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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4094 Data: 19 de dezembro de
2012
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SABADOIDO NO INÍCIO DAS FÉRIAS ESCOLARES
-Inverteu-se tudo. - rezingou o Luca.
E foi adiante sem pausas.
-O normal são os pais educarem os filhos
e os avós estragarem, aqui acontece completamente o contrário; eu e a Glória
educamos a Kiara e os pais passam a mão pela cabeça da menina. Glória fica em
cima dela para estudar, foi até chamada de Carminha, eu a levo, de manhã, para
andar de bicicleta e, de tarde, ela quer andar de novo; não tenho mais pique
para isso.
-E os pais? - quis saber o Claudio.
-A Nara aparece, abraça a filha, beija,
faz carinho e some; o Pedro, que está com uma mulata enorme, tipo Sargentelli,
faz uma e outra vontade da Kiara, e sai com o mulatão.
E arrematou com desalento:
-Tudo invertido.
Esse Sabadoido, que coincidiu com a entrada de
férias dos estudantes que não ficaram em recuperação, denominados de almas
penadas pelos mais sarcásticos, iniciou-se de uma maneira mais tranquila.
Eu e a Gina conversávamos sobre
mercadorias diet e light.
-Existem diferenças gritantes entre um e
outro; o que é diet não contém açúcar, mas o light tira o açúcar
e acrescenta o sódio para agradar o paladar.
-Sim , Gina; o brasileiro tem um gosto
extremado; ou muito doce, ou muito salgado. Um médico afirmou que o erro já vem
das mães quando preparam a mamadeira dos bebês, ela prova o leite (*) com uma
lambida nas costas das mãos e , se aprovar, enfia o leite no bebê, ou seja, o
filho herda o paladar viciado da mãe.
Daniel se fez presente e eu lhe disse
que faria uso do seu computador para pôr as minhas correspondências eletrônicas em dia.
-Vai ser difícil, Carlão.
Em seguida explicou o porquê:
-Deu um tilt no meu disco rígido
e ele foi para o conserto. Use o notebook da mãe.
Minutos depois, ele me instruía sobre o
uso do notebook, depois, como saíra, a instrutora passou a ser a Gina.
-Obrigado, creio que já estou habilitado
a acessar os vídeos do Dieckmann e da Branca. - disse minutos depois.
E, assim, assisti a mais um filmezinho
(pela duração, não vejam o diminutivo como pejorativo) dos dois (**). O
cineasta de Santa Teresa elaborou uma espécie de patchwork; mesclou fitas
antigas, que chegaram às telas, com cenas que filmou das exposições de carros
antigos. A sua voz, que o Faustão, no seu programa, declarou ser de locutor da
BBC, surgia ao fundo. E o que o Dieckmann dizia? - perguntarão os leitores que
ainda não viram o vídeo. Ele dizia qual a maneira correta de se dirigir um
veículo. Quando uma marcha a ré, por exemplo, era mal executada por um
motorista, seja um dos colecionadores de carro, ou um dos artistas de cinema,
Dieckmann logo mostrava a maneira correta de se executar a manobra.
Fiquei com a impressão que o nosso
cineasta da Rua Triunfo pretende tomar o lugar do Fernando Pedrosa como
assessor do deputado federal Hugo Leal, o da Lei Seca.
Mas retornemos para a sessão do
Sabadoido propriamente dita.
Lopo, meu irmão mais novo, mostrou
disposição de submeter o Luca a um teste mnemônico, mas este estava envolvido
com um tema. Quando parou para tomar fôlego, entrei em ação.
-Vamos ouvir o que o Lopo quer indagar
do Luca.
Surgida a oportunidade, meu irmão
aproveitou.
-Lembra-se, Luca, do sujeito que compôs
o “Samba do branco xexelento”?
-Lopo, não me recordo.
-Como não? Nós nos encontramos com ele
na subida da Rua Honório e ele falou da sua indignação com o Sérgio Porto, que
fazia sucesso com o “Samba do Crioulo Doido”.
