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segunda-feira, 9 de abril de 2012

2124 - barracos na Paris d'antanho

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3924 Data: 05 de abril de 2012

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PERDIDOS NO TEMPO

-De volta a Paris. - expressei a minha irritação quando abri os olhos depois de pitar o cachimbo de ópio logo após a morte do Barão do Rio Branco.

-Vejo as pessoas ao redor mal vestidas e intranquilas.

Depois dessa observação, Elio perguntou:

-Em que anos estamos?

Um cidadão parisiense, depois de xingar o Elio (*), porque se dirigiu a ele na língua inglesa, tirou-nos a dúvida.

-1848.

-Elio, você leu Flaubert?

-Flaubert é um dos meus autores prediletos, como Fernando Pessoa, Machado de Assis...

Interrompi o meu amigo:

-Elio, Flaubert escreveu no seu romance “Educação Sentimental”... Deixa-me ver se me recordo bem das suas palavras.

Depois de torturar a memória, citei esse trecho do grande escritor francês:

-”É engraçado que estas boas pessoas durmam em paz! Uma nova 1789 está se preparando! As pessoas estão cansadas de constituições, cartas, sutilezas e mentiras.”

-É verdade, Carlos; logo estourará a Revolução de 1848 na França que se espalhará por toda a Europa.

-Pelo mundo, Elio; pois se refletiu no Brasil na Revolução Praieira comandada por Pedro Ivo.

Às minhas palavras, um sorriso maroto surgiu no rosto do Fischberg.

-Carlos, eu matei aula, no Colégio Militar, para fazer uma visita às minhas amigas costureiras no dia da aula sobre a Revolução Praieira. Tive azar de cair essa matéria na prova e a minha nota foi mais baixa do que a temperatura da Sibéria. (**)

-Falando sério: temos de sair daqui antes que as barricadas sejam erguidas pela turba irada e a Guarda Nacional entre em ação.

-O nosso ópio para viajar no tempo acabou. - bradou o Elio, com preocupação, depois que arrancou as mãos do bolso.

-Vamos comprar mais. - propus.

Depois de muita busca nos locais apropriados, desistimos, porque o preço alcançou níveis astronômicos. Tudo, principalmente os gêneros alimentícios, estavam caríssimos. Procuramos um trabalho, mas o índice de desemprego, na França, passara de 35%.

-Como vamos conseguir alguns luíses para comprar ópio e sair daqui? - desesperou-se.

-Elio, há algum tempo que a moeda francesa é o franco em vez do luís, apesar de reinar o Luís Felipe.

-O rei da burguesia. - comentou com ironia.

-Aquele rapaz não tira os olhos de cima de você, Elio.

-Só me faltava essa!... reagiu com mau humor.

O rapaz se aproximou e fez uma mesura diante do Elio.

-Sou Maurice, pintor; e gostaria de retratá-lo como Nero.

Enquanto eu examinava detidamente o seu rosto, ele sacou um cartão do bolso e o entregou ao Elio Fischberg. (***)

-Aqui, você tem meu nome e o endereço do meu ateliê.

-Você é amigo de Chopin? - perguntei.

-Eu não gosto dele, minha mãe é, ou melhor, era muito amiga dele Só a minha irmã Solange continua carne e osso com Chopin.

E não perdeu a piada:

-Carne dela e osso dele.

Riu sinistramente e se afastou com outra mesura.

-Elio, ele é filho da George Sand, que será considerada a musa da Revolução de 1848, como a Maria da Conceição Tavares foi a musa do Plano Cruzado. Ela é amiga de quase todos os chefes revolucionários e se proclama socialista cristã e comunista.

-George Sand comunista? - espantou-se o Elio.

-Ele é comunista desde que não mexam na propriedade dela em Nohant e no apartamento que possui em Paris. - expliquei.

-Veja o filho dela: tomar-me como modelo de Nero... Você, Carlos, tem mais cara de piromaníaco do que eu.

-O que é isso, Elio?... Sou, no máximo, um torcedor do Botafogo.

-Falando em comunista, cadê o Karl Marx?

-Ele escreveu meses atrás, com o Engels, o Manifesto Comunista, e, pelo que estudei de História do Pensamento Econômico, ele, lá de Londres, não se entusiasmará muito com a Revolução de 1848, porque não é autenticamente operária.

-Apesar do l'argent quase nenhum, não estou propenso a servir de Nero para um pintor medíocre. - disse, perscrutando cada palavra daquele cartão que lhe fora entregue.

-Elio, Chopin e George Sand romperam um relacionamento de mais de dez anos depois de uma baixaria digna de moradores da Rocinha.

