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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

2303 - Ele não era Irving e nem de Berlin


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4104                   Data: 02 de janeiro  de 2013
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75ª VISITA À MINHA CASA

Minha atenção foi chamada pela melodia do Alexander’s Ragtime Band, canção que eu ouvia desde criança no inglês arrevesado do meu pai. Logo, o compositor Irving Berlin se materializou à minha frente.
-É uma honra recebê-lo em casa.
-Nem todos pensaram assim, até fui expulso do meu lar com minha família quando eu tinha quatro anos de idade.
-A sua ascendência era de Judá e você vivia na Rússia.
-Nasci na Sibéria.
-Li um livro do primeiro-ministro François Mitterrand, “O Joio e o Trigo”, se a memória não me falha, em que ele diz que vislumbrava o futuro do mundo na Sibéria.
-Meu futuro foram os Estados Unidos. Na Sibéria estão “As Recordações da Casa dos Mortos.” - retrucou.
E acrescentou:
-Ainda mais que eu me chamo, na realidade, Israel Balin.
E como foi seu começo na América?
-Perdi meu pai com oito anos de idade e tive de trabalhar, como vendedor de jornais, cantando nas ruas e sendo garçom num restaurante de Chinatown.
E concluiu:
-Aprendi que, com o suor, o dinheiro vem.
-Para as pessoas honestas... - pensei, mas disse outra coisa.
-Como a inspiração lhe chegou e você atendeu a ela? Ou seja, como descobriu a sua aptidão para a música?
-Eu trabalhava como garçom do Café Pelham, em Chinatown, quando soube que a taverna que competia com a nossa tinha uma canção que a identificava; então, insisti com o patrão que também tivéssemos a nossa canção. Ele concordou e eu escrevi a letra de “Marie from Sunny Italy” (Maria da Ensolarada Itália), e Nick Nicholson, o pianista do Café Pelham colocou a música.
-E você ganhou muito dinheiro?
-Qual! Recebi apenas 37 centavos de dólar, mas dei início a minha carreira de compositor. Eu ainda me chamava Israel Balin, mas, por um erro de impressão, na identificação dos autores da canção, saiu I. Berlin e veio, então, Irving Berlin, o pseudônimo que me acompanhou por toda a vida.
-Você ficou conhecido como o compositor de uma obra caudalosa em que a letra e a música eram suas.
-Sim, porém, no início da minha trajetória, eu era apenas letrista. Tudo mudou com “Dorando”, eu tentei vender a letra para alguém que se mostrasse capacitado a colocar melodia e ritmo nela. Por fim, eu mesmo musiquei os meus versos.
-As suas letras, na primeira década do século XX, não eram em inglês. Estou certo?
-Eu escrevia canções em iídiche especialmente para Eddy Cantor e Fanny Brice cantarem.
-Narram os seus biógrafos que você trabalhava com assistentes musicais e colaboradores, que, de 1912 a 1917,você trabalhou com Cliff Hess, depois com Arthur Johnston e, em seguida, com Helmy Kresa. Nenhum desses músicos aparecem como seus parceiros.
-Não sei se o meu nome cresceu tanto popularmente que eles ficaram encobertos... Não tive culpa.
-Cá no Brasil, muitos compositores populares tem uma dívida desmedida com Rogério Duprat, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli, principalmente, que deram uma roupagem musical às suas obras que até deveriam constar como coautores; assim, eu penso. - comentei.
-Eu compus inúmeras melodias para a Tin Pan Alley.
-Mesmo não tendo estudado em conservatórios, como Cole Porter, você, Irving Berlin, conseguiu de maneira engenhosa escrever as notas musicais das suas composições.
-Eu adquiri um “transposing piano”, que era um instrumento especial com mecanismo ativado pelo pianista; ele possibilitava que eu transpusesse a minha música mecanicamente. Eu só usava as notas pretas.
-Como nunca vi em “piano transportador”, confesso que não entendi. - confessei.
-”Eu tenho uma ideia, um título ou uma frase ou melodia e canto o que está na minha mente. Quando a canção está completa, eu a passo para o arranjador.
-O seu piano se encontra no principal museu dos Estados Unidos?
-Sim, ele está no Museu Smithsoniano da História da América.
-A sua visita à minha casa, Irving Berlin, foi anunciada com trechos do “Alexander’s Ragtime Band”, que foi um êxito internacional e, passados mais de 100 anos, ainda é tocado.
-Compus em 1911, com 23 anos de idade, mas “Alexander's Ragtime Band” não é um ragtime, que fizera extraordinário sucesso com Scott Joplin, é uma marcha em que não deixo de fazer citações a esse gênero musical que antecedeu o jazz, o ragtime.
 -Com o seu piano peculiar e com as musas o visitando diariamente, as suas criações fluíam aos borbotões, sempre bem recebidas pelo público americano. Como você, que se tornou o maior cancioneiro americano, administrou a sua volumosa obra de mais de 3 mil canções?
-Em 1921, eu já me juntei ao produtor Sam M. Harris e construí o meu próprio teatro, o Music Box Theatre.
-Mal comparando, era o seu Bayreuth. - fiz alusão a Wagner.
-Você falou em Cole Porter, eu o conheci em Paris e desfrutei da sua bela música. Admirávamo-nos mutuamente e eu lhe disse que os franceses estavam na frente de quaisquer povos para reconhecer os grandes talentos, mas que era nos Estados Unidos onde se ganhava muito dinheiro, ele trocou, então, os refinados salões parisienses pela Broadway.
-Você também compôs grandes sucessos para o cinema.
-Escrevei canções para muitos filmes, um deles foi Picolino (Top Hat) com Fred Astaire e Ginger Rogers; isso foi em 1935.
-Então, Cheek to cheek já chegou aos 78 anos de idade? Ainda a ouvimos como se fosse a primeira vez.
-Muitos conhecem essa canção mais do que o filme, apesar dos dois grandes astros que atuaram. - mostrou um sorriso na comissura dos lábios.
-A sua obra-prima do teatro musical foi Annie Get Your Gun?
-A história é inspirada na personagem do velho oeste Annie Oakley. A encomenda estava a cargo do Jerome Kern, mas ele faleceu e eu o substituí.
-E a sua vida pessoal, Irving Berlin?
-Casei-me em 1912 com Dorothy Goetz, mas ela morreu, meses depois, de pneumonia. Quatorze anos após, casei-me com Ellin Mackay, uma jovem católica da sociedade de Nova York, que seria rejeitada pelos pais.
 -Você incorporou a nacionalidade americana e compôs muitas canções patrióticas.
-Incentivei os soldados que lutaram na Primeira e na Segunda Guerras com minhas composições.
-Mas o seu God Bless America se tornou o segundo hino nacional americano.
-Eu sempre fui reconhecido ao país que me acolheu quando escapei, com os meus pais, de um massacre contra os judeus na Rússia.
-O presidente Eisenhower, em 1955, homenageou-o com uma medalha de ouro.
Não sei se me ouviu, pois se volatizou com a rapidez com que compunha.




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