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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3935 Data:
21 de abril de 2012
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SABADOIDO DO GRAMADO AO PALCO
PARTE II
-É impressionante o número de obras que
o Oscar Niemeyer tem espalhadas pelo mundo. - admirou-se o Cláudio.
-Niemeyer encolhe com a idade. -
enveredou a Gina pelo humor negro.
Meu irmão permaneceu sério nas suas
observações sobre o arquiteto.
-Pode-se citar construções do Niemeyer
em grandes cidades.
-Ele fez o sambódromo com aquele “M” do
Mc Donald’s. - pilheriou minha cunhada.
-Esculhambaram o Brizola, por causa da ideia do sambódromo,
mas todo o mundo imitou.
-Apenas São Paulo imitou. - devolveu a
Gina.
-A Rosinha Garotinho mandou construir um
sambódromo em Campos. - manifestei-me.
-Não falem mal da Garotinha porque ela é
tricolor. - brincou meu irmão.
-O que não dá para engolir é o comunismo do
Oscar Niemeyer, ele até afirmava que o Gorbachev era agente da CIA porque mudou
as coisas na União Soviética. - comentei.
-Ele pertence ao esquerdismo festivo; há
muito artista por aí que só gosta do bom e do melhor e que se diz socialista.
O Cláudio foi aparteado pelo Luca.
-Esses artistas não exploram ninguém,
diferentemente de muitos empresários...
-Muitos empresários estão gerando
empregos.
-Sim, concordou comigo.
-Eu sei que não moraria numa casa
construída pelo Oscar Niemeyer. - insistiu minha cunhada na sua aversão pela
sua arquitetura.
-Você, Gina, talvez pense igual ao Otto
Lara Resende, que dizia preferir morar defronte a uma obra do seu conterrâneo
para admirá-la, não mais do que isso. - lembrei.
-Nem assim. - mostrou-se ela ainda mais
cáustica.
-Eu não gosto da arte arquitetônica de
Gaudi, em Barcelona; parece que vejo um cenário de filme de enredo
estrambótico. - entrei também no clima de critica.
-Gaudi, aquele que constrói prédios
derretidos?...
-Quem viu o premiado filme do Arnaldo
Jabor “Eu sei que vou te amar”, com a Fernanda Torres e o Thales Pan Chacon, se
recorda, certamente, da casa dos dois, com rampas e outras modernices, pois foi
criada pelo Niemeyer.
-Por isso, a relação do casal não deu certo.
- não perdeu a piada a Gina.
Luca tirou um recorte de jornal de um envelope,
era um artigo do Ruy Castro.
-Alguém sabe quem foi campeão carioca em
1913?- sabatinou.
-O hino do América diz: “campeão de 13,
16 e 22.”
-Carlinhos não deixou quicar. - elogiou.
-Escreveu o Ruy Castro... - prosseguiu.
-Ele já voltou?... quis saber, pois
sofrera de fortes espasmos, que causaram fratura de um dos seus ombros, enquanto assistia ao desfile
de escolas de samba pela televisão.
Luca confirmou e foi em frente.
-Ele escreveu que, num jogo do América
em 1913, o jogador Belford Duarte colocou a mão na bola dentro da área e, para
o desespero dos americanos Lamartine Babo, Oscarito e Sílvio Caldas, denunciou
a sua falta e fez questão que o pênalti fosse cobrado.
Villa Lobos, Paulo Fortes e Max Nunes. -
mais três ilustres torcedores.
-Por isso, existe o troféu Belford
Duarte para os jogadores que nunca foram expulsos dos gramados. - esclareceu
meu irmão.
-Existiu o prêmio, pois não se fala mais
nele.
-Lembra-se, Carlinhos, do Moisés que
afirmava que zagueiro que se preza não ganha o Belford Duarte.
-Ele disse isso depois que entrou com um
pedido para receber o troféu e chamou a atenção, assim, para a impunidade que
existia, pois ele foi um dos beques mais carniceiros que já jogou. Passou,
então, a ser expulso de algumas partidas.
Enquanto transcorria essa conversa
paralela entre mim e o Cláudio, Luca reproduzia trechos da mencionada carta.
-Alguém viu a entrevista da Bárbara
Heliodora no Sem Censura da Leda Nagle?
-Dos que davam quorum para a sessão do
Sabadoido, só eu não vi.
-Ela não só é filha do Marcos Carneiro
de Mendonça como tinha parentesco com Eugênio Gudin.
-Além, Luca, de ela ser filha da Ana
Amélia Carneiro de Mendonça, tradutora
do primeiro Hamlet que li.
-A Bárbara Heliodora é a maior
shakespeariana do Brasil.
-Ela deve estar com 85 anos. - calculei.
-89 anos. - frisou o Luca.
-A Bárbara Heliodora com aquele cabelo
penteado para trás, aquele buço que já se transformou em bigode, era um homem autêntico.
- mostrou-se a Gina ainda mais demolidora na sua irreverência.
-Com a idade, aumenta o hormônio
masculino nas mulheres.
-Não é assim, não. - desgostou da minha
observação.
-A Bárbara Heliodora, com 89 anos de
idade, e a Leda Nagle pergunta se ela joga tênis?- indignou-se o Luca.
-A Leda Nagle, uma vez ou outra, vem com
cada pergunta... - disse a Gina.
-E ela tem momentos em que age com grosseria.
- acrescentou o Cláudio.
-Em determinado momento da entrevista,
ela se refere à cozinha com a Bárbara Heliodora, que nada entendeu. Ficou,
então, uma cozinha solta no ar, durante um tempo. Descobriu-se depois que a mãe
do Wilson Simonal trabalhou na cozinha da casa da Bárbara Heliodora. - falou o
Luca.
Cláudio se reportou a crônica em que Cora Ronai
narrou o pavor que o Millor Fernandes tinha de baratas e ratos, o que levou o
Luca a se opor peremptoriamente contra um texto que se deteve em assuntos
menores. Pouco depois, ele se referia a tabela de preços elaborada pelo
octogenário escritor Victor Hugo, para apreciar as partes íntimas das criadas e
prostitutas. Nada, porém, que o igualasse ao tarado do FMI, Dominique Strauss
Khan.
Gina já havia se retirado para dentro de
casa.
Luca, que havia esquecido no sábado passado de
trazer uma fotografia do meu tempo de curso primário, trouxe duas. Lá estava
eu, pequerrucho e baixinho, nas turmas do terceiro e quarto anos.
Eu era quase tão mulatinho quanto o
Fernando Henrique Cardoso. - pensei sem me manifestar. Numa foto, estava a Dona
Arlete, na outra, a Dona Eunice. A professora do curso de admissão, já
mencionada num sabadoido, foi a Dona Dulce, e a do primeiro ano, a Dona Teresa.
Ficou um elo perdido para mim, em termo de professoras, aquela que foi do meu
segundo ano.
Os retratos foram temas de reminiscências
pós-sabadoido.
Sem buracos na memória, minha irmã e também
colega de turma, se reconheceu nos instantâneos (o que não aconteceu comigo),
quando os mostrei, e ainda indicou mais colegas.
-Esta é a Lúcia Goulart?
-Uma de quem o Luca tanto fala, que
morou na Rua Chaves Pinheiro? - perguntei.
-Sim; este é o Albino, que morreu
afogado na Barra da Tijuca.
-O papai leu a notícia no jornal, e os
comentários dele foram os mais trágicos possíveis.
-Isso mesmo, Carlinhos; depois desse
afogamento, só nos permitiram tomar banho de baldinho nas nossas idas às
praias.
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