Total de visualizações de página

segunda-feira, 31 de março de 2014

2589 - Você beberia uma Coca-Cole? parte 1



--------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4839                      Data: 25  de março de 2014
--------------------------------------------------------------------------

TOCANDO COLE PORTER NO RÁDIO MEMÓRIA
1ª PARTE

Sumido desde antes do carnaval, os ouvintes do Rádio Memória previam que a voz do Sérgio Fortes estaria inteiramente roufenha, pois, segundo o Jonas Vieira, ele estava saindo em todos os blocos e escolas de samba, mas não, apresentou-se para o programa, nesse 23 de março, pronto para falar e até entoar algumas melodias, o que até então só o titular do programa fez.
Deu início ao Rádio Memória um tanto dubitativo:
-Está entrando no ar... Ainda se diz “está entrando no ar”, Marcos?
Pela apresentação do Sérgio Fortes, constatamos que ele não estava para brincadeiras, ou melhor, estava.
Anunciou, em seguida, a ausência do Jonas Vieira e pensou, primeiramente, que se tratava de uma retaliação por não ter comparecido aos programas anteriores. Depois, tornou-se mais sério. A complexidade da elaboração do imposto de renda do Jonas Vieira, que exige contadores e auditores, além de máquinas de calcular com mais de 20 dígitos, exigiam dele semanas de trabalho.
-Muitas propriedades, muitos títulos a serem contabilizados...
Não se referiu aos dependentes, mas julgamos que não sejam poucos. Enfim, o apetite do leão é insaciável e todo o cuidado é pouco neste país,  que nos torna saudosos de quando era  “o quinto dos infernos” (20% de imposto sobre o ouro retirado das minas).
-E para substituir Jonas Vieira, Anahi Ravagnani, de sobrenome franco-italiano, Gerente de Projetos Educacionais da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira. - informou.
Nós, que ouvimos todos os domingos a uma hora da tarde na MEC FM “Rádio OSB”, constatamos a competência dela quando ouvimos o coro das crianças cantando “Asa Branca” e “Cio da Terra”. Sabíamos, também, que não era sua estreia no Radio Memória, ela, na primeira vez que lá foi, substituiu o Sérgio Fortes, programa esse que foi coberto pela nossa reportagem e editado no Biscoito Molhado 2512 de 15 de novembro de 2013.
-Não tão abonada como o Jonas Vieira, estou aqui.
Auspiciosa a sua primeira intervenção, sinal de que estaria tão descontraída quanto o Sérgio Fortes na condução do Rádio Memória.
-Pegando o Jonas Vieira à traição, já que ele é alucinado por Cole Porter, vamos fazer um programa com composições apenas desse grande compositor.
-Traiam mais o Jonas, traiam. - devem ter pedido todos os ouvintes.
-Começa, Anahi.
Antes, ela fez uma introdução sobre a sua escolha. Tratava-se de um desafio feito por um comediante a Cole Porter de ele criar uma canção em que a frase “I Love You” fosse repetida exaustivamente. Ela solicitou a gravação do soprano Jessye Norman ressaltando que é uma das melhores da atualidade.
Fosse ela do tempo do tenor Lauri Volpi e, ele, no seu livro “Vozes Paralelas”, a colocaria na sua pequena lista de vozes incomparáveis.
-Beleza!... - deslumbrou-se o Sérgio assim como nós.
-Sabia que, em pelo menos 59 canções do Cole Porter tem a palavra “love”? - foi a pergunta da Anahi, que concluiu:
-Ele sabia viver.
-Era um compositor incrível; eu sempre destaco isso. Figura peculiaríssima: homossexual assumido, mas viveu um lindo romance com a mulher dele. - comentou o Sérgio Fortes.
A palavra voltou para Anahi.
-Ouvi histórias que ele andou bem acompanhado com mulheres belíssimas, mas tinha caso de homossexualismo...
Bem, as palavras não foram bem essas, mas o que foi dito não é motivo para o movimento gay empastelar o Biscoito Molhado e apedrejar a Rádio Roquette Pinto.
-Ele era trilhardário. A sua família possuía minas de carvão, e a mulher dele era riquíssima. Rico casa com rico, não é Anahi?
-Por isso tem tantos “loves” na música dele. - deduziu ela dentro do espírito de descontração.
-É isso mesmo – concordou, e foi adiante com a programação:
-Vamos continuar com uma canção famosíssima: “Night and Day” com a orquestra de Leo Reisman e quem canta é Fred Astaire. Dos cantores não cantores é dele de quem mais gosto.
Ilustrou seu pedido dizendo que a canção foi criada para o musical “Gay Divorcee”, de 1932.
  No início, é a orquestra, no meio também, enfim, depois de soar os instrumentos conduzidos por Leo Reisman, surge a voz do Fred Astaire com a espetacular introdução que, na maioria das gravações, não é ouvida. Quando a escuto, lembro-me do “Samba de uma nota só”, do Tom Jobim, mas o Sérgio Fortes repetiu o comentário que fizera uns seis anos antes em “As melhores vozes do mundo”.
-Sobre o tema inicial de “Night and Day”, há quem diga que Cole Porter, estando em Marrocos, ouviu, numa determinada hora, batidas de sino convocando os fiéis e as usou. Só numa sessão espírita saberemos a verdade.
Anahi Ravagnani considerou a história linda e os dois acordaram em ficar com a versão.
Na vez de ela escolher, disse que homenagearia o Jonas Vieira, com uma canção criada para o musical “Out Of This World”, em 1951, mas que não foi incluída e sim dois anos depois no filme “Kiss Me, Kate”. Tratava-se de uma gravação do mezzo soprano Lena Horn de “From This Moment On”.
-Entoada a última nota, Anahi expressou a sua confiança no repertório escolhido para esse Rádio Memória:
-Nossos ouvintes estão gostando muito.
Nós, do Biscoito Molhado, acreditávamos firmemente que sim. Dizem de maneira incorreta que gosto não se discute, o certo é dizer: gosto não se discute, se lamenta. E seria de lamentar a percepção musical de quem não gostasse do repertório apresentado.

