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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4109 Data:
08 de janeiro de 2013
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O PRIMEIRO SABADOIDO DE 2013
PARTE II
Falava-se do Carlos Imperial.
-Carlos Imperial se queixava porque
atribuíam a Nélson Rodrigues uma frase que era dele.
-Sá a vaia consagra. - completou o
Claudio as palavras do Luca.
Recordei-me de o Carlos Imperial sendo
apupado pela plateia e curvando-se em agradecimento como se ouvisse uma ovação.
Era a época da febre dos festivais nacionais e internacionais da canção
popular, quando artistas do estofo de Henry Mancini, Astor Piazzola, Antônio
Carlos Jobim, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, entre outros, receberam
furiosas vaias. Carlos Imperial, sempre esperto, procurou, a meu ver, ficar na
companhia dessa elite. Quanto a Nélson Rodrigues, depois da consagradora
estreia do “Vestido de Noiva” no Teatro Municipal, apresentou as peças que ele
mesmo denominava de “teatro desagradável” e o público, não entendendo, o
apupava ferozmente, e ele reagiu com algumas considerações sobre as gritarias
da plateia, por isso tenho dúvidas se a frase não é mesmo sua.
-E o Carlos Imperial compôs boas músicas.
- continuou o Luca.
-Ele foi até parceiro do Ataulfo Alves.
- disse meu irmão.
-Qual foi mesmo a música que eles
compuseram?...- puxei pela memória.
-”Você passa e eu acho graça.”.
Depois de citar o nome do samba, Claudio
trauteou um trecho acompanhado pelo Luca:
-... E agora, você passa, eu acho graça,
Nesta vida tudo passa, e você passou pra
mim.”
-O Carlos Imperial combinava brigas com
outros compositores, como Juca Chaves e Erasmo Carlos, para que os holofotes
ficassem sobre eles.
-Lembro-me da “Praça.” - interrompi o
Luca que, por sua vez, me interrompeu.
-Uma boa música.
Retomei a palavra:
-Ele compôs sozinho “A Praça”, mas
inventou um sujeito que aparecia na mídia afirmando que a composição era dele.
Recordo-me que o Sérgio Porto tinha um programa na televisão e levou os dois, é
claro que ele sabia que aquilo era uma patranha do Carlos Imperial e brincou
com o assunto.
-Carlos Imperial teve importância na
nossa música popular e merecia mais citações.
Ouvimos o Luca, mas, infelizmente, nem um
de nós três se lembrou do programa animado por Blota Júnior, no final dos anos
60, “Esta Noite se Improvisa”, em que Carlos Imperial
exibia um conhecimento enciclopédico de música popular, derrotando, algumas
vezes, Caetano Veloso e Chico Buarque. Saiu-me, sim, do local da minha memória
empoeirada parte de uma entrevista que ele concedera, e a narrei.
-Perguntaram, certa vez a ele, quem era
o Carlos Primeiro entre Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Carlos Imperial. Ele mostrou traquejo de político, pois conseguiu
coroar os três. Disse que, como cantor, Roberto Carlos era o Carlos Primeiro;
sobre o Erasmo Carlos ser o Carlos Primeiro, não me recordo quais as razões que
apresentou. E arrematou dizendo que, como os dois foram lançados por ele,
Carlos Imperial era o Carlos Primeiro.
-A nota dez retumbante, dita no
resultado das escolas de samba, que o filho do Aérton Perlingeiro imita, foi
criada pelo Carlos Imperial. - disse o Luca.
-Até candidato a prefeito do Rio de
Janeiro ele foi.
-Pois é, Claudio, o vice foi o Claudio
Polila, aquela figura folclórica que dizia que viu o General Newton Cruz matando
o jornalista Alexandre Baumgarten. - manifestei-me.
Ainda falamos da experiência do Carlos
Imperial nos concursos de fantasia do Teatro Municipal, citando o seu desfile
como “Libélula Deslumbrada” e passamos para outro tema.
-Quando saio com a Glória, levo sempre a
Kiara.
-A Kiarinha. - referiu-se carinhosamente
a Gina, que se aproximava, à neta do Luca.
-Eu disse para ela, que dormia quando
fomos ver a glicose do Carlinhos lá em casa, que o Daniel também veio.
-Mas eu não fui. - disse meu sobrinho,
que acompanhava a mãe.
-Eu falei, Daniel, para ela reclamar
porque não a acordei.
-As crianças adoram o Daniel. -
comentei.
-A Kiara é uma boa menina também. -
registrou a Gina.
-E a Rosa Grieco ainda diz que você
confiscou a neta? - provoquei.
-Ela pensa...
-Essa questão de educar é muito
complicada, eu li uma vasta literatura sobre o assunto, mas sei que, na
prática, é difícil... - acrescentou ele.
-E tem de ter preparo físico para
acompanhar a energia das crianças. - disse o Claudio.
Nesse instante, a Gina interferiu:
-O Eduardo Paes deu um trato no busto do
pai da Rosa. Tiraram as sujeiras, a careca do Agripino Grieco até brilha.
-Eu me coloquei à disposição da Rosa para
levá-la de carro até a praça que homenageia o pai dela.
-E então?
-Rosa não demonstra o menor interesse de
ir lá. - disse ele.
Claudio, que saíra, retornou com dois
copos de bebida, o que quebrou o fluxo da conversa. Gina saiu, e eu indaguei do
Luca sobre o seu primeiro contato com a Rosa.
-Apontaram-me uma senhora e disseram que
era filha do Agripino Grieco. Interessei-me logo em conhecê-la.
Logo veio à minha mente um caso que
ocorreu em 1970, quando ele me conduzia com o meu pai a um médico da Rua Dias
da Cruz. Ao subir o viaduto Castro Alves, Luca comentou que aquele viaduto se
chamaria Agripino Grieco, mas este recusou a homenagem afirmando que ninguém
passaria por cima dele enquanto fosse vivo.
Luca não quis saber do que passava pela
minha cabeça e prosseguiu:
-Aproximei-me dela e falei do Agripino
Grieco. Ela não enalteceu o pai. Disse-lhe, então, que gostava de ler. “Posso
até lhe dar uns livros”. - falou-me ela.
-Até eu, que não conheço pessoalmente a
Rosa, ganhei vários livros dela; livros de Natal, livros de aniversário, livros
de desaniversários (os dias em que nós não fazemos anos, segundo Lewis Carol).
- manifestei-me.
-Eu tenho de reconhecer que o meu
relacionamento com a Rosa Grieco me enriqueceu muito intelectualmente.
E concluiu:
-Ela não só dá livros como recortes de
jornais que valem a pena ler.
-A vida da Rosa é a leitura. - afirmei.
-Eu creio que ela leu mais do que o pai.
-Sim, Luca, o Agripino Grieco tinha
ainda de dedicar um tempo à escrita. - frisei, enquanto o Claudio sorvia um gole
de uísque.
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