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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4095 Data: 21 de dezembro de
2012
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SABADOIDO NO INÍCIO DAS FÉRIAS ESCOLARES
PARTE II
-Uma vez, o Luca disse que não se vê um
português burro, pois eles só andam em bando. O Tonico
ouviu e o rosto dele ficou vermelho de raiva. - trouxe o Lopo esse caso das
cinzas da memória.
-Eu li há pouco, na internet, a carta de
uma professora da Universidade de Coimbra endereçada à Maitê Proença. A atriz,
no programa “Saia Justa”, desconsiderou a inteligência dos portugueses com
piadinhas de mau gosto sem saber que o programa é retransmitido para Portugal.
Essa professora comentou os pontos em que a Maitê Proença ironizou Portugal,
como a banda larga, comparando os dois países, enquanto deixava explícita a
ignorância da nossa debochada atriz. E a professora não precisou se reportar às
grandes navegações e lembrar o fiasco dos brasileiros que, quinhentos anos
depois, não conseguiram construir a Nau Capitânia de Pedro Álvares Cabral. -
disse eu, surpreso de não ter sido interrompido.
-Falam sem pensar antes. - comentou o
Claudio.
Pensei em comentar que foi nesse mesmo
“Saia Justa” que tacharam Charles Chaplin de canalha, quando existe uma
multidão deles de verdade , no Brasil, pululando nos jornais do dia a dia, mas
desisti, pois já falara demais.
-Eu chorava sem parar quando entrei no
colégio interno da Rua Cândido Benício.
-Porque era colega de quarto do Itamar?
- perguntou o Lopo entremeando suas palavras com risos sarcásticos, com Claudio
e Vagner acumpliciados.
Itamar, cabe aqui uma explicação, era o
beque do Flamengo que ganhou fama por ter voado com os pés no peito do atacante
Ladeira, do Bangu, que fugia da fúria do Almir, na decisão do campeonato
carioca de 1966. Garoto, Itamar foi colega de colégio interno do Luca.
-O inspetor falava que eu secaria de
tanto chorar, eu resmungava, em troca, e prosseguia com o meu choro.
Tomou fôlego e um gole da bebida, que
meu irmão trouxera, e prosseguiu:
-Havia os garotos que mijavam na cama;
então, na hora do banho, formavam duas filas, uma era dos mijões. É evidente
que os não mijões debochavam até não mais poder dos que urinavam na cama.
-E você era um dos mijões? - perguntou o
Vagner com a expressão maliciosa.
Se o Luca chorava até secar, é evidente
que não era um dos que molhavam a cama. - deduzi comigo mesmo.
-E como sofríamos com o frio. Não há
lugar, no Rio de Janeiro, com queda de temperatura igual à de Jacarepaguá
-Luca, a mínima sempre ocorre no Alto da
Boa Vista. - interferiu o Claudio.
Houve um princípio de polêmica, para não
se perder o hábito, com o Lopo reportando-se à época de muita vegetação em
Jacarepaguá e a narrativa foi retomada.
-As crianças, todas elas, tiritavam de
frio.
Para realçar o dramatismo, Luca, de pé,
batia os dentes e tremia.
-E, naquela condição, nós tínhamos de
entrar no chuveiro de água gelada.
-São as suas “Recordações da Casa dos
Mortos”.
-Muito boa a comparação, Carlinhos. -
elogiou.
-Não é da minha autoria. Nélson
Rodrigues, quando escreveu a sua experiência de tuberculoso, com o irmão Jofre,
que morreria da doença, se reportou a Dostoievsky e declarou que essa era a sua
“Recordações da Casa dos Mortos”.
Claudio, que julgava que o Luca carregou
nas tintas, contrapôs.
-Luca, quando éramos garotos, só
tomávamos banho frio.
Em seguida, voltou-se para mim:
-Carlinhos, quando passamos a tomar
banho quente?
