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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4105 Data: 03 de janeiro de 2013
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FRASES ORIGINAIS E COMENTÁRIOS VI
Segue a frase do insigne pianista
brasileiro Nélson Freire:
As pessoas andam tossindo muito nos
concertos; para o artista, o silêncio é até melhor do que as palavras.
Os compositores, principalmente os
românticos, substituíam, algumas vezes, uma nota musical pelo silêncio, pois
este expressa, em certos momentos, uma carga emocional maior. Li isso de um
musicólogo que escrevia no Globo, na década de 60 e entesourei na minha mente.
È irritante quando se escuta, por
exemplo, uma ópera, uma sinfonia ou um concerto e se ouvem tosses; pior, ainda,
é claro, se estamos na plateia. A tosse é contagiosa, basta um tossir e logo
temos uma sinfonia de Beethoven, de um lado e uma de tosse, de outro. É
insuportável e não se trata aqui de intolerância. Chopin tocou em concertos,
tuberculoso e nunca se soube que ele, ou outro instrumentista tísico, tenha
interrompido sua apresentação para tossir. Não falo dos maestros, pois eles,
geralmente, gozam de boa saúde, passando dos 80 anos de idade.
Já contei neste periódico que assisti a uma Madame
Butterfly no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a Leila Guimarães e o
Eduardo Álvares como protagonistas. Tratava-se de uma récita beneficente, a
bilheteria estava destinada às vítimas das enchentes em Santa Catarina. O
teatro estava lotado e uma senhora, a uns dois bancos de mim, não parava de
tossir. A Madame Butterfly sendo enganada pelo tenente Pinkerton e ela
tossindo. A Madame Butterfly, já com um filho, sofrendo porque o tenente
Pinkerton não retornava e a mulher tossindo. Parecia que ela saíra do “Sanatorinho”,
das memórias do Nélson Rodrigues, direto para o Teatro Municipal. Quando os
acordes de Puccini anunciaram a proximidade da grande ária do soprano, Un
bel dí vedremo, um senhor repreendeu a tossigosa com tamanha
veemência que ela não tossiu durante a ária nem no restante da ópera. Aquela
reprimenda foi mais eficiente do que qualquer xarope.
C.P. Scott dirigiu, durante 60 anos, The
Guardian, jornal liberal da Grã-Bretanha. Ele cunhou uma frase
significativa:
O comentário é livre, mas os fatos
são sagrados.
Mais de uma vez eu assisti ao czar da
economia brasileira no governo Figueiredo, Delfim Neto, justificando as medidas
desenvolvimentistas que ele tomou quando o mundo sofria, em 1979, uma crise
econômica com o segundo choque da majoração do preço do petróleo e entrava em
recessão. Segundo Delfim Netto, se não agisse como agiu, o país estaria, hoje, numa
situação pior, com taxas de crescimento niveladas a de países subdesenvolvidos.
Porém o fato inabalável, sagrado (como disse C.P. Scott) é que o Brasil quebrou
fragorosamente em 1982 com o Delfim no comando.
E o Sarney justificando o Plano Cruzado?... Afirma
ele, que graças ao plano que foi engendrado no seu governo, os brasileiros
tiveram noção de cidadania o que os preparou para um futuro mais promissor. O
fato inexorável é que Sarney, ao deixar a presidência da República, a inflação
era de 3% ao dia, e estava em moratória.
No clássico do cinema, O Homem que
Matou o Facínora, de John Ford. O personagem do ator James Stewart, agora
um destacado político em Washington, retorna à cidade do faroeste americano, Shinbone,
para revelar, na redação do jornal local, que quem matou o facínora Liberty
Valance, não foi ele, e sim Ringo, o pistoleiro vivido por John Wayne, que
intuiu que a sua época de mestre no gatilho chegava ao fim. Procurava, assim,
corrigir um erro histórico (*), pois a fama de ter vencido em duelo o facínora
o catapultou para o mundo político.