Fim da 1ª parte
 



sexta-feira, 28 de março de 2014

2583 - O Educandário



--------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4383                         Data: 14   de março de 2014
--------------------------------------------------------------------

SABADOIDO VARIADO
2ª PARTE

Claudio trouxe os copos de caipiroska dele e do Luca e comunicou ao Vagner que a água gelada viria a seguir, justificando-se com o fato de não ter três mãos.
Luca, que pegara o recorte da Folha de São Paulo, que a Rosa enviara para mim através dele, e passou a lê-lo:
“Obras de Modigliani carecem de inventário, por Patrícia Cohen.”
Notei que os olhos do Vagner se perderam no vazio, enquanto o Luca prosseguia na leitura.
“Qualquer interessado em comprar uma obra de Amadeo Modigliani se confronta com três fatos desanimadores. As telas tendem a custar muitos milhões de dólares, elas estão entre os alvos favoritos dos falsificadores de arte e, não obstante, a abundância de especialistas, nenhum inventário das obras de Modigliani é considerado digno de confiança.”
Claudio, que retornava da cozinha, dirigiu-se ao Luca em tom de aborrecimento:
-Você não vai ler isso tudo?...
-Toma, Carlinhos. - entregou-me o Luca o recorte, contrariado.
Enquanto isso, Vagner pegava o copo que lhe era entregue.
Assisti ao filme sobre a vida de Modigliani, o Andy Garcia atuou como protagonista. - manifestei-me com o recorte de jornal sob meus olhos.
-Ele se projetou mesmo com “Os Intocáveis” e “O Poderoso Chefão III”. - afirmou meu irmão.
-Poucas vezes, eu bebo água. - disse o Luca, olhando para o Vagner, que já esvaziara o seu copo.
-A minha mãe é igual a você, só a vejo com o copo d' água quando vai tomar remédio.
-Eu bebo, mas não muito. - seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.
-Você não bebe muito o quê?... aparteou o Vagner que, nessa sessão do Sabadoido, estava com a veia irônica estufada.
-Um colega meu de trabalho costumava me mostrar as receitas em que um médico sempre escrevia “forçar a ingesta hídrica”, ou seja, beber muita água.- manifestei-me.
-Eu tinha de tomar bastante líquido, pois suo bastante nas partidas de pingue-pongue.
-Mas você bebe bastante líquido, Luquinha; agora, mesmo, está com uma caipiroska na mão. - brincou o Claudio.
-O álcool desidrata. - intervim;
-Fica um lago de suor nos meus pés, quando jogo. A Tereza me trouxe da Inglaterra um tênis muito bom, antiderrapante.
-Aqui, diz-se que são tantas as obras de Modigliani, que ele, morto, está pintando mais do que vivo.- voltei ao recorte de jornal da Rosa.
Minhas palavras se perderam, pois ninguém pretendia, naquele momento, falar de pintura.
-O calor de janeiro foi terrível, o de fevereiro não ficou muito atrás...
-Sabe, Luca -, interrompeu-o o Claudio – eu prefiro este verão ao frio dos países do hemisfério norte.
-Eu também. - concordou.
-Nós temos mais recursos para neutralizar o calor. - manifestou-se o Claudio.
-No verão de 2003, na França, ocorreram 14.800 mortes, a grande maioria de idosos. É verdade que nos asilos, quase todos, de lá, não existe ar condicionado. - lembrei.
