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segunda-feira, 7 de maio de 2018

3101 - SX Os tarados




O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5361 SX                           Data: 07 de maio de 2018

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXV

AGILDINHO

Na década de 1960, então intrépido e corajoso, eu era um frequentador assíduo do Maracanã.

Na companhia de Nelson Goyanna de Carvalho, colega de Santo Inácio, também tricolor de coração, embarcava no 438 - Barão de Drummond - Leblon, a tempo de assistir à partida de aspirantes. Eu e meu amigo atentos à proficiência dos jovens que iriam envergar, num futuro próximo, a gloriosa camisa do time principal do Fluminense.

O mastro da bandeira tricolor empunhada pelo Goyanna era quase do tamanho do 438. Entrar no coletivo carregando o artefato, especialmente nas ocasiões em que o "busão" estava tomado por maioria esmagadora de torcedores do Flamengo, demandava doses monumentais de diplomacia. Disso ele se desincumbia com talento invulgar. E chegávamos vivos ao Maracanã, o que não aconteceria nos dias de hoje.

Reiterávamos nosso destemor bebendo uma impublicável laranjada que era vendida no portão principal do estádio. E testávamos nossa imortalidade consumindo, já acomodados na arquibancada, sacos de batata frita que pingavam gordura a ponto de molhar nossos sapatos.

Eram muitas as motivações que nos atraiam ao Maracanã. Entre elas, Victório Gutemberg, o locutor oficial do estádio. Suas informações, envolvendo escalações e substituições de jogadores, eram sempre precedidas pelo brado "SUDERJ informa!". Durante 42 anos, ele trabalhou no Maracanã, até falecer, em 2004. Não tenho certeza, penso que também trabalhava na Rádio Tupi. Morreu pobre, no pequeno apartamento de uma filha, no centro da cidade.

Volta e meia penso no Victório Gutemberg. Não mais no locutor que gritava a plenos pulmões "SUDERJ informa! No Fluminense, sai Evaldo e entra Ubiraci! No Flamengo, sai Airton e entra Paulo Chôco!" Hoje, imagino ouvir aquele vozeirão anunciando perdas que tornam nossa vida mais vazia e triste.

O que acaba de acontecer quando tomo conhecimento da morte de Agildo Ribeiro. No Brasil, medíocre e mal resolvido da atualidade, me vem à mente o Gutemberg gritando "SUDERJ informa! No time do bom humor e do talento, sai Agildo Ribeiro. E não entra ninguém!"

Agildo da Gama Barata Ribeiro Filho era meu primo. Primo distante. Neto de Atanagildo Barata Ribeiro, primeiro tenente da Armada Imperial e Engenheiro Construtor Naval. Tendo participado da Revolta da Armada, em 1893, escreveu na prisão o livro "Sonho do Cárcere". Atanagildo era irmão de meu tataravô Cândido Barata Ribeiro, o da rua, primeiro prefeito do Distrito Federal. Como mencionei em crônica recente, os dois irmãos, vindos da Bahia, foram acolhidos pelos monges do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro.

Atanagildo era pai de cinco filhos, quando enviuvou. Voltou a se casar e teve mais dois filhos. Um deles, o Capitão Agildo Barata, revolucionário de 30 e 32, um dos líderes da Intentona Comunista de 1935. Agildo Ribeiro, o genial comediante, foi seu único filho.

Não havia muita proximidade entre esses dois ramos dos Barata Ribeiro. Minha família era conservadora. Paulo Fortes, udenista ferrenho, admirava o Brigadeiro Eduardo Gomes, Juarez Távora, Carlos Lacerda e por aí vai. Pouco se falava em minha casa do primo Agildo Barata, comunista de carteirinha. Em seu favor, vale ressaltar, todos destacavam sua reconhecida valentia, honestidade e firmeza de propósitos.

Do primo Agildinho tinha notícias esparsas através de meu pai, que com ele cruzava com alguma frequência na Rede Globo. Somente em duas ocasiões tive oportunidade de encontrá-lo. Era muito garoto quando fui com meu pai assistir "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Agildo era a estrela maior do espetáculo e dava um verdadeiro show. Meu pai me conduziu ao camarim do astro, que foi muito carinhoso comigo.

Numa outra ocasião, anos mais tarde, diversos membros da família Barata Ribeiro compareceram a uma solenidade na Associação Brasileira de Imprensa, promovida em homenagem ao nosso antepassado Cipriano José Barata de Almeida. Cipriano foi médico, político e revolucionário combativo, que lutou pela independência do Brasil. Na ótica da ABI, foi acima de tudo um jornalista destemido, editor do sempre combativo jornal "A Sentinela da Liberdade", especializado na arte de atazanar a vida da côrte portuguesa.

Agildo compareceu à reunião. Sentou-se ao lado de meu pai, me viu e indagou: "Seu filho, não é, Paulo?" "Sim, meu filho, lembra-se dele?" "Lembro, do teatro. Mas nem precisava. Tem cara de tarado, como todo Barata Ribeiro..."

Anos mais tarde, tomei conhecimento de um fato que me surpreendeu. Agildo Ribeiro era muito amigo de Antonio Carreira, Presidente da Elevadores INDUCO, pai de meus amigos do Santo Inácio Sergio e Gustavo Carreira. Em 1949, o jovem Antonio, tenente do Exército, colaborava com seu sogro, Leopoldo Augusto da Silveira Franca, na administração de um teatro de sua propriedade, o "Follies", que estava instalado no térreo do Edifício Safira, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Ali, viria a conhecer Agildo Ribeiro, Daniel Filho e vários outros artistas de renome, uma amizade que perduraria por muitos e muitos anos.

Finalizo com uma história Agildiana que me fez morrer de rir. Agildo, convidado a se retirar do Colégio Militar, chegou à conclusão de que estava destinado à carreira artística. Sempre cercado de gente que morria de rir de suas piadas e, especialmente, de suas imitações. Não ganhava nada com isso. O objetivo a ser perseguido, então, deveria ser o de transformar aquela evidente vocação em dinheiro.

O começo não foi fácil. Durante algum tempo, atuou como "boy" em peças no teatro de revista. Rapazes que dançavam e faziam alguns salamaleques, sem grandes compromissos, no fundo do palco. O próprio Agildo reconhece que dançava muito mal. Por conta disso, era alvo de gracejos por parte da plateia. Ouvia, com frequência, observações maldosas do tipo: "Olha lá como aquele viado dança mal! Aquela bicha não leva o menor jeito!"

Isso perturbava nosso herói, que enfrentava, em casa, marcação cerrada do feroz Capitão Agildo Barata.  Resolveu, então, tomar uma providência. Deixou crescer um gigantesco bigode. Inquestionável acessório de um machão empedernido. 
Não deu certo. Aos berros, passou a ser saudado pela plateia com novas imprecações: "Olha lá como dança mal aquele viado bigodudo!"