Blackall, mas eu não me interessei. Em 1800, meu pai se mudou para uma cidade de que eu muito gostava, Bath e lá me enamorei de uma pessoa, que não durou muito.

-Você não escreveu sobre esse amor nem nas suas cartas, embora haja estudiosos que afirmem que ele esteja no seu livro Persuasion.

Discreta, ela continuou:

-Pouco depois, na minha cidade natal, com a minha irmã, na casa da família Bigg, fui pedida em casamento por Harris Bigg-Wither. Consenti, mas no dia seguinte rompi o compromisso. Parti para Bath com Cassandra, quando a febre amarela matou seu apaixonado no Caribe, como eu já disse.

-Vocês duas não se casaram?

-Não casamos.

-Depois da morte do seu pai, vocês se mudaram para Southampton?

-Sim, ficamos perto da marina de Portsmouth e, com essa proximidade, visitávamos nossos irmãos Frank e Charles, que serviam na Marinha e chegaram a almirante.

-Depois, foi para Chawton, ondeu viveu os últimos 8 anos da sua curta vida.

Em Chawton, meu irmão Edward podia nos abrigar em uma pequena casa da sua propriedade. Lá, retomei as minhas atividades literárias e foi revisado Razão e Sensibilidade. Um editor a aceitor, embora eu corresse o risco da publicação. Saiu com o pseudônimo “By a Lady”, eu obtive algumas críticas favoráveis e lucrei 140 libras esterlinas. Animada, lancei Orgulho e Preconceito e comecei a trabalhar no Mansfield Park. Tive êxito e parti para Emma.

-Você só escrevia, ou lidava com negócios também?

-Meu irmão Henry, que vivia em Londres, negociava com os editores. Certa vez, ele foi tratado pelo médico do Príncipe Regente. Este, quando soube que eu era a autora de Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito, solicitou que o meu próximo romance fosse dedicado a ele.

-Você fala de George IV, que assumiu o trono durante a enfermidade do pai, George III?

-Eu tinha meu pé atrás com as suas infidelidades, mas lhe dediquei Emma.

Os estudiosos falam que o renascimento do romance está relacionado com o florescimento da classe média que, diferentemente da nobreza, não foi educada com o latim e o grego. Que outro fator de importância foi a imprensa, que tornou possível a aquisição de livros pelas classes mais pobres.

-Houve os folhetins que saíam nos jornais, mas não no meu caso.

-Sabe-se que mais da metade dos romances e novelas, na Inglaterra, foram escritos por mulheres que, assim, conseguiam certa independência econômica, contudo, eram obras fracas, repletas de clichês. Você foi uma das exceções e, que exceção!

-Eu sempre defendo o romance como gênero de qualidade.

-Você morreu em 1817, com 41 anos de idade?

-Um mal me atingiu no momento mais vivificante da minha criatividade. Falam de Doença de Addison, nem sei o que é isso.

-Você viveu a passagem da Era Georgiana para a Vitoriana, a época das grandes transformações: a revolução agrária que embasaria a Revolução Industrial que se avizinhava com a Era Vitoriana. Viveu a expansão colonialista e as guerras napoleônicas, que outorgaram maior interesse à profissão militar com os heróis ingleses Lord Nélson e Duque de Wellington.

-Sim, mas eu tentei descrever, nos meus livros, a sociedade rural da Era Georgiana. - ressaltou com sua brilhante inteligência.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

2018 - escritores de chuteiras

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3848 Data: 14 de setembro de 2011

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011, UM TAXISTA NO ESPAÇO

Antes do meio-dia de uma segunda-feira, eu já voltava do trabalho. Do ponto mais elevado da rampa da estação do metrô de Maria da Graça, vi que o táxi estacionado era um utilitário da FIAT, comum nos aeroportos.

- Desde uma corrida do Galeão até em casa que não entro num táxi desse tipo. - pensei, enquanto me aproximava.

Caramba! O carro, o único do lugar, não se encontrava exatamente no ponto, ficara recuado uns dois metros. Olhei para o seu interior e, por causa do vidro com tonalidade escura do insulfilm, não vi qualquer pessoa.

O taxista deve fazer como o Bob Esponja, o Gaguinho e outros que não deixam seus veículos exatamente no ponto e vão a um botequim para enganar a fome. - pensei.

Assim, pus-me no banquinho de espera e fixei minha atenção na condução que vinha da Rua Miguel Ângelo. Mais de cinco minutos se passaram e nada. Previdente, separei umas moedas para o ônibus, embora não estivesse animado em subir a Rua Van Gogh a pé, depois da minha caminhada de madrugador.

Saquei o celular e, após encontrar o telefone da “Metrô Táxi”, premi a tecla verde. Não ouvi “Pour Élise”, a bagatela de Beethoven. Aliás, nada escutei, ninguém se manifestou. Liguei novamente e, dessa vez, houve resposta. Pedi um táxi para a Rua Domingo de Magalhães, no ponto do metrô. A interlocutora solicitou o número do meu telefone. Atendi seu pedido, mas avisei que não estava em casa e sim na rua, no local de costume.

-Vamos providenciar.

Levantara-me do banquinho de espera para telefonar e, depois, sentei-me de novo. Nesse momento, o táxi 011, o que estava parado a dois metros de distância, deu sinal de vida: a porta do motorista se abriu. Fui até ele.

- Está trabalhando?... - perguntei.

- Estou.

- Agora que ele saiu do mundo da lua... - pensei, enquanto entrava no carro e afivelava bem o cinto de segurança.

- Praça Manet.

- Não sei onde fica isso, não.