-Acostumados com o frio, eles não se preparam para o calorão. - afirmou meu irmão, voltando-se para mim.
-Eu nem quero saber da conta de luz, deixo o ar ligado o tempo todo. - disse o Luca.
-Mas temos de sair de casa e, lá fora não há ar condicionado.
-Sim, Claudio, mas quando sentimos uma brisa, não existe ar condicionado que se compare a ela. - garanti.
-Com tudo asfaltado, com prédios subindo a toda hora, o calor ficou muito pior. - aduziu meu irmão.
-Eu levo a Kiarinha para a piscina do prédio. Ela não sai da água. Certa vez, rebocava três crianças naqueles macarrões.
Mal acabou de falar, fiz-lhe uma pergunta:
-E esse calor, Luca, não freia o ímpeto dos seus amigos para jogarem tênis de mesa?
-Freiam nada; somos todos fominhas. O gordo, com mais de 100 quilos, entorna litros d' água, mas não para de jogar.
-E a saúde dele com todo esse peso?- indaguei.
-Boa. - garantiu.
-O Jô Soares, ao ouvir do Kenneth Cooper os malefícios da obesidade, numa entrevista, frisou que era uma exceção: colesterol, glicose, triglicerídeos, todas as taxas dos seus exames estavam normais. - recordei.
-Jô Soares parecia doente quando emagreceu, há muito tempo. - saiu o Vagner da sua mudez.
-E a esteira ergométrica, Luca, como você se saiu? Veio-me a curiosidade.
-Eu estava com um medo terrível desde que soube que um amigo, com dois minutos de esteira, o médico mandou parar, e ele foi operado para a colocação de um “stent”.
-Mas, Luca, você não me disse que poucas semanas, antes, ele sentiu uma forte pontada no peito?... Você, mesmo jogando pingue-pongue, nunca sentiu pontada alguma.
-Carlinhos, perdi meu pai, que estava com 49 anos, quando teve enfarte, e meu irmão com 44.
-Você e suas irmãs não herdaram esse mal congênito. - retruquei.
-Quando saí da esteira, perguntei ao médico se ele me garantia vivo até a Copa do Mundo. “Claro!” -disse ele, eu, então, lhe falei que me referia à Copa de 2018.
-E o que ele respondeu?
-Em 2018, nem eu me garanto estar vivo.
-O Marco Aurélio, que morou na Chaves Pinheiro, e corria quase todos os dias, quando fez um eletrocardiograma, a médica lhe disse que algo estava errado. Descobriram que estava com as artérias entupidas, operado, escapou. Ele me disse que voltou à médica para agradecer.
-Sim, Claudiomiro, mas a mãe dele, ainda jovem, morreu de repente do coração. - lembrou o Luca.
-Não vamos falar em doenças aqui.
 Veio-me à mente, por causa dessas palavras autoritárias do meu irmão, um almoço de anos atrás no restaurante Westfália. Lá estávamos eu, o Elio, o Dieckmann e outros colegas deles do Colégio Militar, quando, inesperadamente, nos deparamos com o Nei Abóbora, outro ex-aluno desse educandário. Convidado a sentar-se conosco, pôs-se a falar dos seus problemas de articulação dos dedos e de outros achaques advindos da idade. Dieckmann, com mais veemência do que meu irmão, rebelou-se: “Nei Abóbora, estávamos até agora sem falar de doenças, e vem você com esta conversa...”
Bem, o nosso Sabadoido se encerrou com assuntos amenos, como naquele almoço de sexta-feira no restaurante Westfália.

