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quinta-feira, 26 de abril de 2012

2137 - desconhecido é sua avó torta


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3937                                              Data: 23 de abril de 2012
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LUCA

Meu primeiro contato mais próximo com o Luca se deu em 1970, antes da Copa do Mundo. Ele me levava no carro, com meu pai no banco da frente, a um consultório médico, quando comentou, antes de passar para o outro lado do Méier:
-Seu Amaury, este viaduto se chamaria Agripino Grieco, mas ele disse que, enquanto fosse vivo, ninguém passaria por cima dele.
-Enfim, alguém que se interessa por livros. - pensei, no banco traseiro.
Eu acompanhara, anos atrás, o suplemento literário do Diário de Notícias que dedicou várias páginas à efeméride que foi a comemoração dos 80 anos do implacável crítico literário. Na entrevista que concedeu, na ocasião, diverti-me muito com as suas ironias e discordei da sua implicância com o grande Machado de Assis. (*)
Ouvi o Luca, naquela ida ao edifício Mesbla da Rua Dias da Cruz e sabia que Castro Alves, o nome do viaduto, era uma indicação do Agripino Grieco, poeta da sua admiração, mas não me manifestei, talvez por timidez.
Quando nos mudamos da Rua São Gabriel para a Rua Chaves Pinheiro, em 1965, o nome Luca já repercutia lá por casa, isso porque, por volta da meia-noite, fomos acordados por um verdadeiro tropel. Um sujeito o acertara com uma paulada, houve a perseguição, com várias pessoas envolvidas, até que a voz trovejante de um senhor se impôs, enquanto o agressor, encurralado, tremia.
-Em que lugar eu vim morar... - lamentou o meu pai.
De 1970 ao final dos anos 80, eu via o Luca praticamente todos os dias, se não era ele que eu via, era o seu fusquinha de placa SW 3200, estacionado na casa em que moraram pais e irmãos da sua mulher.
Residindo eu na Avenida Suburbana, até 1990, o convívio não se rompeu porque ele e o Vagner administravam uma loteria esportiva na vizinhança.
Depois que fui morar em  Del Castilho, a presença do Luca se espaçou por semanas, até por meses. Um domingo e outro ele cruzou comigo no seu inseparável fusquinha SW 3200, mas justamente no momento em que eu me exercitava com uma disciplina castrense, assim não trocávamos duas ou três frases.
Eis que, depois de um pôr de sol de domingo, sou surpreendido por um telefonema.
-Carlinhos, o Arthur da Távora conhece mesmo música clássica?
Ele assistira ao programa da TV Senado em que se apresentou a violinista Sara Shang, com os comentários do ex-senador citado.
-Luca, ele é um excelente educador, mas, em matéria de música clássica, é um apreciador como eu. Conhece apenas superficialmente melodia, harmonia, ritmo, contraponto, polifonia e outros componentes de uma estrutura musical erudita. Usando uma imagem de Balzac: somos como as mariposas que rodeiam a luz sem conseguir penetrá-la.
A conversa se estendeu até o virtuosismo da Sara Shang que, muito novinha, tocara no Rio de Janeiro, na ECO 92, apresentada pelo Placido Domingo e o Jerome Irons, até que eu me lembrei do que a minha mãe me informara poucos dias antes.
-Luca, minha mãe me falou que o seu aniversário de 60 anos será no clube Pingo de Mel e que a Glória (sua esposa) nos convidou. Nós iremos, pois estou no rodízio de fim de ano no trabalho.
Por causa das minhas palavras acima, houve quem dissesse que eu contribuí para o vazamento da festa-surpresa, mas isso não aconteceu. Aconteceram, na verdade, tantas surpresas, que a própria promotora da festa, a Glória, se surpreendeu em  muitos momentos.
A festividade reuniu quase todos os amigos do aniversariante, recentes e remotos, vizinhos e distantes, esquerdistas e direitistas.
No final da comemoração, cada convidado recebeu um “kit-Luca”, ou “Kit-Bigode” (como ele é conhecido pelos colegas do Unibanco), que era um texto redigido pelo seu cunhado Reinaldo, envolto numa pasta amarela. O título, tirado da revista Seleções, “Meu Personagem Inesquecível”, já era uma provocação ao passado de leitor do Pasquim e Voz Operária do Luca.
Na epígrafe, seu cunhado citou uma frase de Gabriel Garcia Marquez, sem, contudo, dar crédito ao autor:
“A vida não é o que se viveu e sim o que a gente recorda e como recorda para contá-la.”
Em seguida, uma inspirada gravura onde se via CINE BIGODE e o nome do filme em cartaz: “60 ANOS ESTA NOITE” e  abaixo: 21.12.2004.  O título saiu da cabeça da sua sobrinha Tereza Luz, que parodiou o cineasta Louis Malle, mas como o Gabriel Garcia Marquez, também não recebeu o crédito.
Reinaldo citou então os inúmeros apelidos que o Luca ganhou pelos diversos lugares em que transitou, inclusive o “Perê” – sem aludir ao sábio Padre Perereca do Brasil dos séculos XVIII e XIX – e se fixou nos seus ídolos:
-“Para ele, Chico Buarque é a perfeição. É o seu alter-ego. Mas é o tal negócio.
Diz que é fã da Emilinha/
Não sai do César de Alencar/
Grita o nome do Chico e do Caubi
Mas é com o Caetano que mais parece se identificar.”

