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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

2310 - escritores e críticos


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4110                         Data: 09  de janeiro  de 2013
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PRIMEIRO SABADOIDO DE 2013
PARTE III

Agripino Grieco continuou sendo assunto do Sabadoido.
-Eu lembro as homenagens prestadas a ele por ocasião dos seus 80 anos.
Depois de meu irmão me interromper para colocar mais um pouco de bebida no copo do Luca, prossegui:
-Creio que o suplemento literário do Diário de Notícias dedicou todas as suas páginas ao Agripino Grieco octogenário.
-Papai sempre comprou O Globo.
-Sim, Claudio, mas trazia todos os dias O Diário de Notícias quando lá trabalhou.
Feita essa ressalva, fui adiante:
-Nesse suplemento, Agripino Grieco diz que a obra-máxima da literatura era A Divina Comédia de Dante. Entre os brasileiros, afirmou que o melhor escritor era José de Alencar e o poeta maior, Castro Alves.
-Ele não gostava do Machado de Assis. A Rosa faz restrições ao pai, mas pensa igualzinho. - interveio o Luca, que emendou:
-Não creio que o Agripino Grieco lesse em inglês e francês como a Rosa.
-Em italiano, ele lia, pois a Itália era a segunda pátria dele. -manifestei-me.
Enquanto o Claudio tecia considerações sobre a ausência do Vagner, lembrei-me de uma caricatura, nesse suplemento do Diário de Notícias, que mostrava o túmulo de autor de Dom Camurro, com os dizeres “morto pela segunda vez”, com as críticas do pai da Rosa. Também me veio à mente o livro de mais de 500 páginas “Carcaças Gloriosas” em que ele desanca autores consagrados, eu o procurei nos sebões durante anos e nunca vi. Mantive-me, no entanto, calado para que o assunto não rendesse mais.
-Carlinhos, imagine que eu não conseguia lembrar o nome Capitu. - mostrou-se o Luca preocupado com seus lapsos de memória.
-Luca, veja a genialidade do escritor; ele transformou um nome sem graça, Capitolina, em Capitu, que é encantador. - ressaltei.
-Vai querer água? - indagou-me o Claudio.
-Já bebi lá dentro um copo, horas antes e agora vou me esvaziar um pouco.
Quando saí do banheiro, vi o Daniel, que rumava para sala e o chamei.
-Assisti a um vídeo do Dieckmann, há pouco, em que é mostrado um Jaguar, marca de carro, conduzindo um copo cheio d' água no capô sem derrubar uma gota.
-Carlão, certamente essa filmagem não foi feita no Brasil. As nossas ruas são tão esburacadas que cairiam a água, o copo, a copeira, o que estivesse no capô do carro.
-Concordo.
-Era Jaguar mesmo, Carlão? (*)
-Daniel, o Dieckmann é tão fixado no felino, que eu não consigo associá-lo a outra marca de carro. - falei já a caminho da garagem do Sabadoido.
Claudio e Luca falavam do Vicente, antigo morador da Rua Chaves Pinheiro que, durante um tempo, ajudou o Luca e o Vagner quando os dois trabalham numa loteria esportiva em sociedade.
-Claudiomiro, eu soube que o Vicente fugiu do colégio interno. Ele disse que, ao ver que obtivera êxito na fuga, ficou na maior felicidade. Chegando em casa, todos ficaram na maior alegria. Para vocês verem como era terrível o colégio interno.
-Colégio interno era como o SAM. - concordou o Claudio.
-O Carlinhos disse que o meu, em Jacarepaguá, são minhas  “Recordações da Casa dos Mortos”.
Como eu já assinalara que Nélson Rodrigues se reportara a esse livro de Dostoievsky, quando escreveu sobre o tempo que passou, tuberculoso, no “Sanatorinho”, fiquei calado.
-Há colégios internos bons.
-Sim, Claudiomiro, aqueles na Suíça, onde estudaram Jô Soares, os filhos dos ricos, mas os colégios dos pobres... - retrucou com veemência.
Depois de uma pausa para que as bebidas fossem bebericadas e para que eu recusasse mais uma vez um copo d' água, apesar do calor senegalesco (**), as lembranças do antigo Cachambi afloraram.
-Falam das peladas de terças e sextas no campo Cachambi, mas houve bons jogos entre solteiros e casados. - disse o Claudio, que era beque central do time de solteiros.
-O Vinui era o técnico dos solteiros. - afirmou o Luca, porém com uma inflexão interrogativa.
-Certa vez, depois de um frango do Bacalhau, o Vinui disse: “Ainda bem que ele vai casar.”
Mal terminei de falar, Luca riu.
-Carlinhos há umas frases que não podem ser esquecidas, essa é uma delas.
E acrescentou o Luca.
-Mas a melhor é a do Seu Amaury: “Então, estão bebendo verniz.”
Cabe aqui uma explicação. Meu pai se preocupava muito com meu irmão quando ele e unia ao Vinui, pois os dois se entupiam de cerveja. Numa ocasião, quando ele perguntou se o Claudio estava com o Vinui, eu respondi que sim, mas tentei tranquilizá-lo informando que não estavam num bar, e sim numa casa de móveis da Rua Honório. “Então, estão bebendo verniz.” - reagiu o meu pai.
Depois, eu e meu irmão especulamos sobre o ano em que nos mudamos para o Cachambi, eu dizia 1965, e ele 1966. Entramos, então, numa espécie de jogo de quebra-cabeça mnemônico, em que as peças eram os fatos, para chegarmos a uma conclusão: o ano exato. Nesse contexto, indaguei do Luca sobre o ano em que ele levou uma paulada na perna que redundou numa grande agitação na rua por volta da meia-noite.
-Eu estava na esquina da Suburbana com a Chaves Pinheiro, com o Magriça, esperando a Aurinha que tinha ido ao teatro. Surgiu, então, um estranho, com um pedaço grande de pau, e me pediu um cigarro, como eu dissesse que não tinha, ele vibrou uma paulada na minha perna, e eu e o Magriça corremos atrás dele pela rua.
-Eu ouvi a correria. - aparteei.
-Com um pequeno toque nas pernas do sujeito, ele caiu; então, o Magriça, que pegara uma pedra enorme, arremessou-a, mirando seu rosto, ainda bem que errou.
-Então, veio aquele discurso que eu imaginei ser do Seu Moura. - interferi de novo.
-O Seu Alvinho agarrou o cara pelos pulsos e gritou com ele por bastante tempo.
-Mas em que ano foi isso, Luca, pois, vendo da janela a confusão, o meu pai disse “Em que lugar eu vim me meter.”? - indaguei ansiosamente.
Como ele não soube determinar o ano, ficamos sem saber se nos metemos na Chaves Pinheiro em 1965 ou 1966. Cláudio, por sua vez, reportou-se a uma festa junina, que ocorreu logo que nos mudamos para lá, em que o Luca foi o padre e que só nossa irmã recebeu convite. Nosso amigo detalhou os casos da tal festa, mas não precisou o ano.
Assim, o primeiro Sabadoido de 2013 chegou ao fim sem que soubéssemos de fato o ano em que nós fomos para a Rua Chaves Pinheiro.

(*) esse mistério já foi desvendado: trata-se de um Sunbeam Rapier Series III, de 1959.

(*) já ficou provado que o Rio de Janeiro é mais quente que o Senegal. A comparação, entretanto, arraigou-se no populacho.


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