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domingo, 9 de julho de 2023

3139 - Bug do Biscoito (R)

O BISCOITO MOLHADO


Edição 2124.         Data: 27 de julho de 2004    


                         

E TUDO COMEÇOU COM UM ESTALO...


Tudo começou com um bang; direi um “little bang” para não confundir com o “big bang” e o meu texto ficar hiperbólico. Escutei um estalo vindo de não sei onde, e quando a imagem do monitor de vídeo congelou, não tive mais dúvidas: o barulho viera do computador. Quebrara uma pequena parte do suporte onde o  resfriador é fixado (o resfriador é conhecido por “cooler”, mas como já excedi a minha cota de estrangeirismos neste parágrafo, sai o “cooler”). Esse estalo já ocorrera antes, há uns cinco meses, quando o computador ainda se encontrava na garantia técnica de um ano, mas como eu não queria perder tempo, mobilizei um sobrinho, entendido no assunto. Ele logo descobriu a causa; com o rompimento dessa tal parte do suporte, a ação do resfriador ficara comprometida e, como conseqüência, ocorrera um superaquecimento que congelou a imagem. Aí está um paradoxo da era cibernética: um superaquecimento provoca um congelamento. Antes fosse apenas um paradoxo, mas o tal aquecimento exagerado acabava com a umidade do Biscoito Molhado que, assim, chegaria aos nossos leitores já esfarelado. Tínhamos de tomar, então, providências urgentes.

Esse meu sobrinho, vindo das lonjuras de Jacarepaguá, aparecera num domingo, logo num domingo, dia de lojas especializadas em informáticas trancadas. 

- “Não me diga que o jeito é tocar um tango argentino.” - disse para ele que não conhecia o poema do Manuel Bandeira e muito menos o médico que descartou o pneumotórax.  Não conhecia, mas tinha a imaginação dos improvisadores e encontrou um jeito. O jeito foi a velha cola Superbonder; ele espremeu um tubo com a dita cuja, e restituiu a pequena peça que se destacara do  suporte para o seu lugar. Ficou, assim, restituída, neste periódico, uma razoável umidade para amenizar a aridez do dia-a-dia.

Passaram três, quatro, cinco meses, e veio o “big bang”... “little bang”, para não contradizermos o início desta edição. Acionei de novo o mesmo sobrinho, mas com uma advertência: não apareça no domingo das lojas trancadas. Apareceu num sábado, desparafusou o computador e foi direto ao suporte do resfriador. E mostrou-me o dito  cujo como um troféu, porque a pequena parte que colara se mantivera firme e irremovível, o que arrebentara foi outra parte do suporte. Fomos, em seguida, para uma loja especializada onde nos explicaram que o problema era de fabricação e como não existe o “recall” dos computadores, como o dos carros, nós mesmos tínhamos de resolver o problema. E o problema consistia no fato de o suporte pertencer à placa-mãe, que é de um fabricante, enquanto o “cooler”, que o arrebenta com a sua pressão, pertencer a outro fabricante.

Outra coisa que eu aprendia: no mundo da cibernética, quando entra a placa-mãe no meio, a coisa também fica feia.

- “Se o amigo colocar um suporte e um cooler do mesmo fabricante, no caso, da INTEL, com quem trabalho, o problema fica resolvido, teoricamente, “timelife”, pois a enorme pressão diferenciada do  cooler sobre o suporte, que vinha acontecendo, cessa.” - garantiu.

Levei para casa o novo suporte para o computador, mas ficou faltando o resfriador que, sendo do mesmo fabricante, evitaria  a incompatibilidade de gênios;  este só chegaria à loja três  dias depois, ou seja, na terça-feira. 

Depois de instalado pelo meu sobrinho o novo suporte  do meu computador, eu lhe pedi todas as informações necessárias para se conectar os mais diferentes cabos e fios à torre do computador, pois, na terça-feira, eu não o teria por perto. Como um aluno atento, não só ouvi essas informações como as anotei - para não falhar, depois de o “homem da loja” trabalhar na torre que eu levaria até ele para a colocação do cooler.

Terça-feira, chovia a cântaros. Até tive de tomar cuidado para o biscoito não sair encharcado. E como o novo suporte dava conta do recado, ainda que o cooler fosse o antigo, o incompatível, adiei a ida à loja. Já na quarta-feira, com a edição atrasada e eu apressado, tirei um cabo conectado à torre, tirei outro, mas o terceiro não saía; sem perda de  tempo, removi os fios do telefone e da internet. Só faltava agora o tal cabo. Ele insistia em ficar onde estava. Outra coisa que eu aprendia: em cibernética, arrancar é tão complexo quanto colocar.

- “De quê diabo é este cabo?...” - perguntei-me.

Era do monitor de vídeo. 

- “Tem parafusinhos por aqui?...”

Olhei, e não encontrei nada.

- “Mas por que, então, isso não sai?...”

E puxei. O que aconteceu depois fez me sentir um Osama Bin Laden que atacou a sua própria torre. Com o cabo que puxara, arranquei uma gradezinha, rompi uns pinos de encaixe, e esgarcei uma vascularização de quinze fios de conectores alocados em quinze furinhos. Na loja, o vendedor do cooler expressava o seu espanto:

- “Mas como você fez isso?...”

- “O diabo da pressa...” 

- “Mas por pouco você não comprometeu a placa-mãe.” 

Comprometer a placa-mãe, coisa seríssima em informática...

- “A placa do monitor... Eu vou ver se salvo.” 

- “E os fios que não entram nos furinhos...” - falei.

- “Rapaz, o trabalho que isso vai dar...” - crispou o vendedor, também técnico de informática, o rosto, mas sempre falante.

- “Para a minha ação de brucutu, só um trabalho de ourivesaria para dar jeito” - reconheci, mesmo sabendo que isso redundaria num orçamento mais elevado. 

Bem, o trabalho de ourivesaria aconteceu, o novo suporte e o novo cooler vivem aparentemente felizes, e eu já me prometi nunca  mais mexer  em qualquer torre, mesmo que seja de jogo de xadrez.