quinta-feira, 27 de março de 2014

2582 - O Último



-------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4382                         Data: 13   de março de 2014
------------------------------------------------------------

SABADOIDO VARIADO

-Só estou eu em casa; todos saíram. O jornal está lá, na mesa da cozinha. Pode ir... Eu ficarei aqui cortando as unhas.
Com essas palavras, Claudio me recebeu, quando abriu o portão.
Ora, na minha casa, o Globo também me espera, por isso, iniciei um diálogo com ele ali mesmo; Claudio, sentado no degrau da varanda, aparando as unhas, e eu de pé.
-Você assistiu ao documentário sobre “O Último Tango em Paris”, no Canal Arte 1, ontem?
 -Carlinhos, eu só peguei o finalzinho.
-O documentário foi elaborado com longos depoimentos do Bernardo Bertolucci, algumas falas da Maria Schneider e trechos do filme. - disse-lhe.
-O Marlon Brando já havia morrido, mas, mesmo vivo, eu duvido que ele concedesse alguma entrevista sobre a fita.
Lembrou-se, logo depois, que a Maria Schneider já não estava viva também.
-Ela morreu em 2011. Esse documentário não é tão recente assim.
-Mas merece ser visto. - garanti.
-E do que falaram?
-Bernardo Bertolucci disse que pensou, primeiramente, em dar o protagonismo para o Jean-Louis Trintignant, mas este, quando leu o roteiro com muito sexo, recusou.
-A primeira impressão é que o filme é pornográfico. - comentou o Claudio.
-Ele pensou, então, no Marlon Brando, que vinha de dez fracassos de bilheteria seguidos, e andava meio esquecido por Hollywood.
-Espere lá! O Marlon Brando atuou em “O Poderoso Chefão” que lhe deu o Oscar de melhor ator.
Uma lembrança repentina lhe baixou o penacho de polemista.
-É verdade que os dois filmes foram lançados em 1972, quase ao mesmo tempo.
-O Bertolucci comentou que trouxe o Marlon Brando, ícone de uma cinematografia ultrapassada do cinema americano; e que também trouxe o Jean-Pierre Léaud que, tendo atuado em filmes de Truffaut e Godard, era ícone da nouvelle vague, que também ficara para trás. 
-E a Maria Schneider? - interrompeu-me.
-Bertolucci pensou, primeiramente, para o papel na Dominique Sanda, mas ela engravidara.
-Mesmo assim, duvido que ela aceite. - declarou terminantemente.
-Concordo, Claudio, ela não se submeteria a atuar nesse filme, ainda mais que o Bernardo Bertolucci deu liberdade ao Marlon Brando de improvisar o quanto quisesse.
-Na verdade, Carlinhos, o Marlon Brando foi coautor  do filme.
-Nas entrevistas com a Maria Schneider, o rosto dela está quase todo o tempo vincado, porque o filme lhe trazia más recordações.
-Ninguém, até então, sabia quem era Maria Schneider; com o filme, todo o mundo a conheceu. - disse ele com veemência.
-O Bertolucci declarou que a cena da sodomia com manteiga saiu toda da cabeça do Marlon Brando.
-E a Maria Schneider?...
-Ela disse que, sem saber de nada, gritou e chorou de verdade, enquanto a cena era filmada.
-Mal ela foi sodomizada mesmo? - faiscaram os olhos do meu irmão.