-Bem, Claudio, eu me lembro que, na casa
da vila da Rua São Gabriel, havia banheira.
-Aquecedor também. - acrescentou o Lopo,
que se recordava bem da nossa residência de 1961 a 1964.
-Mas no apartamento da Rua Cachambi,
quando éramos pequenos, não havia aquecedor. - afirmou o Claudio com veemência.
Mais tarde, minha mãe garantiu que havia
sim aquecedor, pouco utilizado porque não tínhamos muitos recursos financeiros,
por isso, tomávamos banhos frios, além de a temperatura do Rio de Janeiro
(Cachambi) ser comumente alta.
Luca se referia, agora, aos traumas que
o colégio interno deixou nele.
-Só tomo banho quente.
-Mesmo neste calor que beira 40 graus? -
abismei-me.
-Só banho quente... Outra coisa, depois
da mangonga que engoli naquele período, hoje, o que como no almoço, não repito
no jantar.
Considerei essa atitude do Luca um
absurdo, mas nada disse para não antecipar uma polêmica, que poderia espocar a
qualquer momento. E, com a mudança radical de assunto, veio a sabatina do
Sabadoido:
-Claudiomiro, quem é o parceiro do João
Bosco no “Papel Machê?...
-Papel Machê... - repetiu o Vagner.
Gina, que reaparecia, imitou, com
galhofa, os falsetes do João Bosco na interpretação nessa música.
-Não é o Aldir Blanc?... - titubeou o
Cláudio.
-Creio que os dois já tinham brigado. -
interveio o Lopo.
-Para mim, é o Capinam. - afirmou o Luca.
-Eu tenho o disco aqui. - falou o
Claudio, enquanto se aprumava para consultar sua discoteca.
Tirou alguns discos lá de dentro,
descartou todos com exceção de um.
-Aqui está a música.
Em seguida, informou, desapontado, que
os nomes dos compositores foram omitidos.
-É o fim da picada não pôr o nome dos
compositores.
Daniel, que seguia a mãe, pois os dois
iam sair, foi requisitado.
-Veja no seu celular quem compôs “Papel
Machê.”
Depois das habituais piadas do meu
sobrinho, já que a atenção se voltou para ele, digitou algumas teclas do seu
aparelho.
-Aldir Blanc e Capinam. - leu no visor.
Um “Ó”, que parecia combinado, porque
foi emitido em uníssono por todos, menos um, ressoou no Sabadoido.
-Luca, você já fez a consulta e chega
aqui como se não soubesse de nada. - denunciou o Claudio.
-Ele faz isso mesmo. - ratificou o
Vagner.
Luca se defendeu, mas sem demonstrar a
sua costumeira ênfase.
-E a Rosa Grieco? - eu quis saber.
-Entreguei-lhe a fornada de Biscoito
Molhado e ela escreveu algumas cartas.
Peguei uma e li rapidamente, enquanto
outros assuntos eram explorados.
Ela se manifestava sobre o cronista de
sábado, da última página do Caderno B, do Globo, Pedro Bloch, que se confundira
a identidade de duas figuras da mitologia. Não foi, porém, candente na sua crítica.
-Aprecio sobremaneira a Rosa quando ela
expõe a sua erudição. - disse eu.
Falava-se agora de política.
-Muitos petistas estão abrindo os olhos
agora. - afirmou o Lopo.
Luca retomou a palavra reportando-se ao
seu cunhado.
-O Sousinha está falando mal do Lula.
-Então, o mundo vai acabar mesmo. -
aproveitou meu irmão para fazer piada com a previsão dos Maias.
-Falo sério, Claudiomiro.
-Para o Sousinha, Lula é um deus.
-Claudiomiro, ele me tem enviado e-mails
com ataques ao Lula.
-Só vendo para crer. - contrapôs.
E nesse clima de incredulidade, o
Sabadoido foi chegando ao seu encerramento.
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