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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4101 Data: 28 de dezembro de 2012
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SABADOIDO GLICOSADO (*)
Na minha sacola, havia objetos tão
inusitados quanto a do personagem de Woody Allen, em busca de uma religião, no
filme Hannah e suas irmãs: três mangas encorpadas, uma fornada de
Biscoito Molhado para a Rosa, um texto de De Gaulle de 6 de março de 1959 sobre
os muçulmanos e um aparelho medidor de glicose. Com ela, fui para a derradeira
sessão do Sabadoido de 2012.
Fui recebido pelo Daniel que me anunciou
a sua ida, dentro de minutos, para Itaboraí.
-Lá tem piscina?... Porque Itaboraí é uma fornalha.
-Carlão, eu não iria para lá, sem as
condições normais de temperatura e pressão. Não precisa nem da pressão, mas da
temperatura, sim. - respondeu com o seu costumeiro jeito travesso.
-Está um calor de derreter catedrais,
com o dizia o dramaturgo. - manifestei-me, enquanto caminhava para a cozinha,
onde o Claudio acabava de ler o Globo.
-Claudio, eu perseguia um documentário
sobre o Jerry Lewis e, ontem, por uma sorte que caiu do céu, soube que estava
programado para o Cine Max, às 13h 45min. Telefonei do trabalho para o Lopo,
que gravou para mim.
-Que documentário é esse?
-O nome é Método e Loucura, na
tradução fidedigna, seria Método para a loucura, o título foi
inspirado na loucura simulada do Hamlet para dizer algumas verdades, o que
provoca a frase de Polônio: “É loucura, mas tem seu método.”
-Eu tenho minhas restrições ao Jerry
Lewis.
-Com este senso crítico, Claudio, você
terá restrições ao Charles Chaplin, pelo sentimentalismo exagerado; ao Buster
Keaton, pela expressão do rosto imutável...
-Há alguns filmes dele com o Dean Martin
que têm deficiências.
-Jerry Lewis explorou o seu talento ao
máximo quando a dupla foi desfeita e ele passou a dirigir, a escrever e até
atuar nos seus próprios filmes.
-Mas Dean Martin também tinha talento. -
frisou.
-Os dois reuniam multidões que nem os
astros do rock, naquele tempo, conseguiam. O problema entre os dois é que Dean
Martin não conseguia acompanhar o ritmo frenético de trabalho do Jerry Lewis.
Houve a separação em 1956 e a reconciliação, em 1976, feita pelo Frank Sinatra.
Ficaram os dois uns cinco minutos abraçados e a gente constata que o laço mais
forte que une as pessoas é a amizade.
-Esse documentário é recente?
-Sim, o Jerry Lewis aparece com mais de
80 anos, extremamente lúcido e com uma memória fotográfica. Algumas vezes, ele
está no palco, ouvindo as coisas mais insólitas ditas por integrantes da
plateia e improvisando sobre elas, sem nunca deixar de ser engraçado.
-O nosso primo Dudu imitava o Jerry Lewis.
- lembrou-se.
-Alguns dos depoentes imitam uma ou
outra característica dele. Falaram sobre ele o Steve Spielberg, o Quentin
Tarantino, o Eddie Murphy e outras personalidades de destaque de Hollywood.
-Do Jerry Lewis, eu gosto mais de O
Professor Aloprado. - disse o Claudio.
-Um dos depoentes chama a atenção para o
fato de ele extrair o humor de um clássico dramático de Robert Louis Stevenson.
-O filme em que Jerry Lewis
faz um papel sério, O Rei da Comédia, de Martin Scorsese, com o Robert de Niro,
eu vi em DVD a preço de banana no Carrefour.
-O Jerry Lewis se sentiu inconformado
com a crítica americana; foi a fita em que ele só teve o trabalho de ler o script
e interpretar a si mesmo, e os críticos se derramaram de elogios a ele. Nos
filmes em que ele se matou de tanto trabalhar, não recebeu esse reconhecimento,
a não ser da crítica francesa (**). No filme Cinderelo sem Sapato, de
1960, ele sobe em oito segundos uma escadaria enorme e tem uma parada cardíaca.