-Claro que não. Ela disse que, na época, era muito jovem, tinha de 19 a 20 anos de idade e não sabia do poder que tinha de entrar na justiça contra o Marlon Brando e o diretor, pois o ator tem o direito de saber antes o que vai representar.
Meu irmão não demonstrou credulidade com a argumentação da atriz e eu fui em frente.
-Na cena em que o Marlon Brando chora e xinga a esposa defunta, quando está só com ela no velório, o Bertolucci conta que, na filmagem, ele não conseguia chorar.
-Você sabe, Carlinhos, que essa cena é uma referência nas aulas para atores?
Meneei a cabeça dizendo que não e prossegui:
-Marlon Brando tentou com menta e outros recursos, mas nada de as lágrimas descerem pelo seu rosto. Virou-se, então, para o Bertolucci – segundo este – e lhe disse que ele era o diretor, tinha, portanto, de o fazer chorar.
-E o que o Bertolucci fez?
-Pediu que o Marlon Brando se lembrasse do sonho que lhe contara dias atrás. Nesse sonho, um ciclone se abatia sobre uma ilha onde se encontrava sua família, e todos eram tragados; com esse drama, ele acordou em prantos.
-Pelo que vimos no cinema, deu certo. - concluiu meu irmão.
-Sonho premonitório, pois o filho do Marlon Brando matou o namorado da irmã, ficando quatro anos atrás das grades na Califórnia.
-Esse namorado batia nela. - lembrou.
-Eu sabia que a Maria Schneider se indispôs com o Bernardo Bertolucci por causa de “O Último Tango em Paris”, mas não o Marlon Brando.
-E por quê?
-Porque ele se considerou também intimamente violado.
-Como?- surpreendeu-se me irmão.
-Há uma cena que ele se revela bissexual, aquela em que pede a Maria Schneider que corte as unhas e enfie seus dedos no seu ânus.
-Eu corto minhas unhas sem intenção alguma. - não perdeu o Claudio a piada.
-Uns quinze anos depois, eles se reconciliaram. - concluí.
Cansado de estar em pé, rumei para a cozinha, deixando-o lá com a sua tesourinha.
Quando lia a primeira página do Globo, o telefone tocou. Era o Luca a caminho de mais um Sabadoido.
Minutos após, o Vagner também se fazia presente.
-Assim, o nosso cavalo não ficará sobrecarregado tapando o buraco dos ausentes. - comentou meu irmão sarcasticamente.
-Se o Daniel cá estivesse, diria que somos o “quarteto fantástico”. - manifestei-me.
-E onde está o garoto?- quis saber o Luca.
-Ele deu para caminhar e pedalar na Lagoa, aos sábados, com uma amiga. - respondeu o pai.
-A Rosa...
Não pôde continuar, pois o Vagner interveio com palavras entremeadas de sorrisos maliciosos.
-Esse negócio com a Rosa...
-Olha, Vagner, ela, pela cultura que possui, me abriu horizontes.
-Entendo esses horizontes... - continuou maliciosamente.
-Vou pegar os copos. - ergueu-se o Claudio da sua cadeira.
-Claudio, você pode pegar um copo de água gelada para mim:
-Vagner, nesta casa não se serve este tipo de bebida.
-E a Rosa, Luca? - animei-o a falar dela, pois parecia que havia desistido.
-Ela enviou para você um recorte de jornal sobre Modigliani.
-Deixe-me ver.
Luca, sem sair da cadeira, torceu o corpo e pegou o envelope que trouxera; dele, sacou não um, mas vários recortes de jornais, juntamente com papéis amarelos dobrados que, certamente, são cartas por ela manuscritas.