-Carlos, eu assisti ao filme “À Noite Sonhamos” e não vi nada disso. O amor dos dois emocionou a plateia, algumas mocinhas até choraram quando as imposições do destino separaram Chopin de George Sand.

-Elio, eu li sobre essa baixaria numa das duas colunas em quadrinhos que havia no Globo, na década de 60 – a outra era “Os Criminosos Selam seus Destinos”. E leio agora sobre isso, numa biografia de Chopin de Tad Szulc, que a Rosa Grieco me presenteou.

-E como foi esse barraco?- mostrou-se curioso.

-Solange, filha de George Sand e queridinha do Chopin, disse que o irmão Maurice, esse pintor medíocre, tinha um caso com a prima, o que provocou um rompimento, pois a dona era casada. Irritadíssima, George Sand investiu sobre a filha e o marido de Solange, o escultor Clésinger, a defendeu. A briga se generalizou. Maurice avançou sobre o cunhado, que era escultor e este ergueu o martelo para acertá-lo. George Sand interveio e deu um tapa estalado na cara do genro, Clésinger reagiu, socando o peito da sogra. Maurice correu, então, para apanhar uma pistola e matar o cunhando. Nesse momento, um padre, que se encontrava na mansão de George Sand, em Nohant, o conteve, evitando uma tragédia.

-E qual foi a participação do Chopin, um homem refinado, nisso? - antecipou-se o Elio.

-Salivando de ódio, George Sand expulsou Clésinger de casa, proibindo-o de retornar. Solange ficou do lado do marido e vendo que todas as portas se fechavam para o casal pediu emprestada a carruagem que Chopin mantinha lá, em Nohant, com o objetivo de partir para Paris. O fato de Chopin acatar o pedido de empréstimo foi o estopim da separação de George Sand com ele.

-Não vou posar para esse sujeito. - irritou-se o Elio.

-Pouco depois, estouravam as revoltas, Paris estava tomada por barricadas, deu-se a fuzilaria e várias pessoas morreram. A Guarda Nacional foi atacada pela multidão furiosa, o rei Luís Felipe demitiu Guizot, o seu braço direito, para conter o mar de sangue, debalde.

-Elio, logo o próprio rei Luís Felipe abdicará para, depois, fugir em direção a Londres.

-Vamos sair do meio desses tiros.

-Visitemos, então, Chopin, que mora aqui perto. - foi minha proposta.

Quando chegávamos, um cidadão, que saía da casa, se dirigiu a nós.

-Se vão visitar o grande compositor, não os aconselho, pois necessita de muito descanso por causa da doença.

-Mas você o visitou. - argumentou o Elio.

-Sou Delacroix, seu amigo de longa data.

-Você pintou “La Liberté Guidand Le Peuple” (A Liberdade Guia o Povo), inspirado na revolução.

-Revolução, não; pintei as revoltas de 1831 que colocaram o rei Luís Felipe no poder, que ora se vai. Convido-os a verem a minha obra.

-É claro. - respondemos em uníssono.

E seguimos o grande pintor.

(*) Não pode ser verdade. Tanto o Francês quanto o Inglês são malbaratados igualmente pelo Elio. O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO não pode crer que um ex-aluno do CMRJ fosse à França e abrisse a boca em Inglês.

(**) As notas das provas do Colégio Militar são apresentadas em números reais positivos. A temperatura na Sibéria varia entre -55ºC e +37ºC, o que acarretaria o jubilamento do ex-aluno Elio.

Uma recente pesquisa informa que:

Alterações climáticas

Temperatura na Sibéria subiu três graus desde 1960

15.07.2005 - 12:06

Este fato ainda reduziria as chances de o Elio completar o curso, pois suas notas ficariam entre 0 e 34. Nada disso ocorreu, portanto as notas do atribulado perseguidor de costureiras foram certamente sobre-siberianas.

(***) O Distribuidor desconfiou da informação e se deu mal: o cartão de visita era usado na França desde Luiz XIV, embora fosse um luxo caro. Veja a seguir: As primeiras formas de cartão de visita tiveram sua origem no jogo de cartas, no século XVII. Os jogadores escreviam suas assinaturas, notas promissórias e outras mensagens nas cartas para garantir que suas dívidas de jogo seriam pagas. Com o passar do tempo, esses cartões foram desenvolvidos para saudação e outros fins.

Esses cartões de visita apareceram primeiro na França, durante o reinado de Louis XIV (1643-1715). Eram usados para apresentar seus donos com toda a glória. Cartão de visita era sinônimo de status.

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