Em seguida, a afirmação é justificada com as palavras que seguem:
-”É que ele, como o Caetano, adora polemizar, eles são do contraditório. E só pra confirmar a regra, ele vai questionar veementemente esse meu comentário sobre o Caetano e tudo que for dito por mim, como também os demais depoimentos dos amigos...”
Sobre o Luca mesatenista, Reinaldo escreveu:
“No ping-pong, sua melhor fase foi quando estudava no colégio interno e jogava com raquete de compensado e rede de ripa de madeira. Agora, depois que se “profissionalizou”, perdeu um pouco o encanto, o estilo de show-man que encantava as namoradas na Chaves Pinheiro.”
“Atualmente, seu ping-pong se sofisticou e virou “tênis de mesa”, sua raquete é “Butterfly”, só joga com campeão, dá 10 de vantagem numa partida de 12... É como diz aquela gíria popular “se melhorar, estraga”, passa do “ponto”, excede...”
Seguem mais algumas cenas do filme “60 ANOS ESTA NOITE” chamadas O EXIBIDO SEDUTOR:
“O cara inventou o vôlei de rua, cuja rede foi confeccionada num mutirão, com projeto do Itamauru da Dona Nalva. No futebol, era muito presepeiro e pelas pipas, cujo rei era o seu amigo Atilinho, nunca se interessou muito, pois pipa não tem plateia para se exibir, o que não motiva o ‘artista’ Luquinha”.
“Sedutor, dançava bem (só perdia pro seu irmão Geraldo), declamava versos inteiros de cor para encanto das meninas. Na minha primeira paixão platônica, eu ouvi compulsivamente o disco de vinil do poeta e político J.G. de Araújo Jorge com o qual presenteou a minha irmã e depois renegou (?).”
E segue o filme por mais algumas páginas até que o cunhado do Bigode o finaliza com as palavras que se seguem:
“Assim, fica aqui o meu “big ode” ao New Luca 6.0, meu personagem mais bacana da nossa velha comunidade tribalista cachambiana.”
Por que essas reminiscências no Biscoito Molhado? Bem, uma das razões é o fato de o Luca ser muito citado nas nossas páginas, mas só ser conhecido pessoalmente pelo Elio Fischberg (**). A outra razão é para anunciar que assistirei ao “70 ANOS ESTA NOITE”, na festa-surpresa de 21 de dezembro de 2014.
E desde já prometo à Glória que guardarei segredo.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO adere a Agripino. Talvez seja um privilégio dos irônicos.
(**) Tomara que o Luca não leia, ou não perceba esta frase. É o absurdo total. Até o Distribuidor do seu tra-lá-lá, trá-lá-lá – que é uma das poucas pessoas que ainda não conhece o Luca – sabe que todos os missivistas conhecem o Luca. É o que se poderia dizer: uma pessoa conhecida.

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