Ele tinha no máximo vinte e cinco anos de idade. Procurei, então, ajudá-lo:

- Não faz mal, eu lhe ensino o caminho. Siga direto por toda esta rua.

Ele me obedeceu por uns trezentos metros e, sem nada dizer, girou o volante para a esquerda.

- Não! Aqui não!

Será que ele não viu o paredão do viaduto que fecha esse caminho?! Ele voltou para o espaço sideral. - conjecturei, enquanto ele reposicionava o carro para seguir pela Rua Domingo de Magalhães.

- Nesse lugar, os instrutores de autoescola treinam baliza com os seus alunos. - informei-lhe.

Ele subia a íngreme rua, quando o preveni.

- Lá em cima, há um cruzamento perigoso, a nossa visão não será privilegiada e os veículos que vêm da direita, quando dobram à esquerda, não costumam abrir, entrando na nossa faixa.

Duvidando que ele me tivesse entendido, enfatizei uma palavra:

- Atenção.

Por sorte, o tráfego estava tranquilo àquela hora.

- Siga para aquela rua ali em frente. - apontei.

Era outra subida, mas que não exigiu esforço algum do motor do seu táxi.

- Pegue a Rua Van Gogh, ali. Isso! Dobre a segunda rua à esquerda, a Sisley, dobre a segunda à direita, a Modigliani, e pare no segundo poste. Aqui mesmo. – disse, diante do meu prédio.

- A praça é por aqui?

- Está ali, e aquele trailer é a Fofoca da Madrugada.

E mostrei-lhe o caminho para a Avenida Suburbana, antes que ele retornasse para o espaço.

No dia subsequente, o táxi que me conduziu era de um velho conhecido: o Botafoguense. A sua primeira pergunta me surpreendeu:

- Foi à Bienal do Livro?

- Não, o ambiente me parece mais de festeiros do que de amantes dos livros.

- Levei minha sobrinha lá no dia em que o Ronaldinho Gaúcho apareceu para divulgar uma obra.

- Ronaldinho com um livro é tão estranho quanto o Rubem Fonseca com chuteiras. - manifestei-me.

- Nesse dia, a Bienal estava apinhada de gente. Minha sobrinha bobeou com a bolsa e levaram o celular dela. Era um smartphone cheio de recursos.

- Ela se queixou aos guardas?

- Sim, mas os guardas disseram que não tratam de furtos.

- E quem trata? - perguntei.

- A única coisa a fazer foi pedir o bloqueio do celular na operadora. - disse, enquanto me deixava na porta de casa.

No dia seguinte, peguei o táxi do cunhado da Ivete. Falei-lhe de um passageiro do metrô que vinha do médico, por causa de constantes esquecimentos, e ele se mostrou curioso.

- A minha mulher volta e meia fala de Mal de Alzheimer. O que é isso, mesmo?

- É um mal degenerativo, que leva à perda progressiva dos neurônios, comprometendo a memória.

- A gente esquece tudo? Minha mulher fala de uma ou outra conhecida que estão com esse problema. E parece que não tem cura.

- Não tem cura, mas há prevenção contra a doença. Recomenda-se a prática de exercícios, a alimentação saudável, o cultivo do lazer e o convívio social.

- E resolve?

- Há pouco tempo, esteve no Brasil um especialista em memória, e quando lhe perguntaram sobre o que havia de melhor para evitar o esquecimento ele respondeu: a leitura.

- Então, eu já deveria estar sofrendo do Mal de Alzheimer há uns dez anos. - reagiu.

- Se me perguntarem qual é a memória mais impressionante de que já ouvi falar, respondo que é a de uma senhora de oitenta anos, que lê uma média de um livro a cada quatro dias, o que perfaz noventa e um livros por ano.

- Eu leio uma e outra manchete de jornal. Quando o Vasco vence, no dia seguinte, me torno um leitor voraz, mas não como essa sua conhecida.

- Ela se lembra de artistas coadjuvantes que atuaram em filmes a que assistiu na década de cinqüenta. É verdade que ela esqueceu o nome do gato do filme “Sortilégio de Amor” e eu tive de pesquisar para ela.

- Com essa caixa de lembranças, ela pode viver cento e vinte anos, que o Mal de Alzheimer não a pega.

- Creio que não, mas o mais importante, para afastar essa doença, são as lembranças de fatos recentes.

- Estou também enrascado, porque não me lembro do que comi ontem.

- Não tenho esse problema porque lá em casa é galinha todos os dias.

Depois dessas pilhérias, voltamos à seriedade:

- Você já deve ter notado que as crianças vencem os adultos com facilidade no jogo de memória. Está tinindo a memória de curto prazo da meninada.

- Nós guardamos muita porcaria antiga na cabeça e os garotos não, por isso eles levam vantagem. - reagiu.

- Um colega meu de trabalho foi visitar a filha, que mora nos Estados Unidos, e ficou admirado com a disposição dos velhinhos. Eles trabalham nos postos de pedágios, recolhendo o dinheiro, trabalham nas caixas de supermercado, empacotando. E todos que ele viu se mostraram satisfeitos da vida. São aposentados, que não querem deixar os cérebros ociosos.

- Eles estão tirando o emprego de quem precisa. - criticou o cunhado da Ivete.

Quando já estávamos na Rua Modigliani, disse-lhe:

- Outro dia, fiquei preocupado comigo mesmo, porque saí do táxi do Gaguinho, desejei-lhe um bom serviço e fui lembrado por ele de que não pagara a corrida.

- Rapaz, se eu me esquecer um dia de cobrar, procuro um médico como esse passageiro do metrô.