terça-feira, 25 de março de 2014

2579 - Oscar, mensalão e Bardot



--------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4379                          Data: 10   de março de 2014
------------------------------------------------------

NAS ÁGUAS DA INTERNET

Navegando pela internet, vejo que postaram uma imagem de um Oscar de Hollywood e, ao lado, as palavras: “Oscar da pessoa mais iludida do ano”. Como não identificaram o ganhador da estatueta, eu manifestei o meu voto num petista honesto.
Há onze anos no poder, tantos são os descalabros cometidos pelos integrantes do PT, que muitos partidários já expressaram sua desaprovação, como o poeta Ferreira Gullar, o jurista Hélio Bicudo, o compositor Lobão e muitos outros, celebridades ou não. Esses são os inteligentes.
Existem, porém, petistas inteligentes (mais ainda, espertos), que não expressam descontentamento algum; alguns deles, identificados pelo Millor Fernandes, transformaram, como ele disse, a ideologia em investimento.
Jorge Amado, no seu livro “Navegação de Cabotagem”, se reporta ao surgimento de um metalúrgico barbudo, nos anos 70, que surgia como líder político. Escreveu que sua mulher, Zélia Gatai, se empolgou com o seu discurso, enquanto ele logo percebeu que se tratava de mais um tratante – não usou esse adjetivo tão contundente, assinale-se - diplomaticamente discordou da esposa. Jorge Amado estava, nessa época, escarmentado, iludira-se com o comunismo soviético, até livro escreveu enaltecendo o seu mais destacado representante no Brasil. Não cairia noutra.
Vejo petistas que presumo honestos, capazes de, no máximo, furtar uma medalha como o querido Papa Francisco, que creem nos benefícios que serão trazidos para o Brasil com governantes do PT. Eles me lembram daquele personagem do Nélson Rodrigues, traído inúmeras vezes pela mulher que não se preocupava com a discrição, interpelado pela mãe: “Você é cego ou sem-vergonha”?
O petista honesto é cego. Merece o Oscar.

“Quando a política entra no recinto dos tribunais, a justiça se retira por alguma porta.”
Essa sentença foi colocada no “facebook” com o nome do seu autor, François Guizot. Trata-se de um estadista e historiador francês que viveu de 1787 a 1874. Na sua extensa vida, adquiriu extraordinária bagagem política e intelectual.
Dos livros que escreveu, destaca-se “Histoire de la revolution d' Angleterre”.
Não resta a menor dúvida que sua frase foi lembrada devido ao fato de o governo colocar dois ministros no Supremo Tribunal Federal, que rezam pela sua cartilha, para beneficiar os réus do seu partido que respondem por corrupção e formação de quadrilha, no caso que ficou popularmente conhecido como mensalão.
São inúmeros os governantes que procuram indicar ministros para a Corte Suprema que estejam afinados com suas ideias,  Franklin Delano Roosevelt é o mais proeminente exemplo. Na sua pretensão de implementar programas sociais que mitigassem as consequências da Grande Depressão, esbarrou, algumas vezes, na Suprema Corte. Teve, quando chegou a oportunidade, de designar juízes com pareceres que estavam em harmonia com os seus.
Mas o caso da Ação Penal 470, o mensalão, é extremamente oposto ao ocorrido no governo Roosevelt, por envolver corrupção e a frase de François Guizot, ditas no século XIX, se tornou, no Brasil, de uma atualidade assustadora.