-Lopo... - ainda puxava pela memória o
Luca.
-O sujeito, então, cantou o samba dele e
nós dissemos que era magistral e que ele deveria divulgá-lo.
E prosseguiu o Lopo.
-Ele foi, então, ao programa “Um
instante, Maestro”, cantou o “Samba do branco xexelento” e o Flávio Cavalcante arrasou
aquilo e quebrou o disco.
-Lopo, você é uma das memórias do
Cachambi. - reconheceu o Luca.
Claudio se levantou para pegar os copos
de bebidas, e as conversas paralelas brotaram.
-Luca, a minha sobrinha-neta, Ana Clara,
está com 11 anos e, segundo a pediatra, se espirrar, menstrua.
-As menarcas acontecem, atualmente, cada
vez mais cedo.
-Eu li que a idade ideal é 12 anos, mas
há crianças menstruando com 10 anos de idade, que isso provoca problemas no
organismo...
-Os hormônios são ativados antes da
hora. É um problema, Carlinhos.
-As crianças, através da mídia, são
erotizadas e se tornam adultas com uma infância mal resolvida.
A chegada do Claudio, distribuindo copos
para todos, menos para mim e o Vagner, convergiu a atenção de todos.
Vagner, que se desfez dos seus livros,
ofertando-os aos amigos, porque os sebões ofereceram mixaria por eles, começou
a fazer perguntas:
-Carlinhos, eu lhe dei o Ulisses?
-Não; eu li o Ulisses de Joyce, que me
foi emprestado pelo Luca, e, como não entendi quase nada, anos depois, comprei
o livro e reli, entendendo um pouco mais.
-Então, não foi a você que dei o livro.
-Nem a mim. - interveio o Claudio.
Retomei o discurso:
“Dos seus livros, eu li “Trotsky, o
Profeta Armado” de Isaac Deutscher. São três volumes; “Trotsky, o Profeta
Desarmado”, “Trotsky, o Profeta Banido” e o que já citei.
-Eu só tinha o primeiro volume.”
-Li, emprestado por você, a
autobiografia do Charles Chaplin, “Cartas ao Pai” de Franz Kafka...
Luca interferiu para se reportar ao
Ulisses.
-Esses livros em que o autor não indica
o que é falado, o que é pensado...
Peguei o tema voltado para o Vagner.
-Ulisses revolucionou a técnica do
romance. Há capítulo que é feito de perguntas e respostas como um questionário,
há o monólogo de Norma Bloom sem pontuação...
-O Tonico dizia que só para na vírgula
quem quer. - reportou-se o Lopo, zombeteiramente, ao português da Chaves
Pinheiro.
Narrei a história:
-Disputava-se o Torneio Sesquicentenário
da Independência do Brasil e o escrete português saía-se maravilhosamente com
Eusébio, Jaime Graça e outros, o que empolgou o Tonico. Um dia, com a turma
reunida, ele pegou o jornal e passou a ler, em voz alta, as últimas notícias da
seleção do seu país. Mas era uma leitura
atabalhoada em que ele atropelava umas palavras com outras palavras, então o
Cosme disse:
-Para nas vírgulas, Tonico.
-Só para na vírgula quem quer. -
respondeu ele com uma pronunciada gagueira.
(*) Talvez
por desconhecimento da matéria, ou por ter se esquecido dos sabores da pré-infância,
o redator do seu O BISCOITO MOLHADO desconhece que mamadeira nem sempre é de
leite, que, normalmente, não recebe sal. Mãe bota o leite nas costas da mão
para sentir a temperatura, seja o produto que for.
Mamadeira de
papinha de bebê é que leva tempero.
(**) O filme
em questão chama-se Data Alterada e pode ser acessado em https://vimeo.com/55456356 . Nele, o
prezado leitor poderá aprender a dominar o famoso ‘double-decker’, o ônibus
londrino de 2 andares.
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