O redator e editor do Shinbone News o
escuta com atenção e conclui:
“Quando o mito supera a realidade,
publica-se o mito.”
Isso não significa que o fato foi desrespeitado.
Trata-se de uma frase cinematográfica. A plateia, o que importa, saiu do cinema
sabendo quem, de fato, matou Liberty Valance.
O povo não sabe votar.
Eis uma frase do Pelé que, infelizmente,
carrega uma grande dose de verdade, mas que foi dita num momento inteiramente
inoportuno, na ditadura militar.
Ademar de Barros, mesmo dizendo que
roubava, mas fazia, era eleito. Maluf, que roubava tanto que nem precisava de
justificativa para inaugurar suas obras em que grassava a roubalheira, era
eleito e reeleito, Assim, aconteceu com Fernando Collor de Mello, José Sarney,
Renan Calheiros e outros que, caso a justiça fosse menos cega, estariam na
cadeia.
Temos agora o Lula que, mesmo afundado
até o último fio do cabelo em malfeitos, deixa os analistas políticos indecisos
na hora de afirmar que a sua carreira política está encerrada. São muitos os
populares que lhe são gratos, pois Lula, aproveitando a economia estabilizada
pelo governo anterior e o chorrilho de compras das mercadorias brasileiras
pelos chineses, promoveu um grande avanço da classe D para a classe C. É
verdade também que nunca os banqueiros, com os juros altos e os empreiteiros
ganharam tanto dinheiro. Caso se candidate à presidência da República, em 2014,
com banqueiros e empreiteiros abrindo os cofres para a sua campanha e com eleitores
receptivos às falcatruas, o Brasil corre o risco de vê-lo de novo com a faixa
presidencial.
Mas não é um “privilégio” do brasileiro
votar mal, os americanos também o fazem. Elegeram Jimmy Carter em 1976, a
inflação chegou aos dois dígitos; mas não foi só isso: os diplomatas americanos
foram sequestrados no Irã. Resultado, em 1980, ele não foi reeleito. O
americano votou mal, mas depois corrigiu o erro.
Concluímos que é até compreensível que o
eleitorado vote mal, o problema nosso é que não corrigimos o erro. O maior
investimento em educação seria um
avanço, mas qual o político que quer tirar a venda dos olhos das massas
populares?
Eles
me aplaudem porque me entendem, e o aplaudem porque ninguém o entende.
A
frase acima foi dita por Charles Chaplin a Einstein, quando os dois passavam e
foram ovacionados pelo público.
A mímica, a pantomima, a comicidade e
mesmo a poesia do Carlito eram entendidas por todos, e a Teoria da
Relatividade? O próprio Einstein confessou que depois de os matemáticos
tentarem, através de fórmulas, explicar a sua Teoria, ele não a entendeu mais.
Importa que ali estava um gênio
consagrado por outros cientistas, portanto a função dos ignorantes, como
nós, é aplaudi-lo. Quando um povo não
aplaude um gênio é preocupante.
(*) Erro
histórico por erro histórico: o Senador Stoddard (James Stewart) voltou a
Shinbone para o funeral de Tom Doniphon (John Wayne). Foi entrevistado e procurou
corrigir o erro histórico, pois, realmente, quem matara Liberty Valance (Lee
Marvin) tinha sido Tom Doniphon, só que este estava escondido, enquanto o
Senador estava na rua com um revólver na mão, na frente do bandido Valance e
tendo sido desafiado por este. O tiro do Senador e de Doniphon foi ao mesmo
tempo, de modo que todos pensaram que foi um tiro só, embora o Senador
estivesse de revólver e o Doniphon com uma Winchester. Sob uma ótica mais
rigorosa, Liberty Valance foi vítima de uma emboscada, ainda que, politicamente
correta. Esse Ringo do texto do seu O BISCOITO MOLHADO devia estar em outro
filme.
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