Paulo Francis definiu a velhice como um naufrágio. Essa definição saltou da minha memória quando, ao navegar pela internet, topei com fotos da Brigitte Bardot com mais de 60 anos de idade.
Sem a ostentação de outras colegas atrizes do seu tempo, que devem despender milhares de dólares para afastar as rugas, ela se mostra como está. O sol das praias que tanto adorava e a atraía, contribuiu, com certeza, para ressecar a sua pele e abrir a porta para a chegada prematura da sua velhice.
Já revelei aqui, neste periódico, que Brigitte Bardot foi a primeira mulher, na acepção da palavra, que vi nua. Fui ao cinema assistir a um filme, cujo nome se apagou definitivamente da minha retentiva, quando, no trailer de “E Deus criou a mulher”, surgiu a atriz deitada no chão exibindo a sua exuberante beleza. Foi um delírio no Cine Cachambi. Os velhinhos que conseguiram sobreviver a essa visão, que também nos fez delirar: ela, nua, envolta no lençol, abrindo-o para receber o amante; embora pouco mostrasse do seu corpo, incendiou ainda mais nossa imaginação.
Consegui assistir a todos os filmes que entraram em cartaz no cinema do bairro durante a minha fase de cinéfilo infanto-juvenil, mas essa fita, por mais que tentasse, não consegui ver.
-É rigorosamente proibido para menores de 18 anos. - advertiam-me na porta de entrada.
Passaram os anos, e a nudez se tornou comum nas telas. “E Deus criou a mulher”, filme de 1956, e outros filmes europeus obtiveram tamanha receita com cenas ousadas, que o americano, sempre visando o lucro, sepultou o pudico e restritivo Código Hays e despiu suas atrizes.
 Brigitte Bardot nua diante dos meus olhos de garoto, no entanto, não saiu da minha memória, embora eu julgasse até agora que ela estivesse envolta numa toalha de banho, não em um lençol. Faço essa revelação porque revi o filme pela vez primeira ontem, depois de evitá-lo durante tantos. Eu não queria que se desfizesse o impacto das duas cenas que se mantiveram dentro de mim.
A leitura recente do livro do Roger Vadim sobre as três das mais cobiçadas estrelas com que se casou, animou-me a ficar defronte a telinha da televisão enquanto se desenrolava a película.
-Ele não escreve mal, deve ter, portanto, algum talento de roteirista e diretor. - deduzi.
Tinha sim, algum talento (como se precisasse depois das três mulheres com que se casou), apesar de não ter realizado um clássico. Trata-se de um filme em que reina absoluta a Brigitte Bardot, o que mais tarde seria feito com Marilyn Monroe; a grande diferença consistia em a atriz americana ser infinitamente mais talentosa do que a francesa, tanto na arte cômica quanto na dramática.
Não, as cenas de nudez não ficaram em segundo plano agora que as vejo com olhos de adulto, não. Brigitte Bardot, como Marylin Monroe possuía uma beleza, uma plasticidade sem paralelo.
Roger Vadim expõe o quanto pode em “E Deus criou a mulher” a sua esposa; ela é mostrada física e espiritualmente ao espectador. Brigitte Bardot adorava os animais, saberíamos mais tarde e lá está ela, vivendo a sua personagem, afagando cães, gatos e cuidado de um coelho a que batizou de Sócrates.
Nessa filmagem, ela estava com 22 anos de idade, mas seu marido já vislumbrava o seu temperamento volúvel e, mostrando-se bom observador, sua personalidade perturbada – anos mais tarde, ela tentaria o suicídio algumas vezes.
Com o transcorrer do tempo, a sua voluptuosidade arrefeceu, e ela hoje, com 80 anos, ladeada de animais, sossegou e vive em paz.