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segunda-feira, 2 de abril de 2012

2121 - morte a bordo

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3921 Data: 30 de março de 2012

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75ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

Abaixei o papel amarelo e vi Maria Graham materializando-se à minha frente.

-De volta ao Brasil. - disse ela.

Depois de uma pausa, expressou a sua curiosidade.

-O que fazia?

--Embora ninguém escreva cartas, hoje, eu lia uma.

-No passado, escrevia-se muitas cartas, até romances epistolares havia, como Werther.

-Sim, a George Sand escreveu uma carta de setenta páginas. É verdade que ela foi movida pelo tumultuado rompimento com Chopin.

-Eu já havia morrido quando isso aconteceu. - disse-me ela.

-Maria Graham, eu lia nesta carta, por coincidência, um trecho que tratava do tempo em que você cuidou, na Quinta da Boa Vista, da Maria da Glória, filha de D. Pedro I, que reinou em Portugal.

-Bons tempos! - refletiu uma luminosidade peculiar nos olhos com essa recordação.

-Você, além de escritora, foi tradutora, ilustradora, desenhista, também se dedicou à ciência.

-E a literatura para crianças. - acrescentou.

-Você era inglesa?

-Sim; nasci em 1785 e morri com 57 anos de idade, em 1842.

-Seu pai foi oficial da Marinha Britânica e foi ligado ao Almirante Nelson. - li na carta.

-Seus ascendentes eram escoceses, um chamava-se George Dundas. Depois de patrulhar as águas caribenhas até 1806 e outros mares, até 1808, foi designado para comandar os serviços de um estaleiro naval da Companhia Britânica das Índias Orientais em Bombaim, na Índia. Levou-me junto com ele.

Quantos anos você tinha?

-23 anos. Na viagem, conheci um jovem oficial naval escocês, Thomas Graham, filho do Lord de Fintry e nos casamos na Índia, em 1809.

-A sua estada na Índia durou muito tempo?

-Retornei à Inglaterra com meu marido, em 1811, e publiquei meu primeiro livro, “Diário de uma Residência na Índia” e, em seguida, “Cartas sobre a Índia”.

-As esposas de oficiais de Marinha não veem muito os maridos.

-Enquanto Robert navegava, eu traduzia e tinha trabalho como editora de livros.

-Não ficou muito tempo na Inglaterra?

-Em 1819, eu já residia na Itália; inspiração para escrever mais uma obra: “Três Meses Passados nas Montanhas do Leste de Roma”.

-Lá, você fruiu o seu grande amor pela pintura.

Sim, e escrevi, no ano seguinte, 1820, o livro sobre o pintor francês barroco Nicholas Poussin, “Memórias da Vida de Nocholas Poussin”.

-Depois, a América do Sul. - apressei-me, pretendendo chegar logo ao Brasil.

-Primeiramente, o Chile, onde houve dois terríveis terremotos: um, eu senti, o outro, eu observei de perto.

-Seu marido, Thomas Graham, recebeu uma missão no Chile?

-Meu marido teve a incumbência de proteger os interesses mercantis britânicos, para isso, comandou o HMS Doris, fragata de 36 canhões. Meu marido ficou doente e, com uma forte febre, quando o navio contornava o Cabo Horn, morreu. Aportamos em Valparaíso.

-Imagino o seu desespero, e da tripulação, sem saber como administrar essa situação.

-Um capitão norte-americano se ofereceu para me levar à Inglaterra; recusei. Os tripulantes sugeriram que eu me juntasse aos ingleses das colônias que fundaram por lá.

-E a sua decisão?

-Deixei a minha decisão registrada até em carta. Lembro-me do que redigi.

E pôs-se a falar como um estudante que repete um texto decorado.

-”Não falo sobre os ingleses daqui, porque não os conheço, exceto alguns poucos civis muito vulgares , tirando um ou dois.”

-Era um momento muito difícil para você.

-Eu queria sofrer a minha dor sozinha, por isso aluguei uma cabana. Fiquei assim durante um ano. Em 1822, testemunhei um dos piores terremotos que ocorreram no Chile e, pode-se dizer, no planeta Terra. Além de testemunhar tal fato, eu descrevi os seus efeitos esmiuçadamente.

-O que ninguém fizera antes.

-Isso aconteceu em 1822. - repetiu.

-Ano da independência política do Brasil.- declarei.

-Voltando para a Inglaterra, fiz uma parada no Brasil, em 1823. Fui, então, apresentada ao Imperador Dom Pedro I.

-Diante de uma pessoa do seu talento, ele se portou dignamente, espero. - intervim com alguma desconfiança, pois Maria Graham era uma bonita viúva.

-Dom Pedro I era casado com uma grande mulher, a Imperatriz Maria Leopoldina. Mas ele se portou bem comigo.

-Não foi uma simples apresentação. - falei com a entonação de pergunta.

-Ficou ajustado, nesse encontro, que eu seria preceptora da princesa Dona Maria da Glória; assim, tive de me apressar. Mal cheguei a Londres, entreguei para publicação os manuscritos de meus dois novos livros, “Diário de uma Residência no Chile” e “Diário de uma Viagem ao Brasil, e Residência Lá, Durante Parte dos Anos 1821, 1822 e 1823. Ilustrei os livros e retornei ao Brasil.

-Ficou no Brasil até que ano?

-Até 1826.

-Eu imaginava que Dona Leopoldina tinha só José Bonifácio como interlocutor à sua altura, no Brasil, mas vejo agora que você foi uma excelente companhia para ela.

-A Arquiduquesa Maria Leopoldina da Áustria era apaixonada pelas ciências naturais, como eu. Nós duas compartilhávamos, de uma maneira geral, os mesmos interesses, consequentemente, tornamo-nos amigas íntimas.

-A futura rainha de Portugal, Dona Maria da Glória, não podia ter preceptora melhor. - enfatizei.

-Eu sempre me esforcei para fazer o meu melhor.

-Dom Pedro I soube, inegavelmente, escolher os mestres para os seus filhos. O menino Dom Pedro – futuro Dom Pedro II – foi encaminhado por José Bonifácio de Andrada e Silva.

-Goethe, quando chegou a Itália, examinou as pedras, rochas, e escreveu sobre elas, além dos aspectos da vida italiana. A Princesa Leopoldina, quando cá chegou da Áustria, para casar com Dom Pedro, mostrou a mesma curiosidade pela geologia, entre outras ciências. - não deixei por momentos a Maria Graham falar.

-Nós compartilhávamos da mesma curiosidade pelo estudo, daí a nossa grande amizade.

-Talvez, você tenha cuidado mais dela do que da filha. - exagerei.

-Mesmo sendo ela uma Habsburgo, não se sentiu tão só assim no Brasil.

-Um país selvagem. - interrompi a sua fala.

-Um tesouro para as mentes estudiosas com a dela. - frisou.

-Ela foi fundamental para a independência do Brasil de Portugal, ela e José Bonifácio.

-Duas grandes inteligências. - afirmou Maria Graham.

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