-Soube disso.
-Foi para a tenda de oxigênio e lá
recebeu a visita do pai que, metendo a cara para dentro da tenda, disse para
ele: “Viu o que você fez com sua mãe”. Jerry Lewis, então comenta com os
espectadores: “Coisa de judeu,”
-É um negócio parecido com a mamma
siciliana.
-Jerry Lewis criou o vídeo monitor que
facilita sobremaneira as filmagens, pois o diretor assiste ao que está sendo
rodado em um monitor. Ele teve a ideia, viajou para o Japão, mostrou-a ao Akio
Morita, inventor do walkman, que a transformou em realidade. Todos
os diretores passaram a utilizá-lo até hoje.
Sem pausas, prossegui:
-Ele deu aulas de cinema e teve
discípulos como o Steven Spilberg.
-Ele está bem com todos os 80 e poucos
anos?
-Até contou uma piada, depois daqueles
diálogos surrealistas, mas engraçadíssima, com a plateia.
E passei a reproduzir a piada com o meu
jeito tosco:
-Numa viagem de avião, um rabino e um
padre se encontram lado a lado. Surge a atendente de bordo e pergunta ao rabino
o que deseja, ele responde que queria um copo de uísque com pedras de gelo. Em
seguida, ela se volta para o padre, que diz preferir o adultério ao álcool. O
rabino escuta e intervém: “Eu não sabia que havia outra opção; suspenda o
uísque.”
Nesse instante, meu sobrinho reaparece
de tênis, bermuda e camiseta.
-Carlão, o computador está à sua
disposição. Lá vou eu para Itaboraí.
E saiu.
Olhei para o relógio e vi que ainda era
cedo, alonguei, por isso, a conversa com o meu irmão.
-A Gina foi ao supermercado?
-Volta daqui a pouco.
-Eu trouxe um aparelho medidor de
glicose, mas tenho bloqueio para entender o manual de instrução.
-Nunca vi a Gina usando um aparelho
desses. - mostrou-se cético.
-Se ela não souber, o Luca sabe, pois
ele monitora a diabete da Glorinha.
-Vou alimentar as rolinhas. - anunciou.
Diante do ecrã do computador, encontrei
apenas os e-mails que foram bloqueados no computador do meu trabalho; um
deles mostrava astros da dança da outrora Hollywood, como Rita Hayworth e Fred
Astaire, bailando com uma música mais atual, Staying alive, do Bee Gees.
As músicas que eles dançaram eram diferentes, os compassos e ritmos eram
outros, trocá-las para fundir duas épocas diferentes me pareceu o que os
populares chamam de forçação de barra. Ainda assim, valeu a pena rever a arte
dos dois artistas citados.
Em seguida, revi os palácios do Kremlin.
Era uma festa para os olhos tanta opulência, e para os ouvidos, pois a música
era o segundo movimento do concerto para violino e orquestra de Tchaikovsky, canzoneta,
andante.
Eis que surge na minha caixa eletrônica
uma mensagem eletrônica do Dieckmann. Quando a acessei, vi que, no anexo,
encontravam-se fotografias da Linha Maginot, que foi citada na edição 2287
deste periódico. Depois de examinar detidamente cada slide sobre a
frustrada defesa dos franceses contra o ataque das forças nazistas, desliguei o
computador e fui para a cozinha onde estava o meu medidor de glicose.
(*) O
Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO queimou as pestanas para encontrar um
título à altura do texto e da história de Jerry Lewis. A primeira opção foi O
Biscoito Aloprado, mas a ligação com os Aloprados do Lula seria uma péssima
alusão, para o Biscoito e para o Jerry Lewis. Como o Cinderelo sem Sapato foi
mencionado, a escolha ficou mais tranquila.
(**) A
crítica francesa tem lá as suas razões. Acha que um dos melhores momentos do
cinema americano é quando John Wayne pega Natalie Wood no colo, um segundo
depois de quase mandá-la para o beleléu dos comanches, e diz: Vamos para casa!
Esse “Vamos para casa!” é considerado um momento mágico pelos franceses.
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